2 de ago. de 2006

Profissão de Fé


O Prof. Alexandre M. Seixas é formado em Direito pela PUC de Campinas, tendo realizado o curso de Ciências Sociais e Mestrado em Ciência Política na Unicamp.Realizou ainda os cursos de Direito Constitucional, Direito Internacional e Teoria do Estado. No exterior, estudou História Política na Davie´s College, em Londres, e inglês, na Surrey Heath Adult Education Center, em Camberley, Inglaterra.É professor universitário com vinculação em Teoria Geral do Estado e Ciência Política.

Site: http://www.rplib.com.br

O ato de professar pode ser entendido como reconhecer ou confessar publicamente uma doutrina ou opinião. Significa ter a convicção de idéias. Professar é fazer propaganda, ser devoto ou adepto de uma corrente doutrinária, religiosa ou mesmo política. Entretanto, no Brasil, eis uma árdua tarefa que exige muita dedicação e esperança.

Em um país, cuja sociedade, em sua maioria se encontra, inconscientemente, anestesiada por uma revolução sem sangue, uma das mais difíceis missões é assentar seu próprio posicionamento ideológico, diverso das “duas” correntes conhecidas. No Brasil, ou se é de esquerda ou de direita! Esquecendo este absurdo teleológico, continuemos nosso raciocínio.

Ser de esquerda é quase um ato de suprema bondade do ser humano, beirando a divindade. Atualmente, é suficiente inserir a palavra “social” para que você se torne respeitável. Ser de esquerda é ter uma postura de pensamento na qual o Estado deve se centrar na preocupação com o indivíduo e, por conseqüência, com a coletividade. Adotar o discurso da esquerda é estar sendo movido pelos mais nobres sentimentos de igualdade entre os Homens. Os esquerdistas (ao menos, os inocentes-úteis), crêem que o papel do Estado seja o de prover as necessidades básicas de seu semelhante. Para os que professam o esquerdismo, o Estado não apenas deve existir, como se agigantar (e por conseqüência lógica, se burocratizar), a fim de atender aos apelos dos mais necessitados. Enfim, ser de esquerda pode ser interpretado como o indivíduo que clama por “justiça social”.

Por outro lado, se você caro leitor, não se encaixa na descrição acima, então, lamento informar, mas você é de direita. E o que é ser de direita? No Brasil, basicamente, ser conservador. Defender a classe média, a burguesia, em detrimento das classes mais necessitadas. Ser de direita, no Brasil pode ser entendido como a quase intransigente defesa do capital e do empresariado, em prejuízo a classe operária. Ser de direita significa, no Brasil, ser fazendeiro, latifundiário, dono de grandes porções de terras e explorador de mão de obra. Enfim, ser de direita significa, no Brasil, ser nazista ou fascista.

Quanta bobagem.

Os termos esquerda e direita surgiram na França, em 1791, quando, após a promulgação da Constituição daquele país, a Assembléia Legislativa e os grupos políticos então existentes ficaram assim posicionados: do lado direito da Assembléia, sentavam-se os girondinos, políticos moderados que defendiam o respeito à Constituição; do lado esquerdo, ficavam os deputados mais radicais, que lutavam pela implantação da República e queriam limitar o poder real, caso dos jacobinos (liderados por Maximilien Robespierre) e dos cordeliers (liderados por Georges Danton e Jean-Paul Marat). Entre eles, há que se citar os centristas políticos de pouca expressividade, ainda sem posição definida.

Portanto, a história, por si mesma, já nos possibilita afastar as interpretações sobre esquerda e direita, existentes em nosso país, ao demonstrar que ambas as correntes ideológicas convivem dentro de um mesmo Estado.

A realidade que une (isso mesmo, une), a esquerda e a direita é a fervorosa crença no Estado. O fato inafastável é que à direita, assim como a esquerda vêem no Estado, o real caminho para se superar as naturais diferenças entre os Homens e as classes sociais. Assim, por conseqüência natural, os Estados pseudo-administrados pela direita ou pela esquerda, se tornaram, ao longo da história, totalitários, ou seja, ditaduras. Assim é que, Hitler e Stálin, Mussolini e Fidel tornaram seus Estados, em super-Estados, hiper-atrofiando o Executivo; desvalorizando o Legislativo; instituindo uma polícia política (qual a diferença entre a SS nazista e a KGB russa?); criando o culto à imagem de um líder e; institucionalizando o terror. Miséria e morte foram os resultados obtidos por nazi-fascistas e comunistas.

Portanto, ser de direita ou de esquerda é assumir uma mesma postura ideológica, na qual há a prevalência do Estado sobre o Homem.

Assim, reeditando o começo deste artigo, reafirmo que “em um país, cuja sociedade, em sua maioria se encontra, inconscientemente, anestesiada por uma revolução sem sangue, uma das mais difíceis missões é assentar seu próprio posicionamento ideológico, diverso das “duas” correntes conhecidas”.

Surge então, presumivelmente, a pergunta: qual o posicionamento ideológico deste articulista? A qual respondo prazerosamente: sou um liberal. Não sou de direita. Não sou de esquerda. E o que é ser liberal?

Ser liberal é, sobretudo, acreditar no Homem; é saber que, no âmago de cada um, reside uma usina de força, uma energia divina à espera de ser despertada. É apostar no indivíduo; crer na sua capacidade de, por si só, reformar o mundo, melhorando-o, não só para si, mas, também, para seus semelhantes e seus descendentes. Logo, o que interessa, de verdade, é a certeza da liberdade individual, na qual há uma inexorável sobreposição da vontade do indivíduo sobre a do coletivo. Os liberais acreditam que os direitos são concedidos por Deus e não pelo Estado e, muito menos, pela sociedade.

Ser liberal é saber que somente pela livre opção dos consumidores, como pela livre concorrência entre os produtores, é que se dá o verdadeiro progresso, obtido com produtos e serviços cada vez melhores, oferecidos a preços cada vez menores. O liberal defende o irrestrito direito à propriedade e a todos os seus bens, obtidos de forma legal. O verdadeiro liberal é aquele que acredita na igualdade entre os Homens, mas, não na igualdade como nivelamento de renda, hábitos ou costumes e sim, na igualdade de oportunidades.

Desta forma, se constitui o ideário liberal em um conjunto de valores e atitudes organizadas em torno da convicção de que quanto maiores forem as cotas de liberdade individual, maiores serão os índices de prosperidade e felicidade coletivas. Como conseqüência lógica da valorização da liberdade, os liberais pregam a responsabilidade individual irrestrita, já que não pode haver liberdade sem responsabilidade. Os indivíduos devem ser responsáveis pelos seus atos, vale dizer, devem ter em conta as conseqüências das suas decisões e os direitos dos demais.

Eis uma das mais árduas tarefas de um liberal: conseguir um espaço acadêmico e/ou jornalístico, para conseguir difundir suas idéias. É preciso ter muita persistência. Muita fé.

Na essência, as tarefas fundamentais do Estado devem ser a manutenção da ordem e a garantia do cumprimento das leis, bem como o suporte aos mais necessitados para que estejam em condições reais de competir. Daí que a educação e a saúde coletivas, especialmente para os membros mais jovens da comunidade - uma forma de incrementar o capital humano - devem ser também preocupações básicas do Estado liberal. Em outras palavras, a igualdade que buscam os liberais não é a de que todos obtenham os mesmos resultados, mas que todos tenham as mesmas possibilidades de lutar para obter melhores resultados.

Nesse sentido, uma boa educação e uma boa saúde devem ser os pontos de partida para que se possa ascender a uma vida melhor. Os liberais pensam que, na prática, os governos, real e desgraçadamente, ao invés de representar os interesses de toda a sociedade, tendem a privilegiar os grupos que os levaram ao poder ou determinadas entidades de classe mais bem organizadas. Os liberais, de certa forma, suspeitam das intenções dos políticos e não têm quaisquer ilusões com relação à eficiência dos governos. Daí estarem permanentemente questionando as funções dos servidores públicos, além de não poderem evitar ver com certo ceticismo essas tarefas re-distribuidoras da renda, redentoras de injustiças ou propulsoras da economia a que alguns se arvoram.

O liberalismo, por conseguinte, coloca a busca da liberdade individual no topo dos seus objetivos e valores, enquanto rechaça as supostas vantagens do estado empresário, além de sustentar que a volúpia fiscal, destinada à re-distribuição da riqueza, geralmente empobrece o conjunto da sociedade, na medida em que entorpece a formação de capital.

Ser liberal é acreditar no Homem e não no Estado. Este existe apenas para proporcionar os meios necessários àquele de buscar condições de competição.

Ser liberal no Brasil é, sem dúvida nenhuma, uma verdadeira profissão de fé. E eu sou liberal, graças a Deus.

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