1 de mar. de 2006

Em dias de samba-do-crioulo-doido

Por Reinaldo Azevedo - 28/02/2006 - Primeira Leitura

Leio na Folha que Max Weber já chegou como adorno aos enredos de escola de samba. Ufa! Bem, pelo menos está lá listado na bibliografia de referência dos carnavalescos. O samba-do-crioulo-doido finalmente ganha ares da chamada “cultura superior”. Seria de dar nó na cabeça dos rapazes de Frankfurt. Não deixa de ser uma boa notícia. Já que a academia brasileira não estuda Weber, que pelo menos a escola de samba o faça. O que ambas produzem não é assim tão distinto.

Há mais coerência em muito enredo da avenida do que em boa parte das teses acadêmicas, feita para lustrar a guerrilha de posições da universidade, sustentada com o dinheiro dos desdentados. Pública e gratuita, é claro, para quem pode pagar por ela, também é claro. Chega-se mesmo a usar a estatística como o biquíni de Roberto Campos: revela tudo, menos o essencial. Fala-se que metade dos alunos do curso superior tem origem na escola pública. É fato. Em cursos de letras, pedagogia, geografia, história. Mas não em medicina, odontologia, engenharia ou economia. As vagas são cativas dos ricos que estudam em escola particular.

E como é que o governo do Apedeuta pretende resolver a questão? Ora, impondo cotas nas universidades, que deixa de ser, assim, o lugar da meritocracia e passa a ser um tribunal de justiça. Coisa de gênio. Lula é um Midas às avessas. Ele toca em ouro, e imediatamente a coisa vira caca. A única saída decente e razoável é melhorar o ensino público para aumentar a competência intelectual dos estudantes mais pobres e passar a cobrar pelo serviço prestado pelas universidades a quem puder pagar. Ainda que continue pública, por que tem de ser gratuita? E reparem que a defesa desse privilégio não distingue direita de esquerda. Ao contrário: ambas se irmanam pela manutenção do statu quo.

Há dias, fui convidado para falar a estudantes da Universidade Federal de Pernambuco. Um núcleo de jovens alinhados com as idéias de Hayek me convidou. A esquerda saiu panfletando o campus conclamando os alunos a boicotar o evento. Diziam que eu era contra a “universidade pública, gratuita e de qualidade”. E, como não?, estavam indignados porque afirmavam que eu sou “de direita”. Os esquerdistas da universidade, alimentados com cereais matinais enriquecidos com vitaminas e com os impostos que extorquem dos miseráveis, querem continuar no bem-bom. Muitos vão se formar médicos, engenheiros e dentistas. Cuidarão da saúde de quem pode pagar, dos dentes de quem pode pagar, dos prédios de quem pode pagar. E o passaporte para a sua boa vida será garantido pelo suor e pelo couro de quem nunca vai atravessar a porta de seus consultórios ou escritórios. É o socialismo do PT e do PC do B. Eu, como sou de direita, não valho nada. Eles, como são de esquerda, podem roubar até a dignidade alheia. Além de bater a carteira de pobre.

A vagabundice intelectual de boa parte da elite brasileira é que gerou o caldo de cultura que deu no petismo, esse flagelo que assola o país. Os intelectuais egressos das lutas pré-64, as comunidades eclesiais de base e o baronato sindical deu corpo a este partido “socialista”, que soube explorar com competência a insensibilidade social e a burrice dos endinheirados, boa parte deles também vivendo do que mama do Estado. Afinal, eis o ponto: o Brasil mal saiu de um capitalismo de Estado. No governo FHC, ensaiou-se uma mudança, mas ainda insuficiente. O maior estatista do Brasil, Ernesto Geisel, era herdeiro de um golpe dito “de direita”, a que aderiram os nossos ditos “liberais”. O petismo, evidentemente, não veio para desmontar nada, mas para tomar de assalto a estrutura. Tanto é que seu modelo, em certa medida, é Geisel.

Chega a ser um milagre, por enquanto ao menos, que o país não seja varrido por uma onda de populismo autoritário. Em 1989, com Collor, chegamos bem perto. A sorte é que ele era muito incompetente e, como direi?, excessivamente voraz. Se tivesse sabido se compor a tempo com fatias do poder instituído que permitiram a sua ascensão, o resultado teria sido diferente. Esquerda ou direita, ninguém dá a menor pelota para a patuléia. O petismo percebeu isso, transformou essa evidência em ativo eleitoral. E, em vez de tentar mudar, tentou foi compor. Desde que lhe fosse dado o comando do Estado.

Assim, não há qualquer surpresa no fato de que os bancos tenham lucrado em três anos de Lula mais do que nos oito de FHC. Isso se dá não porque os banqueiros sejam malvados. São homens tão bons e tão maus, tão humanos e tão sentimentalmente carentes como qualquer um de nós. Têm a sorte de ser os operadores do ramo do mercado que financia um governo destrambelhado. Ainda que os bancos cobrassem spread menor dos clientes, ainda que suas tarifas fossem reduzidas, ainda que etc. e tal, seu lucro astronômico seria preservado porque oriundo dos títulos da dívida pública. O que os banqueiros deveriam fazer? Fugir de Lula por patriotismo? Eu acho que eles querem vê-lo reeleito. Se eu tivesse um banco, financiaria o PT.

Chega a ser impressionante, nesse quadro, que as oposições fiquem reféns de obsessões pessoais e sejam levadas a adiar o ataque frontal a Lula e ao risco que ele representa. Estes dias que se seguem ao ziriguidum, balacobaco, telecoteco vão dizer se a ordem democrática fará a sua guerra contra a esculhambação ou se vai ser condescendente com o Apedeuta, apostando que um dia ele cai de podre.

Há gente crente que um novo salvador vá cumprir toda a lição de casa, chegando à letra “Z” da enciclopédia. Escolinha do Professor Raimundo contra Lula, o Apedeuta. Santo Deus! Seria, sem dúvida, um grande futuro.


P.S.: A canalha fascistóide voltou a se assanhar. Os petistas raivosos haviam dado um tempo, envergonhados com tantos escândalos, e parado de escrever. Estavam acuados. Ora, eu sempre soube que não lhes seria grande custo perder também a vergonha. Voltaram com tudo. A gosma hidrófoba transborda até pelos e-mails. Mal se contêm de felicidade com a certeza que alimentam da reeleição de Lula. E acham que estou dormindo na pia, com uma torneira gotejando sobre a testa. Mais quatro anos de Lula? Pra mim, seria uma festa. Desmoralizar o petismo é uma escolha em favor da civilização. Se ele estiver no poder, fica mais fácil. Em qualquer hipótese, a luta continua, “companheiros”.

O carnaval do poder

por Alfredo Ruy Barbosa, cronista e advogado - do Diego Casagrande

O carnaval do povo dura apenas quatro dias, mas as folias momescas dos três poderes se arrastam há anos sem um fim previsível. Os blocos e as fantasias oficiais são variados e disputam entre si as taças de campeão nas categorias luxo, originalidade e outras. Na primeira, um forte concorrente é o bloco das ilicitações, formado pelas empresas, bancos e fundos de pensão estatais que alimentaram o ''valerioduto'', o ''dudaduto'' e outros dutos que jamais serão revelados graças à colaboração dos amigos integrantes do bloco do STF. O samba-enredo do grupo das ilicitações canta louvores àqueles cuja vitória já era conhecida antes mesmo da abertura das propostas. Nesse sambódromo, as ''regras especiais'' prevêem um tratamento luxuoso para os campeões, tais como o pagamento de uma elevada quantia por serviços não prestados ou produtos não entregues. Em contrapartida, o vencedor do desfile transfere uma parcela dos seus ''honorários sem honra'' ao caixa-dois do PT ou aos ''mensaleiros'' da comissão de frente do governo. Outro concorrente na categoria luxo é o bloco governista que acaba de isentar os especuladores estrangeiros do pagamento do imposto de renda sobre os seus lucros nas bolsas de valores. Para o atual governo, pagar imposto de renda é um privilégio reservado apenas aos brasileiros, de preferência os assalariados.

Na categoria ''espetáculo do crescimento'', foi declarado vencedor o bloco dos corruptos, que aumentou o número dos seus integrantes de forma espetacular. Esse bloco está agora planejando um grande baile: a ''Noite do Trilhão, para comemorar a vitória do grupo sobre a meta de um bilhão alcançada pelo Collor na sua campanha presidencial. Para essa turma, é um ''orgulho'' superar o esquema então montado por PC Farias, que hoje seria um mero discípulo de Valério. Os integrantes desse bloco pensam igual ao inglês de uma anedota ao qual perguntaram: ''Quem é maior? Deus ou o dinheiro?'' O inglês respondeu: ''Ora, gold (ouro) tem uma letra a mais do que God (Deus)''.

Na categoria luxo, concorre, também, o bloco dos tribunais com a fantasia do nepotismo, que deverá, entretanto, adaptar suas plumas à recente decisão do STF, que, pressionado pela opinião pública, determinou uma reforma nessa fantasia. Brevemente, veremos como ficará o novo modelo. O mais provável é que as novas plumas sejam mais numerosas para disfarçar melhor os ricos paetês que enfeitam a Ala do Nepote.

Na categoria originalidade, o presidente Lula vem tentando conquistar a taça de campeão com a fantasia do ''Não Sei''. Mas, em matéria de originalidade, ele já foi superado pelo próprio Collor, que não sabia do esquema PC Farias, e por FHC, que não sabia da possibilidade de um grande ''apagão'' no país, em 1999, apesar de ter sido alertado sobre esse risco com um ano de antecedência. Portanto, o atual presidente não deverá ganhar esse prêmio, mas talvez receba uma menção honrosa pelo formato original que deu à fantasia do ''Não Sei'' ao dizer que desconhece até o que ocorre no andar logo abaixo do seu gabinete no Palácio do Planalto - um endereço que hoje ele adora.

Finalmente, na categoria ''Iraque-Aqui'', empatam os governos do Rio, já que não restam meios nem ''maias'' que resolvam os problemas da cidade, que, por outro lado, foi transformada na Favela da Rosinha. É longo e variado o carnaval do poder, mas será possível acabar com essa folia se, no final da festa, fizermos uma boa faxina nas próximas eleições.

Vamos torcer!