1 de nov. de 2006

Irascível - por Ralph J. Hofmann

Estou tomado de uma irascibilidade que chega a me assustar. Durante as últimas semanas das eleições, ouvi mentiras da boca do Sr. Lula e me contive razoavelmente bem Vi o Sr. Alckmin responder ponderadamente às acusações quanto suas intenções e me contive. Vi o PSDB evitar defender as privatizações, papel que coube apenas a articulistas e cronistas, particularmente demonstrando os benefícios que foram estendidos ao uma nação inteira, particularmente no caso da telefonia, um gargalo de garrafa que ameaçava o progresso e causava custos excepcionais à nação, e me contive.

Estou agora passando por momentos de roer perna de cadeira para não explodir. Tenho visões de assembléias gerais de jornalistas decidindo jogar proponentes do controle governamental da imprensa por uma janela (Não mais do que três andares, não exagerem!). Imagino um interlocutor do ministro da Justiça aplicando lhe uma joelhada na virilha. Senhores da Polícia Federal, longe de mim fazer isto, sou um homem de paz, apenas acho que seria sumamente interessante ver isto acontecer, afinal de contas, a cada patacoada deste senhor é exatamente o que ele faz conosco.

Tenho visões de certos homens públicos serem internados para reeducação na Isla de los Pinos, a mercê dos atuais guardas do Sr. Fidel Castro. Usem sua imaginação para pensar quem seriam esses homens. Tenho certeza que dadas as excelentes relações entre a China e o Brasil esse país amigo forneceria uma equipe absolutamente preparada, com os registros da reeducação dos anos 50.

O presidente foi eleito democraticamente. Sem dúvida. Mas junto com seus companheiros de mesa ele consegue despertar hoje ódio profundo. Na minha vida vi outros assumirem o poder sem merecê-lo. Mas sem nos despertar tal ódio. Sempre tivemos a noção de que a pessoa que assumia o poder tinha objetivos próprios, mas nunca podíamos colocar em dúvida que no geral essa pessoa pretendia o bem estar do país, pretendia encontrar o caminho do progresso.

Esta vez não. Temos absoluta certeza que pretendem as benesses dos cargos, a fortuna pessoal, o poder por longos anos, doa a quem doa.

Estarei completamente pirado?

Terceiro Turno - por Rodrigo Constantino




Democracia deve ser mais que dois lobos e uma ovelha votando sobre o que terão para jantar.” (James Bovard)


O presidente Lula está reeleito com expressiva votação, acima de 50 milhões de votos. Um fato inegável. Defensores do petista logo correm para afirmar a “legitimidade” garantida pelas urnas, já que seu governo foi marcado por um recorde nacional – quiçá mundial – de escândalos de corrupção. Ignoram, entretanto, que num Estado de Direito, com império das leis, não são as urnas que fazem automaticamente as leis. Não realizamos plebiscitos para votar se criminosos vão ou não para a cadeia. Aplicamos as leis.

O povo brasileiro parece não compreender ainda o valor das instituições republicanas, que não permitem colocar cidadão algum acima das leis. Fala-se aqui em democracia como um fim em si, esquecendo do alerta na epígrafe. Países que não conseguiram construir sólidas instituições, deixando que a democracia se transformasse numa simples ditadura da maioria, jamais prosperaram. Sem que as liberdades individuais sejam garantidas através do império das leis isonômicas, a democracia pode virar um leilão vulgar onde dois lobos decidem que o jantar será a ovelha indefesa. Quem defende a justiça precisa defender as minorias, e a menor minoria de todas é o indivíduo. Somente um governo de leis, válidas igualmente para todos, preserva tais minorias. Ditaduras da maioria disfarçadas de democracia não trazem semelhança alguma com tal modelo. Quem acha que a escolha da metade dos eleitores e mais um cidadão dá uma carta branca ao governante eleito, não compreendeu nada sobre justiça e liberdade.

Em seu livro Política, Aristóteles pergunta: “Se, por serem superiores em número, aprouver aos pobres dividir os bens dos ricos, não será isso uma injustiça?”. Claro que será! Mas demagogos nunca deixaram de explorar o sentimento de inveja nos mais pobres para obter poder. Governantes aproveitadores e astutos conseguem dinheiro dos mais ricos com o pretexto de protegê-los dos mais pobres, assim como votos dos mais pobres com a escusa de que irão defendê-los dos mais ricos. Os iludidos não notam que ambos, ricos e pobres, precisam de proteção justamente contra tais governantes. E esta proteção vem através das sólidas instituições, da garantia das liberdades individuais, do império das leis. Quando a democracia – leia-se os votos válidos de mais da metade dos eleitores – passa por cima dessas normas impessoais, temos a troca do necessário império das leis pelo perigoso império dos homens. O governo vira então refém das vontades de maiorias instáveis. Se amanhã mais da metade do povo desejar o extermínio de uma determinada minoria, nada estará no caminho para impedir tamanha injustiça. A Alemanha nazista que o diga!

Tendo explicado esse ponto importante, de que democracia não deve ser a simples ditadura da maioria, podemos agora analisar um dado estatístico interessante. Na verdade, sequer podemos falar em maioria do povo quando falamos da reeleição de Lula. Foram quase 24 milhões de abstenções, um pouco mais de um milhão de votos brancos, quase 5 milhões de votos nulos e mais de 37 milhões de votos para seu adversário, Alckmin. Somando tudo isso, temos quase 70 milhões de eleitores que não votaram em Lula, contra menos de 60 milhões que nele votaram. Em outras palavras, sequer podemos falar mesmo em ditadura da maioria!

Os petistas acusam de “golpistas” aqueles que gostariam de um “terceiro turno”, ou seja, aplicar as leis através do TSE podendo cancelar as eleições caso ficasse comprovado o uso de dinheiro ilegal na campanha de Lula. As evidências de que isso ocorreu abundam, quando lembramos do dossiê que os petistas bastante ligados ao presidente tentaram comprar. Foram pegos com a “boca na botija”, em flagrante, usando dinheiro ilegal, quase 2 milhões de reais. O que podemos concluir disso é que golpe, para os petistas, é aplicar as leis em seus companheiros. Acham que eles, e especialmente Lula, estão acima das leis. E usam as urnas como “prova” dessa suposta legitimidade. Não se constrói um país sério, justo e próspero desta maneira. Será que estamos fadados a ser uma republiqueta das bananas?

Acusações não devem permitir a Lula uma segunda lua-de-mel - por Larry Rohter, no New York Times

Ao conquistar reeleição no domingo com 60,8% dos votos, Luiz Inácio Lula da Silva quase repetiu o desempenho acachapante que o tornou presidente do Brasil quatro anos atrás. Mas não parecem prováveis uma segunda lua-de-mel ou uma pausa nas acusações de corrupção e outras dificuldades que vêm prejudicando seu governo.

Lula enfrentará um segundo mandato difícil. Seu PT está debilitado por escândalos de corrupção, e ele está sob pressão para adotar políticas econômicas mais populistas. Mas para conseguir aprovar seu programa legislativo, ele corre o risco de se ver forçado a aceitar acordos eticamente questionáveis, exatamente como aqueles que causaram as dificuldades que seu governo vem enfrentando.

Mesmo antes do início de seu segundo mandato, Lula enfrenta a perspectiva daquilo que alguns brasileiros vêm definindo como "o terceiro turno" da eleição. Embora a dimensão de sua vitória deva desencorajar os oposicionistas a pedir seu impeachment, há processos em curso nos tribunais, e pode se mostrar ser mais difícil detê-los.

Há também a questão prática de como Lula planeja administrar a máquina do governo. O PT tinha escassa experiência administrativa, para começar, e como resultado dos escândalos muitas das figuras em que ele confiava caíram em desgraça.

Lula ocasionalmente expressa frustração por não conseguir o que quer do Legislativo. Em jantar recente, diz-se que ele teria afirmado que tinha "vontade de fechar o Congresso".

Lula se recusou a assinar uma petição que solicitava que os candidatos assumissem o compromisso de não convocar Assembléia Constituinte. Oposicionistas tomaram esses lapsos como motivo para sugerir que um segundo mandato veria Lula ceder a seus impulsos autoritários. Mas a maioria dos analistas desconsidera as declarações ambíguas e os alertas sombrios da oposição como simples retórica de campanha.

Não está claro se Lula interpretará sua vitória esmagadora como absolvição pelos casos de corrupção. "O PT disse que estava se reestruturando, e logo a seguir se envolve em um escândalo bizarro como esse", disse Jairo Nicolau, professor de ciência política: "Se não aprenderam nada de 2005 para cá, não há garantia de que não repetirão os mesmos erros".

A INDIGNAÇÃO - por Denis Rosenfield, na FSP

Um país que perde a capacidade de indignar-se arrisca a sua própria existência política. A moral não é um utensílio qualquer que possa ser utilizado segundo as conveniências partidárias. Ela é uma finalidade em si mesma que, instrumentalizada, perde seu próprio significado. A política se mostra como uma forma superior de sociabilidade humana se tiver um comprometimento com princípios morais e com a verdade, sem os quais as relações humanas abandonam sua própria dimensão cívica, a que se realiza pelo exercício dos mais diferentes tipos de direito.

O país cresceu nas últimas décadas pelo desenvolvimento e pelo aperfeiçoamento da cena pública. A liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral propiciou uma nova configuração da opinião pública, atenta ao comportamento de seus dirigentes. Líderes partidários e governantes tiveram de responder por suas ações e de se responsabilizar pelo que faziam. Políticos que baseavam suas ações em máximas do tipo "é dando que se recebe" ou "rouba, mas faz" perderam progressivamente credibilidade e foram sendo abandonados pelos eleitores.

Parecia que o país tinha ingressado em um distinto e superior patamar político. Um presidente da República chegou a ser afastado do seu cargo por corrupção e por infrações à moralidade pública em manifestações que tomavam conta das ruas deste país.

Nos escândalos que dominaram a cena do governo Lula, as ruas permaneceram vazias. As vozes, dificilmente audíveis, começaram a se calar, como se a perplexidade tivesse tomado o lugar da indignação. É como se as seguintes perguntas martelassem as cabeças: "O que fez com que o partido da ética a infringisse tão duramente?"; "Era tudo uma mera encenação de um partido oposicionista?".

A única resposta a essas perguntas veio sob a forma do "errar é humano" para justificar a corrupção e a falta de ética na política. É como se uma "nova teoria" estivesse nascendo das cinzas da moralidade, a de que "erros" justificam todo tipo de ação.

Ora, uma "teoria dos erros", cuja finalidade consistia apenas em acobertar a verdade, só podia se traduzir por uma valorização da "mentira" como forma de governo. O seu rebento é o "direito de mentir". Triste fim dos que se diziam defensores da moralidade, embora tenham com isso aferido "belos" resultados eleitorais.

Acontece que a beleza e a eticidade desapareceram em proveito de uma grande enganação pública. Criticar, porém, é preciso. Uma cena pública que perde seus parâmetros começa a se desestruturar. Entra-se no lugar do vale-tudo em que a verdade e a moralidade são as primeiras vítimas.

O mundo do vale-tudo é o mundo dos heróis sem caráter, que aproveitam as mínimas circunstâncias em proveito próprio. O tesouro público se torna privado ou privado-partidário, como se a República, a coisa pública, a coisa de todos nós e os recursos dos contribuintes pudessem ser dilapidados à vontade. Sempre explicações e justificativas serão apresentadas, algumas adornadas de belas expressões, como se um novo mundo estivesse sendo construído, um novo mundo possível, só que este surge sob a forma da usurpação e da perversão.

O exemplo que está agora sendo vendido ao país é o de que o crime compensa, toda regra e toda norma podendo ser transgredidas.

Tudo depende da "teoria do erro", chave mestra que procura colocar aquele que o cometeu na posição de vítima, de agente involuntário, injustamente acusado pelos malfeitores da imprensa, uma imprensa que não saberia investigar corretamente, porque não segue os ditames do partido no poder. De reveladora de fatos, ela se torna ré de um mau exercício da liberdade. De pequenos passos se constitui uma mentalidade e um uso autoritário do poder.

Quem defende a imoralidade, quem a justifica, a trai. Defende, na verdade, a asfixia da cena pública, a asfixia lenta e gradual das liberdades democráticas. O comprometimento do pensamento é com a faculdade de julgar, de emitir juízos sobre fatos e comportamentos que atentam contra princípios morais, contra a verdade e contra tudo aquilo que baliza as instituições republicanas.

Os que defendem os "erros" cometidos pelo governo Lula e pelo PT estão, de fato, abandonando o próprio exercício do pensamento, que não pode se tornar refém da servidão política -aqui, uma espécie de servidão voluntária. Se a "causa" toma o lugar da verdade e da liberdade, muito pouco se pode esperar da reflexão, da crítica. Lula ganhou, a ética e a verdade perderam.