14 de abr. de 2007

Governar e Desgovernar - por Alberto Oliva

1. Governar é coordenar os esforços dispersos dos agentes sociais introduzindo mecanismos que estimulem o bom funcionamento do Todo.
Desgovernar é inventar formas sutis ou grosseiras de controlar as ações individuais a pretexto de promover o bem comum.

2. Governar é se entregar de corpo e alma aos desafios nacionais, é trabalhar com operosidade em prol da solução dos problemas miúdos e graúdos que atormentam a coletividade.
Desgovernar é cindir a sociedade, é criar polarizações entre elite e povo que só servem para manipular os desvalidos. É o presidente colocar as camisas de determinados times esquecendo que o País só tem um uniforme oficial. É colocar bonés de movimentos sociais que desrespeitam a Constituição.

3. Governar é abrir e consertar estradas. É estimular a busca de novas vias pelo conhecimento e pela criatividade.
Desgovernar é fechar caminhos, obstruir a iniciativa individual e inibir o aguilhão empreendedor dos cidadãos.

4. Governar é criar um ambiente favorável aos investimentos. É gerar confiança entre os agentes, é ser guardião das regras do jogo da vida social. É dar exemplo com conduta moral irrepreensível. É respeitar de forma incondicional o Estado de Direito.
Desgovernar é prometer milhões de emprego sem criar as condições propícias ao crescimento sustentado da economia. É aumentar a carga tributária, fazer crescer as despesas e supor possível que assim ocorrerá o “espetáculo do crescimento”.

5. Governar é contar com uma burocracia proficiente, com um corpo de funcionários que se destaca pelo profissionalismo e que exibe desvelo e competência técnica na solução objetiva dos problemas.
Desgovernar é fazer do Estado a sucursal do Partido contratando milhares de militantes com total desatenção ao mérito e à qualidade profissional.

6. Governar é enxugar despesas, cortar gastos e diminuir custos em respeito aos enormes sacrifícios feitos por trabalhadores e empresários para pagar impostos gravosos.
Desgovernar é gastar sem eficiência e sem metas rigorosamente definidas desperdiçando parcos recursos. É desrespeitar acintosamente a realidade da escassez.

7. Governar é fazer programas sociais que preparem o cidadão para a vida e para o trabalho – em suma que redundem em sua qualificação moral e profissional.
Desgovernar é adotar programas assistencialistas e paternalistas que eternizam a pobreza criando um mercado político de párias explorado de modo torpe pelos pseudo-salvadores da pátria e pelos pseudopais dos pobres.

8. Governar é velar para que a liberdade de expressão não seja desrespeitada, para que nada trave o livre fluxo das opiniões e subsista uma saudável contraposição entre diferentes visões de mundo.
Desgovernar é fazer cartilhas que definem o politicamente correto como forma sorrateira de impor o Pensamento Único.

9. Governar é respeitar a liberdade de imprensa, o direito que o cidadão tem de ser informado a respeito de tudo que ocorre – sobretudo nos desvãos e porões dos governos que se dizem honestos sem sê-lo.
Desgovernar é criar Conselhos de Controle da Inteligência e da Informação para impedir que as notícias das falcatruas, do caudal de corrupção, cheguem ao conhecimento do grande público.

10. Governar é desburocratizar, facilitar a vida dos cidadãos deixando-os à vontade para perseguir – de forma regrada - seus objetivos.
Desgovernar é se imiscuir nas relações interpessoais, é invadir a esfera de decisões individuais com a desculpa de corrigir distorções nas relações entre os cidadãos.

11. Governar é administrar e despachar; é ler projetos avaliando a viabilidade e a justeza de sua implantação. É abraçar as tarefas comezinhas de lidar com o varejão de problemas de uma sociedade.
Desgovernar é fazer marketing ilusionista, é ser o governante garoto-propaganda de si mesmo. É assumir o papel decorativo de rei num regime presidencialista.

12. Governar é dar atenção especial à segurança das pessoas, protegendo-as da sanha de bandoleiros e homicidas.
Desgovernar é passar a mão na cabeça dos bandidos justificando o que fazem como subproduto do Sistema socioeconômico. É permitir que a impunidade campeie, que os presídios se transformem em centrais operacionais do crime organizado.

13. Governar é dividir o Poder com as várias instâncias de decisão. É construir e respeitar a autêntica idéia de federação.
Desgovernar é pôr em prática a voracidade centralizadora que leva à total ineficiência, como ficou claro com as economias centralmente planificadas, e ao totalitarismo.

14. Governar é assumir o papel modesto de servidor da sociedade.
Desgovernar é se achar o dono do pedaço. É sonhar em ser Mussolini, Hitler, Stalin, Mao, Pol Pot ou...

Publicado em 20/07/2005 no Ratio Pro Libertas

Enquanto isso... Diogo Mainardi

A Arte de Salvar o Brasil - por J. O. de Meira Penna *

Educar, do latim ex-duco, “conduzir para fora” da ignorância, da grosseria e das pretensões dos analfabetos. Governar é isso mesmo

Descubro uma angústia depressiva em muitos artigos e e-mails que leio. Alguns perguntam: “o Brasil tem saída?” Outros já concluíram que esta foi uma experiência fracassada. É uma nação inviável. É um Estado falido e uma burocracia que, de tão gorda, já está matando a galinha dos ovos de ouro, o que quer dizer, o setor privado. Por que essa espécie de psicastenia coletiva grave, em grande parte da elite intelectual? Tudo tem solução pois nossos compatriotas são mestres na arte de salvar permanentemente o país, de preferência por intermédio de soberbas ideologias já defuntas como o Marxismo - em que pese o obsessivo empenho dos americanos os quais, ao que se diz, só pensam em duas coisas, democratizar o Iraque e atrasar o Brasil – começando por nos arrancar a Amazônia e humilhando os turistas brasileiros, que devem tirar os sapatos como se um Boeing fosse uma mesquita.

Embrenhando-me de mau jeito nesse magno empreendimento de arte soteriológica, ofereço algumas dicas para a obra mágica de salvar o Brasil (de seus governos). Por exemplo: há desemprego? Solução: cria-se por Medida Provisória 500.000 grupos de trabalho para estudar o problema, vinte membros cada um, boas diárias e muitas férias, que ninguém é de ferro, e temos imediatamente os dez milhões dos novos postos prometidos. Simplíssimo, salvo se os americanos tentarem torpedear o projeto. Eles nos poderão oferecer 300.000 vistos anuais para imigrantes clandestinos, com fotografia, marca digital, sem sapato no aeroporto e tudo o mais que revele sua arrogância. A debandada para Orlando será geral! Mas, neste caso, sempre existe a alternativa de impormos reciprocidade, como cabe a uma grande potência emergente, com um líder de prestígio global na Presidência o qual, em constantes e estimulantes visitas a outros eminentes estadistas como os de Cuba, da ilha de Taiti, o Kabaka do Burundi e o Palhaço-Mor da Líbia, cria as condições de uma vasta e merecida reação popular. Sua mensagem tem valor universal: “Pé-rapados do Mundo, uni-vos! Nada tendes a perder, exceto vossas cadeias”... Os alicerces do Capitólio, em Washington, estão tremendo e o Presidente Bush que se resguarde em sua casinha branca: o chamado à revolta é mais perigoso do que um avião-bomba do Bin Laden.

Querem outro recurso para salvar o país? Que não se fale mais no MST e em ocupação ilícita de fazendas produtivas! O melhor é partir para as terras devolutas, que as há em abundância, quase quatro milhões de kms², neste que é o quinto mais extenso país do mundo, com a vantagem sobre os quatro colocados à nossa frente, de só conter terras férteis, nenhum deserto e nenhuma tundra. Sugiro que se faça a Reforma agrária da Ilha do Bananal para o Norte e o Oeste, para Mato Grosso, Rondônia e Roraima. Que se use desempregados, com caminhões paulistas, para abrirem a ligação rodoviária asfaltada, saltando sobre os Andes do Peru, com a recompensa de tomar banho de mar nas praias do Pacífico. E que não se procure pacificar a Rocinha, no Rio, estimulando os desesperados esforços dos dois garotinhos meio-moleques que governam o Estado.
Se país pobre é país burro, como afirmava Mestre Gilberto Amado, o de que se necessita é ensinar o B A = Ba, da Praça dos Três Poderes em Brasília até a Prefeitura de Catolé do Rocha, passando pela Câmara de Vereadores dos cinco mil municípios da Terra dos Papagaios. Que tal começar com uma babá de curso primário, colocando na primeira fila da escolinha metade dos “intelectuais” da USP, Uerj, UniCamp e UnB, e a maioria dos que escrevem em jornais – dando a primeira lição de aritmética: 2+2=4, e um Milhão não é a mesma coisa do que um Bilhão. E, logo em seguida, lecionar um pouco de história. Quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral cujo escriba logo a El Rey solicitou um emprego para o sobrinho.

Educar, lecionar, instruir, é assim que se salva o Brasil. Educar, do latim ex-duco, “conduzir para fora” da ignorância, da grosseria e das pretensões dos analfabetos. Governar é isso mesmo. Já tivemos um Presidente que quis fazer em cinco anos o que se faz em 50. Infelizmente, nunca elegemos um Presidente que prometesse num mandato de oito anos impingir oitenta anos de educação. Eu esperava isso do Lulinha. Lula é inteligente e esperto, porém mais precisa da disciplina do que qualquer outro. Talvez se convença do valor da cultura, pois ainda há tempo para isso.

* J. O. de Meira Penna é Diplomata, tendo ocupado vários cargos no exterior e chefiando sete embaixadas brasileiras. É também escritor e jornalista, com mais de 20 títulos publicados, como "Em Berço Esplêndido", "O Espírito das Revoluções", "O Dinossauro", "Opção Preferencial pela Riqueza" e "A Ideologia do Século XX".

Reproduzido do Instituto Liberal - RS

O grande motim... a vir - por Oliveiros S. Ferreira

Não serão muitos os que darão a devida importância ao fato de o Poder de Estado haver cedido ao motim dos sargentos da FAB que controlam o espaço aéreo. Haverá outros, bem menos que os primeiros, que se lembrarão de que o motim aconteceu na noite de 30 para 31 de março, exatos 43 anos depois que o General Luis Carlos Guedes sublevou a guarnição de Belo Horizonte, e poucas horas depois o General Olímpio Mourão Filho iniciou sua marcha para o Rio de Janeiro. Esses poucos dirão que os sargentos comemoraram, a seu modo, o aniversário da “Contra-Revolução de 1964”. A coincidência das datas — inclusive das horas — permite essa interpretação dramática.

Para que possamos ter dos acontecimentos uma visão mais completa, será conveniente enunciarmos fatos que já não moram na memória de quase todos. Vamos a eles.

1961 — Para silenciar a “cadeia da legalidade” que Brizola estabelecera a partir de uma emissora de rádio instalada no Palácio Piratini, alguns Oficiais da FAB pretenderam levantar vôo em Porto Alegre e bombardear o palácio. Os sargentos da base esvaziaram os pneus dos aviões e a operação não se realizou. Não se tem notícia de que, naquele ambiente em que o General Machado Lopes formava com Brizola, os sargentos ou os Oficiais da FAB tivessem sido punidos.

1963 — Os sargentos se revoltam em Brasília, de armas na mão. Para protestar contra a decisão do Superior Tribunal Eleitoral que, amparado na Constituição, havia declarado sem efeito a eleição de alguns sargentos para a Câmara dos Deputados. A reação do Poder de Estado fez-se também de armas na mão, havendo mortos e feridos. O Presidente da República era o Sr. João Goulart.

A partir desse fato, os Oficiais (especialmente do Exército) passaram a ter fundados receios de que os sargentos de suas unidades pudessem sublevar-se, repetindo o que acontecera em 1935. Para diminuir o risco pessoal, passaram a dormir com suas armas pessoais, e o controle do armamento das guarnições passou a ser extremamente rigoroso, mais do que o habitual.

A reação de parte da opinião pública, para não dizer de quantos não se guiavam pela cantilena esquerdoide de que os sargentos eram o Proletariado e os Oficiais eram a Burguesia (e havia quem sustentasse essa sandice), a reação foi de temor de que o Estado pudesse fraquejar diante de novas sublevações desse tipo.

1964 — Na Semana Santa (março daquele ano) marinheiros e fuzileiros navais se sublevam em seus navios e em terra. Pelo menos de uma belonave, Oficiais foram jogados no mar. Em seguida, os amotinados se reuniram no Sindicato dos Metalúrgicos, realizando tumultuada assembléia em que o orador mais ardoroso foi um marujo (depois conhecido como cabo) chamado Anselmo. O ministro da Marinha mandou um destacamento de fuzileiros navais para prender os revoltosos. Os fuzileiros aderiram aos que estavam no sindicato. Foi preciso que o Exército enviasse tropa para que o motim terminasse. Os marinheiros e fuzileiros foram recolhidos presos a um quartel do Exército e na mesma tarde anistiados pelo Presidente João Goulart.

O Exército, parte do Poder de Estado, reagiu, prendendo os amotinados. A anistia, violentando dispositivos constitucionais, veio simplesmente consagrar a fraqueza da Presidência da República, que cedia aos amotinados em nome da concórdia nacional. No dia 30 de março, o Presidente João Goulart fez um discurso no Automóvel Clube para sargentos e praças, quebrando a hierarquia e a disciplina. Naquela noite, o General Guedes, apoiado no governo de Minas Gerais, levantou-se; horas depois, após alguma hesitação, o General Mourão Filho assumiu o comando da sublevação.

1979 — O General João Batista Figueiredo mal acabara de tomar posse, quando o sindicalista Lula comandou grande greve no ABC paulista. Grande cobertura dos meios de comunicação, especialmente do vôo de helicópteros e aviões sobre o campo de futebol onde se reuniam os grevistas, em massa. O Tribunal Regional do Trabalho determinou que a greve cessasse. Lula desafiou a decisão da Justiça, tecnicamente se colocando contra o Poder de Estado. O espetáculo da massa de grevistas desfiando o Governo da Revolução impressionava todos. O Presidente Figueiredo mandou seu ministro do Trabalho negociar com Lula. A negociação foi feita, a decisão do TRT jogada às urtigas e a greve cessou.

1999 — O Presidente Fernando Henrique Cardoso cria o Ministério da Defesa, com o que os comandantes das Forças passaram a ser subordinados, desde então, a um ministro civil pouco familiarizado com o espírito das Forças Armadas, que se articula em torno das noções de Hierarquia e Disciplina.

2002 — O sindicalista que desafiara o General-Presidente e a Justiça foi eleito Presidente da República, tendo sido reeleito em 2006. Os que acreditam em teorias conspirativas dizem que o sindicalista de apelido Lula foi transformado no líder político de nome Lula da Silva por obra e graça das artimanhas do General Golbery do Couto e Silva. As mesmas pessoas — repito, que acreditam em teorias conspirativas — diziam em 1964 que o General Golbery buscara o apoio dos intelectuais de esquerda de São Paulo para o governo Castelo Branco, tendo malogrado em sua aproximação.

2005/6 — Os que têm acesso à Internet podem acompanhar manifestações de sargentos, que disputam cargos eletivos, e de Oficiais da reserva reclamando, todos, aumento de salários e criticando em tom revanchista os comandos das Forças Armadas.

2006 — Apenas registrado o trágico acidente com o avião da Gol, começa a crise no controle do espaço aéreo. O noticiário nos meios de comunicação, primeiramente voltado para apontar a culpa dos pilotos norte-americanos do jato que colidira com o Boeing da Gol, lentamente passa a ser centrado nos controladores. Há notícias, sem atribuição formal de fonte, de que um ou outro controlador, sargento da FAB, poderia ser responsável por um mau controle dos dois aviões.

Iniciam-se os chamados “apagões”. Coloca-se em dúvida, sem desmentido das autoridades, que o equipamento para controle do espaço aéreo está ultrapassado diante do aumento do tráfego aéreo comercial-civil, quando não sucateado. As condições de trabalho dos controladores, dados como forçados a controlar mais aeronaves que o estabelecido em lei, merecem grande destaque na imprensa. Inicia-se uma campanha para que o controle do espaço-aéreo saia das mãos da FAB e seja feito por civis sem que se especifique que Governo, autoridade ou empresa privada assumirá a responsabilidade por esse controle. O ministro da Defesa recebe uma comissão de controladores, passando por cima da hierarquia.

2007 — Os “apagões” repetem-se. O ministro da Defesa desempenha, no decorrer de todo o episódio, o triste papel de nada saber de fonte própria. O Presidente da República, diante do espetáculo degradante que se observa nos aeroportos nesses dias, exige uma solução com data e hora... Às 18h30 do dia 30 de março, os controladores, sargentos e civis, reúnem-se no auditório do Cindacta de Brasília e enviam seu ultimato ao governo: nenhum avião levantará vôo a menos que suas reivindicações sejam atendidas: nada de punições, cancelamento das transferências já feitas, aumento de salários e transferência do controle para civis. Brasília é importante como “entroncamento” (a imagem é ferroviária, mas diz bem o que tenho em mente) do tráfego aéreo do Norte e do Nordeste para as demais regiões e vice-versa. O caos se estabelece mais uma vez, afetando desta feita os aviões de empresas internacionais e os vôos nacionais para o Exterior.

O comandante da FAB decide prender os amotinados e é impedido. O Presidente da República, em vôo para os Estados Unidos, decide que nada se faça contra eles e que o Governo deve negociar. Os sargentos se recusam a negociar com o comandante da FAB, reclamando a presença da ministra Dilma. Ela se encontra no Rio Grande do Sul; o Presidente determina que o ministro do Planejamento e o secretário-geral da Presidência negociem.

Eles não negociam — aceitam as exigências dos amotinados. O ministro do Planejamento justifica sua presença na negociação, dizendo que se o ministro da Defesa e o comandante da FAB fossem negociar, teriam de tomar posição diferente da que adotou.

O pano cai sobre Brasília, isto é, sobre o Poder de Estado. O ministro da Defesa, jogado às urtigas pelo Presidente, não renuncia. O comandante da FAB, humilhado pelos amotinados e pelo Presidente, teria pensado em renunciar, mas depois pensou melhor e não apresentou sua demissão. A FAB, por seu comando, deixou claro que não quer mais assumir o controle do espaço aéreo. Que os civis cuidem disso, no Ministério da Defesa. É como se dissesse, lembrando as vezes em que pediu providências e não foi atendido: “Quem pariu Mateus, que o embale”. Uma coisa não ficou clara, se de fato houver uma creche para o ministro Pires tomar conta: quem controlará o espaço aéreo, quando se tratar de vôos militares?

O General de Gaulle, diante da revolta dos coronéis e dos estudantes em Argel, dizia que o Poder não recua. Acostumei-me a dizer: desde que haja um Poder.

Não se deve, a partir dessa lembrança do General de Gaulle, dizer que não há poder no Brasil. Há. Só que não é Poder de Estado consagrado, mal e mal, na Constituição de 1988; pelo contrário, é um poder que pretende substituir o atual Estado por outro. Sobre esse fato, é preciso meditar antes de avançar.

É preciso, porém, tirar conclusões de tudo o que enunciei acima. Talvez sejam “conspirativas”. Desde, porém, que a realidade as sustente, têm boa probabilidade de traduzir o que está em curso. Vamos a elas.

Os “apagões” anteriores haviam provocado irritação, mas não comoção da opinião pública. Comoção no sentido de que os cidadãos se sentissem prejudicados e colocados em situações de enorme constrangimento e de prejuízos muitas vezes irreparáveis. O acúmulo de um “apagão”, hoje, outro daqui a dez dias, porém, fez transbordar o copo da paciência. Ninguém mais queria saber de coisa alguma, especialmente depois que o Presidente Lula da Silva, ao invés de marcar prazo para a crise terminar, disse que queria que uma data fosse marcada — no seu estilo muito à la Stalin, de jogar a culpa nos subordinados. O motim do dia 30 apanhou todos os passageiros, no fim da tarde, sem informações, sem dinheiro para passar a noite, sem saber quando poderiam viajar. E nos trouxe a imagem de mães que havia horas levavam suas crianças no colo e a daquela senhora que pretendia embarcar em Brasília para Rondônia, creio, porque seu marido tinha sido assassinado, e teve de ficar presa no aeroporto sem perspectiva alguma de poder aliviar sua dor e prantear a morte do marido junto a seu cadáver. Sem falar do cidadão que enfartou no aeroporto de Curitiba e morreu a caminho do hospital.

É importante reter esse fato: as anteriores “operações padrão” só atingiam o Governo Lula da Silva na medida em que os passageiros que não podia embarcar tendiam a responsabilizar as empresa. Os porta-vozes do governo, aliás, lançaram a população contra elas. No dia 30, porém, a coisa foi diferente criou-se o caos em todo o País, com um agravante: pelo que se viu do noticiário de televisão, não houve quem dissesse aos passageiros que a culpa não era das empresas, mas dos controladores. Esse silêncio, culposo se não doloso nas circunstâncias, aumentou a tensão e fez que passageiros menos calmos agredissem funcionários e depredassem os balcões de empresas.

Foi diante disso, situação criada com sabedoria e montada peça por peça, que o Presidente Lula da Silva mandou negociar, vale dizer, ceder. É lícito supor que teve presente a situação de 1979: comoção nos meios de comunicação (sem censura, lembremo-nos); massa reunida em um estádio de futebol, famílias lamentando a situação de seus chefes em greve etc.. Tudo o que viveu e deve ter-se lembrado.

O clima foi criado e a cena montada: a população com raiva do governo e da situação; comentaristas de TV fazendo, conscientemente ou não, a apologia do motim. Advogados ilustres dizendo que prender um sargento amotinado seria violentar o preceito constitucional que garante o direito de ir e vir. A tragédia não poderia ter sido melhor encenada.

O próximo ato será mais trágico. Não irá comover a opinião pública, a não ser aqueles que se preocupam com o Poder de Estado que não pode recuar. O ato será encenado nas Forças Armadas. Qual o enredo até agora, no que poderíamos dizer terem sido os ensaios (e o ensaio-geral, o do dia 30) de uma grande tragédia?

Primeiro ato: difunde-se pelos canais possíveis a idéia de que as Forças Armadas são desnecessárias enquanto força militar;

Segundo ato: o Governo Lula da Silva continua a política do Governo Fernando Henrique Cardoso sucateando as FFAA e nomeia para ministro da Defesa quem nada tem a ver com os problemas da Pasta e, Lula consule, quem teve ligações com a situação deposta em 1964;

Terceiro ato: o Governo Lula da Silva não aumenta os soldos e cria insatisfação nas Forças, especialmente nos sargentos;

Quarto ato: o acidente com o avião da Gol permite que a “operação 30 de março” comece a ser montada. Difunde-se a idéia de que o controle do espaço aéreo deve ser civil e a de que os salários pagos aos sargentos e seus equivalentes civis são irrisórios (e o salário pagos aos demais sargentos? São bons?);

Quinto ato: a “operação 30 de março” é vitoriosa. Com ela lançam-se as bases para a tragédia principal, que poderá desenrolar-se em um ou mais atos, e que pode ser assim resumida — não entrando na consideração de quem irá controlar o espaço aéreo:

Aumentam-se os salários dos sargentos controladores, mas se mantêm os salários dos sargentos que militam nos quartéis e são os responsáveis primeiros pela disciplina da tropa. O grande motim seguir-se-á a essa situação de desconforto.

Não preciso dizer mais. O quadro está pronto para a grande subversão que será concluída com uma grande negociação, desta feita com Dilma ou talvez com o próprio Lula, que negociou o descrédito da Justiça com um Ministro do Trabalho em 1979.

Reproduzido do site Pensar e Repensar