28 de jan. de 2006

Brasil x Índia

por Paulo Leite, de Washington, DC - Diego Casagrande

Escrevendo do Fórum Econômico Mundial de Davos, o colunista da Folha de São Paulo Clóvis Rossi comparou alguns dos avanços obtidos pela Índia com a relativa estagnação do Brasil nas últimas décadas. Enquanto no final do ano passado a Índia cresceu 8%, o Brasil continuou marcando passo.

Quer dizer, foi a Índia que, nas palavras de Rossi, apresentou “o espetáculo do crescimento, o verdadeiro.”

O segredo da Índia, no entender de Clóvis Rossi, é o investimento na educação de sua população. O colunista conta que uma “pesquisa feita pela consultoria PricewaterhouseCoopers com 1.400 homens de negócio do mundo todo mostra que a grande atração da Índia está dada por dispor de um ‘pool’ de talentos altamente qualificados”.

Rossi cita o especialista em educação Yasheng Huang, do MIT, que acredita que o fator educação “poderá fazer com a Índia passe a China como estrela da economia mundial”. Para Huang, a longo prazo “a qualidade e a quantidade de capital humano importará muito mais que a do capital físico".

Como não poderia deixar de ser, a coluna de Clóvis Rossi termina com uma lamentação bem brasileira. O colunista acha “notável” que o Brasil não consiga “investir nem no capital físico nem no humano.”

Não há como duvidar do acerto da Índia ao investir em educação. É preciso lembrar que o país herdou dos britânicos uma série de instituições educativas de alta qualidade. Ao invés de destroçar essa herança, como fizeram muitas antigas colônias ao redor do mundo, cuidou e ampliou seu alcance.

Aqui nos Estados Unidos, a presença de imigrantes vindos da Índia é imensa, impossível de ser ignorada. Seja em negócios como mini-mercados ou pequenos hotéis, seja em empresas da área de informática, ou ainda na área científica, os imigrantes da Índia estão sempre em posição de destaque.

Minha mulher, por exemplo, é médica. Grande parte de seus colegas em todos os hospitais onde já trabalhou são originários da Índia. Nos exames necessários para a revalidação de seu diploma (obtido no Brasil), os primeiros colocados eram sempre indianos. Uma simples olhada na seção de médicos das Páginas Amarelas de qualquer cidade americana vai mostrar a preponderância de nomes difíceis de pronunciar (para nós, pelo menos).

E a imigração vinda da Índia só diminuiu um pouco, nos últimos tempos, graças ao fenômeno da terceirização internacional. Vários empreendedores da Índia perceberam que poderiam trabalhar para empresas americanas sem precisar sair da Índia. Hoje, quando você liga para a assistência técnica das principais companhias dos EUA, fala – sem saber – com alguém num escritório de Nova Déli.

Médicos da Índia analisam exames radiológicos para hospitais dos Estados Unidos, via satélite ou Internet. Programadores indianos desenvolvem software para algumas das mais conhecidas marcas do mercado mundial. E por aí vai a coisa.

Um dos segredos da Índia é que, em muitas faculdades do país, as aulas são ministradas em inglês. O ensino do idioma é obrigatório. As faculdades de Medicina, por exemplo, têm classes específicas sobre como passar os exames para médicos nos Estados Unidos. É graças a essa mentalidade que há trabalhadores com domínio do idioma inglês em número suficiente para viabilizar as companhias de prestação de serviço que citei acima.

No Brasil, tenho certeza de que qualquer tentativa de dirigir a educação de nossos universitários para o mercado americano seria recebida com indignação pela mesma imprensa e pelos mesmos intelectuais que hoje elogiam a Índia, sem entrar nos detalhes sobre como ela está alcançando o que vem alcançando.

Já posso até ouvir os gritos de “rendição ao imperialismo ianque”.

Em poucas palavras, para vencer a estagnação, o Brasil precisa – primeiro – vencer seu provincianismo, bairrismo, ou seja lá que nome tenha esta mania de nos acharmos os melhores do mundo em tudo.

Lamentos de um morador de Ipanema

Fernando Gabeira, Folha de S. Paulo (28/01/06)

Lula veio a Queimados, Baixada Fluminense, e fez um discurso já famoso. "Não tenho a cara da zona sul nem da avenida Paulista", afirmou no palanque. Lula é um cara estranho. Quando veio ao Rio receber o apoio dos artistas, no Canecão, falou do seu deslumbramento com a zona sul, não esperava jamais estar sendo aclamado ali por gente que admirava, num lugar tão interessante etc.

Se fossemos muito rápidos no gatilho, diríamos que Lula tinha um deslumbramento pela zona sul. Mas, se formos rápido no gatilho agora, diremos que ele tem um certo desprezo pela região, pois divide o mundo entre opressores e oprimidos pelas zonas geográficas.

Não creio em nada disso. Uma vez protestei, fraternalmente, junto ao Professor Luizinho, que desqualificou a visão de Brasil do repórter Larry Rother, do "New York Times", argumentando que era um habitante de Ipanema. Rother, dizia eu, vive cruzando o Brasil e alguns países da América do Sul. Também vivo em Ipanema e passo grande parte dos meus fins de semana tentando conhecer melhor o Brasil. Luizinho aceitou imediatamente o argumento e admitiu que a frase poderia levar a equívocos.

Na década de 60, escrevi um artigo intitulado "As Belas Imagens", reproduzindo um pouco a argumentação existencialista de que o valor de uma pessoa depende de suas escolhas, de seu esforço. Afirmava que não era possível supor que alguém tivesse qualidades intrínsecas apenas porque mora num certo bairro da cidade. Era o auge de Ipanema.

Quase meio século depois, tenho preguiça de retomar o argumento de forma inversamente simétrica: não há nenhum defeito intrínseco em morar num determinado bairro. Se alguém quiser dividir o mundo entre oprimidos e opressores e disser que os segundos moram na zona sul do Rio, vai ter que abstrair milhões de pessoas -as que moram no morro e os brasileiros de todos os horizontes que vivem em Copacabana, por exemplo.

Não é para se fazer uma discussão séria. Lula estava no palanque de Queimados ao lado de Lindeberg Farias, um jovem de muitas qualidades e, além disso, bonito. Ele ganhou as eleições em Nova Iguaçu com mais facilidades, segundo o relato dos jornais, porque era considerado lindo pelas suas eleitoras. No momento em que era preciso se implantar na Baixada com mais sucesso, o PT não hesitou em usar também, além da habilidade de Lindeberg, sua cara bonita. Portanto, é uma tática de ziguezagues: num momento, você usa a estética para ampliar seus votos, em outro momento você afirma uma cara sofrida para buscar uma identificação com o eleitorado da região.

O engraçado é que estavam os dois no mesmo palanque, talvez rindo de nós, que pedimos coerência. Por isso é que não dá para ficar zangado quando o presidente de todos os brasileiros rejeita publicamente os moradores do lugar onde você mora. Não é uma rejeição séria, como não é sério o deslumbramento. Tudo depende da hora, do lugar e dos votos.

No caso da avenida Paulista, mesmo quem não mora em São Paulo se surpreende com a afirmação do presidente. Tudo de bom que acontece na cidade acaba sendo comemorado na avenida Paulista. Títulos mundiais de futebol, vitórias em campanhas presidenciais. Lula foi diretamente do hotel para a avenida Paulista, no dia de sua eleição. As ruas estavam cheias de gente do povo. Uma boa formulação para aquele dia: "Estou aqui, mas lembrem-se de que não tenho a cara da avenida Paulista, por isso vou ficar de costas para os prédios e olhar apenas para vocês".

Apesar de tudo, há muita gente na zona sul que ainda admira Lula, e ele ainda tem chance de corrigir o equívoco. Palanque é um lugar onde se fala tudo e os jornalistas sequer anotam. No entanto, quando você é presidente da República e está num palanque, cada frase tem de ser pensada, por mais difícil que seja emocionar-se e, simultaneamente, medir as palavras.

Tudo isso, na verdade, é um pequeno distúrbio de papéis. Lula encarnou o presidente Hugo Chávez e resolveu entrar na distinção entre ricos e pobres. Mas o clima está mais para Juscelino. Ele deveria voltar a um centro espírita e reencarnar o Juscelino. Tenho um amigo em Copacabana, o Almeida, que vive pedindo a construção de um centro para a terceira idade no bairro, com projeto de Oscar Niemeyer. Isso poderia ser ainda melhor para nós do que foi a igreja da Pampulha em Belo Horizonte.

Entre os idosos da zona sul, vindos de todos os recantos do Brasil, essa história de norte-sul, nós e eles, essas fronteiras que criamos e alimentamos em palanques não têm grande sentido.

Um dia tudo isso passará, e tanto o Lula como o Professor Luizinho, esse já convidado, vão colocar uma Havaianas e bermudas e passear conosco pela zona sul. Amainadas as paixões, é surpreendente como todos os seres humanos são parecidos, ainda mais de bermuda e Havaianas.

Não posso falar por toda a Ipanema, mas a sensação que temos aqui, do Jardim de Alah à praça General Osório, é de que todas as caras são bem-vindas.

Uma vez integradas à paisagem, expressam uma incrível diversidade e apontam para uma unidade que não se destrói: a cara do ser humano.

Fonte: e-agora

Economia brasileira "envergonha" empresários em Davos

07h11 — Por Clóvis Rossi, na Folha: "Alain Belda, brasileiro nascido no Marrocos, 62 anos, é o presidente mundial da Alcoa, o maior produtor de alumínio primário. Jorge Gerdau Johannpeter, brasileiro, 69 anos, é o presidente do grupo Gerdau, um dos maiores exportadores de produtos de aço. Os dois foram juntos, ontem, a um debate sobre recursos naturais no contexto do encontro anual 2006 do Fórum Econômico Mundial. Ouviram um indiano falando em números portentosos. Depois um chinês vertendo números ainda mais portentosos, como sempre acontece quando se fala de China. Até um russo mostrou dados importantes. 'A gente não tem o que falar. Dá vergonha', desabafa Belda, relatando um sentimento que era também o de Gerdau. (...) Tanto mais grave quando se sabe que tanto Belda quanto Gerdau são dois vencedores, não dois empresários falidos ou eventualmente frustrados com os juros, o câmbio ou o que seja no Brasil. A frustração é assim expressa por Belda: 'A China decide o que quer fazer nos dez anos à frente. E faz. No Brasil, há um monte de economistas debatendo por que não dá para fazer'. O presidente da Alcoa, um homem do mundo por vocação e por função, olha para China, Índia e outros países ditos emergentes, vê que eles de fato emergem, olha para o Brasil, vê que tem até mais recursos que eles, mas, no fim das contas, 'anda sempre com o freio de mão puxado'."

fonte: Primeira Leitura