28 de mai. de 2016

Besteiras


"O que se pode esperar de um país que em seu Hino Nacional se declara 'Deitado Eternamente em Berço Esplêndido' e que cuja maior demonstração de Dinâmica Associativa é o Carnaval"?

Professor Roberto Campos
 
"Mais importante que as riquezas naturais são as riquezas artificiais da educação e tecnologia.”
 
Professor Roberto Campos
 

 
"Os comunistas brasileiros têm razão ao dizer que não é verdade que comam criancinhas. No "socialismo real", a preferência é por matar adultos."                                   
        Professor Roberto Campos
O PT é o partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam.

20 de mai. de 2016

A crença da "cultura da periferia" é coisa de gente do miolo mole

Reinaldo Azevedo - Veja impressa

E não é que o pensamento social moreno resolveu inventar? Num rasgo de criatividade, deu à luz uma jabuticaba teórica que chamarei aqui de Antropologia da Maldade. O seu objeto de estudo – ou de culto – são os índios bororos que moram nos morros do Rio. Ou os nhambiquaras do Capão Redondo, em São Paulo. Ou os caetés da periferia de Vitória. Ou os tupiniquins de qualquer aglomerado pobre do Brasil. A exemplo de boa parte das idéias inúteis que circulam no país, os antropólogos da maldade estão nos cursos de humanidades e ciências sociais das nossas universidades, mas também se espalham pelas redações e chegam à televisão. Ocupam ainda posições de estado. Sua sacerdotisa midiática é a atriz Regina "Casebre". A cada vez que ela proclama que "a periferia é o centro" – ou o contrário, sei lá –, somos remetidos imediatamente aos versos do inglês Auden (1907-1973): "And the crack in the tea-cup opens / A lane to the land of the dead". A fenda na xícara de chá abre uma vereda para a terra dos mortos.

Sei que pôr Auden e Regina Casé num mesmo parágrafo pode parecer certo exagero. Comentando esses mesmos versos num texto da década de 70, o jornalista Paulo Francis (1930-1997) observou que a xícara de chá representava a velha ordem do Império Britânico e de suas classes dominantes. Trincada a xícara – um mundo, então, que desaparecia –, abriu-se caminho para as tragédias das duas grandes guerras. Nossa "xícara" é outra. Não chegamos a ter uma "aristocracia", mas já tivemos algumas ambições. O certo é que a Antropologia da Maldade decidiu fazer da barbárie uma civilização.
Um antropólogo da maldade não acredita ser possível ensinar matemática ou a poesia de Camões e Manuel Bandeira ao morro ou à periferia, mas está certo de que o morro e a periferia é que têm de ensinar funk e rap aos "imperialistas" e aos "playboys", já que se trataria da expressão de um novo sistema de valores. É como se aquela "civilização" já não fosse a nossa. Perguntaram certa feita ao antropólogo francês Lévi-Strauss (na verdade, nascido em Bruxelas) se ele havia se identificado com os índios que estudara. "De modo nenhum!", respondeu. Os nossos antropólogos da maldade não chegam exatamente a se identificar com a "civilização" do morro e da periferia, mas têm por ela um respeito basbaque e reverencial. Lutam para preservá-la da nefasta influência da cultura central, esta nossa – vocês sabem, corroída pelo materialismo, pelo capitalismo e por um moralismo de fachada.

Que coisa formidável! Estamos diante da defesa de uma nova forma de apartheid, um dos refúgios do "pensamento" da esquerda contemporânea. Se a tentativa de ver a "cultura da periferia" como um sistema com valores próprios é só coisa de gente de miolo mole, uma banalidade, essa visão "preservacionista" da civilização da miséria pode assumir uma face cruel quando o assunto é, por exemplo, segurança pública. A polícia, segundo os antropólogos da maldade, estaria proibida de subir o morro sem o prévio consentimento da "comunidade", ou isso caracterizaria uma "invasão". A disposição de enfrentar o crime, que seqüestra as áreas pobres das cidades, é encarada como um ato de guerra, uma hostilidade a um país estrangeiro. E os mortos nos confrontos – exceção feita aos policiais, os "soldados invasores" – serão sempre vítimas inocentes do país agressor.
Lévi-Strauss poderia ensinar a essa gente que os costumes e hábitos de superfície das sociedades – e, pois, também dos morros e das periferias – são manifestações de estruturas de poder. Parecem-me indecentes os protestos de artistas contra a ação da polícia no Rio em contraste com o seu silêncio então cúmplice diante do fato de que os soldados do tráfico matam livre e impunemente nas favelas. A estupidez reacionária desses progressistas chega ao ponto de considerar que isso é coisa "lá deles", da "outra cultura", "matéria da autodeterminação dos povos". Será que devemos reagir ao assassinato dos nossos pobres com o mesmo distanciamento antropológico com que reagimos ao infanticídio entre os ianomâmis?

É improvável que Lévi-Strauss retorne ao Brasil, repetindo a façanha de 1934, quando veio dar aula na Universidade de São Paulo. Agora com 99 anos, completados neste 28 de novembro, é compreensível que tenha outras prioridades. Se o fizesse, talvez aproveitasse para adensar ainda mais a sua obra-marco, Antropologia Estrutural, ou, então, entre a melancolia e o escárnio, perceberia que fez muito bem em esculhambar o país em Tristes Trópicos, obra de 1955 com apontamentos sobre comunidades indígenas brasileiras e notas sobre a nossa cultura urbana. Sobrou até para os universitários, como não? Nos anos 30, eles demonstravam certo desprezo pelos livros de referência, preferindo os resumos. Sua curiosidade intelectual se igualava a uma inquietação gastronômica, e o que parecia inteligência era só disputa por prestígio e vanglória...

Regina Casé, em seu programa de TV: a barbárie vista como civilização

Se voltasse, o quase centenário estudioso teria a chance de conhecer, então, esse novo saber. Por enquanto, ele está mais bem adaptado ao clima e à geografia do Rio, mas floresce também em São Paulo, uma cidade mais vetusta, razão por que os antropólogos da maldade, por aqui, costumam se esconder dentro de batinas – ainda que meramente simbólicas – e se entregam a folias físicas e metafísicas com seus "correrias" de estimação. Quando Lévi-Strauss conheceu os índios bororos e nhambiquaras (os de verdade), sabia estar lidando com civilizações que estavam em outro estágio do domínio da natureza, mesmo para os padrões do Brasil, que já lhe pareceu, à sua maneira, tão primitivo, com suas cidades que iam do nascimento à decadência sem conhecer o apogeu.

Ele jamais demonstrou qualquer simpatia pelos grupos que estudou. Constituíam o seu material de trabalho. Bastava-lhe identificar as estruturas, o conjunto de relações, que fazem com que as sociedades sejam o que são – à sua maneira, de fato, cada uma delas encerra um mundo completo e dinâmico. Assim, é perfeitamente possível supor que a cultura ianomâmi seja eficiente para... um ianomâmi. E só outro indivíduo do mesmo grupo é capaz de propor questões pertinentes que mudem a sua história. Veja como sou multiculturalista hoje em dia. Mas, confesso, no tempo de padre Anchieta, meu negócio era catequizar a bugrada.
Para os antropólogos da maldade, os morros e as periferias são civilizações independentes, com estruturas simbólicas definidas pelos indivíduos das tribos, e a postura progressista de um estudioso implica deixá-los entregues à sua própria dinâmica, à sua cultura, a seus valores. Mais do que isso: "eles" teriam algo a nos ensinar, assim como se supõe, ainda hoje, que os silvícolas – veja como sou antigo – podem nos abrir as portas da percepção para a generosidade, a convivência pacífica com a natureza, a igualdade, o associativismo... Poucos se dão conta de que ser índio pode ser chato, difícil e cruel. O Brasil adotou o "bom selvagem" de Rousseau (1712-1778) – o "suíço, castelão e vagabundo", como o chamou o poeta português Fernando Pessoa –, mas não deu a menor bola para as ironias do livro Cândido, de Voltaire (1694-1778), este, sim, um francês legítimo, que fez pouco caso da idéia de um homem em harmonia com a natureza.

A periferia e o morro não são o centro. Continuarão a ser o morro e a periferia, e seus "valores" particulares não são senão a manifestação de uma utopia regressiva de basbaques ideológicos que imaginam converter um dia a linguagem da violência em resistência política. Aquela gente não é o "outro". Aquela gente somos nós, só que "sem fé, sem lei e sem rei": sem esperança, sem estado e sem governo.

Mas você sabem: eu sou muito reacionário. Progressistas são os antropólogos da maldade, desbravadores das veredas que levam à terra dos mortos.

15 de mai. de 2016

Um negro contra cotas e contra as leis que proíbem a discriminação! Sua crença: individualismo, escola de qualidade, igualdade perante a lei e liberdade de expressão

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Walter Williams é negro, tem 74 anos e dá aula de economia na Universidade George Mason, na Virginia. Já foi engraxate e carregador de taco de golfe. Na juventude, chegou a preferir o radical Malcom X ao pacifista Martins Luther King. Williams está convencido: quem vence o racismo é o mercado, não a política de cotas. Num momento em que o assistencialismo, no Brasil, virou uma categoria de pensamento incontrastável e em que se dá a isso o nome de “redistribuição de renda”, vocês precisam ler a entrevista que ele concedeu a André Petry, publicada nas páginas amarelas da VEJA desta semana. Como todos nós, o economista tem as suas convicções, mas, antes de mais nada, tem alguns números um tanto desconcertantes sobre o tal “estado de bem-estar social”.

Walter Williams
Williams se considera um libertário e é um crítico ácido da interferência do Estado na vida dos indivíduos. O indivíduo, diga-se, está no centro de suas preocupações. Ah, sim: ele acha que Barack Obama acabará “sendo ruim para os negros”. Por quê? Porque “seu governo, na melhor das hipóteses, será um desastre igual ao de Jimmy Carter”. Abaixo, reproduzo trechos da entrevista, em que se encontram frases como estas:
 
– AVANÇO DOS NEGROS – “Os negros, em geral, estão muito melhor agora do que há meio século. Mas os negros mais pobres estão pior.”
– ESTADO E FAMÍLIA –
“Há anos, os Estados Unidos subsidiam a desintegração familiar”.
MÃE SOLTEIRA PREMIADA – “Antes, uma menina grávida era uma vergonha para a família. Hoje, o estado de bem-estar social premia esse comportamento. O resultado é que, nos anos da minha adolescência, entre 13% e 15% das crianças negras eram filhas de mãe solteira. Agora, são 70%.”
– SALÁRIO MÍNIMO –
“O salário mínimo, que as pessoas consideram uma conquista para os mais desprotegidos, é uma tragédia para os pobres. Deve-se ao salário mínimo o fim de empregos úteis para os pobres.”
– AÇÕES AFIRMATIVAS
“O ritmo do progresso dos negros entre as décadas de 40 e 60 foi maior do que entre as décadas de 60 e 80.”
– COTAS RACIAIS NO BRASIL –
“A melhor coisa que os brasileiros poderiam fazer é garantir educação de qualidade. Cotas raciais no Brasil, um país mais miscigenado que os Estados Unidos, são um despropósito.”
– LIVRE MERCADO E DISCRIMINAÇÃO –
“A melhor forma de permitir que cada um de nós – negro ou branco, homem ou mulher, brasileiro ou japonês – atinja seu potencial é o livre mercado. O livre mercado é o grande inimigo da discriminação”.
– LIBERDADE DE EXPRESSÃO –
“É fácil defendê-la quando as pessoas estão dizendo coisas que julgamos positivas e sensatas, mas nosso compromisso com a liberdade de expressão só é realmente posto à prova quando diante de pessoas que dizem coisas que consideramos absolutamente repulsivas”.
– AFRO-AMERICANOS –
“Essa expressão é uma idiotice, a começar pelo fato de que nem todos os africanos são negros. Um egípcio nascido nos Estados Unidos é um ‘afro-americano’?”
– ÁFRICA –
“A África é um continente povoado por pessoas diferentes entre si. Os vários povos africanos estão tentando se matar uns aos outros há séculos. Nisso a África é idêntica à Europa, que também é um continente, também é povoada por povos distintos que também vêm tentando se matar uns aos outros há séculos”.
*
Leia mais um pouco da explosiva sensatez de Walter Williams. A íntegra da entrevista está na revista.
(…)

Em que aspectos a vida dos negros hoje é pior [nos Estados Unidos]?Cresci na periferia pobre de Filadélfia entre os anos 40 e 50. Morávamos num conjunto habitacional popular sem grades nas janelas e dormíamos sossegados, sem barulho de tiros nas ruas. Sempre tive emprego, desde os 10 anos de idade. Engraxei sapatos, carreguei tacos no clube de golfe, trabalhei em restaurantes, entreguei correspondência nos feriados de Natal. As crianças negras de hoje que vivem na periferia de Filadélfia não têm essas oportunidades de emprego. No meu próximo livro, “Raça e Economia”, que sai no fim deste mês, mostro que, em 1948, o desemprego entre adolescentes negros era de 9.4%. Entre os brancos, 10.4%. Os negros eram mais ativos no mercado de trabalho. Hoje, nos bairros pobres de negros, por causa da criminalidade, boa parte das lojas e dos mercados fechou as portas. (…)

Os negros, em geral, estão muito melhor agora do que há meio século. Mas os negros mais pobres estão pior.
 
O estado de bem-estar social, com toda a variedade de benefícios sociais criados nas últimas décadas, não ajuda a aliviar a situação de pobreza dos negros de hoje?(…)
Há anos, os Estados Unidos subsidiam a desintegração familiar. Quando uma adolescente pobre fica grávida, ela ganha direito a se inscrever em programas habitacionais para morar de graça, recebe vale-alimentação, vale-transporte e uma série de outros benefícios. Antes, uma menina grávida era uma vergonha para a família. Muitas eram mandadas para o Sul, para viver com parentes. Hoje, o estado de bem-estar social premia esse comportamento. O resultado é que nos anos da minha adolescência entre 13% e 15% das crianças negras eram filhas de mãe solteira. Agora, são 70%. O salário mínimo, que as pessoas consideram uma conquista para os mais desprotegidos, é uma tragédia para os pobres. Deve-se ao salário mínimo o fim de empregos úteis para os pobres.
(…)
 
As ações afirmativas e as cotas raciais não ajudaram a promover os negros americanos?A primeira vez que se usou a ex-pressão “ação afirmativa” foi durante o governo de Richard Nixon [1969-1974]. Os negros naquele tempo já tinham feito avanços tremendos. Um colega tem um estudo que mostra que o ritmo do progresso dos negros entre as décadas de 40 e 60 foi maior do que entre as décadas de 60 e 80. Não se pode atribuir o sucesso dos negros às ações afirmativas.
(…)

Num país como o Brasil, onde os negros não avançaram tanto quanto nos Estados Unidos, as ações afirmativas não fazem sentido?A melhor coisa que os brasileiros poderiam fazer é garantir educação de qualidade. Cotas raciais no Brasil, um país mais miscigenado que os Estados Unidos, são um despropósito. Além disso, forçam uma identificação racial que não faz parte da cultura brasileira. Forçar classificações raciais é um mau caminho. A Fundação Ford é a grande promotora de ações afirmativas por partir da premissa errada de que a realidade desfavorável aos negros é fruto da discriminação. Ninguém desconhece que houve discriminação pesada no passado e há ainda, embora tremendamente atenuada. Mas nem tudo é fruto de discriminação. O fato de que apenas 30% das crianças negras moram em casas com um pai e uma mãe é um problema, mas não resulta da discriminação. A diferença de desempenho acadêmico entre negros e brancos é dramática, mas não vem da discriminação. O baixo número de físicos, químicos ou estatísticos negros nos Estados Unidos não resulta da discriminação, mas da má formação acadêmica, que, por sua vez, também não é produto da discriminação racial.
 
Qual o meio mais eficaz para promover a igualdade racial?Primeiro, não existe igualdade racial absoluta, nem ela é desejável. Há diferenças entre negros e brancos, homens e mulheres, e isso não é um problema. O desejável é que todos sejamos iguais perante a lei. Somos iguais perante a lei. Mas diferentes na vida. Nos Estados Unidos, os judeus são 3% da população, mas ganham 35% dos prêmios Nobel. Talvez sejam mais inteligentes, talvez sua cultura premie mais a educação, não interessa. A melhor forma de permitir que cada um de nós – negro ou branco, homem ou mulher, brasileiro ou japonês – atinja seu potencial é o livre mercado. O livre mercado é o grande inimigo da discriminação. Mas, para ter um livre mercado que mereça esse nome, é recomendável eliminar toda lei que discrimina ou proíbe discriminar.
 
O senhor é contra leis que proíbem a discriminação?Sou um defensor radical da liberdade individual. A discriminação é indesejável nas instituições financiadas pelo dinheiro do contribuinte. A Universidade George Manson tem dinheiro público. Portanto, não pode discriminar. Uma biblioteca pública, que recebe dinheiro dos impostos pagos pelos cidadãos, não pode discriminar. Mas o resto pode. Um clube campestre, uma escola privada, seja o que for, tem o direito de discriminar. Acredito na liberdade de associação radical. As pessoas devem ser livres para se associar como quiserem.
 
Inclusive para reorganizar a Ku Klux Klan?Sim, desde que não saiam matando e linchando pessoas, tudo bem. O verdadeiro teste sobre o nosso grau de adesão à idéia da liberdade de associação não se dá quando aceitamos que as pessoas se associem em torno de idéias com as quais concordamos. O teste real se dá quando aceitamos que se associem em torno de ideais que julgamos repugnantes. O mesmo vale para a liberdade de expressão. É fácil defendê-la quando as pessoas estão dizendo coisas que julgamos positivas e sensatas, mas nosso compromisso com a liberdade de expressão só é realmente posto à prova quando diante de pessoas que dizem coisas que consideramos absolutamente repulsivas.
 
O senhor exige ser chamado de “afro-americano”?Essa expressão é uma idiotice, a começar pelo fato de que nem todos os africanos são negros. Um egípcio nascido nos Estados Unidos é um “afro-americano”? A África é um continente, povoado por pessoas diferentes entre si. Os vários povos africanos estão tentando se matar uns aos outros há séculos. Nisso a África é idêntica à Europa, que também é um continente, também é povoada por povos distintos que também vêm tentando se matar uns aos outros há séculos.
(…)
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Surrupiei da Veja.com; do Reinaldo Azevedo; li a entrevista na versão impressa. Enfim, é o "socialismo de resultados".
Não sou socialista.

13 de mai. de 2016

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  • Nos limites da imundície humana.

https://youtu.be/gbGAxfYGJNQ

  • Sertanejo, SertaNoJO e BoSTAnejo? Qual a diferença?


  • De onde vem a Sebosidade do Luan Santana?

https://youtu.be/wp_-Bnm6hDo

  • Como fazer um HIT SERTANOJO!

https://youtu.be/cnu6ik3mFb4

  • Lucas Lucco - Mozão

A ordem sem progresso e a corrupção

José de Souza Martins, O Estado de S. Paulo (18/09/05)

Superado o embate esquerda-direita, o que se vê agora é o embate entre o Brasil moderno e o Brasil arcaico
O Brasil que ganhou visibilidade nos últimos meses e teve seu momento litúrgico mais importante na sessão de quarta-feira da Câmara dos Deputados, quando da cassação do deputado federal Roberto Jefferson, não é o Brasil da corrupção e do moralismo relutante. Tampouco é esse um embate entre direita e esquerda. Os angustiantes capítulos dessa novela nos falam de outro Brasil, que agoniza mas insiste. O embate é entre o arcaico e o moderno. Nos costumes antigos, o Brasil arcaico tem insistido em ficar. Também na vida política e na vida social. E ainda é forte entre nós a cultura da permanência, o arcaico sobrevivendo, demorando-se além de seu tempo. Na política não há especialistas na arte de bem morrer, o que é uma pena. No passado era malvista a resistência do moribundo a morrer quando chegava sua hora. Mas havia os que tratavam de convencê-lo a partir.
Sempre que se fala em corrupção não são poucos os que se surpreendem. Menos por sua ocorrência e muito mais pelo conceito estranho e negativo para coisa conhecida e aceita. A população sabe bem o que é o roubo e o abomina e pune, até mesmo com a cruel violência do linchamento. Mas corrupção já é outra coisa, dinheiro que os mandões desde os tempos do Império podiam aplicar em benefício dos desamparados, dos pobres e carentes. Não havia distinção, e em muitas partes continua não havendo, entre o público e o privado, conceitos provenientes de sociedades que tiveram outra história. A República se fez à custa da transigência em relação a esses e outros limites.
Quem ataca a corrupção acaba atacando os pilares da persistente política brasileira do clientelismo e do populismo, os fundamentos da chamada dominação patrimonial. Mesmo em nossas grandes e supostamente modernas cidades, esse é o meio pelo qual milhões de brasileiros têm acesso a algum benefício público. Mesmo para ter direitos assegurados em lei, milhões de brasileiros dependem do patrocínio e da proteção de algum pai da pátria e sua rede de dependentes e serviçais, até mesmo no supostamente burocrático e neutro guichê de repartição pública. Em parte, o Congresso Nacional é a instituição que reflete esse Brasil real.
O Brasil arcaico não vê corrupção em diferentes modos pelos quais se dá a transferência de dinheiro do público para o particular e do particular para o público em nome de interesses e conveniências que não podem ser reconhecidos por escrito. A lei, que expressa os anseios do progresso, fica postiça em face dos anseios do costume e da ordem, do chamado Brasil profundo, que não está apenas lá longe nos sertões, mas está também aqui mesmo no substrato da nossa consciência coletiva e de nossas tradições mais antigas, na nossa tolerância e na nossa indiferença. Estamos acostumados. O embate entre a ordem e o progresso é antigo entre nós. Não por acaso foi colocado pelos republicanos na Bandeira Nacional como lema da conciliação e de todos, anunciando o progresso lento, regulado pela ordem e pela tradição. Somos prisioneiros desse impasse e nada indica que ele será superado no nosso tempo.
Os cientistas sociais previram que o Brasil moderno venceria o Brasil arcaico. Mas a lentidão da nossa história mostra que as coisas não são bem assim. Todo esse confuso enredo político destas semanas é cabal demonstração de que mesmo um partido político como o Partido dos Trabalhadores, que se pretende o partido da história e o partido da modernidade, o verdadeiro partido de esquerda, tem uma prática política carregada de arcaísmos. Não só nas ações ilícitas que vêm sendo denunciadas. Mas também nos arranjos políticos corporativos que o sustentam, liames tanto com um novo clientelismo rural quanto com um novo populismo urbano. Ao se propor como um partido popular de excluídos, e não propriamente como um partido socialista de trabalhadores, apesar do nome, o PT se mostra como um partido do Brasil arcaico na sua política social neopopulista e neoclientelista, como é evidente na suplência caritativa de programas como o Bolsa-Família. Uma política necessária, aliás, mas não decisiva nem transformadora. O PT não é um partido de esquerda porque, nessa sua orientação, não se propõe como um partido de emancipação do povo de suas carências e dependências, não se propõe como um partido de libertação, de rompimento da subalternidade dos condenados a prestar homenagem aos donos do poder. Em vários rincões remotos do País ouvi de sertanejos essa expressão, como magoado nome da servidão em que muitos ainda vivem, tendo de, por qualquer motivo, pedir a bênção a quem comanda e decide os direitos dos outros. A corrupção lubrifica essa engrenagem.
No entanto, na lentidão característica de nossa história, tem havido avanços. Esta semana foi adversa para o Brasil arcaico, de direita ou de esquerda. A prisão preventiva de um ex-governador e ex-prefeito, a cassação do deputado que fez a coerente justificativa da indistinção entre público e privado, a revelação das bases do poder retrógrado do presidente da Câmara. E também o encaminhamento dos pedidos de cassação dos novos representantes da ordem. O Brasil legal deu passos para passar a limpo o Brasil do costume, para trazer esquerda e direita ao mundo moderno.
Mas ao mesmo tempo, apesar da crise, o declínio do prestígio do presidente, inferior ao previsível e racional, mostra que ele é sustentado pelo próprio carisma, relativamente a salvo do que ocorre com o PT, um carisma que é a expressão mais densa do Brasil arcaico, místico, que trocou a esperança política pela esperança religiosa, ainda que com cara partidária. Os votos contrários à cassação do deputado, que somaram um terço do total, expressam a mesma coisa. E toda a contradição de ordem e progresso chegou ao Supremo Tribunal Federal: ficou clara no habeas-corpus dado aos deputados petistas que estão a caminho da cassação. O Brasil arcaico se protege nos formalismos da lei e dos ritos do Brasil moderno. Necessitam-se reciprocamente.

* José de Souza Martins é professor titular de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

12 de mai. de 2016

Os meninos-lobo - Claudio Moura Castro - publicado na VEJA

Cláudio de Moura Castro

Os meninos-lobo

"Nossa juventude estará mal preparada para a sociedade
civilizada se insistirmos em uma educação que produz uma competência linguística pouco melhor do que a de meninos-lobo"

No velho conto de Rudyard Kipling Mogli, o Menino-Lobo, o autor descreve uma criança que, adotada por uma loba, cresce sem jamais haver usado uma só palavra humana, até ser encontrada e se integrar à sociedade. O conto é atraente, mas cientificamente absurdo. Porém, houve outros casos, supostamente reais, de crianças criadas por animais. E também casos reais (até recentes) de crianças que cresceram isoladas e sem oportunidades de aprender a falar. 

Faz tempo, meninos-lobo e outros jovens criados sem interação humana despertaram o interesse da psicologia cognitiva e da linguística. A razão é que seriam um experimento natural que permitiria responder a uma pergunta crucial: esses jovens, sem conhecer palavras, poderiam pensar como os demais humanos?

A questão em pauta era decidir se pensamos porque temos palavras ou se seria possível pensar sem elas. Como os meninos-lobo não conheciam palavras, se podiam pensar, teria de ser sem elas. Nos diferentes casos de crianças criadas em isolamento, ficou clara a enorme dificuldade de ajustamento que elas encontraram ao ser reabsorvidas pela sociedade. Muitas jamais se ajustaram, fosse pelo trauma do isolamento, fosse pela impossibilidade de pensar humanamente sem palavras. Mas o fato é que não desenvolveram um raciocínio (abstrato) classicamente humano.

O interesse pelos meninos-lobo feneceu. Mas se aprendeu muito desde então, e hoje não se acredita que o pensamento sem palavras seja possível – pelo menos, o pensamento simbólico que é a marca dos seres humanos. Ou seja, Mogli não seria capaz de pensar.

"Vivemos em um mundo de palavras", diz o celebrado antropólogo Richard Leakey. "Nossos pensamentos, o mundo de nossa imaginação, nossas comunicações e nossa rica cultura são tecidos nos teares da linguagem... A linguagem é o nosso meio... É a linguagem que separa os humanos do resto da natureza." Para o neuropaleontólogo Harry Jerison, precisamos de um cérebro grande (três vezes maior do que o de outros primatas) para lidar com as exigências da linguagem.
Portanto, se pensamos com palavras e com as conexões entre elas, a nossa capacidade de usar palavras tem muito a ver com a nossa capacidade de pensar. Dito de outra forma, pensar bem é o resultado de saber lidar com palavras e com a sintaxe que conecta uma com a outra. O psicólogo Howard Gardner, com sua tese sobre as múltiplas inteligências, talvez diga que Garrincha tinha uma "inteligência futebolística" que não transitava por palavras. Mas grande parte do nosso mundo moderno requer a inteligência que se estrutura por intermédio das palavras. Quem não aprendeu bem a usar palavras não sabe pensar. No limite, quem sabe poucas palavras ou as usa mal tem um pensamento encolhido.
Talvez veredicto mais brutal sobre o assunto tenha sido oferecido pelo filósofo Ludwig Wittgenstein: "Os limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento". Simplificando um pouco, o bem pensar quase que se confunde com a competência de bem usar as palavras. Nesse particular não temos dúvidas: a educação tem muitíssimo a ver com o desenvolvimento da nossa capacidade de usar a linguagem. Portanto, o bom ensino tem como alvo número 1 a competência linguística.
Pelos testes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), na 4ª série 50% dos brasileiros são funcionalmente analfabetos. Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), a capacidade linguística do aluno brasileiro corresponde à de um europeu com quatro anos a menos de escolaridade. Sendo assim, o nosso processo educativo deve se preocupar centralmente com as falhas na capacidade de compreensão e expressão verbal dos alunos.
Ao estudar a Inconfidência Mineira, a teoria da evolução das espécies ou os afluentes do Amazonas, o aprendizado mais importante se dá no manejo da língua. É ler com fluência e entender o que está escrito. É expressar-se por escrito com precisão e elegância. É transitar na relação rigorosa entre palavras e significados.
No conto, Mogli se ajustou à vida civilizada. Infelizmente para nós, Kipling estava cientificamente errado. Nossa juventude estará mal preparada para a sociedade civilizada se insistirmos em uma educação que produz uma competência linguística pouco melhor do que a de meninos-lobo.

Claudio de Moura Castro é economista

Liberdade de Expressão

por Rodrigo Constantino, economista, do site Diego, em 11/11/2005

É fácil ser um defensor da liberdade de expressão quando isso se aplica aos direitos daqueles com quem estamos de acordo.” (Walter Block)
Vivemos na era do politicamente correto, da ditadura da maioria e do relativismo moral exacerbado. Tais características impõem sérios riscos à liberdade de expressão, ferramenta das mais valiosas da humanidade, que garante nosso progresso contínuo. Pretendo justificar a seguir, com argumentos, tal assertiva.
Em primeiro lugar, devemos entender que a liberdade de expressão diz que o indivíduo pode expressar suas idéias sem medo de coerção ou agressão. Ninguém é obrigado a lhe ceder os veículos de comunicação necessários. Cabe ao Estado apenas garantir sua segurança ao se expressar. Dito isso, devemos ter em mente que tal liberdade trará consigo o risco de escutarmos idéias controversas, que poderemos considerar até mesmo sórdidas. A liberdade somente existirá se as minorias forem livres para pregarem suas idéias, por mais absurdas que possam parecer. Natan Sharansky, autor de The Case for Democracy, chegou a criar um método simples de se avaliar quão livre é uma nação, bastando verificar se o indivíduo pode ir em praça pública e contrariar com palavras o governo, ou o consenso.
Infelizmente, muitos confundem liberdade com democracia, e ignoram que essa pode até mesmo acabar com aquela. Quando democracia não passa de uma ditadura da maioria, onde essa, mesmo que formada por 51% do povo, manda arbitrariamente no restante, não há liberdade verdadeira. Liberdade existe quando as minorias também são livres, e por isso as regras devem ser sempre isonômicas, válidas igualmente para todos. A fim de evitar este risco da ditadura de maiorias instáveis, os americanos criaram, logo na Primeira Emenda, o direito de liberdade de expressão, estendido a todos. Vindo em forma de pacote, as pessoas aceitam tal liberdade quase irrestrita, mesmo que tenham, com isso, que aturar as idéias opostas às suas. Em resumo, no Liberalismo, até mesmo um socialista, que prega a destruição do Liberalismo, pode se expressar. Já no Socialismo, o liberal possivelmente acabará em um gulag ou paredon. Eis mais uma grande distinção moral entre os dois modelos.
Tal ideal de liberdade de expressão está longe de ser nossa realidade. O patrulhamento do politicamente correto anula totalmente esta liberdade. O teste é quando temos que agüentar o discurso contrário ao nosso, não quando garantimos a liberdade de repetirem, como vitrolas arranhadas, o consenso. E precisamos lembrar que a regra deve ser objetiva, válida igualmente para todos. Não é difícil citar exemplos contrários a tal modelo livre. A tentativa do governo do PT de impor uma cartilha politicamente correta foi o mais assustador passo na direção da supressão da liberdade de expressão. Mas fora isso, inúmeros outros casos demonstram pouca liberdade. Eu sinto enorme repúdio tanto pelo nazismo como pelo comunismo, ambos regimes genocidas e até mesmo similares em vários aspectos. Entretanto, é vetado por lei defender o nacional-socialismo ou ostentar a suástica, enquanto até mesmo o presidente da Câmara pertence ao Partido Comunista do Brasil, com a foice e o martelo como símbolo. Por que? Por que os nazistas não podem pregar suas idéias, e os comunistas, que mataram bem mais gente, podem? Eu, particularmente, adoraria que ninguém mais fosse tão mentecapto a ponto de defender qualquer um desses dois regimes. Mas não acho correto e justo usurpar a liberdade de expressão dos seus defensores. Creio que até os néscios devem ser livres para defenderem suas estultícies!
O caso do racismo também é sintomático. Atualmente, um sujeito pode acabar até mesmo preso por chamar outro de preto, mesmo que ele seja preto. Ora, e se for chamado de “branquelo”? Onde isso vai acabar? Ninguém mais poderá contar piadas de judeu, português etc? Em que mundo queremos viver? Num mundo onde uma cúpula de burocratas decide o que pode e o que não pode ser dito, cedendo às pressões dos grupos de interesses? Ou em um mundo onde as regras são simples e isonômicas, e há liberdade de expressão até o limite das ameaças ou fraudes?
O relativismo moral entra também nesse conjunto que ameaça a liberdade de expressão. Como exemplo podemos citar o caso de Salman Rushdie, romancista que escreveu Versos Satânicos, e foi jurado de morte por radicais islâmicos porque teria “ofendido” Khomeini. Os relativistas logo afirmaram que o autor não respeitou as crenças islâmicas, justificando o injustificável: a ameaça de morte porque o indivíduo expressou suas idéias! O livro de Dan Brown, O Código Da Vinci, sucesso de vendas, desagradou bastante a Igreja Católica. Ora, será que vamos defender o direito do Vaticano de ameaçar o autor? Dois pesos e duas medidas, outro grande risco à liberdade.
Por fim, o cerceamento da liberdade de expressão coloca em risco o nosso progresso. É simples ver isso, bastando pensar como estaria o mundo se as idéias controversas do passado tivessem sido caladas pelo politicamente correto, pela defesa do status quo vigente. Darwin, Einstein, Galileu, Newton e vários outros não teriam tido a oportunidade de levantarem suas teorias, que ajudaram a mudar o mundo. Como diz Walter Block, “é imperativo que os inimigos da liberdade de expressão sejam vistos exatamente como são: oponentes do progresso da civilização”.
Pelo bem da humanidade, devemos abraçar essa idéia com força! Com a exceção de ameaças ou fraudes, os indivíduos devem ser livres para falarem aquilo que quiserem, não importa o quanto incomode ou choque a visão do consenso. Posso considerar um perfeito idiota o sujeito que achar tudo o que eu disse completamente idiota. Mas nesse mundo que defendo, com ampla liberdade de expressão, ambos poderemos expor nossas idéias. No dele, este artigo estaria vetado, e eu estaria perdido...
...
......falas de liberdade, mas só aquela que lhe convém...

7 de mai. de 2016

A CORAGEM DE DIZER “NÃO”

Como Rosa Parks levou às multidões a luta pela igualdade racial.

Em 1º de dezembro de 1955, a costureira negra Rosa Parks chegou ao seu limite. Mais num desabafo espontâneo do que por cálculo, ela se recusou a ceder seu assento num ônibus da cidade de Montgomery, no Alabama, a um homem branco. Rosa – que morreu no último dia 24, aos 92 anos de idade – foi presa, fichada, pagou multa de 14 dólares e mudou a história americana. Seu protesto solitário pôs fogo no Sul dos Estados Unidos, onde a segregação social era regra. Com ele, Rosa tirou a luta pelos direitos civis da esfera das vanguardas políticas e intelectuais, levando-as às multidões.Medalha Presidencial pela Liberdade e, 1999, a Medalha de Ouro do Congressoa mais alta honraria civil americana. Mas seus últimos anos foram melancólicos. Sem dinheiro para o aluguel, ela contava apenas com a ajuda de uma igreja local para sobreviver.
Por causa dela, um pastor de 26 anos, Martin Luther King Jr., organizou os negros sulistas num boicote ao transporte público que durou 381 dias e fez de King o grande líder do movimento pela igualdade dos negros – este, por sua vez, a mais profunda convulsão social dos Estados Unidos no período, culminando, em 1964, com a lei que baniu a discriminação racial em todos os estabelecimentos públicos. Em 1957, Rosa e sua família trocaram Montgomery por Detroit, em razão das ameaças de morte que recebiam, da dificuldade em conseguir emprego e também por causa de seus desentendimentos com King e outros líderes, secretamente ciumentos da forma como a costureira arrancara uma bandeira de suas mãos ao protagonizar um dos gestos mais corajosos e politicamente eficientes da história contemporânea. Rosa recebeu, em 1996, a

Besteiras

Há um mínimo de dignidade que não se pode negociar

Besteiras

“Os homens pensam que a epilepsia é divina meramente porque não a compreendem. Se eles denominassem divina qualquer coisa que não compreendem, não haveria fim para as coisas divinas.” Hipócrates

5 de mai. de 2016

Português


"Também tenho meus preconceitos linguísticos. Sou mais devotado às filigranas linguísticas inusitadas de uma estética literária refinada situada numa região diametralmente oposta à vulgaridade que sempre tenta comparecer por meio de um palavreado despido de conhecimentos gramaticais elementares, representados por palavras de baixo calão ou desprovidas de sentido utilitário ou diletante."

...de um amigo

3 de mai. de 2016

Movimento Nacional em Defesa da Lingua Portuguesa - Evanildo Bechara

Norma culta e democratização do ensino
Descrição: http://www.novomilenio.inf.br/imagens/colorbar.gif

"...que o aluno saiba escolher as modalidades adequadas a falar com gíria, a falar popularmente, a saber entender um colega que veio do Norte ou que veio do Sul, com os seus falares locais, e que saiba também, nos momentos solenes, usar essa língua exemplar, que é o patrimônio da nossa cultura e que é o grande baluarte que esta Academia defende."
Evanildo Bechara (*)
(...)
Falar do tema que me foi proposto, A norma culta em face da democratização do ensino, é aparentemente um tema fácil, mas um tema extremamente complicado tanto do ponto de vista de teoria da linguagem, como do ponto de vista de pedagogia. O que vem a ser uma norma e o que vem a ser uma norma culta no idioma? Podemos dizer que este assunto, que se vem prolongando e debatendo desde a Antigüidade clássica, desde os retóricos e os gramáticos gregos, e os dialéticos gregos e romanos, este assunto ganha, ultimamente, uma dimensão muito especial.
De modo que é muito complexo falar de correção da linguagem, da correção idiomática, sem fazer referência a esse esforço dos grandes teóricos da lingüística, principalmente os teóricos do final do século XIX e do início do século XX. São teorias que vêm reformular este conceito de norma, este conceito de norma culta, tanto no plano teórico da linguagem, como no plano da pedagogia, das línguas, e em especial, da língua portuguesa.
Deixo de lado aqui aquele grupo de lingüistas que acreditam que as preocupações prescritivas da gramática tradicional são inconseqüentes do ponto de vista científico, e portanto, sem nenhum interesse para a lingüística e inoperantes para a vida livre da linguagem, razão por que recomendam que os gramáticos e professores de língua deixem seu idioma em paz. Desta confusão, fala o nosso saudoso Mattoso Câmara, com o peso da sua competência. Cito-o não só para reviver a memória do nosso primeiro lingüista, mas e por isso mesmo, para mostrar que a crítica parte de um lingüista e não de um gramático ou de um professor de língua.
"...a gramática normativa tem o seu lugar e não se anula diante da gramática descritiva, científica..."
Normativa/descritiva - Diz o Mattoso: "Assim, a gramática normativa tem o seu lugar e não se anula diante da gramática descritiva, científica, mas é um lugar à parte, imposto por injunções de ordem prática dentro da sociedade. É um erro profundamente perturbador misturar as duas disciplinas, e pior ainda, fazer lingüística sincrônica com preocupações normativas".
São muitos os aspectos que merecem comentários sobre este tema, mas vou escolher um aspecto que considero importante, tanto no plano teórico, quanto no pedagógico, o que se há de entender como correção de linguagem.
Infelizmente, como disse, o assunto tem sido descurado na teoria lingüística, sob a enganosa impressão de que se trata de questão de pouca monta. Infelizmente, o problema demandaria maior atenção de lingüistas e de teóricos da linguagem, pois, da certeira conceituação do que vem a ser correção de linguagem, adviria orientação segura à elaboração de uma gramática normativa, por ter como função precípua esse tipo de questão.
Na literatura científica, um dos primeiros lingüistas em se preocupar como tema foi o sueco Adolf Noreen, cujas idéias foram discutidas por outros especialistas, entre os quais cabe menção especial ao conhecido lingüista e teórico dinamarquês Otto Jespersen, num livro de divulgação escrito por solicitação do Instituto Norueguês de Pesquisa Comparada em Cultura Humana, saído em Oslo em 1925, e traduzido para o inglês e daí vertido para outras línguas.
Três fatores - Depois de apontar adesões e oposições de compatriotas de Noreen e Jespersen, informa-nos que, para o lingüista sueco, o problema dos critérios de correção de linguagem está ligado a três fatores, dois já conhecidos dos investigadores, fatores que para Noreen estavam sob suspeição, e um, o último de sua responsabilidade, o chamado histórico-literário, o histórico-natural, e o último que ele defende, que é o racional.
Por histórico-literário, compreende o fator que se fundamenta no prestígio de autores literários de uma época considerada áurea, em que escreveram aqueles que se consideram clássicos, e assim modelares no que toca à correção de linguagem.
Tanto nosso autor como seus críticos mostraram a relativa inoperância desse fator, já que nem tudo que os clássicos do passado usaram tem ou pode ter vigência hoje, e depois são, do ponto de vista lingüístico, muito frágeis as razões que justificam a escolha de um período histórico, em detrimento de outro também do passado. Todavia, este critério tão discutível foi, durante muito tempo, a orientação que se imprimiu nos estudos com vistas à correção de linguagem, apesar de vozes autorizadas alertarem para o perigo do processo, como a de Silva Ramos, um dos acadêmicos fundadores desta Casa, distinto professor de Português do Colégio Pedro II, que afirmava mais ou menos isso: "No altar dos clássicos, encontra-se quase sempre perdão para todos os erros de linguagem".
O segundo fator, o histórico-natural, se baseia na idéia muito divulgada no século XIX, e vigente em alguns lingüistas de hoje, segundo a qual, sendo a língua um organismo vivo em perpétua mudança, ninguém deve perturbar essa mudança, mas, ao contrário, deve deixá-la livre em plena liberdade. É o que insinua, por exemplo, o livro do lingüista norte-americano Robert Hall, em 1950, Leave your language alone (Deixe sua língua em paz). O mesmo Noreen tem por absurda e anárquica essa maneira de encarar a questão do correto e do erro em língua.
Para o sueco, só resta nesta matéria levar em conta um fator a que chamou racional, e que consiste em apelar para o bom senso. Aceitando as críticas que lhe foram endereçadas, resume assim seu parecer: "A melhor expressão é aquela que alia, à inteligibilidade necessária a maior simplicidade".
...sete critérios:
o critério da autoridade;
o critério geográfico;
o critério literário;
o critério aristocrático;
o critério democrático;
o critério lógico;
e o critério estético.
Critérios - Depois de analisar alguns pontos débeis da proposta de Noreen, Jespersen parte para fixar os seus critérios de correção de linguagem, elencando para tal esses sete critérios: o critério da autoridade; o critério geográfico; o critério literário; o critério aristocrático; o critério democrático; o critério lógico; e o critério estético.
1 (autoridade)  - Consiste o critério de autoridade na existência de um poder central donde emanam recomendações, ou mesmo determinações, que levam ou obrigam a que a comunidade se regule pelas normas fixadas. É o caso, por exemplo, de Academias atuantes como a Academia Francesa, a Academia Espanhola, a Academia Italiana, e agora, a Academia Brasileira de Letras, com estes cursos, sendo que as primeiras editam gramáticas, boletins e dicionários, onde se recomendam uma ortografia oficial, se registram a significação normal mais usual das palavras e certas construções gramaticais havidas por mais consentâneas com a tradição escrita culta.
Aqui mesmo está um livro recente, La Crusca risponde, que é um livro dos acadêmicos da Academia de La Crusca (crusca em italiano quer dizer farelo), então, o objetivo da Academia de La Crusca era exatamente separar a farinha do farelo, isto é, o joio do trigo, a fim de que os italianos tivessem, pelo respaldo da Academia, as melhores palavras, as melhores construções e as melhores formas verbais. Aqui também, por exemplo, um livro publicado, relativamente recente, Novedades en el dicionário acadêmico, que é um trabalho com o título La Academia Española trabaja; é uma obra em que também a Academia Espanhola dá o seu parecer, pelo testemunho e pelo estudo dos acadêmicos, daquelas palavras sobre as quais o público, em geral, tem dúvida e naturalmente as emprega mal.
A nossa Academia atual, a Academia Brasileira de Letras, já tem um Vocabulário Ortográfico pronto, um Dicionário Onomástico, trabalha num Dicionário de Língua Portuguesa, e oxalá, em breve, esteja trabalhando na Gramática da Academia, que é um dos preceitos do seu Regulamento.
Algumas vezes, o escritor, pelo prestígio de sua cultura e difusão de sua obra, passa a ser uma referência de modelo, quase sempre sem que disso tenha alguma interferência ou consciência. Camões, por exemplo, não pretendeu com Os Lusíadas servir de diapasão para os escritores de seu tempo e do seu século, e dos séculos seguintes mais próximos a ele. Mas a verdade é que a linguagem camoniana contribuiu para uniformizar muitas formas duplas, correntes ao seu tempo, dentre as quais o épico fez as suas escolhas, em lugar das formas que corriam e que ainda correm em Os Lusíadas, como antre, o sufixo airo de contrairo, a palavra piadade. Camões fixou definitivamente, para a Literatura Portuguesa, a preposição entre, nessa forma moderna, o sufixo ario de contrário e a palavra piedade.
Na França, Vaugelas e seus companheiros só objetivavam o registro das formas cultas; todavia, passaram a ser autoridades aos seus contemporâneos e aos pósteros. Tal peso de autoridade recai muito freqüentemente nas obras lexicográficas. A Academia Espanhola editou um prestimoso guia com o título de Dicionário de autoridades, isso no século XVIII. Entre os escritores e a classe culta portuguesa, exerceram extraordinário poder de sistematização da língua do século XIX e XX, o Dicionário do fluminense Moraes Silva, a partir da 2ª edição de 1803, e o Dicionário contemporâneo, de Aulete e Santos Valente, a partir de 1881.
Os consultórios gramaticais veiculados pelos jornais se constituíram em paladinos da boa linguagem, às vezes, com certos exageros e enganos. Neste particular, ressalta-se o trabalho desenvolvido por Cândido Figueiredo, fraco em Filologia, mas que contribuiu enormemente para o cuidado que se deve prestar à correção de linguagem. Suas fraquezas ensejaram a que seus contraditores escrevessem excelentes repositórios de boa doutrina, como os Fatos de linguagem de Heráclito Graça, antigo membro desta Academia e hoje injustamente esquecido, e tantos outros.
2 (geográfico) - O segundo critério estabelecido por Jespersen diz respeito a uma pergunta muito freqüente entre o comum das pessoas: onde se fala melhor o português? Onde se fala melhor o francês ou o inglês? Neste particular, há idéias arraigadas que estão longe de corresponder à realidade, como lembra Jespersen. Aponta-se, em geral, a capital do país, por ser invariavelmente o centro cultural, ponto de confluência de políticos, escritores, intelectualidade em geral e da chamada boa sociedade.
Por exemplo, no Brasil, dois Congressos realizados, um em São Paulo, em 1937, sob o entusiasmo de Mário de Andrade, e outro em Salvador, em 1956, recomendaram o português padrão do Rio de Janeiro como a variedade modelar para o canto, em 1937, e o teatro, em 1956. Hoje, com a mudança da capital para Brasília, a transferência de escritores, artistas e intelectuais para fora do Rio, e o invisível esvaziamento cultural da antiga metrópole, não podemos afiançar se um Congresso agora repetiria a antiga recomendação, embora as poucas marcas regionalistas do falar carioca pareçam ainda gozar do prestígio social de outrora e da preferência do brasileiro em geral.
A crescente presença do sotaque paulista na televisão, quer de artistas, quer de anunciantes, pode provocar a médio e a longo prazo mudança nesse estado de coisas, que não será acelerado, se a nossa Academia prosseguir no valente percurso pelo qual se envereda a Academia Brasileira de Letras. Mas, às vezes, a resposta àquelas perguntas recai numa região longe da capital. Por exemplo, o Maranhão ou o Pará, pela profunda presença portuguesa.
Do ponto de vista científico, diz Jespersen, onde se fala melhor o inglês londrino é em Londres. O melhor inglês-americano é nos Estados Unidos, como o melhor português piauiense é no Piauí, o melhor algarvio é no Algarve, e assim por diante, simplesmente porque a melhor e genuína variedade lingüística está na região em que ela é falada, seja na capital, seja num modesto lugarejo, o que significa que os diversos dialetos de uma língua histórica são igualmente válidos e igualmente corretos em relação à tradição que aí viceja triunfante e avassaladora, e os usos que dela, porventura, destoem são considerados errados ou estranhos pela respectiva comunidade lingüística.
3 (literário) - O terceiro critério arrolado por Jespersen é o literário, de cuja fragilidade já falamos, ao comentar o fator histórico-literário de Noreen. É bem verdade que o mérito literário de um escritor que prima em manifestar-se numa língua cuidada tem servido de modelo à correção de linguagem. Foi até a metade deste século, o caso de Castilho, de Herculano, de Camilo, em Portugal; e de Machado de Assis, Aloísio Castro, Rui Barbosa, e mais recentemente, a prosa de Graciliano Ramos, de Manuel Bandeira e de Érico Veríssimo, para não citar os acadêmicos desta Casa de Machado de Assis.
O critério se fragiliza quando se dá o caso de um escritor que, pela elevação de seu talento, merece um posto na literatura do seu país, mas que não se mostrou cuidadoso na observância da tradição culta da língua. Se o critério literário não é razão suficiente para transformar um escritor cuidadoso do vernáculo numa autoridade suprema de correção de linguagem, é certo que, entre alunos e iniciantes, muito contribuiu na homogeneização e estabilidade da língua do seu tempo, como bem arremata Jespersen.
4 (aristocrático) - O quarto critério, o aristocrático, consiste em atribuir importância à chamada "boa sociedade", na tarefa de se atingir a correção de linguagem. O grande obstáculo do critério é determinar que fração da sociedade integra essa classe de falantes. No tempo em que o prestígio residia na Corte e nos seus freqüentadores mais próximos, essa parte da sociedade, pelas alianças matrimoniais e questões de política e de cultura, ficava muito exposta à influência de Cortes estrangeiras. Jespersen lembra, por exemplo, o tempo em que a Corte e a nobreza dinamarquesa recebiam forte influência do alemão, de modo que a pronúncia e o sotaque de Holstein eram considerados o máximo de refinamento nos ambientes aristocráticos, embora fossem estranhos a esse idioma, e a imitação ficasse restrita a esse pequeno círculo de pessoas.
É bem verdade que as classes ditas inferiores tendem a imitar a fala das classes mais elevadas, social e culturalmente consideradas; e neste convívio de influências, nota-se certo resultado na homogeneização e estabilidade do idioma. Em sentido contrário ao critério aristocrático, Jespersen arrola o critério democrático que, partindo do princípio de que todos os homens são iguais, considera "correção de linguagem" o conjunto de usos majoritariamente empregado na comunidade. Tudo na língua depende de um consenso.
5 (democrático) - A história dos fatos lingüísticos de uma língua, através dos tempos, tem-nos mostrado que não só existe a influência de hábitos de falar da camada aristocrática na feição da língua comum, mas ainda, que hábitos do falar da camada da camada popular têm exercido a mesma função de modelo. Num livro clássico de lingüística diacrônica, Cultura e língua francesa - História da língua literária da França desde os começos até o presente (1ª edição alemã em 1913, 2ª edição também alemã, revista em 1929), o lingüista e filólogo alemão Karl Vossler registra que a vacilação dos fonemas e e a (lermes/larmes, achate/achete), do "o" fechado, "o" aberto e ou (boche/bouche, hoste/houste), entre outros fatos, foram hábitos da fala popular que ascenderam entre os séculos XVI e XVII, sob a força da moda, de tal maneira, que Vossler chega a afirmar que, desde o século XVI, é muito difícil haver uma novidade vitoriosa de pronúncia que não tenha, antes, sido proferida pela boca popular parisiense.
Não basta muita atenção para verificarmos que esse critério democrático tem limites próximos do falar histórico-natural apontado por Noreen e que antes comentamos, segundo o qual, tudo na língua é igualmente correto e incorreto, na dependência exclusiva do gosto da maioria, fazendo eco de semelhante parecer corrente entre os estudiosos da Antigüidade, como o de Sulpício Apolinário, gramático romano morto por volta do ano 160 d.C., professor de Aulo Gélio, ao referir-se ao omnium pluriumve consensu, citado no excelente artigo do lingüista alemão Harald Weinrich sobre Vaugelas e a questão do bom uso de linguagem no classicismo francês, recolhido no livro Wege der Sprachkultur, publicado em Stuttgart, em 1985.
Apesar da fragilidade do critério democrático, Jespersen reconhece que ele vige ainda hoje, mascarado sob o peso do valor do uso, em questão de linguagem, considerado a autoridade máxima para dirimir dúvidas neste particular. Já o velho Horácio assim se pronunciava na Ars Poetica: "Se o uso assim quiser, pois só a ele pertence a soberania, o direito e a norma da língua".
Essa idéia, exposta por lingüistas e gramáticos do século XIX, chega-nos por esta via, cremos, pela primeira vez, numa citação do grande sintaticista Said Ali ao inglês Sayce, onde ele diz que: "O uso do certo e do errado vale mais pelo dito, do que pelo veredito do gramático, ainda que seja ilustre".
O sexto e penúltimo critério arrolado por Jespersen é o lógico, segundo o qual a "correção de linguagem" está intimamente relacionada, e delas depende, com as leis gerais do pensar. Assim, a "correção" tem valor universal e deverá estar presente em todos os homens, independentemente de nação e de língua.
6 (lógico) - O apelo à lógica é geralmente desaprovado pelos lingüistas, muitos dos quais, como Morf, afirmam que "a língua não é lógica nem ilógica, mas alógica". Apesar desse voto em contrário, não se poderá pensar que a língua, veículo de conteúdos da consciência, funciona em contradição com os princípios do pensamento, com a "lógica" entendida em sentido muito extenso.
Lembra ainda Jespersen que, muitas vezes, em nome da lógica ou como seu representante legítimo, alguns velhos lingüistas tinham em mira o modelo do latim, já que, como sabemos, o idioma de Cícero foi considerado, por muito tempo, a língua suprema por se levar, em grande parte, o que se considerava a sua "logicidade", tal qual, nos dias de hoje, muitos lingüistas consideram, aliás erradamente, que as propriedades do inglês sejam válidas e onipresentes para todas as línguas, antigas e modernas. Todos os manuais de lingüística atual se baseiam no inglês, como se o inglês fosse um modelo para todas as línguas, como até o século XIX era o latim para todas as línguas, até para as línguas indígenas.
A seguir, passa Jespersen ao comentário de frases e construções gramaticais tidas por "ilógicas", como "a mesa redonda é quadrada", "dois e dois são cinco" etc.
7 (estético) - Por fim, vem o critério artístico, segundo o qual a "correção de linguagem" está sujeita ao nosso sentimento estético ou à nossa sensibilidade artística, pelos quais linguagem correta vale o mesmo que linguagem bela. Tal opinião se baseia no fato de que, se perguntarmos a alguém o que pensa de dois modos de dizer apresentados à sua consideração, a pessoa declara que um é melhor que o outro, ou que lhe soa mais agradável e, por isso mesmo, mais correto.
Chegado ao final da análise dos critérios estabelecidos, confessa Jespersen que se sente como se estivesse no início da discussão, sem ter nas mãos critério ou critérios cientificamente sólidos e capazes de permitir um juízo definitivo.
Oiticica - Esta deficiência dos critérios de Jespersen foi notada por José Oiticica, uma das glórias do magistério do Colégio Pedro II, cuja força de inteligência e de cultura está mais nos dispersos em revistas e jornais, do que nos livros publicados para o ensino da língua portuguesa, especialmente no Manual de análise léxica e sintática e no seu Manual de estilo. No Curso de Literatura, escrito por volta de 1945, e publicado em livro, postumamente, em 1960, Oiticica discute os critérios do mestre dinamarquês, insistindo, de início, na distinção entre "língua usual" e "língua padrão", uma vez que "não podemos aplicar a ambas o mesmo critério de correção".
Depois de concordar com algumas opiniões de Jespersen e discordar de muitas outras, adianta que o critério de correção está na tradição dos mestres da língua, considerando como mestres os escritores e os gramáticos, definindo a "correção de linguagem" como "a equilibrada observação da tradição gramatical dos mestres da língua".
Apesar de dar alguns passos na boa direção, a verdade é que faltou a Oiticica a visão globalizante do problema, visão globalizante que vai encontrar no teórico da linguagem Eugenio Coseriu, a nosso ver, o justo tratamento das diversas facetas que a questão envolve. Infelizmente, Coseriu ainda não deu à estampa um livro que prepara há vários anos, intitulado O problema da correção idiomática, mas muitos dos seus fundamentos teóricos estão na ampla bibliografia do mestre, e muitas antecipações da questão se encontram no livro mais recente, Competência lingüística: elementos da teoria do falar, saído em 1988 em alemão, e em 1992, em espanhol.
Tübingen - Para tomar a trilha do bom caminho, torna-se necessário recordar alguns pontos fundamentais da teoria do lingüista de Tübingen, o que procuraremos explicar a seguir.  Compreendida a linguagem como atividade humana universal do falar, ela realiza-se individualmente, mas sempre dentro de acordo com as tradições das comunidades históricas, e pode diferenciar-se em três planos relativamente autônomos: o plano universal, o plano histórico e o plano individual.
O plano universal, ou do falar em geral, se apresenta como prática universalizada, não historicamente determinada, isto é, alude a todos os homens adultos e normais que falam, independentemente de que língua falem. É o plano do falar em geral, e a ele nos referimos quando dizemos que tal criança ainda não fala, ou que os animais não falam. Não queremos, com estas declarações, aludir a uma língua concreta (português, espanhol, inglês etc.), mas à capacidade de falar.
O plano histórico faz referência a uma língua determinada, inserida numa tradição histórica, razão por que não existe simplesmente língua, mas língua portuguesa, língua inglesa, língua latina, língua francesa etc., isto é, a língua acompanhada de um adjetivo que a liga a uma tradição histórica. Até as línguas inventadas (como o esperanto ou o volapuque), ao serem construídas, passam a representar uma nova tradição histórica do falar. Esta consciência histórica é conhecida do falante ou da comunidade falante, que distingue a sua língua da língua dos outros, como se referiu no início o nosso querido acadêmico Antonio Olinto.
O plano individual faz alusão ao fato de ser sempre um indivíduo que fala uma língua determinada, e o faz, cada vez, segundo uma circunstância determinada. A atividade de um indivíduo falar, conforme a conveniência de uma dada circunstância, chama-se "discurso" e diz-se que, nessa aplicação, não se deve confundir discurso com texto, já que o texto é entendido como produto desta atividade, produto do discurso. O discurso, tal como o texto, está determinado por quatro fatores: o "falante", o "destinatário", o "objeto" ou tema de que se vai falar, e a "situação".
Como toda atividade, o falar é uma atividade que revela um saber fazer, uma competência, ainda que intuitivamente sabido, sem possibilidade, portanto, de poder ser fundamentado, isto é, um saber não reflexivo. Os gregos tinham para saber três palavras diferentes: doxa, que era o saber de informação aleatória; o saber por uma técnica aprendida, que é o téchne; e tinham o saber reflexivo, que era o episteme.
Nenhuma língua é per si clara ou obscura, o pensamento que através dela se comunica é que é claro, obscuro, contundente ou não.
Saber falar - Consoante os planos aqui distinguidos na linguagem, poderemos ter um saber falar em geral (chamado saber elocutivo ou competência lingüística geral); um saber falar uma língua determinada, como representante de uma comunidade lingüística com tradições comunitárias do saber falar (chamado saber idiomático ou competência lingüística particular); e um saber falar individual, com vista à maneira de construir textos em situações determinadas (é o chamado saber expressivo ou competência textual).
Isso que fazemos com grande fundamentação teórica, os gregos já faziam e os romanos também, nos primeiros momentos da escola, onde o aluno ia aprender o trívio, isto é: a primeira gramática, que nunca deixou de ocupar o primeiro lugar; depois, a retórica e a dialética, sendo que a retórica e a dialética mudavam de posições no trívio. Então, a gramática é justamente esse saber idiomático, é saber uma língua determinada. A dialética é o saber pensar, é o saber construir o texto por meio da linguagem, e a retórica é a organização do texto, é filtrar o texto, elaborar o texto de acordo com a situação com que a pessoa se defrontava. Então, estes três saberes já estavam contemplados pela antiga escola greco-romana.
O saber elocutivo ou competência lingüística geral não corresponde a saber falar uma língua determinada (português, inglês etc.), mas falar segundo os princípios da congruência em relação aos padrões universais do pensamento e do conhecimento geral que o homem tem das coisas existentes no mundo em que vive.
Lembra Coseriu que a norma de congruência não deve ser aqui confundida com os princípios do pensamento lógico; portanto, é uma falsa questão para o lingüista discutir se a língua é lógica, ou ilógica, ou alógica, simplesmente porque, embora extensamente entendidos, tais juízos não se aplicam a uma língua mas ao pensamento.
Essa confusão é comumente feita e se patenteia, por exemplo, na célebre declaração de Rivarol, no Discours sur l'universalité de la langue française: "Ce qui n'est pas clair n'est pas français". Na realidade, a clareza não é da língua francesa. Nenhuma língua é per si clara ou obscura, o pensamento que através dela se comunica é que é claro, obscuro, contundente ou não.
Ao saber falar (em) uma língua particular corresponde um saber histórico denominado saber idiomático ou competência lingüística particular, que é falar uma língua de acordo com a tradição lingüística historicamente determinada de uma comunidade. A dimensão desse saber idiomático não se restringe aos atos lingüísticos de um momento determinado (a dimensão sincrônica), mas alcança os atos não mais usados nesse momento (que é a dimensão diacrônica), o que permite que o falante possa afirmar coisas do tipo: "Isso não se diz mais", ou "Hoje preferimos dizer de outra maneira", ou "Isso pertence à linguagem antiga", ou ainda, "Só os idosos dizem assim", o que patenteia que o falante conhece na sua língua mais de uma sincronia.
Afora essa dimensão no tempo, esse saber idiomático identifica variedades que ocorrem numa língua histórica, isto é: variedades regionais, que são os dialetos; variedades sociais, que são os estratos sociais falados pelos diversos integrantes de uma sociedade; e o falar regional, vale dizer, se um ato lingüístico (palavra, expressão ou frase) é típico de uma região (por exemplo, o que no Brasil é trem, em Portugal é comboio; o que em Portugal se opta por estar a almoçar, no Brasil preferimos estar almoçando; o que no Rio de Janeiro se chama sinal luminoso de trânsito, em São Paulo é farol, mais para o Sul, semáforo, e em Porto Alegre, sinaleira).
Ao saber expressivo ou competência textual corresponde o saber estruturar textos, em consonância ou com atenção aos fatores gerais do falar, isto é, o falante, o destinatário, o objeto e a situação, já que há formas que dizem respeito a esses fatores. Assim, por exemplo, há de se levar em conta como falar com os superiores hierárquicos, com os mais velhos, com as senhoras, com as pessoas de pouca instrução, com as crianças. Às vezes, há normas rígidas, ou quase rígidas, na estruturação formal de um texto, como, por exemplo, se se trata de um soneto ou poema, há de ter uma forma fixa de quatorze versos; de um ofício, de um requerimento, de um telegrama, ou de uma dissertação acadêmica.
Há também formas lingüísticas tradicionalmente fixas. Para a saudação matutina, dizemos, em português, Bom dia! ou Bons dias!, ainda que a saudação aconteça num dia de chuva ou de cara feia, como o de hoje. Às vezes, as línguas utilizam modos tradicionais muito diferentes entre si. A apresentação inicial de pessoas, que se conhecem pela primeira vez, por exemplo, se faz entre nós com Satisfação!, enquanto o francês prefere Enchanté!, o italiano Piacere!, e o espanhol Mucho gusto!
Juízo de valor - Esses saberes, pelos seus desempenhos por parte dos falantes, estão sujeitos a juízos de valores, em relação aos três planos aqui distinguidos. Quando o saber se manifesta na atividade do fazer, no saber fazer, recebia entre os gregos o nome de téchnè, assim um título como téchnè grammatiké denunciava um saber de como se faz algo. Os latinos traduziram o termo grego por ars, que, como judiciosamente ensina Coseriu, não significava o que hoje chamamos "arte" (alemão Kunst), mas tinha o significado, que também existia no antigo alemão, de uma capacidade que se evidenciava, que se manifestava, que se mostrava no fazer; assim sendo, não têm fundamento as discussões entre lingüistas tradicionais e modernos sobre se a gramática é uma arte ou uma ciência, com base nos conceitos que, de fato, designavam tais termos.
O juízo de valor que faz referência ao nível do saber elocutivo ou competência lingüística geral recebe o nome técnico de "congruência", que faz alusão ao fato de alguém falar, em cada caso, de acordo com as habituais expectativas normais. A um falar que, neste plano, não corresponde às normas de clareza, coerência e congruência, se diz "incongruente".
Desta maneira, as propriedades de clareza, coerência, inteligibilidade e congruência atribuídas a uma língua, na determinação do que vem a ser correção de linguagem, não estão adequadas ao plano da língua, porque erram no seu objeto: não é, como vimos, a língua que deve ser "clara", "coerente" e "congruente", mas sim, a atividade no nível do falar em geral, a regra e o compasso do falar "com sentido".
O juízo de congruência é autônomo ou independente dos juízos que se referem à língua particular e ao texto, porque o falante conhece o descompromisso da metáfora, o desfazimento da metáfora. De modo que quando alguém diz, como na nossa letra de música "Tudo vai bem entre nós, como dois e dois são cinco", a pessoa quis, absurdamente, dizer isso, e o falante conhece a maneira de decodificar esta metáfora e entende claramente o que o compositor quis dizer quando disse: "Tudo está certo entre nós, como dois e dois são cinco". Consoante cada fator envolvido no discurso ou no texto, temos distinções para fazer: primeiro, em atenção ao objeto ou tema, pode o saber expressivo ser adequado ou inadequado; em atenção ao destinatário, pode ser apropriado ou inapropriado; em atenção à situação ou circunstâncias, pode ser oportuno ou inoportuno.
"Nenhum modo de falar é correto em si mesmo. 
(...) nenhum modo de falar é por si mesmo exemplar."
Correto? - Nenhum modo de falar é correto em si mesmo. É correto porque existe, historicamente. Da mesma maneira, nenhum modo de falar é por si mesmo exemplar. É exemplar porque foi eleito, ou por tácita adoção dos falantes, ou pela ação de gramáticos ou academias empenhados na política do idioma e na homogeneidade idiomática. Elege-se a exemplaridade ou o modo exemplar, em nossas comunidades, como o modo de falar das pessoas cultas, por representar o nível mais alto da língua comum. Como a língua comum apresenta ou pode apresentar variedades, a língua exemplar pode desenvolver normas regionais, especialmente nas línguas faladas em vários países. Assim, temos uma norma exemplar para Portugal e outra para o Brasil; entre brasileiros, podemos contar, por exemplo, com uma norma do Rio de Janeiro e outra de São Paulo.
A língua literária é o registro (conjunto de estilos) mais elevado da língua exemplar.
Conclusões - Pelo exposto, pode-se concluir que os chamados tradicionalmente "critérios de correção", na realidade, são tipos de exemplaridade. E disto advêm duas conclusões importantes: tais critérios não são nem critérios, nem de correção. Não são critérios, porque, em se tratando de exemplaridade, não são o fundamento da eleição de um modo entre as várias possibilidades. Nem tampouco são de correção, porque, ainda se tratando de exemplaridade, não têm por objeto estabelecer se um modo está correto em qualquer falar de uma comunidade.
Outro engano de conseqüências graves é reconhecer a língua exemplar como a única correta e, portanto, em qualquer circunstância, só segundo seu modelo se deve falar uma língua. Cada comunidade lingüística, como vimos, tem uma unidade mais ou menos idealmente homogênea, de modo que encerra mais de uma tradição.
A pauta do correto, a tradição lingüística, se concretiza no uso, razão por que tem sido o uso um critério muito evocado, da Antigüidade aos nossos dias. Só que o uso, entendido como o comprovado no falar, se estende além do idiomático, e se manifesta ainda no saber elocucional e no saber expressivo; por outro lado, o uso, entendido como comprovação de certo modo de falar, não é o fundamento da correção, mas sua justificação ulterior.
Outro aspecto digno de atenção é que o uso, referindo-se apenas ao uso idiomático, não só abrange o "já dito", mas a realização de novos usos, em conformidade com a pauta do "saber fazer". Por isso, este termo "uso" deve ser substituído por "saber idiomático".
"...um poliglota dentro da sua própria língua..."
Norma culta - E agora, para terminar, retomemos o nosso tema inicial que é o saber, a norma culta na democratização do ensino. O que vem a ser isso? Vem a ser o seguinte. O professor deve convencer-se de que uma língua histórica (português, francês, espanhol), não é uma realidade homogênea e unitária; ela está dividida em várias línguas, de acordo com as variedades regionais, as variedades sociais e as variedades estilísticas.
Cada variedade dessas tem uma tradição lingüística e essa tradição é um modo correto, é uma maneira de correção da linguagem. Agora, todas essas variedades lingüísticas confluem na língua exemplar, que é a língua de cultura. Então, a língua exemplar não é nem correta, nem incorreta, porque correto na língua é o que está de acordo com uma tradição. Se existe, por exemplo, uma tradição coloquial que diz "chegar em casa", esse é o padrão de correção na língua exemplar. Agora, o "chegar à casa" já é uma eleição cultural, que é exclusiva da língua exemplar.
De modo que quando os consultórios gramaticais dos nossos jornais falam: isto está certo, isto está errado - na realidade, não é isso. Cada modo de dizer tem o seu padrão de correção; entretanto, todos esses padrões convergem, por eleição, a uma forma exemplar. Essa forma exemplar é a forma que está na língua literária, quando o escritor sabe trabalhá-la artística, cultural e idiomaticamente.
Então, o que acontece? A democratização do ensino consiste em que o professor não acastele o seu aluno na língua culta, pensando que só a língua culta é a maneira que ele tem para se expressar; nem tampouco aquele professor populista que acha que a língua deve ser livre, e portanto, o aluno deve falar a língua gostosa e saborosa do povo, como dizia Manuel Bandeira. Não, o professor deve fazer com que o aluno aprenda o maior número de usos possíveis, e que o aluno saiba escolher e saiba eleger as formas exemplares para os momentos de maior necessidade, em que ele tenha que se expressar com responsabilidade cultural, política, social, artística etc.
E isso fazendo, o professor transforma o aluno num poliglota dentro da sua própria língua. Como, de manhã, a pessoa abre o seu guarda-roupa para escolher a roupa adequada aos momentos sociais que ela vai enfrentar durante o dia, assim também, deve existir, na educação lingüística, um guarda-roupa lingüístico, em que o aluno saiba escolher as modalidades adequadas a falar com gíria, a falar popularmente, a saber entender um colega que veio do Norte ou que veio do Sul, com os seus falares locais, e que saiba também, nos momentos solenes, usar essa língua exemplar, que é o patrimônio da nossa cultura e que é o grande baluarte que esta Academia defende.
(*) O professor e filólogo Evanildo Bechara proferiu esta conferência em 4/7/2000 na Academia Brasileira de Letras, dentro do ciclo de conferências "A Língua Portuguesa em Debate". O palestrante foi assim apresentado pelo acadêmico Antonio Olinto:
"Meus amigos, estamos hoje diante de um homem que, de fato, entende a língua portuguesa. Tenho falado tanto em Laudelino Freire, ultimamente, e ele dizia que cada língua tem a sua índole, e nós, só de fato, denominamo-la, e de fato, passamos a gostar dela, quando entendemos essa índole, quando entendemos o ritmo. Não sei se já repararam que, quando aprendemos francês ou inglês, eles não gostam, porque não temos ainda, no começo, o ritmo da língua deles. E vemos também que os estrangeiros que aqui chegam levam muito tempo para pegar o ritmo da nossa língua.
"Se há um homem que, no Brasil, compreende este ritmo, é Evanildo Bechara. Mas não só isto, porque ele é lexicólogo, gramático, professor emérito, no sentido autêntico da palavra, não só no sentido oficial, e escreveu uma moderna gramática portuguesa, que é a melhor que tivemos, não digo nos últimos quinhentos anos, mas nos últimos cinqüenta. Do meu tempo de estudar a língua, de que eu viria mais tarde a ser escravo, que é a língua portuguesa, me lembro de todas aquelas gramáticas das décadas de 20 e 30, e o entusiasmo com que mergulhava nelas.
"Apesar de ter chegado a esta vetusta idade, mergulho na gramática de Evanildo Bechara, sabendo que ali vou encontrar o fluxo normal, o ritmo, a beleza e as explicações precisas e claras sobre aquela língua que é a minha, que fez o meu país, e que faz o nosso país, neste tempo.
"Está ele aqui hoje para nos transmitir um pouco da sua sabedoria neste setor fundamental para a nossa vida pessoal e nacional, que é o conhecimento perfeito e alegre da língua portuguesa."
No final da palestra, lembrado pelos participantes do encontro de que "a obra Os Lusíadas de Camões era considerada a língua mater de Portugal" e questionado - "A nossa língua portuguesa é considerada, em Os Sertões de Euclides da Cunha, como nossa língua principal, a mais importante?" -, Evanildo Bechara respondeu:
"A nossa língua mater é, incontestavelmente, a portuguesa. Aquela realizada por Camões no século XVI, realizada por Euclides da Cunha e Machado de Assis, e por todos os bons escritores que, graças a Deus, vivem espalhados por todo o Brasil e por todo o Portugal. De modo que uma língua não se concentra num autor só. O próprio Camões é um poliglota. Conhecemos Camões, por exemplo, geralmente dos Lusíadas, mas há um Camões épico, há um Camões lírico e há um Camões teatrólogo.
"O Camões teatrologo é tão gil-vicentino, como Gil Vicente. Lendo Camões, lendo as peças teatrais de Camões, El-rei Seleuco, Anfitriões, Filodemo, estamos praticamente diante de uma língua especial do teatro, do chamado teatro popular, que é o teatro vicentino. Assim como, na Grécia, os diversos gêneros tinham dialetos diferentes - o épico, por exemplo, era o dialeto homérico, o lírico era o ático etc. -, assim também Camões, quando faz teatro, faz teatro na grande língua saiaguês de Gil Vicente. Então, para responder à sua pergunta, todo falante culto é um clássico na sua língua, seja ele escritor, seja ele médico, seja ele advogado, desde que utilize a língua nesses três níveis: no seu saber elocutivo, no seu saber idiomático e no seu saber expressivo."