29 de jul. de 2006

O Paradoxo de Stalin - por Rodrigo Constantino

Por pior que seja aos olhos dos outros, nenhum homem consegue suportar uma imagem horrível e repugnante de si mesmo por muito tempo.” (Eduardo Giannetti)

Ao revisar para a publicação a sua biografia oficial, o ditador Stalin ordenou que fosse incluída uma frase mencionando que ele jamais deixou que seu trabalho fosse prejudicado pela mais leve sombra de vaidade, presunção ou idolatria. Negar dessa forma tão grotesca a vaidade é justamente confessá-la abertamente, aos brados! A questão que fica é se o ditador soviético pretendia enganar de forma deliberada seu público ou se mentia para si mesmo. Normalmente, o hipócrita é mais calculista, medindo os efeitos de seus atos e colocando-se no lugar da vítima, para não errar o alvo. Um absurdo tão flagrante desses parece mais ser um caso de enorme auto-engano mesmo. Mas nunca se sabe!

Este caso nos remete à atualidade brasileira, onde um presidente que comanda o governo mais corrupto de todos os tempos afirma, concomitantemente, ser a alma mais ética da nação. As contradições entre as declarações de Lula e seus atos, fazendo não só vista grossa como subindo no palanque ao lado dos tais corruptos, levanta a questão sobre hipocrisia ou auto-engano. O presidente Lula pode tratar-se de um caso extremo de maquiavelismo, com espantosa cara-de-pau, onde tudo vale pela busca do poder, ou pode ser a maior vítima de auto-engano já vista, repetindo absurdos na maior inocência, mentindo com a firmeza de quem “sabe” falar a verdade.

O auto-engano é uma estratégia útil para a sobrevivência e procriação das espécies. Temos inúmeros casos entre os diferentes seres vivos, desde vírus, passando por plantas, animais e finalmente o homem. Evidentemente que não faz muito sentido falar em auto-engano para animais sem consciência, pois trata-se apenas de um mecanismo automático do seu instinto de sobrevivência. Mas a analogia não deixa de ser útil, quando sabemos que uma cobra-coral falsa age como a verdadeira, ainda que sem seu veneno, para intimidar os possíveis predadores. Como diz Eduardo Giannetti, em seu livro Auto-Engano, “o enganador auto-enganado, convencido sinceramente do seu próprio engano, é uma máquina de enganar mais habilidosa e competente em sua arte do que o enganador frio e calculista”. O enganador embarca em suas próprias mentiras, e passa a acreditar nelas com toda a inocência e boa-fé do mundo. Assim fica mais fácil convencer os demais. Seria o sapo barbudo, no fundo, uma cobra-coral falsa?

O presidente Lula chama a atenção por ser o líder deste governo corrupto e por ser, ao mesmo tempo, o autor de declarações estapafúrdias, se auto-vangloriando por questões éticas. Mas não é um caso isolado no PT – pelo contrário. Vários membros do partido passaram a crer de verdade no que pregam, por mais refutada que tal pregação tenha sido tanto pela lógica como pela evidência empírica. E a fé dogmática na ideologia é uma arma poderosa para o auto-engano, permitindo as maiores atrocidades em nome da causa. O fervor religioso sempre trouxe consigo tal perigo, especialmente na seita socialista. Os corruptos não se vêem como tais pois roubam “em nome da causa”, ainda que os benefícios concretos sejam bem individuais. Entre seus líderes e seguidores, resta apenas identificar os hipócritas oportunistas e a legião de inocentes úteis, ludibriada pela fé. “O auto-engano coletivo em grande escala é a resultante trágica e grotesca de uma multidão de auto-enganos sincronizados entre si no plano individual”. A cura está no pensamento independente, rigoroso com a lógica e a veracidade dos fatos. Coletivistas em geral, e petistas em particular, jamais toleraram este antídoto contra o rebanho bovino.

Voltando ao paradoxo de Stalin, permanece então a pergunta: o presidente Lula, com tantas evidências de mentiras deslavadas, contradições absurdas e incoerências, sofre de elevado grau de auto-engano ou é o maior consumidor de óleo de peroba do mundo, pela grande cara-de-pau? O leitor decide...

Com autorização do Rodrigo Constantino

Discursos de destruição em massa - por Reinaldo Azevedo, n'O Globo

Se a ONU não fosse inútil, como prova Kofi Annan, eu denunciaria Lula a esta ONG global por fazer discursos de destruição em massa. Destruição de qualquer forma de inteligência política. Na semana passada, o Babalorixá de Banânia vocalizou uma tese um tanto antiga no Brasil: sem uma ampla reforma política, é impossível acabar com a corrupção. Li o que ele disse como ameaça e autojustificação. Concedo que há sistemas políticos que podem ser mais ou menos porosos a práticas ilegais, mas é uma mentira maligna supor que é a estrutura que dá conta da moralidade do processo da vida pública: sempre será o indivíduo. Pode-se perfeitamente ser um homicida compulsivo brandindo as Santas Escrituras como princípio. Pode-se fazer o governo mais corrupto da História do Brasil alegando uma revolução ética.

É Lula quem não me deixa mentir — e, se eu não estou mentindo nessa história, alguém está. Ele está dividindo o palanque eleitoral com mensaleiros e sanguessugas. Quem o obriga a tanto? O “sistema”? Não. É a sua moralidade pessoal que é elástica o suficiente para não ver nisso qualquer problema. Ao contrário: Marco Aurélio Garcia, um faz-tudo que já cuidou de desastres externos e agora cuida dos internos, disse não ver nisso constrangimento. “Constrangimento é não ter voto”, disse ele a este jornal. A fala de Lula é, pois, pura autojustificação. Mas é também uma ameaça.

Se reeleito, é até provável que queira encaminhar uma reforma política. Mas qual? Ora, terá de ser uma compatível com a moralidade reinante no grupo que o apóia, sejam os petistas, sejam aqueles que aderiram ao lulismo, em especial o PMDB de Renan Calheiros e José Sarney. Os adesistas estão como aqueles crocodilos de documentário esperando a passagem da manada de gnus. Um mais tolinho ou mais fraquinho deu sopa, nhoc! São a periferia do novo poder, ao contrário do que dão a entender setores da mídia. A reforma que se vai tentar é uma que atenda aos interesses da nova classe social que chegou ao poder, de que Lula é a grande expressão.

Trata-se, como chamo, dos burgueses sem capital (ou do capital alheio), que tomaram o aparelho estatal e paraestatal — do posto de saúde da esquina aos fundos de pensão — e agora estão dedicados a tornar irrelevantes a democracia e a alternância de poder. Há dias, o sociólogo Francisco de Oliveira, ex-petista, deu a entrevista anual em que anuncia o fim dos tempos. Ele diz que a política se tornou inútil porque o país é governado pelo mercado financeiro. Conversa mole. É a esquerda radical frustrada com Lula. O PT se esforça para tornar irrelevante a política, mas o financismo é apenas o outro grupo de jacarés que se alimenta à beira do lago. Lula vai lhe dando gnus enquanto prossegue a marcha petista.

A versão tropical do Moderno Príncipe percebeu que a melhor garantia que tem de permanecer no poder — mesmo que venha a perder as eleições presidenciais — é oficializar no país o apartheid social, esforçando-se para ter, ao mesmo tempo, o monopólio do discurso que o denuncia. Lula faz do Bolsa Família a sua “indústria da seca” e cria uma categoria de cativos eleitorais miseráveis, aos quais fala diretamente, os quais incita, classificando os “outros” (os “burgueses”?) de inimigos. Não é a revolução. É só a demagogia a serviço do atraso. Ele recebe em palácio o movimento que depredou o laboratório da Aracruz e ouve, com sinais de assentimento, uma peroração em favor da luta de classes. Embora o nosso Lenin alimente, diligente, os jacarés e deprede a História. Segundo ele, é melhor banqueiro lucrar com juros do que com o Proer. O Proer, no governo FHC, fez de seus netos uns sem-banco. O modelo de Lula fez do filho um milionário.

Não, senhores! Não há lei, modelo ou sistema que possa substituir a moral privada. A História pode, eventualmente, explicar por que uma pessoa decente foi parar num lupanar. Mas só as escolhas individuais farão a devida genealogia do seu gozo ou do seu sofrimento. Lula faz o que faz porque quer. Porque gosta. Porque sente prazer.

King's College Chapel - Uma coisa bonita, para variar!




Arquiteto desconhecido. Talvez, por falta de "deproma", não teve seu nome divulgado. Isso num país de Memória e uma obra não muito antiga, para os padrões britânicos. Cambridge, England, 1446 to 1515.