1 de ago. de 2005

VIOLINO CHILENO

por Rodrigo Constantino - publicado no Diego Casagrande

O Chile possui todas as vantagens de países como os Estados Unidos e o Canadá: um sistema tributário justo e lógico, juros baixos e pouca burocracia.” (Jorge Gerdau)

Em uma região onde a volatilidade política é a norma e os problemas sociais são temerários, um país se destaca como um mar de calmaria. O Chile vem mostrando sólido e sustentável crescimento econômico, além de expressivos ganhos sociais. Fora isso, mesmo em ano de eleição presidencial, o fator político não desperta nada perto dos temores comuns dos demais países da América Latina. Cada vez mais, não importando o ângulo analisado, o Chile parece um caso totalmente a parte na vizinhança.

O sucesso chileno vem de longa data, desde as reformas econômicas liberais perpetradas, paradoxalmente, pelo ditador Pinochet, que deixou as decisões econômicas nas mãos dos excelentes acadêmicos de Chicago. Após o populismo de Allende afundar o Chile no mesmo mar de lama que assolava os seus vizinhos, as medidas de abertura econômica, privatização e redução das intervenções estatais permitiram um futuro bastante diferente para a nação. Tal como na Inglaterra pós-Thatcher, a questão econômica no Chile não é mais alvo de debates insanos com pressões heterodoxas irresponsáveis. A responsabilidade nos gastos públicos, o direito à propriedade privada, a abertura econômica e o livre comércio viraram consenso, e mesmo os políticos de esquerda não ousam mexer nas “vacas sagradas” que sustentam o crescimento econômico.

Partindo para os números, o Chile cresceu, em termos reais, 2,2% em 2002, mesmo com a região em recessão, e 3,7% em 2003, contra 2,1% de média da região. O crescimento do PIB saltou para 6,1% em 2004, frente a 5,7% de média dos vizinhos. O Morgan Stanley espera um crescimento de 5,9% em 2005 e 5% em 2006, contra menos de 4% da região. Além disso, a inflação chilena tem se mantido em patamar bastante baixo, próxima de 2% ao ano, comparado a quase 7% de média dos vizinhos. Isso, aliado à confiança dos investidores nas regras do jogo, permite que os juros fiquem abaixo de 3% ao ano, muito inferiores aos quase 20% do Brasil, ou 16% da Venezuela. Enquanto a região apresenta déficit nominal público, o Chile tem superávit próximo de 2% do PIB, mesmo com uma carga tributária abaixo dos 20% do PIB, cerca de metade da brasileira.

Com tais pilares sólidos, o crédito tem impulsionado a economia chilena. O crédito doméstico do setor privado está próximo de 70% do PIB, de longe o maior da região, e quase 7 vezes o mexicano, por exemplo. Os anos dourados chilenos, que perduraram até 1997, podem estar de volta. O desemprego vem caindo sistematicamente, já perto de 8%. O cenário internacional vem ajudando, com o elevado preço do cobre, um dos principais produtos da pauta de exportação do país. Mas isso por si só jamais seria suficiente para garantir um crescimento sustentável, como fica claro ao analisarmos o caso venezuelano, cujo petróleo, acima de 60 dólares por barril, tem feito jorrar dinheiro nos cofres públicos de Chavez, sem impedir entretanto que o caos social e a miséria tomem conta da nação. O cenário econômico mundial dificilmente poderia ser mais vantajoso para os países emergentes, já que a China ainda resiste com altas taxas de crescimento, pressionando os preços das commodities, a locomotiva mundial americana mantém forte crescimento e os juros estão em níveis ridículos para o padrão histórico. Bastava não desperdiçar a rara oportunidade para viver momentos maravilhosos. Infelizmente, as nações da América Latina adoram perder chances únicas de fazer a coisa certa. O Chile tem sido uma feliz exceção...

Muitos candidatos apelam para discursos populistas visando ao ganho de votos pela emoção. A esquerda é conhecida pela venda de sonhos e utopias, pelo nobre discurso romântico, desprovido de lógica e inexeqüível na prática. Mas no Chile, até mesmo a esquerda tem mantido o bom senso econômico conquistado ao longo de décadas de aprendizado pelo sofrimento. Podem louvar Allende e execrar Pinochet nos discursos, mas sabem que nunca mais pretendem retornar aos desastres econômicos do primeiro, respeitando o que foi feito no campo econômico pelo segundo. Chama-se aceitar a realidade dos fatos, algo ainda não aprendido no Brasil. Como os tocadores de violino, os políticos chilenos pegam o governo com a mão esquerda, mas tocam-na com a mão direita. Eis porque o Chile anda longe das crises políticas e econômicas que conturbam o cenário do “continente perdido” latino-americano.