18 de jan. de 2006

Diálogo com um deputado pró-Alckmin

Por Reinaldo Azevedo - publicado no Primeira Leitura
O deputado estadual Milton Flávio (PSDB-SP), vice-líder do governo na Assembléia Legislativa, enviou-me um e-mail contestando, com gentileza, aspectos de um artigo que escrevi intitulado Aliados de Alckmin Passaram da Conta (clique aqui se quiser ler). E faz algumas considerações, a que respondo ponto por ponto. As minhas respostas seguem sempre em itálico.
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Reinaldo:
Em relação ao seu artigo “Aliados de Alckmin passaram da conta”, postado no dia 13 de janeiro, gostaria de fazer algumas breves considerações se você me permite:
1 – Participei ativamente e com entusiasmo da campanha eleitoral de José Serra em 2004. Fui um dos dois encarregados de coordenar o seu programa de governo na área da Saúde. Por diversas vezes, defendi a aliança com o PFL e o nome de Gilberto Kassab para vice.
*** Sei da participação do deputado na campanha e, por isso mesmo, estranhei o seu estranhamento diante da possibilidade de que o vice possa assumir a cadeira do titular, o que me parece corriqueiro numa democracia.
2 – Reconheço que José Serra é, de fato, um dos homens mais qualificados do país, apto a exercer qualquer função pública, com a competência que sempre caracterizou sua ação nos diferentes cargos que ocupou. Não por acaso, vem fazendo uma excelente administração à frente da Prefeitura de São Paulo.
*** Não há discordância aqui. Suponho até que, se Serra é bom para São Paulo, pode ser ainda melhor para o Brasil, coisa de que, tenho certeza, o deputado não discorda.
3 – Reconheço igualmente que Gilberto Kassab é um político dotado de qualidades, embora ainda não disponha – nem poderia, em função da própria idade – da experiência acumulada por José Serra.
*** Bem, se formos fazer um campeonato de experiência, então o deputado Milton Flávio tem de cerrar fileiras com José Serra para a Presidência da República. Se o nosso universo for a cidade, escolheremos o mais experiente entre Serra e Kassab, e certamente ficaremos com Serra. Na escolha entre a cidade e o país, creio que ambos havemos de pôr o país à frente de nossa aldeia. Feito isso, e segundo os critérios do missivista, com os quais concordo, só se pode escolher Serra para a Presidência.
4 – É evidente que a escolha do vice deve levar em conta a possibilidade de que, por razões excepcionais, ele venha a assumir o posto principal e a exercer sua função com dignidade e competência. Do contrário, não teria sentido escolhê-lo. Seria uma irresponsabilidade.
*** De acordo e sem reparos.
5 – Ocorre que, na campanha de 2004 – da qual, insisto, participei de forma entusiástica –, por inúmeras vezes, tivemos que reiterar a amigos e eleitores reticentes a garantia dada pelo nosso candidato de que só deixaria o posto, caso eleito, por conta de uma “desgraça”, que não seria postulante a nenhum outro cargo antes de completar seu mandato de prefeito. O “papelucho” ao qual você costuma se referir em seus artigos não foi assinado de forma açodada, impensada. Foi assinado porque era a forma de tirar do PT o argumento que lhe permitia fazer a propaganda suja.
*** Veja bem, deputado, o senhor mesmo admite que se tratava de uma “campanha suja”. Ora, que compromisso lavrado a ferro e fogo pode sair justamente de uma “campanha suja”? Na carta que envio hoje a Roberto Romano, professor de ética, trato desse assunto. Não pode haver imperativo ético onde não há liberdade. Os leitores reticentes, que eventualmente escolheram Serra por causa do “papelucho”, deixariam de votar nele agora caso ele ceda ao que é — e gostaria de ouvi-lo a respeito — a vontade da maioria? O senhor me fornece um excelente argumento adicional: não permito que a “campanha suja” do PT paute as minhas escolhas. Decido o meu voto; o PT e sua campanha suja não decidem por mim.
6 – Ao contrário de você, a quem respeito pela inteligência e coragem de dizer sempre o que pensa, estou convencido de que aquele “papelucho” pode, sim, vir a fazer um estrago considerável durante a campanha deste ano. Sei que, por seus méritos, pela sua história e por tudo o mais que sabe, José Serra hoje, segundo as pesquisas, é o único capaz de vencer Lula, muito embora Geraldo Alckmin esteja muito bem posicionado e apresente um enorme potencial de crescimento. Mas o fato é que o horário eleitoral gratuito não começou. E o “papelucho”, nas mãos de bons marqueteiros, poderá fazer a fazer diferença que interessa ao PT, não à nação.
*** Não sei se o senhor percebe, deputado, mas me pede que, como eleitor, eu continue refém da “campanha suja” do PT. Se eu tivesse sido consultado — é ridícula a ilação porque jamais seria e nem teria cabimento —, eu teria dito a Serra que não assinasse aquela porcaria. Ele teria vencido a eleição do mesmo jeito. Bem, contra o meu argumento, reconheço que não se pode contar a história que não houve. Contra o seu, observo que não se pode contar como dada a história que achamos que haverá. O que o senhor está me dizendo? Que o PT vai acusar Serra de não cumprir uma promessa? O PT falará em cumprimento de palavra empenhada? Não me parece que vá ter tanta autoridade assim para fazê-lo... Parece-me péssimo que os marqueteiros do PT tenham conduzido o PSDB a um erro e que continuem, segundo o senhor me diz, a ditar os temores do partido. É como se os tucanos fossem petista-dependentes. E vivessem de reagir ao PT. Supor que um partido desmoralizado dita as escolhas do partido escolhido pela população para lhe tomar o lugar me é assustadora.
7 – Não posso aceitar o seu desafio. Até porque não compartilho com seu enunciado. Não disse, não penso que o PFL – ou qualquer outro aliado – sirva apenas para ganhar a eleição, mas que está proibido de governar.
*** Ótimo, folgo em saber. Quando o senhor lamentou a possibilidade de Kassab assumir a prefeitura, pareceu-me que era o caso. Tanto melhor se não é. Eu, o senhor deve intuir, desde João Goulart, sou a favor da posse de vices — e olhe que ele não seria na minha predileção se eu já tivesse nascido àquela época...
8 – O que sei é da enorme dificuldade, que não é só minha, de ir às ruas, pedir votos para um candidato (insisto: da maior dignidade e competência), mas que, goste-se ou não, se comprometeu a ter um comportamento e poderá, eventualmente, adotar outro.
*** Espero que isso não seja o anúncio de que o senhor não faria a campanha se o candidato não fosse aquele de sua escolha. A minha percepção, deputado, é que o senhor não teria problema nenhum. Como Tancredo não teve diante de seus eleitores em Minas, quando deixou o governo para pôr fim à ditadura no Colégio Eleitoral.
9 – Não ignoro que o quadro político se alterou – para pior.
*** Divergimos frontalmente. Eu acho que o quadro político se alterou para melhor. A desmoralização do PT é a grande notícia brasileira deste início de século.
Mas é forte na população o sentimento de que homens públicos não têm palavra, só pensam em seus interesses etc.
*** O senhor acha, e é mesmo uma pergunta, que os mais de 50% que hoje dizem que votariam em Serra contra Lula o fazem porque consideram que o seu correligionário só pensa nos seus próprios interesses? O senhor não acha que esse é um argumento muito parecido com o dos petistas?Mais do que isso: não seria justamente esse um argumento do PT?
Pouco importa se eu ou você concordamos com esta impressão. O fato é que o “papelucho” é fonte certa de desgaste.
*** Com a devida vênia, deputado, pode importar pouco para o senhor, mas não importa pouco para mim. Não sou tucano. Não sou militante do PSDB. Não tenho vínculos partidários. No seu lugar, eu estaria mais feliz com os mais de 50% que votariam em Serra do que preocupado com o tal papelucho. O senhor tem um candidato e cumpre a sua função. Eu sou apenas um modesto analista do processo político, com uma ligeira diferença em relação à maioria dos meus colegas porque tenho a coragem de dizer o que penso e de expressar uma preferência. Acho essa história da assinatura uma besteira, que serve para a guerrilha interna, partidária. Será que o senhor se apegaria ao argumento com a mesma garra se o PSDB não tivesse uma alternativa considerada viável?
Por que haveríamos de facilitar a vida de Lula?
*** Não acho que facilita. Objetivamente, facilita a vida de Lula escolher um candidato que, por ora, perde de Lula. O senhor escolhe uma promessa contra um fato.
Como reagirão os eleitores após dois meses de bombardeio no rádio e na tevê?***
Depende. O PSDB ficará parado, como alvo fixo, tomando as cacetadas do PT? Se o fizer, creio que perde a eleição, pouco importa quem seja o candidato. Por acaso o senhor imagina que o partido de Lula não vai explorar as fragilidades de Alckmin, reais ou inventadas? Reparou que, segundo deixa transparecer o seu raciocínio, só José Serra tem calcanhar-de-aquiles? Não facilitarei a vida do PT apontado aqui os pontos vulneráveis do governador. Se o senhor exigir, poderei fazê-lo.
Como convencê-los de que, afinal, uma assinatura não vale nada?
*** Uma pergunta errada, meu caro deputado, conduz a uma resposta também errada. Deixe o PT explorar o tal “papel”. Se o senhor partir, de cara, para uma prática defensiva, retranqueira, é bem possível que não marque o gol. Aliás, aos entusiastas da candidatura do governador, recomendo que estudem também as suas vulnerabilidades. Parece-me arriscado ficar exercitando apenas os argumentos petistas contra o adversário interno e esquecer as defesas necessárias caso Alckmin venha a ser o candidato. Afinal, vocês estão convencidos de que vão vencer a parada no PSDB. Assim sendo, o adversário é Lula, é bom não esquecer jamais.
Caro deputado Milton Flávio, reitero aspectos que têm marcado meus textos e minhas análises ao longo de mais de três anos de governo Lula. Para mim, prioritário é derrotar o PT. Essa conversa de marqueteiros e pesquisólogos sobre potencial de crescimento e abstrações afins não me convence nem me comove. Faço a defesa do nome que, em primeiro lugar, parece-me mais capaz de cumprir a tarefa principal; também contam a experiência de Serra e o conhecimento de causa da economia, exigência fundamental hoje em dia, em tempos em que os “especialistas” econômicos seqüestraram a política, como se ela tivesse uma racionalidade própria, necessariamente avessa ao bem-estar da maioria das pessoas.
Não sei com que freqüência o senhor lê Primeira Leitura. Mais de uma vez, aqui já se fez a defesa do governador Alckmin e de sua gestão contra a depredação da política promovida pelo petismo. Em muitos valores até, suponho que eu esteja mais próximo do governador do que do prefeito. Se o senhor me perguntar se acho que Alckmin, se eleito, pode fazer um bom governo, eu lhe direi que sim. Mas, como já disse, não sou político. Não preciso, felizmente, recorrer a táticas, estratégias, artimanhas — e não estou condenando a ação política aqui. Eu considero isso tudo prática legítima. E, porque não preciso administrar opiniões, digo com clareza: o mal da política brasileira se chama “petismo”. O partido inventou o presente eterno na política e resolveu criminalizar práticas do cotidiano da democracia, sempre em proveito pessoal.
O senhor talvez até me tivesse como um entusiasta da candidatura Alckmin. O que acho inadmissível — não como tucano (porque sou mais conservador do que vocês), mas como estudioso da política — é que os partidários dessa opção não tenham arranjado argumento melhor para bater o adversário interno do que aqueles fornecidos pelo PT. O senhor esteja certo: jamais farei alianças táticas, estratégicas ou discursivas com o petismo. E acho que seria conveniente que o PSDB também não o fizesse.
Assim, deputado, os textos que escrevo sobre esta questão em particular nada têm a ver com minhas afinidades eletivas ou com as minhas questões de gosto no próprio PSDB. Compreendo as suas preocupações, acho que elas são legítimas, mas entendo que, antes de que fossem lançadas a público para mobilizar opiniões e vontades, deveriam ter merecido o devido combate interno. O senhor, como eu, deve conhecer petistas que torcem para que Serra seja o candidato justamente porque pretendem explorar o tal documento. Mas o senhor, como eu, também deve conhecer petistas que torcem para que o candidato seja Alckmin, porque o consideram menos preparado para uma disputa. Quem tem razão?
Aprendi, e já faz tempo, que não é o adversário e suas versões da realidade que devem pautar as minhas escolhas. Até porque a gente acaba caindo no inferno do relativismo: será que o adversário diz o que pensa? Mas por que o faria, ajudando-me, então, a enfrentá-lo? Será que diz o contrário do que pensa? E se quiser que eu acredite que diz o oposto do que realmente acha para que eu inverta a minha resposta e, assim, faça justamente o que ele pretende?Prefiro, deputado, em vez disso, cuidar de minha própria ação e fazer o que acho certo. O PT, esteja certo, fará a sua campanha. O senhor me parece convicto de que o candidato será Alckmin. Talvez tenha razão. Se o senhor for tolo, o que não é, ficará contente se sair vencedor no partido. Se for inteligente, como parece, há de se indagar: “Qual será o papelucho de Alckmin?” — vale dizer: qual é o seu ponto mais vulnerável?
Agradeço a gentileza do seu e-mail e a chance de poder elucidar alguns pontos de vista. Ademais, observo: no domingo e na segunda, o governador Alckmin disse que não atacaria o governo Lula e se dedicaria ao futuro. Observei aqui que seria um erro. Nesta terça, o Apedeuta levou poucas e boas do pré-candidato do PSDB. Assim, sim. Campanhas políticas também servem para a educação política. Boa sorte ao senhor, ao governador e ao pleito de seu grupo.
Todos, enfim, queremos um país melhor. Eu, pessoalmente, quero o Brasil livre do PT. E também dos critérios do petismo, como esses papeluchos...
Um abraço,
Reinaldo Azevedo