25 de jan. de 2007

AS RUAS DA IMPUNIDADE - por Denis Rosenfield

Os centros das grandes cidades brasileiras se tornaram um exemplo de como o Estado se inclina diante do ilícito, da transgressão da lei e, em termos jurídicos, do crime. Calçadas públicas são ocupadas, ruas obstruídas, mercadorias contrabandeadas vendidas, “comerciantes” não pagam impostos. Eis uma pequena lista de como atividades ilícitas se tornaram corriqueiras, sendo percebidas como normais. Se o anormal se tornou normal, é porque a sociedade passou a tolerar o que deveria ser intolerável. O respeito à lei é uma condição mesma de sociedades democráticas, baseadas que estão no estado de direito. Se um Estado não faz cumprir as regras sobre as quais assenta a sua própria existência, ele perde sua autoridade e abre espaço para que ações ilícitas e transgressivas se desenvolvam. Grandes crimes nascem dos pequenos.

Um amigo meu, passeando pelo centro de Porto Alegre, na quadra da rua José Montaury, aliás ex-prefeito ilustre da cidade, entre a av. Borges de Medeiros e a Marechal Floriano, ficou espantado com o que viu. A Prefeitura da cidade fica logo ali, no andar de poucos passos, de modo que se as autoridades municipais nada fazem é porque não querem nada fazer. Não que não tivesse visto o que lá se passava em outras ocasiões, mas porque o seu olhar se pousou diferentemente sobre aqueles fatos, tornados ainda mais significativos no contexto brasileiro atual. Ironicamente, a corrupção abre novas perspectivas para o olhar. Se tudo vale, por que também não valeria em pequenos atos ilícitos?

Vejamos o detalhe. As calçadas e os espaços públicos são ocupados para a venda irregular de qualquer produto. Lojas regularmente estabelecidas são prejudicadas por vendedores que zombam da legalidade. Nem precisam pagar aluguel, nem impostos. Tudo é vendido, sobressaindo-se, por exemplo, cópias piratas de CDs, DVDs e filmes, infringindo a Lei dos Direitos Autorais. Produtos contrabandeados da China e outras paragens são exibidos naturalmente, como se o emprego dos chineses devesse ser sustentado pelos contribuintes brasileiros. Mercadorias falsificadas imperam. A sonegação impera num domínio em que nota fiscal não faz parte das transações “comerciais”. “Vales transportes” chacoalham como o guizo de uma cascavel, picando, no entanto, somente o Estado que vê a sua autoridade debilitar. O veneno está aí.

É uma sinfonia da ilicitude, potencializada por altos falantes estridentes que zombam dos ouvidos alheios como se perturbar o sossego dos outros devesse ser a regra. Repete-se aqui o que ocorre em outras ruas e bairros da cidade, onde carros circulam livremente com caixas de som no máximo volume, seja para vender algum produto, seja para exibir o pouco respeito pelo próximo, como se o cidadão estivesse obrigado a escutar a “música” alheia. Visitem, por exemplo, a Cidade baixa pela noite para uma amostra do que lá acontece. E o que fazem as autoridades públicas?

A história municipal da impunidade é longa. Ela remonta a vários governos, tendo começado na administração Collares, se desenvolvido nas várias administrações petistas e se prolongado na administração Fogaça. Em nome de um pretenso argumento social, o estado de direito passa a não valer e a exclusão social só tende a aumentar. Para uma banquinha de rua estabelecida, vários empregos regulares são suprimidos. Para produtos vendidos sem nota, impostos não são pagos, subtraindo recursos que poderiam ser aplicados em educação e saúde. Em nome do social, aumenta a exclusão, sendo o desemprego uma das suas conseqüências. Enquanto isto a autoridade estatal se enfraquece ainda mais, escancarando as portas para que o crime compense.

Fonte: Diego Casagrande