10 de nov. de 2008

O individualismo norte-americano


Ninguém expressou o individualismo natural dos americanos melhor do que Samuel Langhorne Clemens: Mark Twain. Isso pode surpreender os que pensam nele apenas como o autor de clássicos da literatura infantil, como The Aventures of Tom Sawyer [“As aventuras de Tom Sawyer”], The Adventures of Huckleberry Finn [“As aventuras de Huckleberry Finn”], The Prince and the Pauper [“O príncipe e o mendigo”], e A Connecticut Yankee in King Arthur’s Court [“Um ianque de Connecticut na corte do Rei Artur”]. Mas os adultos que retomarem esses livros rapidamente perceberão que eles afirmam o valor dos indivíduos. Durante boa parte de sua vida, por ser um dos americanos vivos mais famosos, as opiniões de Mark Twain se tornavam notícia. Ele era amigo de Andrew Carnegie, o magnata da indústria de aço. Hellen Keller, que tinha uma cultura impressionante apesar de ser cega e surda, gostava da sua companhia. Mark Twain apresentou Winston S. Churchill, o futuro estadista inglês, aos americanos. Publicou uma biografia extremamente popular do General Ulysses S. Grant. O romancista inglês Rudyard Kipling considerava sua casa no norte de Nova York um lar. Mark Twain conheceu várias outras pessoas famosas: o empreendedor John D. Rockefeller, o biólogo Charles Darwin, o pintor James McNeill Whistler, o psicanalista Sigmund Freud, o rei da valsa Johann Strauss, o violinista Fritz Kreisler, o pianista Artur Schnabel, o escultor Auguste Rodin, os filósofos Ralph Waldo Emerson e Herbert Spencer, o dramaturgo George Bernard Shaw, os poetas Alfred Lord Tennyson e Henry Wadsworth Longfellow, os romancistas Henry James e Ivan Turgenev, os inventores Nikola Tesla e Thomas Edison (que gravou a voz do autor). Embora não fosse um pensador sistemático, Mark Twain era um defensor constante da liberdade. Atacou a escravidão, apoiou os esforços dos negros, falou em defesa dos imigrantes proletários chineses que eram explorados pela polícia e pelos juízes, reconheceu que os índios americanos eram muito mal tratados, denunciou o anti-semitismo, defendeu o sufrágio feminino contra políticos poderosos, como Theodore Roosevelt, e liderou a oposição ao militarismo. Durante sua última década de vida, atuou como vice-presidente da Liga Anti-Imperialista. “Sou um moralista disfarçado”, escreveu, “o que me traz uma montanha de problemas”. Ele partilhava do sonho capitalista. Especulava em ações de empresas de mineração e fundou uma editora. Atuou como investidor, com 50 mil dólares por ano para inventores – ele acreditava que ser inventor talvez fosse a maior das vocações humanas. No entanto, fracassou em todos esses empreendimentos, tendo sucesso financeiro apenas como escritor e palestrante. Mark Twain forneceu um exemplo pessoal de auto-determinação. Desde o dia em que desistiu da escola, aos doze anos de idade, teve de contar consigo mesmo, trabalhando como assistente de pintor e de piloto de barco à vapor, editor e dono de editora. Passou quatro anos pagando dívidas de negócio em vez de se proteger por trás das leis de falência. Como escritor, sua espirituosidade lhe trouxe sucesso, sem precisar de verbas do governo ou cargos acadêmicos. Ele financiou suas longas viagens pelo exterior com seus trabalhos de escritor e palestrante freelance. Ao longo de sua vida, as pessoas compraram mais de um milhão de cópias dos seus livros. Mark Twain apreciava o que chamava de “egoísmo ponderado”, que descrevia assim: “O primeiro dever de um homem é com sua própria honra e consciência – o dever com o país vem depois, e nunca em primeiro lugar... Não são partidos que salvam nações e as levam à grandeza, mas sim, os homens decentes, os cidadãos comuns decentes”. Seu senso de humor afiado nos legou frases memoráveis. Por exemplo: “Qual é a diferença entre um taxidermista e um coletor de impostos? O primeiro leva apenas sua pele”. “Servidor público: pessoas escolhidas pelo povo para distribuir o roubo”. “Não existe nenhuma classe americana nativa claramente criminosa, com a exceção do congresso”. “No início, Deus fez os idiotas. Estava treinando para, depois, criar as diretorias das escolas”. “Na arte da política, é importante acertar na formalidade – e nunca se preocupar com a moralidade”. Era fácil notar Mark Twain. Um estudioso escreveu que “aquele jovem rapaz do Missouri, que tem um longo bigode e chamativos cabelos ruivos, costumava trajar um longo sobretudo de linho que descia aos seus pés, e falava gesticulando tanto que as pessoas que não o conheciam pensavam que ele estava sempre bêbado”. O público não apenas lia seus livros, como freqüentava suas palestras na Europa, na Ásia, na África e na Austrália. “Mark Twain rouba a cena sem a menor obtusidade ao subir no pódio”, escreveu um repórter em abril de 1896, “adequadamente vestido com roupas para tarde, com uma calça de bolsos altos, nos quais ocasionalmente enfias as mãos. Ele se curva com uma calma dignidade ao receber as ovações... Seus cabelos longos, brancos e embaraçados completavam o rosto cheio de fogo intelectual. Os olhos, arqueados por pesadas sobrancelhas, parecem projetar-se do seu rosto profundo, em um olhar genial, gentil e patético, em um rosto fortemente marcado pelas rugas acumuladas ao longo de uma existência de sessenta anos. Ele fala em frases breves, com um peculiar estalar dos lábios que marcam o fim de cada sentença. Seu estilo de falar é idêntico ao de seus livros, cheio do mais puro americanismo, transbordando de desprezo pela dicção polida da maioria dos palestrantes... Ele fala devagar, preguiçosamente, como se estivesse cansado, um homem prestes a adormecer, raramente erguendo a voz acima de um tom de conversa, mas sempre com um som nasal característico, que domina mesmo o maior dos ambientes... Ler Mark Twain é um deleite, mas vê-lo e ouvi-lo é uma alegria que não será prontamente esquecida”. Samuel Langhorne Clemens nasceu no dia 30 de novembro de 1835, na cidade de Florida no Missouri. Era o quinto filho de Jane Lampton, uma mulher franca e sincera do Kentucky, que parece ter sido de quem Sam adquiriu seu senso de humor e compaixão. Seu pai, John, era um sombrio dono de loja, antes um advogado no Tennesse que perdera tudo especulando em terras e outros empreendimentos,. Quando Sam tinha quatro anos de idade, a pobre família se mudou para Hannibal, uma cidade que ficava a trinta milhas dali e próxima ao rio Mississippi, onde alugaram alguns quartos em cima de uma farmácia. Durante os quatorzes anos que passou em Hannibal, Clemens adquiriu as experiências que inspirariam seus maiores clássicos, The Aventures of Tom Sawyer, The Adventures of Huckleberry Finn e Life on the Mississippi [“A vida no Mississipi”]. Embora ele tenha estudado em várias escolas antes dos treze anos, sua educação veio principalmente de sua mãe, que lhe ensinou a ler e a respeitar a humanidade das outras pessoas. Pouco depois que John Clemens morreu, em 1847, Sam foi trabalhar como assistente de pintor, e durante a década seguinte trabalhou em gráficas de St. Louis, New York, Filadélfia e Cincinnati. Clemens, como Benjamin Franklin, educou-se lendo os livros das bibliotecas das gráficas. Ele adorava história e, quanto mais lia, mas se voltava contra a intolerância e tirania. De volta a Hannibal, conseguiu um emprego como assistente de Horace Bixby, piloto de um barco a vapor, que o ensinou como navegar pelas cerca de mil e duzentas milhas do Mississippi River entre New Orleans e St. Louis. Durante os dezessete meses seguintes, Clemens se familiarizou com a forma do rio – sua aparência à noite e cercado de neblina. Mas a Guerra de Secessão abalou o comércio pelo Mississippi, frustrando seu projeto de tornar-se piloto. Em 1861, juntou-se a um grupo de voluntários do Mississippi conhecido como Marion Rangers. Mas, quando eles atiraram em um homem inocente que cavalgava desarmado, Clemens ficou decepcionado e saiu do grupo. Clemens então se mudou para o território de Nevada, onde, depois de fracassar em sua tentativa de ficar rico encontrando prata, passou a escrever artigos cômicos sobre as minas para o Territorial Enterprise – o maior jornal de Nevada, publicado em Virginia City – , conseguindo um emprego de tempo integral. Inicialmente, seus artigos eram publicados sem sua assinatura. Então, ele concluiu que, para se tornar um sucesso literário, ele precisaria começar a assinar seus artigos. Os pseudônimos estavam em voga, e ele se lembrou dos seus dias no rio Mississippi e optou por “Mark Twain”, um termo que significava duas braças ou doze pés, o nível de água navegável para um barco a vapor. Seu primeiro artigo assinado foi publicado no dia 2 de fevereiro de 1863. Foi em Virginia City que Mark Twain conheceu o popular humorista Artemus Ward, que fazia uma turnê de palestras. Seu sucesso comercial inspirou Mark Twain a pensar em como ele poderia fazer carreira com sua espirituosidade, e Ward o incentivou a entrar no grande mercado de Nova York. Inseguro quanto a seu futuro, escreveu ao irmão e à irmã em outubro de 1865: “Só tive duas fortes ambições em minha vida. Uma era me tornar piloto, e a outra, pregar o evangelho. Tive sucesso na primeira, mas falhei na segunda, por não conseguir me abastecer com o material necessário para a profissão – isto é, a religião... Fui então chamado a uma literatura de ordem mais baixa – a humorística. Não é nada do que se orgulhar, mas é meu maior talento”. Depois que as ações de empresas de mineração de prata que ele comprara perderam todo o valor, decidiu concentrar-se nos escritos de humor, passando a enviar artigos para a Californian, uma revista literária semanal editada pelo humorista Bret Harte. No ano seguinte, sua história “The Celebrated Jumping Frog of Calaveras County” [“O célebre sapo que pulava do Condado de Calaveras”] foi publicada no New York Saturday Press. Assim que várias outras publicações reproduziram o conto, ele subitamente ganhou uma reputação nacional como o “humorista louco de Pacific Slope”. O Sacramento Union o contratou para ser seu correspondente no Havaí, o que ele logo aceitou, passando a escrever quatro matérias por mês e recebendo 20 dólares por cada uma delas. Teve a idéia de dar palestras públicas sobre suas experiência no Havaí e alugou uma sala de conferências em San Francisco a partir do dia 2 de outubro de 1866. Ao longo das três semanas seguintes, ganhou 1500 dólares – o que era muito mais do que ganhava escrevendo. Sempre atento a oportunidades, Mark Twain notou o anúncio do primeiro cruzeiro transatlântico de lazer, uma excursão de sete meses pela Terra Santa, marcado para partir em junho de 1867. Ele gastou quase todos seus 1,250 dólares de lucro com as palestras em uma passagem, e ganhou dinheiro escrevendo sobre suas experiências a bordo para o San Francisco Daily Alta California – 50 cartas de viagem de 2000 palavras, vendidas por 20 dólares cada. Também escreveu cartas de viagem para o New York Tribune e para o New York Herald sobre sua viagem ao Gilbratar e suas aventuras em Tangier, Paris, Gênova, Florença, Roma, Nápoles, Constantinopla, Palestina e o Mar Negro. A bordo do Quaker City, conheceu um dos passageiros, Charles Langdon, o filho de dezoito anos de idade de um magnata da indústria de carvão de Elmira, Nova York. Langdon mostrou a Clemens uma foto de sua irmã, Olivia (os amigos a chamavam de Livy). Clemens ficou impressionado e, logo depois que o navio retornou a Nova York, Langdon o apresentou a ela. Na véspera de ano-novo em 1867, Clemens se juntou a Livy e ao resto da família para ouvir Charles Dickens recitar trechos de seus romances. Naquela tarde, Clemens observaria depois, referindo-se a Livy, que descobrira “a fortuna da minha vida”. Então Mark Twain começou a trabalhar em Innocents Abroad [“Inocentes no estrangeiro”], um livro repleto de observações sarcásticas sobre as pessoas e lugares que conhecera. Eis o que tinha a dizer, por exemplo, sobre o Marrocos: “Quando o imperador de Bashaw queria dinheiro, arrecadavam-no de um homem rico que teria de fornecê-lo todo ou ir para a prisão. Assim, poucos homens no Marrocos ousam ser ricos”. Innocents Abroad se tornou um best-seller, com mais de cem mil cópias impressas em menos de um ano. Mark Twain e Livy se casaram em Quarry Farm, a propriedade dos pais dela, no dia 2 de fevereiro de 1870. Ela foi a única mulher que ele amou. Formavam um par improvável. Estritamente vitoriana, ela reprovava bebidas alcólicas, cigarro e palavrões – vícios que ele adorava. (Ele apenas lhe prometera não fumar mais do que um cigarro de cada vez). Mas ele amava seu enorme entusiasmo e seus modos sinceros e revigorantes. Ela o chamava de “juventude”. Livy se tornou sua editora de confiança, dando sua opinião sobre os temas que interessariam aos leitores e lendo praticamente todos seus rascunhos e sugerindo mudanças. Ela também dava conselhos sobre assuntos para as palestras. “A senhora Clemens”, observou, “impediu que muitas coisas fossem impressas que me dariam uma reputação que não eu queria ter e não tinha o cuidado suficiente de evitar”. Roughing It [“Vivendo basicamente”] (1872), um espirituoso relato das viagens de Mark Twain pela Nevada pelo norte da Califórnia, aumentou sua reputação. Nele, entre outras coisas, ele derramava louvores sobre os oprimidos imigrantes chineses: eles “são calmos, pacíficos, polidos, sóbrios, e são extremamente trabalhadores... todos os chineses conseguem ler, escrever e fazer contas com grande facilidade”. Enquanto isso, em 1971, a família se mudou para Hartford, em Connecticut, um centro comercial e cultural da Nova Inglaterra que ficava a meio caminho entre Boston e Nova York. Eles permaneceram em Hartford por mais de dezessete anos, o período no qual Mark Twain escreveu seus livros mais famosos. Colaborou com um vizinho, Charles Dudley Warner, na produção do seu primeiro trabalho de ficção: The Gilded Age [“A era de ouro”] (1873). Entre suas contribuições, estava essa perspicaz passagem: “Se você for um parlamentar (sem ofensas), e um dos seus constituintes que não sabe de nada, não se dá o trabalho de aprender nada, não tem emprego, não tem dinheiro e não pode se sustentar, vem pedir-lhe sua ajuda.... leve-o para... Washington, o velho e benevolente asilo para os incapazes”. Em 1874, Clemens construíra uma eclética mansão de três andares e dezenove quartos, feita com tijolos vermelhos, que refletia seu sucesso e sua individualidade. Parte dela se parecia com a casa de um piloto de um barco a vapor do Mississippi. Clemens passava a maior parte do seu tempo jogando sinuca e brincando com suas filhas, Susy, Clara e Jean (seu filho Langdon morreu na infância). “Papai começava a contar uma história a partir das pinturas da parede”, lembrava Clara, “e, passando de pintura para pintura, sua imaginação nos levava para países e para o meio de figuras humanas que nos fascinavam”. A família veraneava em Quarry Farm, onde ele se concentrava na escrita dos seus livros. O sucesso de Roughing It lhe sugerira que talvez lhe fosse proveitoso usar outras experiências pessoais, e ele se voltou para seus dias de infância em Hannibal, Missouri. Seu hábito era o de começar a escrever depois do café da manhã e continuar até o jantar – ele raramente almoçava. À noite, de volta à sala principal da casa, sua família se reunia a seu redor, e ele lia o que tinha escrito. Em 1875, aos quarenta anos, começou seu segundo romance, The Adventures of Tom Sawyer, que tratava de um pobre garoto órfão que entrava em encrencas e se redimia por ser trabalhador, honesto e, por vezes, corajoso. O livro, que apresentava o amigo de Tom, Huckleberry Finn, é lembrado como uma encantadora história de bons tempos de juventude em um verão. Logo Mark Twain começou a trabalhar na sua obra-prima, The Adventures of Huckleberry Finn, que seria publicada apenas em 1885. Ao contrário de Tom Sawyer, esta tinha a intimidade de uma história narrada em primeira pessoa. Em seu peculiar estilo coloquial, o pobre e quase-iletrado garoto de quatorze anos, filho do bêbado da cidade, narrava como escapava para encontrar o escravo fugitivo, Jim. Juntos, eles navegavam pelo rio Mississippi em uma jangada e se metiam em confusões. Como outros sulistas, Huck considerava os escravos negros sub-humanos, chegando a escrever ao dono de Jim uma carta denunciando sua fuga, mas, percebendo a humanidade de Jim, ele finalmente decide que prefere ir ao inferno a traí-lo, e rasga a carta. Muitos consideravam o livro medíocre. Muitas bibliotecas o baniram, considerando-o racista – a palavra ‘nigger’ aparece 189 vezes. Mas ele se tornou um clássico por mostrar pessoas de verdade lidando com questões como humanidade e liberdade. Huckleberry Finn terminou por vender cerca de vinte milhões de cópias. Mark Twain tentou promover leituras públicas de seus livros, mas os resultados iniciais foram desanimadores. “Eu achava que bastava imitar Dickens”, ele disse, “subir na plataforma e ler o livro. Mas tentei fazer isso e foi um fracasso. Coisas escritas não servem para discursos”. Ele então desenvolveu seu estilo próprio e divertido de dar palestras como se estivesse conversando. Clemens poderia ter gozado de tranqüilidade financeira, mas investiu tanto seus rendimentos quanto a herança de sua esposa em invenções e outros empreendimentos que nunca decolaram. Seu investimento em um novo tipo de impressora gerou um prejuízo de 190.000 dólares. Incrivelmente, fracassou até como editor dos seus próprios livros populares. Em 1894, sua empresa foi à falência com 94.000 dólares de dívidas para noventa e seis credores. Ele assumiu responsabilidade pessoalmente, em vez de se proteger nas leis de falência, e recebeu uma ajuda inestimável de um amigo, Henry Rogers, sócio de John D. Rockfeller, que daquele momento até sua morte, em 1909, administrou as finanças do autor. Clemens decidiu pagar seus credores gerando dinheiro com mais palestras. Ele, Livy e sua filha Clara começaram uma intensa viagem através do país. As salas de conferência estavam lotadas. Então, a família viajou para a Austrália, Tasmânia, Nova Zelândia, Índia, África do Sul e Inglaterra, e onde ele ia encontrava platéias entusiasmadas. “Demos palestras, pilhamos e invadimos por trezes meses”, ele comentou. Quando chegou, em janeiro de 1898, ele estava livre das dívidas. Mark Twain louvou o empreendedorismo individual e se posicionou contra as injustiças onde quer que as encontrasse. Convenceu Rogers a ajudar a arrecadar o dinheiro para que Helen Keller tivesse uma educação correspondente às suas extraordinárias capacidades e presidiu uma reunião de apoio a Booker T. Washington e a auto-ajuda entre os negros. Enquanto morou em Vienna (1897-1900), desafiou a imprensa anti-semita e defendeu o capitão francês Alfred Dreyfus, que as cortes militares tinham condenado por traição por ser judeu. Quando estava dando palestras na Inglaterra em 1894, sua filha morreu de meningite. Livy, sua esposa por 34 anos, sucumbiu por conta de um problema cardíaco em 1904. “Durante os anos que se seguiram à morte da minha esposa”, escreveu, “eu mergulhei em uma triste maré de banquetes e discursos sobre causas elevadas e santas; mas enquanto essas coisas me animavam e alimentavam intelectualmente, elas tocavam apenas momentaneamente meu coração, que então ficava seco e empoeirado”. Nessa época, ele aumentou significativamente sua produção de comentários políticos. Atacou as populares doutrinas coletivistas dos pensadores “progressistas” que pediam mais leis, burocratas e aventuras militares. Como Lord Acton, Mark Twain exigia que a classe política fosse julgada pelos mesmos padrões que os indivíduos privados. Sua sátira “War Prayer” [“Prece de guerra”] se tornou o hino daqueles que queriam manter os Estados Unidos longe de guerras estrangeiras. Depois da morte da sua filha Jean, em dezembro de 1909, resultado de um ataque epilético, Clemens tentou reanimar seu espírito em Bermuda. Mas os ataques de angina, que tinham começado no ano anterior, ficaram mais intensos e freqüentes. Os médicos administraram morfina para aliviar a dor, e ele embarcou em sua última viagem de volta para casa. Ele descansava lendo A History of England [“Uma história da Inglaterra”], do libertário Thomas Babington Macaulay. Clemens morreu em Stormfield, sua casa em Redding, Connecticut, em uma quinta de manhã, no dia 21 de abril de 1910. Milhares de pessoas de luto foram vê-lo pela última vez, em seu terno branco, na Brick Presbyterian Church em Nova York. Foi enterrado ao lado de sua esposa em Elmira, Nova York. Na época da sua morte, Mark Twain não estava afinado com seu tempo. Progressistas e marxistas certamente não gostavam de seu individualismo. Clara, sua filha, e Albert Bigelow Paine, seu biógrafo autorizado, impediram o acesso a seus arquivos. Somente o crítico literário H. L. Mencken o defendeu, considerando-o “o primeiro artista genuinamente americano de sangue real”. A situação começou a mudar em 1962, quando Walter Blair, respeitado professor da University of Chicago, escreveu Mark Twain and Huck Finn, que tratava o épico do autor do rio Mississippi como alta literatura. Antes do livro de Blair, The Adventures of Huckleberry Finn raramente aparecia nos currículos das universidades. Hoje, é amplamente lido. Também em 1962, Clara Clemens Samossaud morreu, e os arquivos de Mark Twain – cartas, discursos, manuscritos originais e obras inéditas – passaram para a propriedade da University of California em Berkeley, o que encorajou novos escritores a trabalhar com o material e, desde então, dúzias de novos livros sobre Mark Twain apareceram. Além do mais, editores de Berkeley lançaram um ambicioso projeto acadêmico de publicar tudo que Mark Twain escreveu, incluindo textos que estavam sob a posse de indivíduos privados e outras instituições. Robert Hirst, diretor do Projeto Mark Twain, estima que os textos acabarão por preencher setenta e cinco grossos volumes. Mark Twain tem sido criticado pela turma politicamente correta, mas permanece como um dos mais amados campeões do individualismo americano. Ao contrário de tantos dos seus contemporâneos, ele não acreditava que os Estados Unidos eram uma extensão da Europa. Celebrava o país como uma civilização distinta e defendia a liberdade e a justiça firmemente, e também promovia a paz. Retratava espíritos livres, determinados, rústicos, que superavam obstáculos intimidadores para realizar seus destinos. Seu charme pessoal e seu humor afiado ainda fazem as pessoas sorrir.

31 de out. de 2008

Inteligente

Only the mediocre are always at their best.
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If you obey all the rules you miss all the fun.
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The beginning is always today.

30 de out. de 2008

Políticos e mafiosos

Em seu livro-denúncia “Ilícito - o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global” (Zahar Editora, Rio, 2006, R$ 49,90), Moisés Naim, com a autoridade de quem já dirigiu o Banco Mundial, afirma textualmente: “Em alguns países, traficantes e seus cúmplices controlam partidos, são donos de jornais ou estão entre os principais filantropos, escondidos por trás de ONGs. Quando seus negócios são grandes e estáveis, as redes de tráfico fazem o que tendem a fazer as grandes empresas: diversificam as atividades e investem em política”.

Senso crítico aguçado, Naim considera, com riqueza de dados e informações, que, no mundo globalizado, “uma das grandes tendências é a politização do crime e a criminalização da política. Criminosos se transformam em políticos, do mesmo modo que governantes se transformam em mafiosos. No México, militares que estavam envolvidos no combate às drogas foram detidos porque faziam parte das quadrilhas. No Peru, Vladimiro Montesinos, chefe da Inteligência, tinha vínculos com o tráfico de armas. O presidente da Lituânia, Rolandas Paksas, foi preso porque era cúmplice de um grupo mafioso. É impossível que haja uma indústria desse tamanho, com tal sofisticação, sem que as autoridades sejam cúmplices”.

Já é lugar-comum afirmar que o porte da indústria do crime organizado é colossal e sem fronteiras. Pois ele atua e se expande em circuito planetário, abocanhando, comprovadamente, cerca de um quarto da economia mundial. Com efeito, não só na Rússia, Japão, Estados Unidos, Itália, Brasil, etc., as máfias, com seus métodos abrangentes e dissuasivos, operam em larga escala nos mais variados negócios, a saber: tráfico de drogas e órgãos humanos, armas sofisticadas, falsificação e lavagem de dinheiro, prostituição, contrabando, jogos ilegais, seqüestros, fraudes, extorsão ou qualquer tipo de atividade que possa envolver lucro e poder.

Alguns especialistas - entre eles, Carlo Lizzani, em “Os Italianos” (Civilização Brasileira, Rio, 1965) - sugerem que a Máfia nasceu como um fato político à sombra da reação dos habitantes da Sicília contra os sucessivos invasores que ocuparam a ilha do Mediterrâneo. No século 19, para sobreviver, a sociedade embrionária passou a cobrar “proteção” dos proprietários e comerciantes nativos, atuando como milícia privada sob os olhares coniventes - e participativos - do poder público local.

[Aqui, vale lembrar o óbvio: Al Capone, o "Inimigo público nº 1 da América", jamais chegaria até onde chegou sem a conivência de juízes e prefeitos de Chicago. Por sua vez, sem o apoio interno da polícia siciliana, Salvatore "Totó" Riina, o poderoso chefão da Cosa Nostra, não ousaria liquidar o juiz italiano Giovanni Falcone. E, o mais evidente, sem contar com a larga legião de agentes da KGB e da elite do Partido Comunista, além de membros do Exército Vermelho, a máfia russa não seria hoje a mais rica e poderosa organização criminosa do mundo. Em particular na exploração do tráfico de armas, droga, prostituição, lavagem de dinheiro e a morte por encomenda - atividade sem a qual o regime autoritário (ainda nas mãos de Putin) poderia fazer desaparecer por envenenamento jornalistas e dissidentes do regime.]

Não há o que contestar: desde o seu início as associações mafiosas modernas estiveram estreitamente ligadas ao poder público, não só financiando e elegendo políticos e dirigentes partidários, mas atuando direta ou indiretamente na administração de negócios considerados lícitos ou ilícitos. Quando a simples manipulação do voto não resolve a questão, apela-se para a eliminação física do oponente.

Hoje, ninguém dúvida que certos partidos políticos, dentro ou fora do poder, aqui ou no exterior, agem como autênticas organizações criminosas, especialmente no que se refere à utilização de métodos em que a fraude, o aliciamento, a intimidação e a corrupção são os instrumentos operativos de sobrevivência e expansão.

No entanto, convém alargar o enfoque do fenômeno. Sem querer realçar o óbvio ou diminuir a contribuição analítica do ex-diretor do Banco Mundial, seria pertinente avançar na avaliação proposta e, de igual modo, evidenciar a semelhança operacional entre o partido político e a empresa do crime organizado: ambos têm presidentes, secretários-executivos, conselheiros e militantes, todos voltados para os objetivos finais de expandir, conquistar, manter, manobrar e usufruir o poder, pouco importa que no âmbito mafioso os seus integrantes sejam reconhecidos pelos nomes de “don”, “capo”, “capo de tutti capi” ou mero “soldati”.

Fora do Estado, ou a ele furtivamente associado, as organizações criminosas cultivam suas idéias, legendas, reverberam o prestígio dos seus chefes e “famílias” e reafirmam os valores da disciplina e do respeito hierárquico, sem os quais não passariam de meras quadrilhas desorganizadas. Elas têm suas leis, crenças, ética, práticas sociais, crises e disputas internas. Punem os seus traidores, “protegem” suas fontes de recursos e exterminam os que se atrevem a contrariá-las. Para enfrentar os organismos internacionais de repressão, nos tempos da internet, as máfias se reúnem em encontros estratégicos, negociam e se ajudam mutuamente em rede mundial.

No âmbito do Estado, uma luva para a mão da delinqüência legalmente admitida - ou dentro dos partidos políticos, uma instância legal e ideológica do poder -, seus condutores podem exercer os mesmos direitos, quase sempre encobertos pelos eufemismos de arrocho fiscal, impostos, subsídios, incentivos (diretos e indiretos), financiamentos a fundo perdido, isonomias, verbas representativas, gratificações, adicionais, medidas provisórias, CPIs, foro privilegiado, prisões domiciliares, penas corretivas e o diabo a quatro - tudo, evidentemente, sustentado pelo suor do trabalho do homem comum, coitado, que nunca reflete sobre a própria sina e condição.

26 de out. de 2008

Planeta dos macacos


A gente sempre acaba caindo obtusamente no mesmo engano. A gente sempre repete o ciclo da borracha. Primeiro: ganhamos uma montanha de dinheiro vendendo algo como uma seiva gosmenta.

Segundo: somos inundados de moeda estrangeira. Terceiro: erguemos um Teatro de Ópera bem no meio do mato, onde podemos usar nossas cartolas. Quarto: lá fora, o valor da seiva gosmenta despenca. Quinto: a moeda estrangeira some de uma hora para a outra, e o que resta da belle époque matuta, no melhor dos casos, é uma epidemia de malária.

A quebra da economia global tem sido tratada como um fato incomum, anormal, imprevisto. Mas o que ocorreu foi o contrário: incomum, anormal e imprevisto é o período que está terminando agora.

Nos últimos anos, todas as regras do mercado foram achincalhadas. E ninguém pagou por isso. Como ocorreu com Dorothy na Terra de Oz, homens de lata e macacos alados passaram a ocupar nosso cotidiano empresarial e financeiro. A quebra da economia global é apenas um retorno de Dorothy à sua fazenda no Kansas. É um retorno à realidade, trilhando a estrada de tijolos amarelos.

A Argentina é um macaco alado. Depois de aplicar um calote em seus credores internacionais, conseguiu crescer ininterruptamente por todos estes anos. Na Terra de Oz da economia globalizada, a Argentina, ao invés de ser punida, foi recompensada. Isso é incomum, isso é anormal, isso é imprevisto.

Alguns dias atrás, sem crédito, sem saber como pagar as contas, a Dorothy de La Plata, Cristina Kirchner, simplesmente decidiu confiscar o capital dos fundos de aposentadoria privados. Acabou a Argentina imaginária do milagre peronista. A Argentina real é a do confisco, do abuso, do golpe.

O sistema hipotecário americano? Um macaco alado. O mercado imobiliário espanhol? Um macaco alado. A tese do descolamento dos emergentes? Um macaco alado. O real sobrevalorizado? Um macaco alado. O petróleo? Um macaco alado.

Quando o barril de petróleo chegou aos 100 dólares, todos os analistas declararam que a economia mundial desabaria. O barril de petróleo continuou a subir, e ninguém deu a menor pelota. Agora se sabe qual é a realidade do petróleo – o produto está sobrando. Vladimir Putin? Hugo Chávez? Pré-sal de Lula? Macacos alados.

Em dezembro, a China vai comemorar os trinta anos de abertura da sua economia. Algum tempo terá de passar antes que a gente possa avaliar direitinho o que mudou no período. Foi um acontecimento único, que só pode ser comparado ao fim do escravismo ou ao emprego da máquina a vapor.

A China foi o redemoinho que nos arrastou até a Terra de Oz do comércio internacional. De volta à realidade mais tacanha, da fazenda do Kansas, temos de tirar a cartola e nos preparar para a epidemia de malária.

25 de out. de 2008

Inteligente!

Action is the foundational key to all success.


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Common sense is instinct, and enough of it is genius.

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Peace and justice are two sides of the same coin.

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“Não sou conduzido, conduzo”. Ou “Não sou liderado, lidero"

10 de out. de 2008

A Constituição Besteirol



por Rodrigo Constantino

“Os esquerdistas, contumazes idólatras do fracasso, recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos e não pela clarividência do Estado.” (Roberto Campos)

A nossa Carta Magna está completando vinte anos de idade. Por um lado, trata-se de uma conquista interessante, já que o Brasil é conhecido por sua enorme quantidade de Constituições já existentes. Só no século XX tivemos uma Constituição em 1934, outra em 1937, mais uma em 1946, outra em 1967, e finalmente a Constituição de 1988. No entanto, a conquista de certa “longevidade” não compensa, de forma alguma, o custo elevado que essa Constituição representou para o país. Enquanto muitos políticos vibravam com a aprovação da “Constituição Cidadã”, um indivíduo com a mente mais lúcida lamentava aquele fato, antecipando quanto ele custaria ao povo brasileiro. Era Roberto Campos, que chamara a Constituição de 1988 de “anacrônica”, remando contra a maré populista de seu tempo.

Em seu livro de memórias, Lanterna na Popa, Roberto Campos dedica várias linhas à Constituição de 1988, e todos aqueles que comemoram seu aniversário deveriam investir algum tempo para ler tais críticas. A inflação herdada da era Goulart, por exemplo, estava em quase 8% ao mês, mas a Constituição contava com um absurdo dispositivo que limitava os juros a 12% ao ano, uma “ridícula hipocrisia”. Uma Constituição mencionar limite para juros é algo realmente grotesco. Do ponto de vista tributário, a Constituição de 1988 gerou uma “vultuosa redistribuição da capacidade tributária em favor dos estados e municípios, sem correspondente redistribuição de funções”. Sob o ponto de vista da estrutura tributária, Roberto Campos conclui que a Constituição “representou um lamentável retrocesso”.

Outro exemplo evidente do atraso causado pela Constituição foi o monopólio do petróleo garantido ao governo. A confusão entre “segurança nacional” e monopólio do governo não passava de uma grande falácia econômica. Campos explica que “ao retardar o fluxo de capital para a exploração petrolífera local, criava-se adicional insegurança, pois nosso abastecimento ficaria na dependência de suprimentos extracontinentais, carregados por via marítima e portanto sujeitos à vulnerabilidade submarina”. Muitos leigos comemoraram a recente “auto-suficiência” do país em abastecimento de petróleo, ignorando aquilo que não se vê, ou seja, o custo de oportunidade dessa conquista tardia. Se não houvesse monopólio, mas sim um dinâmico setor privado competindo, quanto tempo atrás já teríamos atingido a auto-suficiência? Isso sem falar da economia com a conhecida corrupção da estatal Petrobrás nesses anos todos, e que evitaria também seu uso como moeda de troca política entre partidos.

Um grave problema do Brasil, a desproporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados em desfavor do centro-sul, foi bastante agravado com a Constituição de 1988 também. A criação de novos estados na Constituição gerava uma distorção ainda maior, particularmente contra São Paulo. Para eleger um deputado nordestino, com o mesmo poder de um paulista, precisa-se de bem menos votos. Isso cria um deslocamento de poder para as regiões do norte e nordeste, dificultando reformas econômicas que seriam mais facilmente aprovadas se dependessem da escolha do sul e sudeste, que carregam a economia do país nas costas. Além disso, ao remover quaisquer barreiras, tanto de criação como de representação legislativa dos partidos, a Constituição de 1988 “nos legou um multipartidarismo caótico com partidos nanicos que não representam parcelas significativas da opinião pública, sendo antes clubes personalistas e regionalistas ou exibicionismo de sutilezas ideológicas”. Conforme conclui Campos, ficamos muito mais com uma “demoscopia” que uma democracia.

Roberto Campos considera que sua vida no Senado foi marcada por uma sucessão de batalhas perdidas, as principais sendo: a batalha da informática, cuja Lei da Informática jogou o país na era dos dinossauros em tecnologia; a batalha contra o Plano Cruzado e sua resultante moratória, enquanto economistas de esquerda, como Maria de Conceição Tavares, chegaram a chorar de emoção com o plano fracassado; e a batalha contra a Constituição brasileira de 1988, tomada pela mentalidade nacional-populista. O ícone dessa fase, Ulysses Guimarães, defendia demagogicamente o objetivo constitucional de “passar o país a limpo”. As promessas simplesmente não cabiam no orçamento, não levavam em conta a realidade. Como escreveu Campos, “Ulysses parecia encarar com desprezo a idéia de limites ou constrangimentos econômicos”. Para ele, tudo parecia ser uma questão de “vontade política”, expressão que muitos utilizam até hoje como solução mágica para nossos males. Roberto Campos chegou a acusar Ulysses, em artigo de jornal, de “um grau de ignorância desumana” em economia. Infelizmente, ele estava certo.

A Constituição de 1988 foi extremamente reativa, uma espécie de “vingança infantil” aos tempos da ditadura. É compreensível que existisse uma demanda social reprimida naquela época. Mas o uso da Constituição como veículo para atender esta demanda foi um grave erro. O grau de utopia presente na Constituição é assustador. Ela fala dezenas de vezes em “direitos”, mas quase nunca em “deveres”. Desde que ela foi aprovada, os gastos com aposentadoria do INSS pularam de 2,5% para 8% do PIB. O jurista Miguel Reale chamou a Constituição de um ensaio de “totalitarismo normativo”, Yves Gandra Martins a chamou de “Constituição da hiperinflação”, e Eliezer Batista a acusou de instalar uma “surubocracia anárquico-sindical”. O próprio Roberto Campos a descreveu como um misto de regulamento trabalhista e dicionário de utopias. Foi o “canto do cisne do nosso nacional-populismo”. Ulysses Guimarães a descreveu como a “Constituição dos miseráveis” e a “guardiã da governabilidade”. Foi justamente o contrário: uma Constituição contra os miseráveis e que garante a ingovernabilidade.

Nessa data de aniversário da Constituição de 1988, deveríamos parar para repensar seus graves equívocos, quase todos filhotes da premissa absurda de que o governo deve ser a locomotiva do crescimento econômico e o veículo da “justiça social”. Olhar para o norte e entender porque a Constituição americana é a mesma há mais de duzentos anos, com algumas poucas emendas, faria um bem incrível ao país. A Carta Magna de uma nação deve tratar dos temas mais básicos apenas, com um caráter bem mais negativo do que positivo, ou seja, colocando em evidência aquilo que os cidadãos não podem fazer. O governo deve evitar o excesso de legislação, que serve para emperrar o crescimento e criar injustiças. Infelizmente, o governo brasileiro é extremamente paternalista, e trata seus cidadãos como mentecaptos que necessitam da tutela estatal para tudo. A Constituição de 1988 é apenas um reflexo dessa mentalidade. O que há de fantástico para se comemorar em seus vinte anos?

1 de out. de 2008

26 de set. de 2008

"A honradez me basta" - Profº Roberto Romano

HOJE RECEBI UM OUTRO "DESCONVITE". AS MESMAS PESSOAS QUE ME ESCREVERAM DIZENDO-SE HONRADAS COM A MINHA POSSÍVEL PRESENÇA EM SEU EVENTO, HOJE AFIRMAM QUE, "DEVIDO ÀS CONDIÇÕES NOVAS" (NÃO TÊM SEQUER A CORAGEM OU O PUDOR DE DIZER QUAIS SERIAM AS DITAS CONDIÇÕES) NÃO SERIA MAIS NECESSÁRIA A MINHA PRESENÇA EM EVENTO AGENDADO HÁ MUITO TEMPO. ENFIM, FICO CONTENTE POR SABER, COM TAIS AMOSTRAS, QUE INCOMODO ALGUMAS PESSOAS AMIGAS DOS ATUAIS DONOS DO PODER. ENFIM...O MUNDO É ASSIM MESMO. PARA COMEMORAR O DESCONVITE, SEGUE UM TEXTO ESCRITO POR MIM EM SITUAÇÃO SIMILAR, PUBLICADO NO SITE DE ALVARO CAPUTO.

Sobre os grupos intelectuais

Professor Roberto Romano

Desde longa data, enfrento patrulhas políticas, religiosas, ideológicas. Numa sociedade onde a covardia dos indivíduos aconselha adesão a este ou aquele grupo (não raro quadrilha), o isolamento de quem não segue as súcias é assustador. Experimento o exílio sempre que um conventículo chega aos palácios. As mesmas línguas que, fora do poder, me tratavam como “professor” referem-se a mim como “aquele sujeito”. Foi assim com o PMDB no Planalto, com o PSDB, com o PT. Falo o que penso. Não escondo meu sentimento quando o arbítrio, a truculência e a má fé se instalam como ordem governamental. O que se passa com os partidos repete-se no trato com a mídia, com as artes, as ciências. Quando precisam de alguém disposto a dizer que o verde é verde e o marrom é marrom, sou procurado (de maneira asfixiante). Passou o problema, somem os pedintes e a gentileza. É o “efeito preservativo” nas relações entre intelectuais e “movimentos”: usado uma vez certo indivíduo como simples meio, ele é “pinchado”, como se diz no português saboroso do caipira.

O rito de excomunhão é igual em todas as seitas. Primeiro, vêm os rosnados, as caras feias, a não resposta ao comezinho “bom dia”. São os sinais precursores do ódio que fermenta contra quem ousa desmentir dogmas e safadezas. Depois, os seus alunos ouvem (sem que tenham solicitado a ninguém) juízos calhordas e covardes sobre sua pessoa (os recados são emitidos justamente para atemorizar), os seus projetos são recusados por detalhes que evidenciam perseguição. Depois, você mesmo tem os seus projetos cortados por colegas anônimos que se escondem sob a máscara burocrática. São múltiplos os recursos da covardia coletivista. Há um trabalho lingüístico para selecionar os que não devem partilhar o banquete do poder. Primeiro, são excluídos os que não usam os jargões das quadrilhas acadêmicas e políticas. Na época em que o PT se dizia de esquerda, era obrigatório usar frases iniciadas com “neo-liberalismo”, “consciência crítica”, “fora FMI”, “fora FHC”, “Covas o exterminador do futuro” e outras frases grosseiras e ressentidas. Se o infeliz não entoasse aquelas jaculatórias, era classificado como reacionário. Se as rezasse, era progressista, honesto, amigo do povo etc. O rebanho usa tais filtros como instrumento de exclusão. Depois, seguem os valores. Se você acredita neles, deve se cuidar porque nada é mais volátil do que a a fala das seitas. Elas são capazes de dizer “sim e não” ao mesmo tempo, dependendo da oportunidade ilustrada pela frase mestra: “isto é bom para nós”. E mesmo que “isto” desgrace o País e a reputação dos julgados “inimigos”.

Lembro-me do suadouro que tentou me passar certa militante inquisitorial do PT. Após cometer uma tese de doutorado que nem tinha a dimensão de panfleto, a dita cuja passou a intimidar docentes para que fossem tolerantes na banca. No meu caso, ela usou o seguinte truque: pediu-me entrevista e começou afirmando que eu era pessimamente avaliado por colegas e alunos. Todos se perguntariam “qual é a do Romano, é de esquerda ou direita?”. Evidente a armadilha mediocre: caso me intimidasse e respondesse “de esquerda”, deveria aprovar a tese. Caso oposto, eu teria admitido uma condição indesejada. Bati a mão na mesa e mandei-a para a porta de saída, não lhe dando o direito de agir de forma tão baixa. Exigi respeito, recusei participar da banca. Outros colegas aceitaram o convite, deram nota baixa à candidata e ouviram insultos da mesma após a proclamação do resultado. Hoje, a referida militante não milita, apenas desgraça a vida de alunos, colegas e funcionários, com truculência exemplar. E dá pareceres sigilosos sobre projetos de pesquisa, bolsas etc.

Existe gente assim em todos os círculos. Como dobram a espinha, consideram monstruosas as pessoas que mantêm ereta a coluna vertebral. Como adulam quem manda e caluniam quem não manda, desprezam os não aduladores. Como são covardes e agem com a proteção das matilhas, pensam disssolver os pensamentos alheios com os cortes de recursos, de bolsas etc. Iludem-se. Indivíduos desse naipe existem nas religiões (certos lugares de santidades são ninhos de víboras, como disse o Cristo), nas ciências (plágios, roubos de trabalhos, censuras de ordem metodológica ou doutrinária são banais em academias), nos esportes, nas artes, na políticas. Solerte Pascal: toda essa miséria deve-se apenas ao homem. “Odiamos a verdade, e nos escondem a verdade; queremos ser adulados, nos adulam; gostamos de ser enganados e nos enganam”. É o reino animal do espírito cheio de leões, infestado de hienas ou cobras. Certa colega me perguntou, após uma conferência: “Como você consegue ser tão independente?”. Resposta rápida : “custa muito!” É um luxo não ter compromissos com as seitas. Por tal motivo, sinto-me livre para criticar os santarrões aposentados do PT. E digam as línguas boçais o que desejarem, com seus adjetivos mesquinhos como “esquerda” ou “direita”. A honradez me basta.

Reinaldão

“Crescer é ter direito a preconceitos. Não gosto de aviões, comida japonesa, comunistas, jazz, solo de saxofone, presidentes semi-analfabetos, especialista em vinhos, pão com gergelim e gente que faz passeata pela paz”.

Banânia, por Sponholz

24 de set. de 2008

A bolsa ou a vida


Em minha última coluna, segundo Lula, eu cometi um crime. Um crime que ele, Lula, comparou a um "roubo". Confesso: roubei. Pior: se surgir a oportunidade, vou roubar de novo. Eu sou um impenitente. A bolsa ou a vida, Lula.

Que crime eu cometi? Simplesmente reproduzi um grampo feito pela PF em que Marcelo Sato promete usar seu reconhecido talento para azeitar o processo de um usineiro junto à ANP. Para quem perdeu a memória: Marcelo Sato é o genro de Lula, casado com sua filha Lurian. Lula declarou que, quando a imprensa publica o conteúdo de um grampo, como eu fiz com o de Marcelo Sato, ela está cometendo um crime análogo a um roubo. Curiosamente - o brasileiro é mesmo um tipo muito curioso -, ninguém se interessou em perguntar ao presidente da República o que ele pensa sobre os negócios suspeitos de seu genro. O que se sabe é que, em seu sistema de valores - um sistema de valores que ele quer transformar agora em emenda constitucional -, o verdadeiro criminoso é quem denuncia o crime.

Antes do genro de Lula, houve o compadre de Lula. Antes do compadre de Lula, houve o irmão de Lula. Antes do irmão de Lula, houve o filho de Lula. O episódio envolvendo Marcelo Sato é tão corriqueiro que nem lhe dei muita bola. Usei-o apenas como um modesto retrato de nossa miséria institucional. Nesta semana, a ONG Transparência Internacional avaliou que o combate à corrupção, no Brasil, "parece ter estancado". Estancou mesmo. Só sobraram uns passadistas, uns retrógrados, uns golpistas de direita que continuam em sua bolorenta Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Para os petralhas - tomando emprestado o termo cunhado por Reinaldo Azevedo -, eu represento a Dona Leonor de Barros do lulismo. E Reinaldo Azevedo é visto como uma espécie de padre Peyton, com sua Cruzada Mundial do Rosário. Nós brandimos anacronicamente os mesmos cartazes de meio século atrás: "Queremos governo honesto", "A melhor reforma é o respeito à lei", "Senhora Aparecida iluminai os reacionários". O fato é que o Brasil inteiro estancou. A Folha de S. Paulo mostrou que o programa Bolsa Família tornou-se um instrumento para garantir o voto de cabresto. Se eu sou aborrecidamente passadista, é só porque a gente estancou no passado.

Um adendo absolutamente desimportante: Marcelo Sato prometeu ajudar a Agrenco a acelerar um processo na ANP. No site da ANP, há um documento pedindo de impugnação de um leilão de biodiesel com o argumento de que a Agrenco, apesar de uma greve dos auditores da Receita Federal, conseguiu obter um "registro especial". Não sei exatamente o que isso significa. Só sei que é melhor investigar agora, antes que investigar o assunto seja considerado um crime, um roubo.

23 de set. de 2008

Inteligente

Success is doing ordinary things extraordinarily well.

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The truth is more important than the facts.

Falling Water

19 de set. de 2008

Sem Deus



Steven Weinberg, autor do livro Sonhos de uma teoria final (Rocco, 1994) e Prêmio Nobel de Física, acaba de publicar o artigo "Without God" na edição de setembro da The New York Review of Books. O texto é de uma conferência pronunciada a estudantes de Harvard, recentemente, sobre a permanente tensão entre ciência e religião.
O blog coletivo De Rerum Natura traduziu alguns excertos, que os interessados podem ler aqui.
comments here

Inteligente

If you obey all the rules you miss all the fun.

18 de set. de 2008

“O mundo existe para acabar num bom livro”


Conversa com os leitores Sobre as atribuições do CNJ, que comentei posts abaixo, chega-me este comentário, que achei bastante interessante. Eu geralmente costumo discordar do Reinaldo em quase tudo. Acredito que leio o blog dele em uma espécie de masoquismo, pois quase nunca passo tanta raiva como quando me deparo com as opiniões dele. De qualquer forma ele tem me ajudado a olhar sempre o outro lado e procurar respeitar sempre a convicção de cada um. Nesse caso eu tenho que concordar com ele. É muita forçação de barra dizer que o CNJ extrapolou sua competência, afinal de contas a resolução só trata de matéria administrativa, qual seja, prestar conta de quantos pedidos de interceptação telefônica foram concedidos pelo juiz. Só, única e exclusivamente isso. O CNJ não pretende determinar quando o juiz deva concedê-la, longe disso. Está exercendo mero controle administrativo, mera coleta de dados. Publicar Recusar (Anônimo) 18:20 Comento Caro leitor, ler aquilo de que se discorda jamais será masoquismo. A única coisa que interessa na leitura — já que um artigo ou um livro não são a nossa vida — é se o texto está bem ou mal-escrito. Nada além. Uma vez entrevistaram o poeta Mallarmé sobre o significado da literatura etc. E sua resposta foi magistral: “O mundo existe para acabar num bom livro” — cito de memória, mas a essência deve ser essa. E, do ponto de vista das letras — de que o jornalismo faz parte, ainda que quase sempre como primo pobre —, é isso o que interessa. Claro, um jornalista não pode vender ficção como se fosse realidade e depois ficar correndo atrás de desmentidos como cachorro caído de um caminhão de mudanças. Mas não duvide: se ele se descuida da inculta e bela, é sinal evidente de que não respeita os leitores e de que fez a opção pela mediocridade. Discorde de mim, é bom. Discorde como discordo de tanta gente por quem tenho imenso respeito — e falo tanto dos vivos como dos mortos. Muita gente diz que demonizo adversários. É mentira. Desprezo e trato a pontapés os que se acham no direito de me censurar ou de me discriminar porque se acham mais humanistas e mais bondosos do que eu. E como se discorda aqui, não é mesmo, leitores!? Recorram a tudo o que já escrevi sobre aborto, células-tronco embrionárias, aquecimento global, ações da PF (quando isso ainda não era uma pauta)... Sobre tais temas, mais publiquei discordâncias do que assentimentos. Sou afetivo com os meus leitores, mas não sou paternalista. Assim faço na vida, em casa, com amigos, em qualquer lugar. Se concordo, digo que concordo; se discordo, digo que discordo. Às vezes, a opinião é incômoda. Quando deixei clara aqui, sem ambigüidades, a minha oposição ao aborto de fetos anencéfalos, o que você acha? Eu sabia que seria minoria, como fui, mesmo neste blog. Se quisesse sempre o aplauso, o “muito bem!”, procuraria me situar num lugar do discurso que contemplasse as três posições básicas: a favor, contra, e o famoso a-favor-e-contra-com-reservas. Mas eu não sou isso. Procuro matizar, discutir, argumentar, ponderar, mas sempre caminhar para um desfecho, como se estivesse tomando ali uma posição, fazendo uma escolha. E, sei, isso pode ser detestável para muita gente. Na resenha que fez do meu livro (posts abaixo), Demétrio Magnoli, como viram, faz-me uma cobrança de princípio sobre práticas adotadas pelos EUA na guerra contra o terrorismo. Na hora oportuna, voltarei ao assunto. Posso conviver perfeitamente com o contraditório. Mas fiquei especialmente contente com um aspecto do seu artigo: ele entendeu o meu compromisso fundamental com a liberdade de dizer, de debater, de falar tudo — ainda que isso possa aborrecer muita gente. Eu, ele e tanta gente não pertencemos a grupo nenhum. Somos o que costumo chamar de a “tribo dos homens sós”. E isso também e insuportável a muita gente.

Ciência ou Slogan?

A inflação das palavras é talvez mais letífera do que o aviltamento das moedas. Montaigne, arguto filósofo, inventou o termo “ensaio” para examinar os vocábulos. A sua idéia, simples como as verdades, se efetivou de maneira metafórica. Com a insipiente inflação das moedas européias, fruto do acúmulo de prata e ouro trazidos pelos ibéricos ao velho continente (roubados dos indígenas sul americanos...) e também produzida pelos moedeiros falsos (que punham em circulação peças sem a liga legalmente certa), o rei da França criou a Casa da Moeda, lugar onde o dinheiro seria pesado, “ensaiado” para definir a sua composição efetiva. Transpondo a providência do monarca para o pensamento (“pensar” e “pesar têm origens comuns, donde ”pesar moedas” e “pesar palavras” são movimentos idênticos de aferir veracidade) Montaigne propõe o Ensaio como estilo. As idéias, enunciados, números, conversas, livros, teorias, deveriam ser pensados e pesados, antes de alguém colocá-los em circulação. Tarefa importante, do mesmo jeito, seria pesar e pensar as idéias já usadas na vida humana, das sarjetas às bibliotecas, destas aos gabinetes do poder. A tarefa de ensaiar não podia ser rápida, devido à composição heteróclita dos elementos fundidos nas moedas. Era preciso saber e paciência.

Já no latim um indivíduo ponderado é dito homo gravis et sapiens, merece fé pública. Nos estultos, cujas bocas desconhecem tramelas, o discurso é leve, imponderável. Em seus lábios as pessoas não encontram algo que inspire confiança. “Eles não encontram a crença, objeto de toda fala. Porque o próprio fim e alvo do discurso é engendrar a crença no ouvinte, mas os boquirrotos são desacreditados mesmo quando dizem a verdade” (Plutarco, Sobre o Falatório).

A demagogia e a propaganda (sobretudo a eleitoral) se fundamentam no palavrório. É difícil pesar (ou pensar) os discursos nos comícios (hoje, nos rádio e televisões)que buscam distrair e também engambelar o eleitor com o barulho emitido pelos candidatos, poderosamente ajudados pelos modernos sofistas, os técnicos do marketing político. Nos últimos tempos, as pesquisas de opinião, ditas “científicas”, servem à propaganda. Os gregos, Platão sobretudo, recusam a opinião (doxa), justo porque ela não é pesada, não é pensamento refletido. A opinião segue rápido do cérebro para a boca (ou para o teclado do computador) e daí para as páginas da imprensa, telas da TV ou microfones do rádio. Todos esses veículos não podem perder tempo com ponderações, análises, pesquisas aprofundadas. O espaço dos jornais e revistas diminuiu, as televisões operam com segundos e minutos, salvo raros programas de debate. O rádio dispõe de tempo maior, mas a sua mensagem também deve ser rápida, para não cansar os ouvidos do público.

Em semelhantes usos do tempo, não resta muito para as igrejas ponderadas (Elias Canetti chama a atenção para as procissões católicas, nunca feitas em correria mas em passo digno e pesado, sério) e para a universidade. O tempo nos laboratórios, arquivos e bibliotecas é uma eternidade, por exigência dos objetos e métodos, se comparado ao das redações. Daí a irritação de jornalistas com os pesquisadores, quando os acadêmicos são intimados a explicar o Big Bang, as descobertas em genética, as teorias sobre Deus em menos de um minuto. O universitário ponderado não aceita o jogo da rapidez, sob pena de cair em descrédito junto aos seus pares e diante dos poderes públicos, até mesmo face à opinião popular...

“Rápido, ligeiro, para não pensar, não perder tempo”. Assim gritava o sargento, quando servi no Tiro de Guerra, nos treinos de ordem unida. Ciência não se faz com ordem unida, às pressas e com garrulice, mas com tempo, paciente inteligência. Salvo, é claro, quando o poder está nas mãos de sofistas, como ocorreu na URSS. Lyssenko fez ciência veloz, seguiu as ordens do Partido onisciente. E ajudou a derrubar o regime devido ao fracasso das colheitas e da economia soviética. Tempo breve é para slogans, nada mais.

5 de set. de 2008

Por que Satyagraha?


A escolha do nome Satyagraha para uma operação da Polícia Federal deve ser uma indicação de que algo está faltando no país.

Por que ter de procurar um dicionário sânscrito para achar um nome de operação? De um ponto de vista puramente nacionalista acho ofensivo. Não poderia ser simplesmente uma “Operação Safadeza” ou “Safardanas”? Palavras não faltam no idioma português.

Poderíamos estipular que o nomear das operações obedecessem aos mesmos princípios dos furacões. O primeiro do ano é um nome começando por “A”, o vigésimo terceiro começando por “Z”. Após os primeiros vinte e três viriam nomes compostos. Assim a trigésima oitava operação do ano poderia ser chamada de “Antônio Palocci”, digna homenagem a um homem que garantiu e garantirá muito serviço para a categoria dos policiais federais.

Este método inclusive estaria em conformidade com as leis da caça. O caçador desportivo sempre manda um cão assustar os pássaros para que estes decolem e sejam, abatidos. Da mesma forma, se um meliante controlar os nomes das operações divulgadas quando a polícia começa a arrebanhar os acusados, se a operação precedente for a operação Dilma (nada a ver com a ministra) e a operação divulgada for a operação Mangabeira (nada a ver com o ministro) sabe-se imediatamente que há mais nove operações ainda em andamento. Criminosos sabedores disto teriam chance de usar técnicas de cálculos progressivos e regressivos para prever estatisticamente se já é hora de ocupar aquele chalezinho nas ilhas Seychelles ou o bangalô em Dubai comprados sob aquela identidade húngara falsa adquirida em Marselha.

A Caixa Econômica Federal poderia até lançar uma nova modalidade de apostas. Poder-se-ia apostar na letra da próxima operação a ser divulgada ou no nome que corresponderia a cada letra. Haveria ainda aquelas apostas após a fuga dos bandidos. Onde está Wally? Bangkok na Tailândia, Kodiak no Alaska? Talvez Bali, talvez Nouméa no Pacífico Sul?

Mas talvez um controle alfabético seja muito formalizado para os espíritos ávidos de exprimir o lado poético que residem nas altas esferas policiais. Neste caso seria de bom tom ao menos assegurar-se que os nomes fossem fáceis de lembrar. Por exemplo, operação “Rapto das Sabinas” para redes de escravas brancas; “Operação Alfafa” para bois piratas.

Mas por favor, simplifique. No máximo uma operação “Ipon” tirada das artes marciais. “Budokan” já seria um excesso.

31 de ago. de 2008

Um crucifixo realmente "sagrado"

O Crucifixo e a Nudez Rodrigo Constantino
“Mesmo o homem supersticioso tem direitos inalienáveis. Ele tem o direito de defender suas imbecilidades tanto quanto quiser. Mas certamente não tem direito de exigir que elas sejam tratadas como sagradas.” (H. L. Mencken)

As fotos da atriz Carol Castro na revista "Playboy" geraram bastante polêmica. Pelo que ficou evidente, carolas também costumam verificar as fotos da revista de nudez. A Igreja Católica resolveu reclamar, condenando o ato como um "desrespeito com a fé de um povo". Com o mesmo tipo de "argumento", os muçulmanos fanáticos demonstraram toda a sua revolta com o dinamarquês que fez uma charge de Maomé com uma bomba no turbante. Esse autoritarismo religioso é um perigo! Se os crentes desejam tratar suas crenças como sagradas, que o façam. Mas não tentem impor que todos os outros tenham que tratar as mesmas crenças como sagradas também. Coisas como "heresia" e "blasfêmia" estão bem ultrapassadas, felizmente.
íntegra aqui

Pauleira da pesada


30 de ago. de 2008

O VOTO EM MIM MESMO


Quanto mais eu ouço falar em descrédito da classe política, mais eu me preocupo com a política e menos os políticos parecem se preocupar com seu descrédito. Os programas eleitorais parecem pílulas de ficção científica, quando não piadas surradas e de mau gosto, coisa que a gente já cansou há muito tempo. É o que temos e é o que somos, pois cada povo tem a nação que forma e que merece, cada povo tem uma democracia que é seu próprio reflexo no espelho e, por decorrência, cada povo tem a classe política que é a sua cara.

Se as assertivas acima continuam verdadeiras, com elas a triste verdade de se constatar que nós, o povo, somos iguais aos nossos políticos e somos, afinal, o que merecemos ser. Recebemos o que merecemos receber, temos o que merecemos ter. Culpamos a classe política como se ela não fosse nós mesmos. O político corrupto é parte de uma sociedade em que há um corruptor. É nesta mesma sociedade onde eu vivo, crio meus filhos e eles a meus netos. É desta sociedade que brotam os bons e os maus, os limpos e os sujos. Eu não sou apenas parte desta sociedade. Eu sou ela.

Vivo as contradições de minha sociedade todos os dias. Sinto-me tocaiado por ladrões e assassinos em meu próprio bairro. Minha praça está cheia de agulhas, seringas contaminadas e cacos de vidro. Meu filho tem a praça que merece, eu tenho a rua que mereço e a polícia que mereço, a lei que mereço. Eu sou o que mereço ser em meu país, minha cidade, meu bairro.

Viro o rosto e, sustentando meu queixo com os dedos polegar e indicador, chego à triste conclusão: Eu não acredito mais em mim. O descrédito não é apenas na classe política, nos juízes e na justiça, na polícia e na força do regramento social. Eu cheguei ao fundo de um poço que cavei e nem percebi. Chegamos ao final de um limite possível. Depois deste limite, resta-nos a barbárie.

Fragmentos da barbárie já nos são cotidianos. Há jovens carimbando seus passaportes para saírem do Brasil e não voltarem mais. “Ame-o MAS deixe-o”, decidem. De lá, mandam mensagens do tipo “posso caminhar à noite nas ruas sem me preocupar com a violência”. Ora vejam só! A Disneyworld da nossa juventude agora é andar nas ruas sem medo. E não são os velhos e cansados que estão em busca de uma nova nação. São os jovens. O tempora, O mores, Cícero.

Vou votar em quem, mesmo? Quem será o Chapolim Colorado (ou Gremista) que virá me salvar? É esta a minha democracia? É isto que eu sou?

Preciso de um motivo forte o suficiente para me demover da maldita e sedutora idéia de me transformar em um cidadão em Sidney ou em Toronto.

Inteligente

If men were angels, no government would be necessary

28 de ago. de 2008

Nada nele provoca pena


Mauro Covacich é o melhor romancista italiano. Ou um dos melhores. Algum tempo atrás, ele largou sua mulher por outra. E resolveu escrever um livro sobre o assunto, contando todos os detalhes do episódio. Inclusive usando o nome real dos protagonistas. Ele fez como aqueles ingleses que arrancam a roupa e, perseguidos por meia dúzia de policiais, correm pelados pelo gramado durante um jogo do Manchester United, com o estádio lotado, até conseguir agarrar Cristiano Ronaldo. Despir-se publicamente foi a maneira mais dolorosa que Mauro Covacich encontrou para expiar seu pecado. Cobrir-se de vergonha. Expor-se ao escárnio coletivo.

Alguém deveria editar os livros de Mauro Covacich no Brasil. Recomendo com entusiasmo. Este último se chama Prima di Sparire, e foi publicado pela Einaudi. Aqui, no podcast, pretendo tratar apenas de uma de suas páginas, a 165, que se refere diretamente a mim. Mauro Covacich é um grande amigo meu, dos tempos em que eu morava na Itália. Ele veio nos visitar no Rio de Janeiro em 2003, no Ano Novo. Fez uma matéria sobre a posse de Lula para o Corriere della Sera, que eu tentei contaminar com uma série de comentários debochados e preconceituosos. Numa das passagens do livro - e estou chegando onde eu pretendia chegar, só falta mais um tantinho -, Mauro Covacich recorda sua viagem ao Brasil. Em particular: os sanduíches de filé com queijo e meu filho mais velho, aquele que tem paralisia cerebral (Sim, eu também já corri pelado pelos campos de futebol, exibindo alegremente minha intimidade, embriagado de felicidade, ziguezagueando para escapar de meus perseguidores).

Na página 165, Mauro Covacich cita expressamente meu filho, Tito, e pergunta a sua mulher:

- Você se lembra da pena que sentíamos daquele menino?

Pena? Eu olho para minha mulher, e minha mulher olha para mim, e nós olhamos para nossos filhos, tanto um quanto o outro, o primeiro com paralisia cerebral e o segundo sem paralisia cerebral, e dizemos em perfeita sincronia:

- Como é que alguém pode sentir pena dele?

Esse é um dos aspectos mais espantosos de se ter um filho como o nosso. Nada nele provoca pena. Nada mesmo. Ele é um homenzinho seguro de si, contagiosamente alegre, independente, cheio de idéias próprias. Mas os sentimentos das pessoas acabam barateando a realidade. Eu sempre tratei os sentimentos, todos eles, com um certo desprezo. Os sentimentos tortos despertados por nosso filho só fortaleceram isso. Em meu caso, correr nu pelo gramado, com meu filho no cangote, à procura de Cristiano Ronaldo, teve esse efeito salutar: me treinou a ignorar o grito passional e confuso da arquibancada.

27 de ago. de 2008

Ezy Ryder



Pros And Cons Of Hitch Hiking



It's A Miracle



Miraculous you call it babe
You ain't seen nothing yet
They've got Pepsi in the Andes
Mcdonalds in Tibet
Yosemite's been turned into
A golf course for the Japs
The Dead Sea is alive with rap
Between the Tigris and Euphrates
There's a leisure centre now
They've got all kinds of sports
They've got Bermuda shorts
The had sex in Pennsylvania
A Brazilian grew a tree
A doctor in Manhattan
Saved a dying man for free
It's a miracle
Another miracle
By the grace of God Almighty
And pressures of marketplace
The human race has civilized itself
It's a miracle
We've got a warehouse of butter
We've got oceans of wine
We've got famine when we need it
Got a designer crime
We've got Mercedes
We've got Porsche
Ferrari and Rolls Royce
We've got a choice
She said meet me
In the Garden of Gethsemane my dear
The Lord said Peter I can see
Your house from here
An honest man
Finally reaped what he had sown
And farmer in Ohio has just repaid a loan
It's a miracle
Another miracle
By the grace of God Almighty
And pressures of marketplace
The human race has civilized itself
It's a miracle
We cower in our shelters
With our hands over our ears
Lloyd-Webber's awful stuff
Runs for years and years and years
An earthquake hits the theatre
But the operetta lingers
Then the piano lids comes down
And break his fucking fingers
It's a miracle

Three Wishes


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Reached back for the bottle
And rubbed against the lamp
Genie came out
smiling
Like some Eastern tramp
He said hey boy what's happening
What is going on
You can have three wishes
If you don't take too
long
I said well
I wish they all were happy on the Lebanon
Wish
somebody'd help me write this song
I wish when I was young
My old
man
had not been gone
Genie said consider it done
There's something
in the
air
And you don't know what it is
You see someone through a
window
Who you've just learned to miss
And the road leads on to glory
but
You've used up your last wish
Your last wish
And you want her to
come home
Genie said I'm sorry
But that's the way it goes
Where
the
hell's lamp sucker
It's time for me to go
Bye
There's
something in
the air
And you don't know what it is
You see someone
through a window
Who you've just learned to miss
And the road leads on
to glory but
You've used up your last wish
Your last wish
And you
want her to
come home

23 de ago. de 2008

Inteligente

Prosperity is full of friends


Truth has no special time of its own. Its hour is now - always


Love and work are the cornerstones of our humanness


O poder absoluto corrompe absolutamente

Temperamento de rebanho

– Faz o quatro, Diego Hypólito!

Roubei o mote de um amigo meu. E acrescentei prontamente: o que a queda de Diego Hypólito tem a ver com nossa queda para o roubo? Qual é o ponto em comum entre a poltronice de nossos atletas e a poltronice dos brasileiros em geral? Como o fracasso de nossos esportistas se relaciona com nosso fracasso como país?

É o que analisarei a partir de agora, postado na frente do computador, com minha malha elástica dégradée, dando uma rápida pirueta antropológica, seguida por dois parafusos sociológicos e meia dúzia de cambalhotas etnológicas, com grande probabilidade de repetir o feito de Diego Hypólito e aterrissar bisonhamente com o traseiro no tablado.

– Faz o quatro, Diogo Mainardi!

Quem leu a última VEJA pode tentar acompanhar meus volteios. A reportagem apresenta dois dados. O primeiro repete aquilo que já sabíamos: temos os estudantes mais analfabetos do planeta. Ninguém compete conosco em matéria de analfabetismo. Somos mais analfabetos do que todos os outros analfabetos. O segundo dado da reportagem é mais espantoso. Uma pesquisa encomendada por VEJA revelou que, ao mesmo tempo em que temos os estudantes mais analfabetos do planeta, estamos plenamente satisfeitos com isso. Alunos, pais e professores aprovam nossas escolas.

Eu entendo os alunos. A escola, para mim, representou uma completa perda de tempo. As melhores escolas foram aquelas que menos me ensinaram, permitindo que eu pulasse o muro e fosse jogar pebolim no boteco da esquina. Tende-se a superestimar o valor da escola. Os estudantes sabem perfeitamente que, por mais que se empenhem, nada do que os professores lhes disserem terá utilidade prática. É natural que eles se contentem com uma escola que os desobriga de estudar.

Entendo também os professores. Se a escola fosse menos imprestável, boa parte deles seria posta na rua. O que de fato impressiona é o entorpecimento dos pais. É neste ponto que reintroduzo o tema inicial do artigo: o fracasso de nossos atletas. E é neste ponto que Diego Hypólito e eu aterrissamos com o traseiro no tablado. O Brasil fracassa no esporte pelo mesmo motivo por que fracassa como país: temos uma sociedade acovardada, fujona, avessa à luta. Tudo aqui é feito para desestimular a disputa, para reprimir o desafio pessoal, para amolecer o caráter: o parasitismo estatal, a política fundada no escambo, a cultura baseada no conchavo, a repulsa por idéias discordantes. Esse nosso temperamento de rebanho inibe qualquer forma de atrito, qualquer tipo de inconformismo, qualquer espécie de enfrentamento. Quando temos de competir, afinamos. Por isso aprovamos uma escola que produz analfabetos. Por isso aprovamos governantes que roubam. A gente se satisfaz com facilidade: basta fazer o quatro. E nem é preciso conseguir colocar o dedo na ponta do nariz.

O Direito só pode ser achado na Lei


Há a máxima do futebol segundo a qual árbitro bom aparece pouco. Depende. Se os jogadores ignorarem a bola e mirarem na canela dos adversários, então ele se torna protagonista da partida. Por que um embate com leis degenera em pancadaria? As razões são as mais diversas. Em que cultura se formaram os jogadores? Qual é o seu caráter? Eles respeitam as regras do jogo? Há reações duras e estridentes àquilo que alguns chamam "excesso de protagonismo" do Supremo Tribunal Federal (STF), tornado árbitro do jogo político. Os ministros são acusados de tolher prerrogativas do Executivo, de fazer leis em lugar do Legislativo, de imiscuir-se nas ações das polícias e de atropelar instâncias da própria Justiça.

A reportagem que precede este artigo retrata bem esse ambiente. O STF nada mais faz do que reagir à hipertrofia do Executivo, que tende a usar a popularidade do mandatário de turno para atropelar a lei; à hipotrofia do Legislativo, acanhado pelo fisiologismo e pelo vício da subordinação; e ao açodamento de juízes, promotores e policiais, que entendem que o excesso do que chamam "garantismo" da legislação impede a "verdadeira justiça". Ora, lei ruim tem de ser mudada, não atropelada. Também no jogo institucional, árbitro protagonista indica inadequação ou insuficiência dos jogadores. Entre os descontentamentos, o que rende mais desgastes ao STF tem origem em instâncias da própria Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal. Isso não acontece por acaso. Será preciso fazer um pouquinho de história das idéias para chegar ao núcleo do problema.

"O direito deve ser achado na lei, não na rua", afirmou, no dia 6 passado, o presidente do STF, Gilmar Mendes. Muitos distinguiram na frase apenas a oposição entre o vulgo e as lentes, entre o clamor público e o rigor judicioso. Era mais do que isso. Tenho cá comigo o Livro Vermelho, que é cinza, cujo conteúdo, se aplicado, representaria a desconstituição legal do Brasil. Trata-se de um conjunto de textos, de 1988, escritos pelos partidários do "Direito Achado na Rua", uma corrente do pensamento jurídico brasileiro. É a ela que Mendes alude em sua fala. O pai intelectual do estrupício é o advogado Roberto Lyra Filho (1926-1986), fundador do que ele proclamava ser a "Nova Escola Jurídica Brasileira" – nada menos...

Mas que diabos quer a tal corrente, mais viva do que nunca e muito influente (Tarso Genro e até um ministro do Supremo já escreveram textos para o grupo)? Sua missão é se opor ao "legalismo", que estaria vincado pelas desigualdades de classe. Esse combate se dá com o exercício do "verdadeiro direito", só encontrado nos movimentos sociais, na "rua" – daí o nome-fantasia escolhido por seus partidários... ou sicários. Um juiz, um promotor ou um policial identificados com esse pensamento mandam às favas o texto legal – "Lei é coisa só para país civilizado", dizem – e optam por atalhos em nome dos "humilhados da terra". Lyra Filho era amigo de jovens. Gostava de se cercar de efebos do pensamento; a grei de noviços intelectualmente imberbes o idolatrava, ativíssimos entusiastas das idéias daquele Sócrates da luta de classes. O culto produziu valores e militantes, que, mais de vinte anos depois, ocupam não as ruas, mas os aparelhos de estado.

Lyra Filho foi professor da Universidade de Brasília e é, hoje, um espectro a rondar o curso de direito da UnB, um verdadeiro celeiro do "jus-rueirismo", e de toda parte. Em 1982, ele escreveu o livrinho O que É Direito, da já mitológica coleção da Editora Brasiliense. Eram tempos em que só um esquerdista tinha autoridade intelectual para nos revelar o "é" da coisa – e, vocês sabem, ainda hoje não é muito diferente. Lembro que coube a Marilena Chaui, por exemplo, explicar O que É Ideologia. Ela fez uma glosa pobre do livro A Ideologia Alemã, de Karl Marx (1818-1883), e sentenciou que "ideologia" é coisa da direita. A esquerda, claro, tem só valores e verdades... Os dois livros continuam em catálogo. Lyra Filho é bibliografia obrigatória em muitos cursos de direito. Falar mal do seu pensamento é como chutar a santa...

Partidário assumido das idéias do teórico comunista Antonio Gramsci (1891-1937), Lyra Filho incitava seus sequazes a desmoralizar a tradição jurídica e seus doutores, que ele chamava "catedr’áulicos". Num texto-bula dirigido aos jovens, diz como devem se comportar seus partidários: "A pressão libertadora não se faz apenas de fora para dentro, mas, inclusive, de dentro para fora, isto é, ocupando todo espaço que se abre na rede institucional do statu quo e estabelecendo o mínimo viável para maximizá-lo evolutivamente". Mais adiante, ele exalta aqueles que exploram "as contradições e porosidades do sistema legal, recorrendo à ILEGALIDADE NÃO-SELVAGEM [as maiúsculas são minhas], com lucidez e comedimento, isto é, em condições de pressão dosada, que força a absorção de pontos positivos pelo sistema dominante". Quem é íntimo da teoria política sabe: é puro Gramsci, autor de uma estratégia de tomada do poder, não de uma filosofia do direito.

Haveria, então, uma espécie de "golpe jurídico" em curso, tramado pelo "jus-rueirismo"? Para alguns é agradável supor que estou aqui a exercitar teorias conspiratórias um tanto lunáticas. Não, não há – não da forma como convencionalmente se entende um golpe. O que temos é a atuação evidente de juízes, promotores e policiais, partidários do Direito Achado na Rua, incrustados na "rede institucional do statu quo", como queria Lyra Filho, para, "com lucidez e comedimento", praticar a "ilegalidade não-selvagem" em nome da "igualdade de classes".

O Supremo percebeu que era hora de reagir a essa investida e bateu o martelo: "O direito deve ser achado na lei, não na rua". Aplausos, então, para o árbitro!

21 de ago. de 2008

Tapar as vergonhas


Acabei de voltar da praia. Está sol. O mar, esverdeado, transparente, está com jeito de limpinho. Me estendi na cadeira de plástico e pedi, nesta ordem, um picolé de coco, um biscoito de polvilho e um suco de laranja com cenoura. Olhando para o horizonte, com ar satisfeito, pensei: preciso me mudar daqui.

Qual é o motivo? Aí é que está: eu nunca precisei de motivos para ir embora de onde quer que me encontrasse. Ir embora sempre me pareceu imensamente mais proveitoso do que permanecer. Ir embora de uma cidade. Ir embora de um jantar. Ir embora de um espetáculo. Ir embora da praia. Eu gosto da praia. Eu gosto de mergulhar no mar. Eu gosto de ter as costas suadas, grudadas na cadeira de plástico. Eu gosto de ter a pele queimada, naquele estado pré-cancerígeno. Mas muito melhor do que tudo isso é pagar os dez reais à barraqueira e voltar correndo para casa.

Compromissos familiares tornaram bem mais árdua a tarefa de ir embora. Tenho de arrastar um monte de gente comigo. Em geral, em meio a protestos. O fato de nunca ter precisado de motivos para ir embora de onde quer que me encontrasse constitui um grande empecilho, porque me faltam argumentos para persuadir os demais.

Eu digo: "Precisamos ir embora da praia".
Respondem: "Por que precisamos ir embora da praia?"
Eu digo: "Tenho de dar um motivo?"
Respondem: "Tem".
Eu tento ganhar alguns segundos: "Tem de ser um bom motivo?"
Respondem: "Qualquer motivo serve, até mesmo um mau motivo".
Eu arrisco: "Olhem esta mancha. Deve ser um carcinoma".

Assim como um crente dispensa argumentos terrenos para acreditar em Deus, eu também dispenso argumentos para acreditar na necessidade de ir embora. Ir embora é meu valor supremo, absoluto. Migrar é minha única fé. Sou uma espécie de padre Anchieta dos migrantes: tento converter o gentio a tapar as vergonhas, fazer as malas e ir embora. Em se tratando de brasileiros e brasileiras, essa é invariavelmente a parte mais difícil: tapar as vergonhas. Adeus.

20 de ago. de 2008

Samba de uma nota só


Poor Johnny one-note sang out with "gusto" And just overlorded the
place
Poor Johnny one-note yelled willy nilly Until he was bleu in the face
For holding one note was his ace – Rodgers & Hart – “Babes in Arms –
1937

A alegre canção acima sobre o Joãozinho que só conseguia cantar uma nota, e a mantinha por um tempo incrível, sufocando o som dos outros cantores, de todos os instrumentos da orquestra, do tráfego na rua e até do bombardino, “pois seu ás na manga era manter esta nota” é incrivelmente descritiva do desempenho do “Honorável Batráquio Hirsuto”. (O honorável fica por conta da viagem à Ásia).

Desde sua eleição, por quase seis anos, seja o que for que diga, seja o saque que se proponha a fazer sobre as riquezas do país, seja o plano para roubar a moeda número um do Patinhas ele sempre explica que é para ajudar os pobres e desvalidos desta e de outras nações.

Peguemos o exemplo das declarações sobre o petróleo do pré-sal. Eis que de repente Lula decide que este é um petróleo “filantrópico”. Pretende criar uma nova corporação para explorá-lo. Mais uma vez sente-se cheiro de enxofre no ar. Uma nova corporação, novos funcionários, novos diretores, o envio de cem ou duzentos aprendizes/afilhados para fazer cursos, investimentos públicos a fundo perdido, receitas remetidas diretamente ao tesouro para cumprir vagos objetivos sociais. Supomos que a Petrobrás, já amplamente aparelhada deverá contribuir magnanimamente com os bilhões gastos em pesquisa do pré-sal e do desenvolvimento de novas tecnologias, em detrimento de seus acionistas.

Evidentemente até a discussão, nas palavras de Lula, “quem vai ficar com o lucro?” é absurda. O acionista controlador da Petrobrás é o governo. Além de receber impostos o governo embolsa sua parte do lucro. As licenças para prospecção nas áreas do pré-sal devem estar em ordem. Então o governo que designe, num novo e fajuto engessamento de rendas, uma parcela de sua renda (lucros) para a finalidade que se fizer necessária.

O problema do cantor de uma nota só é que ele jamais deveria ser senão um pequeno elemento do conjunto musical. Ao sinal da batuta do regente se esgoela com aquela uma nota pelo tempo necessário. Participa da obra como os canhões e os sinos da Abertura 1812. Como não consegue executar, nem mesmo ouvir outras notas para cantar junto com o coral é um mero recurso de efeito limitado.

Mas na “Pátria amada, idolatrada, salve, salve” o Joãozinho conseguiu ser o maestro. Se não tem musicalidade como vai reger naipes e mais naipes de instrumentos? Sempre que pressionado com problemas reais recua para aquela única nota que consegue cantar com maestria barulhenta e demorada.

Não é por acaso que Celso Amorim citou Goebbels. Uma nota repetida muitas vezes vira música. Veja o que (Tom) Jobim fez com o “Samba de uma nota só”.

19 de ago. de 2008

Bóóóóótiiiiimoooooo!!!! - 3 x 0!!!!

A porrada que os tão aclamados jogadores brasileiros levaram ... principalmente por ter sido dos Argentinos.

Calou a IDIOTIA do Galvão Bueno. Políticos PETRALHAS não lograrão com o efeito morfínico que uma esperada vitória do bando de idiotas da seleção botocuda causaria nos brasileiros.

18 de ago. de 2008

O melhor sobre Beijing 2008 - por Reinaldão

TIO REI NA OLÍMPÍADA - SEJAMOS EGOÍSTAS; ESQUEÇAMOS O BRASIL! PARA O BEM DO BRASIL E DOS EGOÍSTAS

Ainda não parei para ler a respeito, confesso: não sei se o Brasil vai ter – ou está tendo – mais medalhas ou menos do que nos jogos passados. Meu esporte predileto é levantamento de xícara de café. Ouvi o escarcéu que Galvão Bueno fez por causa de uma medalha de ouro na natação. E como chorava o nadador! Ok. Estava emocionado. Agora vi Diego Hipólito cair de bunda no chão. chorou também. Lágrimas na vitória ou na derrota. Ele pediu desculpas aos brasileiros. Eu não aceito. Não aceito porque ele não me deve nada. A parte que me cabe, eu devolvo. Precisamos parar com essa frescura de achar que os atletas são representantes do povo. Não são! São representantes de si mesmos. E o “país” só vai ter alguma importância nessa área quando as ambições dos competidores forem estritamente egoístas. Se Diego Hipólito nos devesse desculpas, Michael Phelps nadaria em nome da América. Só que ele nada por si mesmo. A América que se dane. Mesmo ganhando os parabéns de Bush. Quem liga? Ele?

Ah, não me venham os especialistas falar sobre como se fazem campeões: sim, investimentos, patrocínio, seleção rigorosa dos pequeninos etc. Eu não entendo nada de esportes. Sei que ou brilham nessa área os Estados Unidos, com o culto ao individualismo — o sujeito se dedica a competir e considera inaceitável perder —, ou brilham as ditaduras: o perdedor é eliminado da história. Não se vive da adulação do esforço coletivo e piedoso, ainda que inútil. O Brasil parece dar pirueta “com a comunidade”; fazer ginástica “com a comunidade”, esforçando-se para levar ao pódio a, se me permitem o gracejo, "média mediocre". Não dá certo.

Há ainda algo a indagar: por que os brasileiros choram tanto quando ganham uma medalha? Você vê americano chorando? Acompanho os jogos de longe tanto quanto possível — e é quase impossível. Phelps está o tempo inteiro com aquela arcada dentária toda torta à mostra, um olhar meio perturbado pela obsessão. Choro? Nunca vi. Não só isso: é pôr o microfone na boca dos nossos atletas, a primeira coisa que fazem é agradecer à mamãe. Um jogador do vôlei teve um filho. Suas primeiras palavras: “Quero agradecer à minha mãe, e espero dar ao meu filho o mesmo que recebi...” Tá bom! Mas a parturiente do dia era outra, né? Sim, numa perspectiva psicanalítica, há quem diga que nós, os rapazes, sempre nos casamos com nossas mães (os casamentos bem-sucedidos), mas convém cortar esse aleitamento materno-espiritual dos esportes. Ou nem toda grana do mundo vai fabricar campeões.

Seja na política, seja nos esportes, seja nas artes, há um culto ao paternalismo e à desproteção sincera, emocionada e esforçada. Lembro do filme Central do Brasil, que fez um sucesso danado. Aquele garotinho em busca do pai era o país em busca da paternidade, como se fosse desprotegido e procurasse o demiurgo de suas fantasias. Ele acabou aparecendo. Agora, a “mãe” já começa a subir no palanque. É o pai do povo, a mãe do PAC, e a gente de bunda no chão.

Diego caiu! Não deve pedir desculpas a ninguém. Tivesse ganhado a medalha de ouro, os méritos, benefícios e honras da conquista seriam só seus. Como Phelps e sua penca de medalhas. Não há melhor receita de sucesso do que ser egoísta e esquecer o Brasil. Melhor para os egoístas e melhor para o Brasil.

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OITO VEZES RISO



A propósito do texto acima – e não retiro uma linha -, leitores me dizem que até Michael Phelps chorou e abraçou a mãe. É, vejam as fotos acima, da Reuters, cada uma referente a uma das medalhas. Ah, tá bom: há gente que só se emociona ouvindo Teixeirinha. Outros se comovem quando uma reta, de súbito, se transforma numa curva. Cada um na sua. Falo de choro como se fosse um método; falo desse negócio de “Ó, mãe, eu SE esforcei...” Ou da explosão diante do fato inédito, que remete ao triunfo do oprimido.

Banânia

"O Brasil é uma país de viciados em estado, de cultuadores da mediocridade. Qualquer defesa do individualismo aqui é mal visto. A vida de gado é que importa. Enquanto for assim seremos esse lixo que somos."