4 de fev. de 2006

Até que enfim, Senhor Fernando Henrique Cardoso

FHC vai ao ataque na IstoÉ: "A ética do PT é roubar"

0h — Em entrevista à revista IstoÉ, principal destaque da capa da revista nesta semana, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ataca o governo Lula e a corrupção organizada com a chancela do seu partido, o PT, e afirma que os tucanos precisam bater forte para retomar o comando do país. "O discurso para resgatar o poder para os tucanos ele já traz na afiada ponta da língua. Trata-se de demolir o que restou do patrimônio ético do partido, que, no passado, fazia passeatas sob o lema Fora FHC. De sublinhar na campanha deste ano que Lula abandonou a classe média, vive solitário com opositores em seu próprio partido e aliado ao que há de pior na política nacional", diz a apresentação da entrevista, assinada por Antonio Carlos Prado e Marco Damiani. Leia trechos:"

IstoÉ – Qual vai ser o grande tema da campanha para presidente?
FHC – Eu nunca ouvi falar em tanta corrupção como neste governo. As massas de dinheiro envolvidas são muito altas. Assustadoras. Esse tema vai ser forte.

IstoÉ – Os tucanos devem bater com muita força?
FHC – Temos de mostrar o que aconteceu. Com força. Não podemos aceitar o que o presidente Lula disse em Paris, que todos são corruptos e, portanto, que a corrupção é normal. Não, não. Primeiro, porque não são todos que praticam corrupção. Segundo, a corrupção neste governo é muito mais grave do que nos outros casos da história.

IstoÉ – Por quê?
FHC – Porque os outros casos eram individuais, enquanto no governo Lula a corrupção se organizou e teve a chancela do partido do governo. É um fenômeno novo. No governo Lula, a corrupção tem organicidade, foi arquitetada. É sistêmica.

IstoÉ – O sr. acredita que o presidente Lula não sabia de nada?
FHC – Se não sabe, é porque está comendo mosca. Aliás, deve ter ficado viciado em comer moscas. Eu acho que o deputado [Osmar] Serraglio [relator da CPI] coloca bem as coisas: Lula tem responsabilidade por omissão. Como não aconteceu nada com o presidente, acho que o Congresso foi omisso ao investigar a responsabilidade dele. Faltou a pergunta: quem é o beneficiário, a quem interessa tudo isso?

IstoÉ – A quem?
FHC – Ao próprio presidente. O que o Duda Mendonça declarou no depoimento dele? Que recebeu aquele dinheiro ilegalmente, numa conta ilegal, e que com esse dinheiro fez diversas campanhas, inclusive a do próprio Lula. Então, Lula é beneficiário.

IstoÉ – Para ganhar do PSDB, o PT sempre agitou a bandeira da ética. Agora,os papéis vão se inverter?
FHC – É curioso. O PT sempre procurou se envolver numa aura ética dizendo: “Eu sou puro, os outros não.” Isso se mostrou um perigo, porque levou ao seguinte raciocínio: como eu sou puro, como sou da ética, eu posso, em nome dessa ética que é a revolução, a transformação, sei lá o quê, eu posso cometer deslizes morais. Esses deslizes foram crescendo à medida que o partido começou a tomar mais posições no aparelho do Estado. É paradoxal, mas a ética do PT é roubar. No PT, o militante acredita que está expropriando a burguesia para manter os seus ideais. No fim, para o PT, os fins justificam os meios. Do contrário, como explicar uma pessoa como o Delúbio, que assumiu tudo?

IstoÉ – O sr. faz idéia?
FHC – Na história, um caso como o do Delúbio só tem paralelo naqueles processos de Moscou, na década de 1930, sob [Josef] Stalin. Os grandes heróis da revolução, lá, assumiram coisas que não tinham feito. No PT, todos os que foram à CPI disseram: “Eu não fui, foi o Delúbio.” Delúbio ficou calado porque acredita estar agindo em nome dessa ética partidária que permite pegar dinheiro público em nome do partido e para o partido. Delúbio, assim, virou uma Geni feliz.

IstoÉMas, ainda assim, Lula pode ganhar a reeleição.
FHC – Não acredito, mas pode. E, nesse caso, vai fazer um governo ainda pior doque o atual, porque as condições políticas são piores. Houve uma mudança de sentimento da classe média em relação ao presidente. Ele percebeu e virou o discurso para a massa de não-informados. Tudo bem, mas ele vai governar com quem? A reeleição seria muito ruim. Vai ficar tudo frouxo, sem sabermos para onde a Nação está indo. Lula pode ganhar como pessoa, mas será guiado pelo mercado e pelo pior da política. Se Lula for reeleito, o seu ato seguinte será o de pedir a anistia dos petistas cassados ao Congresso."

Herodes e os filhos do Brasil

por Alfredo Guarischi, médico - publicado no Diego Casagrande

Nestes últimos dias, muitas crianças, bebês seria o melhor termo, foram abandonadas. Em Belo Horizonte, dentro de um saco plástico, numa lagoa. A mãe (mãe?) declarava que havia dado (deu?) a filha a um homem de rua. Sofreria de depressão pós-parto? Esta hipótese foi logo afastada pelos especialistas. Até um ritual de magia começou a ser aventado. Outra criança foi deixada em frente a uma casa, logo junto ao portão de ferro. As casas são protegidas com grades, como prisões, pude ver pela televisão. No Sul, um córrego recebeu o corpo de um recém-nato, assassinado pela mãe cujo companheiro questionou ser o pai daquele pequeno brasileiro.

Crianças são roubadas em maternidade e Pedrinho, talvez o mais recente caso desvendado, retorna à vida com seus pais verdadeiros. Por anos - muitos - foi criado por uma mulher que a justiça condenou. Ele deve tê-la amado, assim como sua irmã, que também nasceu de outra mãe. Hoje, estes agora não irmãos, vão aprendendo - imagino - que têm uma família biológica, da qual foram subtraídos e vão descobrir novas emoções. A que custo emocional? Não posso imaginar, ao olhar para meus filhos.

Moro em Copacabana, na zona sul da Cidade Maravilhosa, e tenho milhões de vizinhos. Nossos bebês – os pobres - vivem sob marquises e suas mães os alimentam nas calçadas. Os irmãos maiores pedem esmolas. Não deixam de ser crianças abandonadas, longe das escolas de verdade - as que têm livros. Os sacos de plástico são seus cobertores. Aqui, ultimamente, não temos visto crianças deixadas em lagoas, córregos ou portas de casas. Talvez por que nossas lagoas fiquem distante, nossos córregos foram aterrados e não temos praticamente casas, pois vivemos em apartamentos. As grades, no entanto, vestem nossas portarias externas e internas.

Neste país tão desigual, alguns vereadores usam o dinheiro público para fingir que vão a congressos. Filmados e gravados desmentem. Os deputados federais se autoconvocam, mas a maioria não trabalha e recebe seus salários sem desconto. Nesta mesma época, um gari, que perdeu um dia na fila da pediatria para levar ao médico seu Joãozinho que chorava de febre, implorava para não ter o dia descontado. Alguns juizes são condenados por fraudes, mas não estão no presídio. Lá os traficantes ensinam a ladrões de galinha ilícitos novos, transformando-os em verdadeiros profissionais. O presidente, que nada sabia dos crimes praticados pelos seus companheiros, se prepara para pleitear sua reeleição. E nossas crianças - somos brasileiros e, portanto, são nossos bebês - continuam sem o presente, quanto mais sem um futuro.

Herodes, governador da Galiléia, decretou há mais de vinte séculos, a morte das crianças com menos de um ano, nascidas em Belém. Queria se defender da ameaça que representava o nascimento do Messias, o rei dos Judeus, profetizada pelos magos vindos do Oriente. Quem poderá deter o Herodes que se refugiou nesta terra onde canta o sabiá?

Antônio Gonçalves Dias em sua “Canção do Exílio”, escrita em 1840, pedia: “Que Deus não permita que eu morra, sem que eu volte para lá”. Eu peço que Deus não permita mais que nossas crianças morram, vítimas de doenças físicas e sociais. Estas últimas, em sua maioria, decorrem da impunidade dos crápulas e pústulas que desviam o dinheiro público. O dinheiro aplicado em programas assistencialistas funciona como antitérmicos: baixam a febre, mas não combatem a infecção. Não sobra dinheiro, mas sobra incompetência e politicagem. Faltam ações de estado. Faltam estadistas.

Socorro-me do Houaiss, rezando para que nossas crianças possam gorjear, brincando em praças, próximo a uma bela lagoa, que receba as águas do córrego, cercada por algumas palmeiras, sem grades e ao canto do sabiá.