6 de fev. de 2006

O REI DA PILANTRAGEM

por Ipojuca Pontes - publicado no Diego Casagrande

Nos anos de 1960/70/80 existia um tipo atuante na vida brasileira, Carlos Imperial, considerado o Rei da Pilantragem. Ele mexia com tudo: música, jornalismo, cinema, televisão, política, o que aparecesse. Seu negócio, segundo afirmava, era se dar bem. E para se dar bem não media obstáculo, apelava para os mais variados esquemas e gordas estripulias. De fato, com certa dose de esperteza, associada ao que se convencionou chamar “picardia carioca”, Imperial deitava e rolava no pedaço contando com a leniência de parcela da sociedade. Sua prática de vida em tudo moldava o ser lúdico que, a partir dos estudos de Carl Jung, o fundador da escola analítica de Psicologia, externa a “figura representativa” de certos povos ou culturas.

Imperial era um “número”: certa vez, ouvindo o cineasta (e médico) pernambucano José Carlos Burle cantarolar “Meu limão, meu limoeiro”, do folclore nordestino, achou-a tão contagiante que a registrou, numa sociedade arrecadadora, como música de sua própria autoria. Ao ser criticado por se apossar da modinha anônima, teria parafraseado Sinhô, o sambista de “Pelo Telefone”: - “Meu filho, uma música assim é como passarinho, é de quem pegar”. (Numa gravação de Wilson Simonal, outro membro da Turma da Pilantragem, a “composição de Imperial” rendeu uma grana considerável).

Homem do “showbizz”, aferrado à idéia de que “é melhor ter má fama do que não ter fama alguma”, Imperial leu num jornal de escândalos a fofoca de que Valéria, um travesti, estava “grávido”. Rápido, foi ao editor do jornal e propôs assumir a paternidade da criança, tramando a cobertura do fenômeno em contagem regressiva, com direito ao registro fotográfico durante as distintas fases da gestação até o parto, para dali a nove meses. Seria um caso que abalaria a cidade, o país e o mundo! O editor ficou eufórico, mas depois retrocedeu: - “Espere. E a imagem do jornal, daqui a nove meses, quando a criança não nascer?”: - “Ah, bicho, você publica que foi uma gravidez histérica!” – retornou o compositor, satisfeitíssimo com o achado e certo do efeito devastador do escândalo.

Desencantado com a vida artística cabocla, Imperial, após a morte de Tancredo Neves, fundou o PTN – Partido Tancredo Neves -, dizendo-se “um seu herdeiro”, a despeito da total má vontade dos familiares do político mineiro com a criação da sigla. Ao saber que Brizola acordava às 5 da manhã para tramar a própria ascensão à Presidência da República, Imperial passou a telefonar todos os dias para o então governador, às 4 da matina, solidário com o projeto do caudilho de tomar conta do País. Na sua obsessão, Brizola, o Centauro dos Pampas (metade homem, metade cavalo), considerou o “autor” de “Meu limão, meu limoeiro” um gênio. E o elegeu não apenas vereador, por sinal muito bem votado, como o fez líder do PDT na célebre “Gaiola de Ouro”, a Câmara de Vereadores do Rio, até o dia em que o criador do PTN emplacou a fraude da Torre do Manequinho, um projeto da construção de arranha-céu que ocuparia boa parte da Baia da Guanabara, o principal cartão postal da cidade.

Para o “Novo Aurélio”, o que distingue o pilantra é o fato de que ele, sendo, como o malandro, um “indivíduo dado a abusar da confiança dos outros, ou que não trabalha”, se excede no gosto “de apresentar-se bem, sem ter recursos bastantes para isso”. É justo o caso de Lula, que segundo o antigo chefe da Casa Civil, José Dirceu, seu mentor político durante mais de 20 anos, é um sujeito que não gosta de enfrentar os sérios problemas do governo, preferindo um bom passeio ou uma prosa amena sobre o futebol do Corinthians e outras platitudes.

E é fato que Lula, pelo menos na Presidência (ao contrário de Carlos Imperial, que associava o sujo informalismo ao deboche cafajeste), gosta de “apresentar-se bem”, mesmo que, o mais das vezes, “não tenha recursos bastantes para isso”, em especial quando, nos seus improvisos tediosos, quer demonstrar um conhecimento de fatos históricos ou de dados científicos que não possui. Ademais, é público e notório que o mandatário nega hoje o líder proletário que foi no ABC paulista, trocando as desbotadas malhas vermelhas dos anos de chumbo pelos ternos dispendiosos adquiridos às dúzias, segundo se diz, com as verbas de representação.

O “Novo Aurélio” dá conta ainda de que o pilantra é aquele que incorpora os dotes do “esperto, vivo, astuto e matreiro”, próprios do malandro. Exatamente. O mandatário Lula, que foi eleito sob a promessa de mudar tudo e criar dez milhões de novos empregos (e que esqueceu o trato logo ao subir a rampa do Planalto) é, queira-se ou não, a soma de todos os atributos acima apontados: ele é, efetivamente, esperto, vivo, astuto e matreiro. Para comprovar os dotes definidos no dicionário, basta anotar a convicção com que nega saber das armações criminosas de Duda Mendonça, Marcos Valério e Delúbio Soares, o ar de vítima que assume ao se dizer “traído”, sem ao menos apontar nomes ou punir culpados e, o que é mais difícil, convencer parte do eleitorado de que é inocente – e eis a demonstração da marca do mestre pronto e acabado na arte nacional da pilantragem.

Descobri que Lula tinha tudo para ser o Rei da Pilantragem no século 21 quando li, em “Lula, o metalúrgico” (Mário Morel, Nova Fronteira, 1987), que o ministro do Trabalho do governo Figueiredo, Murilo Macedo, depois de trazer o líder sindical de helicóptero à sua casa (um sítio em Atibaia), reagiu jocoso diante das exigências pecuniárias do outro, sempre de olho nos privilégios da ditadura: - “Ô Lula, eu não vou te dar mais um tostão, porque se eu der, você vai querer ser presidente da República”.

Mais a compor a figura do otário, o ministro Macedo acertou na mosca. Contudo, por ilação, deixou implícito que entregou “algum” ao líder sindical, visto que, 25 anos depois, bom malandro, Lula chegou à Presidência.

E deu no que deu!

João e Maria e o Sistema de Saúde

por Alfredo Guarischi, médico - no Diego Casagrande

A estória de João e Maria é contada há gerações. A madrasta - que dominava um lenhador, pai de duas crianças - propõe e consegue que elas sejam abandonadas. Os irmãos acabam nas mãos de uma bruxa que obriga Maria a engordar João, para ser comido. Aproveitando-se de um momento de distração, Maria empurra a bruxa para dentro do forno, deixando-a queimar até a morte. As crianças libertadas encontram jóias na casa macabra e voltam para o pai. Vivem felizes, sem problemas financeiros e livres da madrasta, já falecida.

Este conto retrata o drama de crianças desprotegidas e abandonadas. Os autores, irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, tiveram uma dura infância. Perderam o pai de apenas 44 anos, quando tinham menos de 11 anos de idade. A mãe faleceu logo após, em 1804. Os Grimms criaram os seis irmãos e morreram com mais de 70 anos, deixando um grande legado literário.

Quem afinal é o vilão deste conto, a bruxa? Pode-se especular que ela teve seu território invadido. A madrasta? É possível imaginar que sentisse ciúmes doentios do lenhador, que só teve filhos com a primeira mulher. O lenhador porque casou novamente? Será que amava a nova mulher ou procurava alguém para ajudá-lo com os filhos? Não há dúvida de que foi um pai covarde, pois aceitou que os filhos fossem abandonados. Ficou feliz em tê-los de volta, mas podemos questionar sua sinceridade, pois se encontrava novamente viúvo, sozinho e o retorno das crianças lhe trouxe companhia e riqueza.

Várias adaptações foram feitas a esta amedrontadora fábula. Novas roupagens mantiveram a atualidade, popularidade e fama nestes dois séculos. Na literatura brasileira e principalmente no teatro infantil nossos autores criaram bruxas estilizadas e músicas alegres. A trama é contada de modo descontraído, com o Bem sempre vencendo o Mal.

Como médico e freqüentador de teatro, imaginei adaptar esta fábula na qual o cenário seria o Sistema de Saúde. Fantasiei que João faria o papel de paciente e Maria o de médica. Afinal um precisa do outro, como irmãos. João, como paciente, fica engaiolado e é alimentado com falsas promessas. Maria fica bem no papel de médica, pois sabe cuidar do irmão e as mulheres são maioria em algumas faculdades de medicina. Aprisionado só resta ao médico, independente de sexo, servir a quem o domina. Mas sempre procurando ajudar ao paciente, alimentá-lo com esperanças e enganar alguma bruxa. Somente João e Maria teriam seus papéis definidos neste contexto.

Mas quem representaria a bruxa, a madrasta e o lenhador? Os governos, os planos de saúde, os hospitais, a indústria de medicamentos e de equipamentos?

Nos tempos atuais os planos de saúde têm imensa relevância e é problemático considerá-los como bruxas ou madrastas. O mesmo é possível dizer dos empresários que investem em centros de diagnósticos e tratamento; assim como da indústria farmacêutica e de equipamentos, em constante busca do progresso tecnológico. Dizem alguns que é norma o lucro que a maioria alcança, porém o termo desmedido é mais especulado no setor médico.

Escolher quem melhor representaria o papel do lenhador é a tarefa mais complexa de todas. É possível que, desde o passado mais remoto, este papel caiba aos governos. É obrigação do pai (lenhador) estabelecer as regras. Deve manter os filhos longe das bruxas e assegurar que eventuais madrastas os respeitem e os adotem verdadeiramente. É obrigação dos governos (políticos) estabelecer e fiscalizar as leis (regras) destinadas a manter a união da sociedade (pessoas-empresas e empresas-negócios).

O que terá ocorrido com a mãe biológica das crianças? Seria sua ausência a origem de toda esta trama? No texto escrito há dois séculos e nas releituras subseqüentes não encontrei nenhuma referência. Não tenho dúvida de que ela deveria se chamar Solidariedade (compromisso ético). Nesta minha adaptação estou seguro de que ela terá que aparecer, nem que eu, como autor, a ressuscite. Na sua ausência nunca haverá o tão almejado final feliz.

Alfredo Guarischi, Cirurgião. Presidente da Comissão Nacional de Câncer do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.

POVO OU PLEBE?

por Maria Lúcia Vitor Barbosa, socióloga - do Diego Casagrande

Teorização interessante que vem surgindo é a seguinte: “Luiz Inácio vai ganhar porque o povo não se incomoda com corrupção”. Isso significa que estamos está mais para plebe, termo que expressa o sentido pejorativo de povo. Seríamos uma nação de corruptos, uma cleptocracia onde, como se costuma dizer, “quem não rouba é burro”...

Esta idéia nada mais é do que a repetição do que disse o próprio Luiz Inácio em um de seus mais recentes comícios, pois ele se vangloriou de ter a cara do povo e não das pessoas da zona sul ou da Avenida Paulista. Naturalmente escapa ao presidente da República e aos que o imitam, que povo significa o conjunto dos indivíduos que habitam um determinado território nacional, sem distinção de classe, raça, cor, religião, riqueza ou pobreza.

Em todo caso, tanto o discurso populista do presidente quanto a imaginação dos analistas de plantão, que certamente confundem a categoria povo com indivíduos da classe mais baixa, esbarra num fato bastante singelo: somente na quarta tentativa o eterno candidato do PT logrou se eleger. Nas três campanhas anteriores, nas quais o discurso do petista causava medo aos grandes empresários, banqueiros e investidores, a maioria dos brasileiros também não se identificava com a retórica esquerdista e se recusou a por Lula lá por mais carismático e persuasivo que agora dizem ele ser. O eterno candidato do PT conseguia sempre 30% dos votos, porcentagem que englobava, menos seus ex-companheiros de macacão, e mais setores da classe média composta por professores e alunos universitários, a Igreja dita progressista, profissionais liberais, funcionários públicos, artistas, enfim, os grupos para os quais é politicamente correto ser de esquerda

Somente na quarta campanha, Duda Mendonça, o marqueteiro oficial, operou prodígios. Ele vestiu o Lulinha de paz e amor com terno Armani, lhe ensinou a adoçar um pouco a voz e a moderar o discurso, sendo que a Carta ao Povo tranqüilizou o grande capital com a promessa de que nada mudaria. Só então a candidatura petista deslanchou.

Acrescente-se que o vice, José de Alencar, foi a garantia de que estava selada a união simbólica entre capital e trabalho, e na esteira daquele empresário vieram as Igrejas Evangélicas, notadamente a Igreja Universal, que somaram sua fé e força à CNBB em prol do candidato do PT. Quanto às FFAA, numa espécie de 64 às avessas, prestigiaram em grande parte com seu voto o candidato da esquerda movidos pela insatisfação com o governo anterior. Assim foi eleito Luiz Inácio com o apoio de gregos, troianos e baianos, sendo que uma parte respeitável destes não tinha cara de pobre nem de desvalido, muito pelo contrário.

Outra teorização interessante que vem surgindo é a seguinte: “Luiz Inácio vai ganhar porque o povo não se incomoda com corrupção”. Isso significa que estamos está mais para plebe, termo que expressa o sentido pejorativo de povo. Seríamos uma nação de corruptos, uma cleptocracia onde, como se costuma dizer, “quem não rouba é burro”. Aqui vigora a esperteza. A palavra de ordem é passar o outro para trás, é levar vantagem em tudo, é cultuar anti-heróis e antivalores.

Convenhamos que existe um quê de verdade nessa explicação. Ela é comprovada pela mentalidade do “rouba mais faz” que consagrou Adhemar de Barros. Golpes pequenos ou grandes acontecem rotineiramente na vida particular e na esfera pública, e estamos longe de ser uma meritocracia. Para agravar a situação no Brasil reina a mais perfeita impunidade, pois o que se pode esperar da aplicação justa da Lei quando o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal julga com base em sua inclinação política do momento e não conforme a imparcialidade jurídica que o seu alto cargo requer?

Contudo, o “rouba, mas faz” não funcionou, pelo menos no caso do PT, quando muitos dos seus quadros foram eleitos nos níveis municipal e estadual, e mesmo quando o partido alcançou a presidência da República. Isso porque, a lendária retórica petista baseada na ostentação de serem eles éticos e puros, angariou votos dos eleitores que sentiam um grande cansaço cívico por conta do comportamento indesejável de vários integrantes da classe política, no Legislativo e no Executivo. Além do mais, quando os trabalhos das CPIs estavam no auge, pesquisas acusaram forte queda da popularidade do presidente Luiz Inácio e do seu governo.

Agora é esperar outubro para saber se o povo brasileiro se indigna com a corrupção ou se lhe é indiferente na medida em que também a pratica largamente. Essa atitude irá indicar se somos povo ou plebe. De todo modo, outros fatores irão interferir no sucesso ou não do candidato-presidente. Por enquanto existem apenas especulações.

Mamonas Assassinas

jornalista José Negreiros, do Blog do Noblat

"O governador do Paraná, Roberto Requião, é um dos mais atrasados políticos brasileiros. Não tem idéias, discurso ou programa. Elege-se um ano para o Legislativo, quatro anos depois para o Executivo, graças à práticas condenáveis, como fisiologismo e populismo. A única coisa pela qual se destaca é a voz de locutor de serviço de alto falante, estilo Alberto Roberto, personagem de Chico Anísio.

Atualmente, com o presidente Lula transitando entre a reprovação popular e uma recuperação na qual só os amigos fazem tanta fé, não se sabe de que lado está Requião. Há algumas semanas, era possível ouvi-lo falar como adversário do governo; hoje, quem o vê ao lado do presidente, na TV, imagina-o um aliado de primeira hora.

A propósito, foi durante uma reunião com Lula que Requião pagou o mico da semana passada. O presidente abriu um vidro cheio de caroços de mamona, encheu uma das mãos e em seguida ofereceu a Requião, num lance de efeito, para mostrar sua devoção pelo combustível produzido a partir do óleo da planta nordestina.

A propósito, foi durante uma reunião com Lula que Requião pagou o mico da semana passada. O presidente abriu um vidro cheio de caroços de mamona, encheu uma das mãos e em seguida ofereceu a Requião, num lance de efeito, para mostrar sua devoção pelo combustível produzido a partir do óleo da planta nordestina.

Requião quis ser mais ufanista que o rei e reagiu como de costume: sem pensar. Encheu a boca com aquela azeitoninha e aprovou o gosto. Foi interrompido por Lula, preocupado. “Não é de comer”. O governador cuspiu fora o factóide, mais tarde levado ao ar no Jornal Nacional. Poucas vezes o eleitor brasileiro pôde testemunhar um ícone tão acabado de oportunismo político. Para aparecer bem na foto, o sujeito faz qualquer coisa. Até comer óleo diesel.

Requião nada sabe sobre combustível, matriz energética ou meio ambiente. Suspeito que Lula também. Um marqueteiro deve lhe ter dito que um gesto inusitado qualquer é garantia de preferência eleitoral e ele resolveu comer mamona.

Quer dizer, se um homem com tantas responsabilidades como esse governador é dado a bravatas gastronômicas com balinhas de combustível, onde recrutar gente preparada para nos representar em outubro? Existe. Eu sei que existe. Me dêem um tempo. Deve estar longe da ridícula cena Lula X Requião que parece letra dos Mamonas."