1 de mar. de 2008

Vamos celebrar o Dia da Corrupção


Transcorreu, esta semana, o Dia da Roupa de Baixo. Não haverá que estranhar, num país que tem "dia" de tudo, até da geladeira. O inusitado foram as comemorações. Na estação rodoviária de Brasília um grupo de modelos desfilou de calcinha e sutiã. Foi a glória dos candangos, peões e flanelinhas que moram ou passam por lá.

Exortar para que a moda dos dias especiais pegue é redundância, porque já pegou. Basta consultar aqueles calendários mais sofisticados para se notar não haver um dia vago, sequer, nos 365. Na maioria deles acumulam-se homenagens, desde aos santos às mais esdrúxulas homenagens prestadas a categorias, religiões, esportes, máquinas e muita coisa a mais.

Apesar de tudo, falta um. Que tal criarmos o Dia da Corrupção? Sempre que fosse comemorado, estaria a população inteira autorizada a cometer lambanças de toda ordem. Os bancos e os banqueiros poderiam aumentar juros o quanto quisessem, enquanto as multinacionais remeteriam para o exterior lucros inexistentes. Funcionários públicos teriam a prerrogativa de utilizar cartões corporativos para despesas pessoais e familiares. Tecnocratas disporiam da condição de elevar impostos.

Aos deputados e senadores seria distribuído, senão o mensalão, ao menos o "anão". Ministros voariam sem restrições, a serviço, para Fernando de Noronha, fazendo jus a diárias. Prefeitos municipais receberiam propinas de empresas contratadas para recolher o lixo. Seriam aceitas como verdades absolutas as declarações de presidentes da República e de governadores, no sentido de que jamais imaginaram permanecer no poder um dia além do fim de seus mandatos.

Mas tem mais: os supermercados teriam o direito de diminuir o peso dos produtos vendidos, não o preço. Os motoristas de táxi ficariam livres para dar voltas imensas no rumo do destino indicado pelo passageiro. Pintores de parede seriam autorizados a misturar água na tinta e mecânicos de automóveis a engatilhar motores depois de consertar o defeito inicial. Madeireiros usariam livremente as motosserras.

Jornalistas poderiam mentir, professores enganariam alunos ensinando a escrever sal com "ç" e alunos enganariam professores apresentando trabalhos copiados do "google". Diretores de clubes de futebol estariam livres para receber gordas comissões pela venda de pernas-de-pau a clubes europeus, como se fossem craques.

Nos morros, favelas e periferias, nenhum policial sofreria punição caso matasse crianças com balas perdidas, assim como todos os traficantes se deixariam fotografar atirando com metralhadoras. No tráfego, nenhuma multa se aplicaria a quem avançasse sinais, dirigisse acima da velocidade máxima estabelecida ou trafegasse embriagado.

Em suma, o Dia da Corrupção mereceria olímpicas comemorações, de Norte a Sul, até que alguém lembrasse estar sendo a data festejada o ano inteiro.

Orfandade do Estado
Frase magnífica foi pronunciada pelo presidente Lula em sua recente visita ao Rio. Cercado pela multidão, ele declarou que "se o Estado não cuida da gente, gente que não deveria vai tomando conta". Referia-se aos narcotraficantes e às milícias estabelecidas nas comunidades carentes da antiga capital.

O problema está em que o Estado, ente etéreo e incorpóreo, é representado pela autoridade pública. Pelos governos e seus agentes. A eles caberia cuidar das gentes, garantindo os direitos elementares da pessoa humana. Se o representante maior do Estado critica o próprio, chamando-o à ordem por não cumprir suas finalidades, como desatar o nó exposto com tanta crueza e veracidade? "Gente que não deveria" amplia espaços de atuação em todos os patamares da sociedade, dos miseráveis aos elitistas. Talvez a solução devesse ser buscada nos antigos anarquistas do fim do século dezenove, aqueles que pregavam a abolição do Estado.

Vendedor de ilusões
Outra do nosso comandante, na mesma oportunidade: "Está na hora de parar de vender desgraças, vamos vender auto-estima". Não se cometerá a injustiça de discordar, muito menos de deixar de reconhecer que o presidente Lula desdobra-se, fazendo tudo ao seu alcance para proporcionar dias melhores ao País.

O diabo é que as desgraças não precisam ser vendidas. São distribuídas de graça. Basta assistir aos telejornais, às novelas, aos programas de auditório e sucedâneos. Quem quiser pode passar os olhos na imprensa escrita.

Descontando-se os exageros de alguns, ou a má-fé de outros, aos meios de comunicação cabe transmitir à sociedade tudo o que se passa nela, seja de ódio e de amor, de violência ou de paz, de certo e de errado. Se o conteúdo do que é divulgado prima pela desgraça, que não se culpe o termômetro pela febre do paciente.

Por certo que o presidente Lula não teve a intenção, mas, ao seu redor, começa a germinar a proposta de que, se a imprensa parar de vender desgraças, as desgraças desaparecerão. É bom tomar cuidado.

Impossível entender
Se o Banco Central fixa os juros em 6,5%, como explicar que os bancos tenham elevado para 50%, em média, a remuneração por empréstimos para pessoas físicas? Fica pior quando se atenta para o horror que são os juros do cheque especial, de 145%. Ou dos cartões de crédito, beirando os 200%.
Alguma coisa cheira mal, especialmente porque ao Banco Central cabe fiscalizar a atividade bancária.

Outra impossibilidade de cognição está na denúncia feita pelo senador Francisco Dornelles, ontem. Ele não entende como um contribuinte que discorda da cobrança de impostos pela Receita Federal e recorre, primeiro à própria Receita, depois ao Conselho de Contribuintes, em seguida ao Conselho Superior de Assuntos Fiscais - ganha em todas essas instâncias, como então o governo, depois de tudo, ainda pode recorrer à Justiça para receber aquilo a que não tem direito? Com base nessa incongruência, o senador pelo Rio de Janeiro apresentou projeto de lei proibindo que o governo conteste no Judiciário uma decisão que ele mesmo tomou...