26 de abr. de 2005

A Riqueza da Noruega

por Rodrigo Constantino - publicado no Diego Casagrande

In all the more advanced communities the great majority of things are worse done by intervention of government, than the individuals most interested in the matter would do them, or cause them to be done, if left to themselves.” (John Stuart Mill)

Não são poucos os socialistas que adaptaram-se ao mundo pós-queda do Muro de Berlim, passando a defender a social-democracia. Trata-se da famosa “terceira via”, muitas vezes apenas um rumo um pouco diferente para o mesmo objetivo: Estado grande e autoritário. O que está por trás dessa luta ainda são fatores ideológicos. Os “estatólatras” aprenderam a “pensar” somente através da ótica de explorados e exploradores, e curiosamente consideram como exploradores os empresários que geram empregos e oferecem serviços no livre mercado, enquanto os políticos são vistos como seres perfeitos e iluminados. Um dos casos mais bem sucedidos usado por eles é o da Noruega, um país rico e com ótima qualidade de vida. Uma lupa, porém, mostra que as causas da riqueza são outras. Vamos analisar alguns dados.

Esses adeptos do Estado “bem-feitor” argumentam que a Noruega é rica por causa dos elevados impostos e gastos públicos. Ignoram completamente que correlação não é o mesmo que causalidade. Uma nação rica onde chove muito seria usada, por essa “lógica”, para “provar” que a chuva traz riqueza! Claro que ninguém razoável pode achar que o fato do governo extorquir metade da produção privada favorece uma nação. Indivíduos não trabalham duro para sustentar o “bem geral”, nem tão pouco os burocratas do Estado. São interesses particulares que movem a produtividade e o avanço. Somente um louco acreditaria que a produção aumenta mais quando as pessoas sabem ex ante que metade será tomada pelos impostos, em vez de ser livremente utilizada por quem a gerou. Analisando um pouco mais de perto a história da Noruega, fica evidente que o país é rico a despeito do tamanho do Estado, não por causa dele. Afinal, a grande maioria de países com Estado grande e impostos elevados afunda no atoleiro da miséria, o que já prova que a causa do sucesso norueguês é outra.

No final dos anos 1960, a descoberta de petróleo e gás, principalmente no Mar do Norte, garantiu um forte impulso na economia da Noruega. O país produz hoje cerca de 3,5 milhões de barris diários, uma das maiores produções do mundo. O petróleo representa cerca de um terço do total exportado. Somente a Arábia Saudita e a Rússia exportam mais do “ouro negro”. Estamos falando, portanto, de uma Venezuela sem Hugo Chávez, civilizada, na Europa. Um solo e mar que contam ainda com outros vastos recursos, como minério-de-ferro, zinco, níquel e muito peixe. E de uma nação com pouco mais de 4,5 milhões de habitantes, o mesmo que a cidade do Rio de Janeiro. Ora, com tamanha riqueza natural e tão pouca gente, somente muita incompetência estatal para ficar pobre. Seria necessário uma gestão socialista para tanto, nos moldes cubano ou soviético. Ficando no “meio” do caminho, ainda garantindo uma boa dose de liberdade econômica e burocracia controlada, seria evidente esperar abundante riqueza para o povo. Basta imaginar uma Arábia Saudita sem a família Saud, com um governo ocidentalizado, ainda que grande demais e ineficiente. Se até a própria Arábia Saudita conseguiu, por um bom tempo, financiar um mega esquema de welfare state, dando escola e hospitais grátis para toda a população, claro que a Noruega tinha que se sair melhor!

Mas o fato é que o peso do Estado, ainda que o preço do petróleo esteja ajudando muito, começa a ser sentido. O país já esboça um programa de privatizações mais agressivo, mantendo entretanto a Statoil, estatal de petróleo, fora do mais eficiente setor privado. O receio da exaustão dos campos de petróleo, algumas décadas à frente, fez com que fosse criado um fundo de reserva, que já conta com mais de 40 bilhões de dólares, devidamente aplicados no exterior, provavelmente em títulos do governo americano (com poupança não se brinca). O PIB cresceu apenas 1% em 2002 e 0,5% em 2003, mesmo com o elevado preço do petróleo. Os frutos podres começam a aparecer, como conseqüência das sementes plantadas atrás. E o país vai tentando se aproximar mais de um modelo de Estado menor e mais enxuto. O governo abriu totalmente à participação estrangeira, por exemplo, o sistema de distribuição de eletricidade, tornando-o um dos mais liberais do mundo. O governo tem incentivado também a exploração de petróleo por empresas estrangeiras. O mercado financeiro tem sido fortemente liberalizado, acabando certas restrições anteriores. Em outubro de 2002, o governo aboliu um imposto de 7% sobre investimentos na compra de ativos. O Ministério de Finanças acabou com as restrições quanto ao estabelecimento de agências de instituições financeiras estrangeiras, incluindo bancos. Enfim, uma infinidade de reformas liberalizantes tem ocorrido na Noruega, para buscar maior dinamismo econômico e reduzir o asfixiante papel do Estado.

Enquanto isso, os cegos voluntários negam-se a enxergar o óbvio. Não conseguem, por razões ideológicas apenas, admitir que a riqueza da Noruega existe apesar do tamanho do Estado, e não graças a ele. Comparam esse “poço de petróleo” chamado Noruega, com menos de cinco milhões de habitantes, com os Estados Unidos, para defender a “terceira via”. Somente a perfídia pode justificar uma atitude dessas. Os Estados Unidos possuem quase 300 milhões de habitantes. A quantidade de imigrandes que buscam o “american dream” é absurda. Imaginem todos os cubanos, brasileiros, mexicanos, indianos, e chineses que invadem o solo americano todo ano, partindo para a procura de empregos na Noruega. Como será que estaria a qualidade de vida por lá? Os Estados Unidos geraram mais de um milhão de empregos por ano nos últimos 15 anos, contra zero na Europa. Absorveram a mão-de-obra de boa parte do mundo. E seus consumidores, em uma economia que representa 30% da mundial, garantem os empregos pelo mundo afora, comprando US$ 600 bilhões a mais que vendem, a cada ano. São os maiores clientes de praticamente todos os países do globo. Poderiam melhorar muito ainda, se reduzissem o papel do Estado lá também.

Somente má fé pode levar alguém a concluir que o modelo norueguês é melhor que o americano, mais próximo um pouco do capitalismo liberal. E vejam que mesmo com todas essas diferenças estruturais absurdas, a renda per capita americana é igual a norueguesa, de US$ 37.800 anuais. Ou seja, juntando todos os bairros pobres americanos, todo o contingente de imigrantes que buscam uma vida mais digna lá, e levando em conta que estamos falando de 300 milhões de habitantes, não cinco, ainda assim temos a mesma renda por habitante em ambos os países. Apenas um mentecapto não concluiria que a adoção de um modelo mais capitalista e com Estado menor traria muito mais riqueza ao povo da Noruega.

Bem que os amantes da social-democracia gostariam que a causa da riqueza da Noruega fosse seu Estado grande e “bem-feitor”, mas os fatos são teimosos e não moldam-se de acordo com nossos desejos. É evidente, para quem ainda não foi picado pela “mosca” marxista, que anula a capacidade racional do cérebro, que a Noruega é um caso claro de sucesso a despeito de seu modelo político. Os vastos recursos naturais, e uma economia razoavelmente livre, compensam a gastança estatal. Mas este gasto estatal, como sempre, é o vilão, não o mocinho!