30 de jun. de 2006

DIFERENÇA DE RUMOS - por Thomas Korontai*

Em recente viagem durante quinze dias para a Europa, mais especificamente Hungria e Áustria, pude perceber algumas coisas que talvez não fossem percebidas quando se vai para o estrangeiro como turista. De fato, boa parte da História está refletida nos maravilhosos monumentos, obras de arte e construções antigas nos dois países citados.

Procurando olhar com outros olhos, um tanto limitado pela escassez do tempo e volume de compromissos, levantei algumas coisas interessantes, as quais, permitam-me listar objetivamente:

Transportes – Os trens funcionam muito bem e sempre no horário, e não me refiro aos trens-bala e, sim, apenas aos trens comuns, cuja velocidade fica em torno de 120, 130km/h. Com cerca de seis paradas em um percurso de 317 quilômetros entre Viena e Salzburg, a viagem durou 2h54min, com conforto à escolha do seu bolso – cabines de primeira e segunda classe – e serviço de bordo. Existem ainda as boas estradas de rodagem, inúmeras por sinal, a navegação fluvial – você pode ir a várias cidades através de grandes barcas, com conforto (restaurante e cabines noturnas) – e os aviões, é claro. A concorrência parece ser feroz. São várias companhias aéreas de baixo custo, com venda de bilhetes a preços incríveis quando em promoções. Na principal estação de trens em Viena (Westbahnhof), podia-se se ver anúncios de promoções de viagens via férrea a E29 para Zurich, Atenas e Veneza. E o transporte de cargas, a maioria vai mesmo é de trem. Estradas, vidas e tempo economizados, sem falar nos custos. Até onde pude saber, nenhuma companhia é estatal.

Energia – Em regiões descampadas, abertas, pode-se observar dezenas de geradores eólicos, concorrendo com a geração de energia elétrica gerada por termoelétricas a petróleo e usinas nucleares. Eles estão buscando e operando novas alternativas, objetivamente.

Confiança – Apesar de tudo ser cobrado, e quase nunca a preços módicos, diversos quiosques, expositores, pequenas gôndolas são posicionados nas calçadas à frente das lojas, inclusive com objetos pequenos, os quais devem ser levados pelos interessados até o caixa, dentro da loja para serem pagos. Os tíquetes de metrô são vendidos através de máquinas (vending machines) e não existem catracas de controle, apenas equipamentos de validação dos mesmos. Todos os compram. Vi um bando de jovens embriagados, de certas “tribos” passando pelos equipamentos de validação sem tíquetes, mas não foram admoestados. A sociedade da confiança funciona para a maioria e os infratores, que sempre são poucos em qualquer sociedade, não formulam as regras. Se pegos, são punidos exemplarmente.

Segurança – muitas lojas, inclusive joalherias, mantém as vitrines intactas. Não existem grades, pelo menos em Viena e Salzburg, mercadorias e equipamentos caros são perfeitamente visíveis da rua. Um detalhe interessante é que todo o comércio em ambos os países fecha as seis ou sete da noite. Inclusive supermercados. Esse “provincianismo” pode ser um dos motivos da segurança e até mesmo da preservação do espírito familiar, vez que as pessoas vão para casa. Tudo bem, existem muitos pubs e estes estão abertos.

Turismo – A História do Velho Mundo rende muito mais do que debates, pois desde maravilhosos castelos e igrejas até gélidas e escuras catacumbas se paga um preço para sua visitação. Você já imaginou pagar um euro para visitar uma catacumba? Dizem que na Áustria se paga pelo eco. Pois bem, imagine-se o quanto essa indústria sem chaminés gera em empregos. As equipes de cititours se confundem nos principais locais de visitação, impossível em dois ou três dias cumprir uma agenda completa, tantas são as opções nas três cidades visitadas, Budapeste, Viena e Salzburg, as quais exploram muito bem o turismo, em especial as citadas austríacas. Mas notei que a comunicação ainda é deficiente. Cidades turísticas não podem se dar ao luxo de ostentar tudo no idioma próprio. Conversei com um executivo austríaco no metrô em Viena sobre o assunto e ele me disse que as pessoas têm preguiça de aprender outro idioma, que o governo e as empresas não se deram conta da importância de facilitar – e poder vender mais ainda – a comunicação pelo menos em inglês. Citou que a observação em inglês para a abertura manual da porta do metrô – não é automática – estava lá há apenas três meses, antes apenas em alemão.

Arte – com tantos turistas e mais o gosto local, teatros vivem lotados. Restaurantes organizam apresentações especiais rotineiras. Deve ter muita gente – cantores, instrumentistas, maestros – empregados, sem contar com toda a estrutura de apoio. Apresentações sempre feitas com preâmbulos em dois idiomas (ufa!).

Dentro de algumas conclusões, poderia citar que faltam, no entanto, muitos serviços e a qualidade nem sempre é tão boa, pelo menos nos dois paises citados. Um brasileiro que trabalha como professor em atividades esportivas em Budapeste disse que só não consegue emprego quem realmente não quer. E ele se referia tanto à Hungria quanto à Inglaterra, aonde também residiu e aprendeu o inglês. Obras por toda a parte, muita movimentação, uma coisa puxa a outra. E muito pode ser feito ainda.

Chamou-me a atenção, em particular, os movimentos políticos de transformações que estão ocorrendo na Hungria. Este país estava sob o domínio da ex-URSS até 1989, e os quarenta anos de comunismo deixaram resquícios difíceis de serem removidos nos dias de hoje. O primeiro-ministro, Ferenc Gyuresány, de inclinação liberal, vem promovendo reformas importantes no sentido de desregulamentar a economia e a sociedade, continuando um grande processo de privatizações que trouxe obras, empregos e modernidade para todo o país, em busca da saída da atual situação de “segundo mundista”. Mesmo assim, ele recebe criticas muito parecidas com as que já vi publicadas por aqui, no Brasil: “ele está vendendo o país!”; “e agora, quem vai cuidar de nós?”; “antes era de graça e agora temos que pagar!” sem que essas pessoas se dêem conta de que não existe almoço grátis, de que alguém paga a conta e, quando não há ambiente para novos negócios, não sobra ninguém com vontade de investir e nem mesmo para pagar a tal conta. Não há, então, como “colocar a mesa” tão esperada pelo povo, acostumado que foi com o estatismo total dos comunistas.

Apesar disso, as reformas avançam, os investimentos estão crescendo, podem-se encontrar produtos de todo o mundo com embalagem customizada para o difícil idioma húngaro. Os saudosistas não aprenderam ainda as referências novas do conforto e da agilidade de um Estado desburocratizado – a Hungria também tem muitos carimbos e o funcionário público ainda se julga divino – mas notam-se, claramente, os vetores das transformações apontados para cima. E as novas gerações, conectadas ao mundo, estão e farão a diferença, derrubando a velharia que atravanca a realidade do novo mundo.

A conclusão final disso tudo, neste resumo de uma curta e limitada estada no Velho Mundo, é que quase tudo que tem por lá pode ter por aqui. Você já pensou em viajar de trem, confortavelmente, ao invés de competir com caminhões nas cada vez piores e lotadas estradas, muitas vezes como únicas vias de ligação entre uma região e outra? Isso é possível desde que o Estado Brasileiro passe a fazer somente aquilo que é necessário fazer: garantir os contratos, segurança e ser o responsável pela emissão da moeda. Assim, a iniciativa privada, nacional e estrangeira estariam livres para investir em ferrovias para transporte de cargas e passageiros. O Estado deve também liberar o setor aéreo, cuja regulamentação interessa aos poucos que podem mandar nos preços. As estradas podem ser privatizadas honestamente – e não como foi feito em várias regiões, nas quais se cobra pedágio antes de existir a obra – e voltar a serem utilizadas prioritariamente por automóveis. A navegação fluvial e marítima liberalizada seria mais um setor altamente competitivo, e assim por diante. Livrar o país dos carimbos, parente da burocracia, mãe da corrupção e do atraso.

O Brasil de hoje está proibido de crescer mais do 5% ao ano! Sem estradas, companhias aéreas , ferrovias e navegação suficientes, simplesmente tudo sucumbirá no caos de um crescimento conseqüente da movimentação de cargas e pessoas. Sem falar na energia, ainda tão regulamentada, que impede investimentos, prevendo-se novo blecaute para breve.

Pensar que o Brasil não pode ter muitas das coisas boas da Europa, dos EUA e do Japão é pensar limitado, acreditar na velha conversa de que o nosso país é jovem e ainda tem muito que caminhar para chegar lá. Ledo engano. A Austrália deu provas disso, assim como os EUA, mais jovens do que o Brasil. Muito papo furado e muita inveja nos mantém limitados aos nossos trenzinhos de bitola estreita, às estradas que matam mais do muitas guerras somadas em todo o mundo anualmente, às taxas de crescimento pífias – enquanto a pobreza e a miséria se multiplicam. Muita conversa e pouca ação. Muitos direitos humanos para os “manos” e pouca segurança para a sociedade e para investidores. Muito dinheiro em Brasília deixando a sociedade sem poder de compra e investimento. Muito centralismo para pouco governo. Muita bobagem para um país gigante pela própria natureza, mas que teima em se manter deitado em seu cada vez menos esplêndido berço.

Não é o Brasil que deve mudar. São as pessoas que devem fazer as mudanças. Somos 180 milhões de habitantes, 115 milhões com poder de voto e veto. O federalismo pleno das autonomias estaduais é, sem dúvida, o caminho das transformações estabelecendo os novos vetores para a nação. Só a sociedade tem o poder dessas transformações, o papel do governo é liberá-la para isso. Pode-se escolher entre ficar marchando para trás ou decidir que é chegada a hora de dar um basta na pasmaceira nacional. Afinal, o Brasil não é a Bolívia ou Venezuela, e que pode ser e ter como os países do Primeiro Mundo e muito mais – afinal, o que eles, seres humanos, têm de diferentes de nós? Apenas os modelos de funcionamento. E os vetores das transformações que apontam para cima. Já os nossos vetores, ora apontados para baixo, podem ser alterados para cima, mas, certamente, só com transformações do atual modelo de Estado. Sem imitar a Europa nesse sentido, pois podemos ser mais modernos e inteligentes, não cometendo os erros que eles e outros povos já cometeram. Ainda há tempo.


* Thomas Korontai é empresário e presidente do Instituto Federalista (IF Brasil) Email: presidente@if.org.br

27 de jun. de 2006

O arrombamento das instituições - por Marco Antonio Rocha, jornalista

Um espectro ronda o Brasil. Nada que ver com aquele de que falava Karl Marx no seu Manifesto, na Europa de 1848. Não, não é o do comunismo. É o do lulismo, e, ao que parece, sua estratégia tem três etapas. Na primeira, em marcha, Lula e seu estado-maior se encarregaram da limpeza do terreno, que consistiu, basicamente, em tentar arrasar o pouco que as instituições nacionais ainda guardavam de prestígio, acatação e consideração junto ao grande público. A segunda, no devido tempo, consistirá em propor à população, desiludida, novas instituições dentro de uma nova ordem - autenticamente "republicana", diria o ministro Thomaz Bastos. Bem-sucedidas as duas etapas, a terceira imporá aos recalcitrantes a submissão ou a exclusão.

Muitos dirão que isso é pura ficção jornalística. Mas os sinais indicadores - palavras e fatos - não são nada fictícios. Vejamos algumas palavras, recentes, para o futuro mandato Lula. Primeiro, as de Ricardo Berzoini, que se tem comportado como uma espécie de candidato a gauleiter: "(...) estamos promovendo a participação ampla e plural da sociedade na construção de um plano que projete um período de novos avanços." E corroboradas por M. Chauí, A Pensadora: "Vamos fazer um programa, o governo vai governar de acordo com ele. Senão, é tchau e bênção." Faltou lembrar que governos governam segundo planos elaborados, discutidos e aprovados por Parlamentos - pelo menos nas democracias. Mas eis aí o cediço sonho de governar sem instituições, de maneira direta, com "a participação ampla e plural da sociedade".

Muito se engana quem acha que o jargão disfarça a falta de projetos, visa a adiar problemas e a dar a impressão de "humildade democrática", como disse Arnaldo Jabor em seu artigo da última terça-feira, neste jornal. Primeiro, não há falta de projetos - é que "O Projeto" é não-divulgável. Mas dele nos dá conta uma terceira voz, muito conhecedora do esprit de corps da cúpula petista - Cristovam Buarque: "O meu medo é que ele (Lula) queira um terceiro mandato (por meio de uma reforma da Constituição), como fez Chávez, como fez Fujimori." E mais: "Eu temo que ele tenda a governar diretamente com o povo, tirando a intermediação do Congresso."

Segundo, a "humildade democrática" pode ter existido no PT em tempos idos, mas foi para o brejo com a atitude desafiadora, oficializada pela legenda, em convenção, ao avalizar o eufemismo "recursos não contabilizados" para designar a podridão do caixa 2 e com a parábola do chefe aos discípulos - "Fizemos o que os outros sempre fizeram" - lançada em Paris, que mostram o grande menosprezo do bando pela opinião e pelos sentimentos do cidadão honesto.

Terceiro, ao conclamar "ampla participação da sociedade" o objetivo não é adiar problemas: é não resolvê-los e até impedir que se resolvam, para provar que pela via das instituições normais eles não têm mesmo solução. É o que proclamava, aliás, a centúria del fascio, arrebanhada por um herdeiro d e engenho de açúcar, naquele ataque contra o Congresso. Em nome de quê? De fazer avançar a reforma agrária? Mas a reforma agrária está avançando, e muito. Na verdade, está sendo realizada no Brasil a mais ampla reforma agrária democrática que já foi feita no planeta. Então, o objetivo não era fazer avançar o que já está avançando, era fazer o público achar que o Congresso é que atrasa a reforma. Faz parte da tática de desgaste da representação parlamentar.

Ao se servir do "mensalão" de Marcos Valério, o lulismo visava a controlar a Casa das Leis. Talvez não pensasse que a própria denúncia do esquema acabaria por contribuir, ainda mais, para a desmoralização da instituição parlamentar. As CPIs atraíram grande atenção do público para duas pusilanimidades: a do PT e dos seus agentes e a da "pizza", que acabou acontecendo - e prevalecendo aos olhos do público. O Congresso saiu mais desmoralizado do que o próprio PT e do que o chefe do PT.

Há um lucro colateral que ainda vai ser contabilizado pelos estrategistas do lulismo: a desmoralização da Procuradoria Geral da República, que representou contra 40 falcatrueiros, e da CPI dos Bingos, que indiciou 79 malandros. Nem os 40 nem os 79 vão sofrer nada. Por quê? Porque as duas coisas irão ao Supremo Tribunal Federal (STF).

E nós já vimos em andamento a tática de desgaste do Judiciário, que para ser armada exigiu o prévio "aparelhamento" do STF. Disso se encarregou pessoalmente o chefe. Dos 11 ministros, 6 são indicação sua. E o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em artigo publicado quarta-feira no Estado (O novo Supremo), se incumbia de responder, antecipadamente, às suspeitas a respeito da isenção do STF: "O risco" - diz ele - "de aparelhamento do Supremo por um determinado presidente é controlado justamente pela necessidade de aprovação da indicação pelo Senado Federal, que, se não tem o hábito de rejeitar indicações (grifo nosso), exerce um papel dissuasório na eventual intenção do Executivo de realizar indicações inapropriadas". E o Senado é, por acaso, imune a "aparelhamentos"?

Essas e outras doutas ponderações do nosso ministro, no referido artigo, o tornam, desde já, candidato a ingressar na ilustre linhagem de juristas pátrios que, desde o venerável doutor Francisco Campos (apelidado Chico Ciência), de Getúlio Vargas, passando por alguns ex-professores meus, como Gama e Silva e Alfredo Buzaid, formam no denodado escrete dos garimpeiros de doutrinas legitimadoras de interrupções da democracia.

Outra decisiva instituição nacional vem sendo desafiada desde que o nosso presidente, dizendo não saber se seria ou não candidato à reeleição, iniciou uma nada disfarçada campanha eleitoral, ao arrepio da lei. Cada inauguração, cada comparecimento desnecessário a eventos banais, cada conjunto de fotos levantando os braços para comemorar coisa nenhuma, cada cena de TV afagando criancinhas em paragens remotas são meios de testar o tutano da Justiça Eleitoral - como o reajuste de servidores, que opôs os dois presidentes: o da República e o do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello.

Então, com o Legislativo, o Judiciário e o sistema eleitoral sendo levados no bico e ao desgaste, desculpem-me os colegas do jornalismo econômico - legitimamente preocupados com rombos no INSS, nas contas públicas, na relação dívida/PIB, nas reservas cambiais e demais problemas de uma administração séria -, mas o Grande Arrombamento, que decisivamente determinará os destinos deste país, é o que está sendo cavilosamente cavado na imagem pública das instituições que nos garantem o status internacional de nação democrática.

Publicado originalmente em O Estado de São Paulo - 26/06/06

22 de jun. de 2006

Um Mal Necessário - por Rodrigo Constantino

O excesso dos impostos leva à subversão da justiça, à deterioração da moral, à destruição da liberdade individual.” (Benjamin Constant)

Desde a formação dos Estados que a cobrança de impostos existe pela ameaça de uso de força sobre os súditos. Antigamente, a figura do cobrador de impostos era um soldado do rei que ia recolhendo os montantes determinados sob a mira de uma espada. O monarca desfrutava de um direito supostamente divino, e poderia arrecadar ao seu bel prazer pelo simples fato de permitir a permanência do súdito em seu reino. Muito mudou com o advento da democracia, mas imposto será sempre sinônimo de coerção. Limitá-lo é uma obrigação de qualquer um que entenda a importância de transformar antigos súditos em cidadãos livres.

Benjamin Constant, um liberal que tentou influenciar a mentalidade francesa durante os tensos anos da Revolução e de Napoleão, compreendia isso muito bem. Afirmou que “todo imposto inútil é um atentado contra a propriedade, tanto mais odioso por ser levado a cabo com toda a solenidade da lei”. Ele considerava revoltante o fato de ser executado pela autoridade em armas contra o indivíduo desarmado. Sabia que “todo imposto, qualquer que seja sua espécie, sempre tem uma influência mais ou menos nefasta”, sendo assim um “mal necessário”, que por isso precisa ser o menor possível.

Constant entendia também que é a livre iniciativa que cria a riqueza. Ele lembrou que “quanto mais se deixam meios à disposição da indústria dos particulares, mais próspero o Estado”. O imposto, por reduzir essa quantia disponível aos indivíduos livres, é “infalivelmente nocivo”. Além disso, parece que Constant já compreendia bem os riscos que ficaram posteriormente conhecidos como “falhas de governo”. Faltam os incentivos corretos para um uso adequado dos impostos, pela própria natureza do Estado. Constant afirma categoricamente que “o povo não é miserável apenas por pagar além dos seus meios, mas é miserável também pelo uso que fazem do que paga”. Seus sacrifícios se voltam contra ele. Conclui Benjamin Constant: “O povo não paga para que a boa ordem seja mantida no interior, mas, ao contrário, para que os favoritos enriquecidos com seus despojos perturbem a ordem pública com vexações impunes”.

Como ler estas palavras e não pensar, com profundo pesar, no caso brasileiro? O Estado arrecada cerca de 40% de toda a riqueza produzida no país. Os súditos trabalham praticamente os cinco primeiros meses do ano apenas para pagar impostos. Não têm a liberdade de escolha sobre o destino daquilo que seu próprio esforço criou. E o que recebem em troca? Exatamente o que Constant previra: o uso dessa montanha de dinheiro contra o próprio povo pagador dos impostos. Não é a segurança que ele recebe do Estado, mas o financiamento dos criminosos do MST, que levam a desordem para o campo. O próprio dinheiro público, obtido à força com pesados impostos, financia as invasões desses grupos revolucionários sedentos por poder. O governo Lula transferiu para os líderes do MLST, que invadiu a Câmara e causou destruição e terror, mais de R$ 5 milhões. Isso é uma verdadeira afronta ao pagador de impostos!

O rendimento individual é propriedade de quem o gerou. Para o funcionamento do Estado, com suas funções básicas e sem invadir a esfera que não lhe cabe, faz-se necessário a cobrança de impostos. Porém, estes deverão ser sempre mantidos em um patamar mínimo, suficiente para o atendimento dessas necessidades básicas. Quando o imposto não é mais visto dessa maneira, mas sim como um “bem desejável” para inúmeras atividades que não dizem respeito ao Estado, deixamos de ter cidadãos livres e passamos a ter súditos. Quando aceita-se que o Estado pode tomar na marra quase a metade daquilo que é produzido pelos indivíduos, em nome da “justiça social”, pratica-se um atentado contra as liberdades individuais. Que este alerta seja permanentemente lembrado: imposto é um mal necessário. E um mal necessário deve sempre ser o menor possível.

Com autorização do Rodrigo Constantino

Leia também "O BRASIL LEGAL E O ILEGAL"

6 de jun. de 2006

Um recado à candidatura Alckmin - por Reinaldo Azevedo

Vamos lá. Deixe-me aqui provocar um pouco o desprezo dos especialistas em pesquisas: pelo menos metade dos brasileiros é contra Lula, a sua reeleição, a bandalheira em curso no país. Metade não cai nessa conversa de que sempre foi assim e reconhece que, ainda que a política não tenha sido conduzida por santos até a chegada do PT ao poder, cresceu enormemente o despudor. Metade ainda está, por uma questão de racionalidade comum, disposta a escolher o mal menor. E reconhece em Lula o mal maior.

De onde tiro essa metade? Daqueles dispostos a votar em Alckmin somados a indecisos e votos brancos e nulos. Aplique-se ali margem de erro, e se chega facilmente a essa conclusão. Sim, eu mesmo escrevi aqui, quando foram divulgados os números do Ibope, que essa fatia ainda sem candidato acaba se distribuindo entre Lula e Alckmin. Sim, tudo o mais constante, é mesmo verdade. Mas vou aqui raciocinar por hipótese e supor que tudo o mais não permanecerá constante.

Este texto é um recado à campanha de Alckmin. Os que sempre nos acusaram de tucanos podem perceber a nossa intimidade com o partido. Em vez de ligar para o “nosso” candidato, numa prova de proximidade, recorro a um texto público. Os petistas podem ficar tranqüilos: os tucanos não darão a menor bola. Sempre sabem “o que fazer”, como diria Lênin... Nelson de Sá, colunista da Folha, parece ter percebido. Ele nos chamava antes de “blog tucano”. Agora, de “blog de oposição”. Nada a opor.

Maioria silenciosa
A única chance de as oposições vencerem as eleições é apelar àquilo de que parecem ter verdadeiro pavor: a maioria silenciosa. Numa democracia de massas, assaltada por variadas formas de “militantismo” (incluindo o do PCC), essa maioria se recolhe, engole as restrições que tem, se cala e fica à espera de um sinal, de alguma voz pública que a convoque para a batalha. Como diria São Paulo na 1ª Epístola aos Coríntios, essa gente espera distinguir claramente o som dos instrumentos para decidir que rumo tomar. E é justamente isso o que não vem.

No texto anterior, demonstrei como Lula, num único discurso, atacou severamente os tucanos e, querendo ou não, passou a mão na cabeça dos bandidos do PCC — em parte, para mitigar a vergonhosa omissão de seu governo nos assuntos de segurança —, santificando-o. Sobre os policiais mortos, não disse uma miserável palavra. Será que o homem comum, este que chamo de maioria silenciosa, que não é bandido, concorda com Lula? Estou certo de que não concorda.

Assim como o pobre rejeita a suposição de que é a miséria que está na origem da violência. O próprio Lula, aliás, deveria explicar, então, por que não é um bandido. Ou teria ele, por obra divina, escapado de um destino inexorável? Está certo que o procurador-geral da República acusa 40 de seus amigos de quadrilheiros, mas é uma quadrilha de outra natureza, como sabemos.

Ah, mas aí vem o grande temor de setores do tucanato de que uma campanha que enfoque tais aspectos, com clareza insofismável, seja confundida com “coisa da direita”, uma marca da qual fogem como o diabo da cruz, cedendo, assim, à patrulha politicamente correta.

Reportagens sem fundamento que tentaram vincular Alckmin ao Opus Dei, uma prelazia papal, foram rechaçadas de imediato, como se a organização estivesse ligada a alguma prática criminosa. Esses setores tucanos, sei, têm medo de certa mídia. Façam as contas e depois me digam: o que vocês acham que vai render mais artigos de jornal: a leitura sociológica que Lula fez do PCC ou a suposta (e falsa) ligação de Alckmin com o Opus Dei? Meçam o noticiário se tiverem tempo. Eu já sei a resposta. Para certo jornalismo, o PCC é muito menos perigoso. Afinal, seus membros sofreram muito quando tinham quatro ou cinco anos, como lembrou Lula.

Essas alas da oposição jamais teriam a coragem de comprar a briga contra as cotas universitárias, embora elas atendam a uma minoria organizada, que já é base eleitoral cativa do PT, e atentem contra os direitos da maioria. Oh, que horror! Isso seria considerado uma coisa “de direita”. E, afinal, no Brasil, somos todos, como sabemos, homens bons, honestos, virtuosos, bem-intencionados e de centro-esquerda.

O Bolsa Família, hoje, tornou-se um instrumento de caçar votos. Mas também isso não será dito porque, credo!, poderão dizer que os tucanos e pefelistas, se chegarem ao poder, tentarão acabar com esse benefício. É claro que não se trata de acabar, mas de fazer a devida crítica e de corrigir seus rumos. É bom lembrar que a maioria silenciosa não é atendida por bolsa nenhuma.

O MST, sob o governo Lula, passou a invadir terras produtivas, a depredar aparelhos da agroindústria e a chantagear abertamente as instituições. Nem mesmo existência jurídica tem. Mas também é outro confronto que não se quer comprar. Vai que digam que tucanos e pefelistas, porque combatem as utopias autoritárias do sr. Stedile, sejam partidos de direita... O governo de São Paulo, diga-se, em vez de chamar a polícia, fez acordos com cooperativas ligadas ao movimento no Pontal do Paranapanema. Não porque concordasse com ações criminosas. Mas porque cedia à chantagem de um movimento supostamente social. Também é preciso ficar atento à patrulha politicamente correta exercida pelo colunismo isento e progressista! Como sabemos, a suposição de que um político possa usar cilício é coisa muito mais grave do que a evidência de que ele rouba o Estado — ainda que em nome de uma causa.

Sabem por que a maioria é contra Lula, mas Lula tem o voto da maioria? Porque aqueles encarregados de chamar as coisas pelo nome evitam fazê-lo e evitam o confronto com as forças que têm de ser confrontadas. Não se pode vencer o PT cedendo a todas as chantagens dos aparelhos petistas. Sobretudo quando o chefe desse partido é um animal político raro — e é —, conseguindo encontrar um lugar no discurso que, ao mesmo tempo, o torna independente do partido e seu maior fator de coesão.

No que concerne à suruba dos gastos públicos, ao aparelhamento de Estado e às medidas populista-eleitoreiras do quarto ano de mandato, o PSDB e o PFL encontraram o caminho da crítica. Ocorre, senhores, que essa crítica fala aos já convertidos. Quem consegue entender essa fala e ver esses problemas já não vota em Lula — exceção feita àqueles que lucram com o Cassino do Chacrinha.

A maioria silenciosa é o povo. Aquele mesmo povo que, não faz tempo, diante de uma escolha entre o politicamente correto e a dura realidade dos fatos, disse um sonoro “não” à proibição da venda de armas legais. Porque entendeu que a questão era a proibição das armas ilegais, contra a qual o Estado nada fazia — como se viu no caso do PCC.

Sabem quem garantiu a vitória do “não”? A tal maioria silenciosa de que falo, o homem pobre, aquele que não é bandido, o que ainda não teve a vontade corrompida por partido, ONGs, pastorais disso e daquilo. Venceu-se uma poderosa máquina de publicidade, que juntou todas as pessoas supostamente bem-intencionadas do país. Teria sido até interessante se o “sim” tivesse vencido... Dada a explosão de terror promovida pelo PCC, o conjunto corresponderia a uma aula prática de política.

Que fique o recado. Quando o PSDB e o PFL se pegarem num beco sem saída para a campanha — é preciso antes cair a ficha —, a resposta é simples: basta descobrir o que pensa a maioria silenciosa. A maioria que é contra Lula. E sabem o que ela quer? Um pouco mais de decência, de verdade e de civilização. Ou se oferece isso a ela, ou Lula vai vencer, com o voto da maioria, ainda que seja o candidato das minorias.

A tassa do mundo é noça
E, bem, uns seis meses antes de o país chegar à suposta auto-suficiência de petróleo, dei aqui alguns toques às oposições sugerindo ações preventivas, já que a propaganda petista era certa — não, não incluíam explodir plataformas de petróleo. Eu falava de política. Lula, como o previsto, privatizou mais de 50 anos de história.

Agora, ele já está coçando os 19 dedos: “Nunca, ântis, nêsti paíz, a jente consegiu o héquissa. Foi precizo que o fílio de uma mulier que nasseu anaufabeta xegace ao puder”. O homem é um gênio num deserto. Governistas ganham e perdem eleições independentemente do resultado da Copa do Mundo, como sabemos. Mas "nunca antes neste país" o Brasil venceu com o PT no comando. Não é o caso de jogar urucubaca nos canarinhos só por causa disso. Afinal, apear Lula do poder é tarefa que cabe a outros jogadores — que, por enquanto, se negam a entrar no jogo e ficam só dando toquinho de lado.

Fonte: Primeira Leitura

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Pule fora e dê o lugar a quem merece: JOSÉ SERRA