30 de jul. de 2006

O Arrastão Autoritário - por Alberto Oliva, filósofo.

O Brasil corre o risco de ser um país cuja redemocratização foi sutilmente preparada, pelas forças que se tornaram hegemônicas, para recolocá-lo, tempos depois, na primeira ditadura de esquerda posterior à derrocada do socialismo real. Isto em parte pode ser explicado como conseqüência de os grupos de esquerda que se opuseram ao regime militar não possuírem convicções democráticas. Constata-se hoje, por meio de atos, o que já se sabia em teoria: o desapreço da esquerda pelos valores que constituem a Sociedade Aberta. A bandeira das liberdades foi brandida apenas como marketing de conquista do poder. O denuncismo nada tinha que ver com moralização institucional e respeito aos valores republicanos. Somente os ingênuos e os nefelibatas não se deram conta disso.

Foram usados pelas águias do maquiavelismo esquerdista que, por meio de longa e amadurecida estratégia de formação das consciências, prometiam sanar carências materiais sem desrespeitar as diferenças espirituais. O completo desprezo por aquilo que depreciativamente qualificam de democracia burguesa está na origem dos recentes ataques aos pilares que asseguram a liberdade de expressão e manifestação. Todos os tipos de controle que o Governo tenta começar a impor a sociedade derivam do vezo autoritário antidemocrático que o socialismo real sempre exibiu. Não se pode amar Cuba sem considerar a democracia um inútil penduricalho da burguesia.

O grande engano de certos grupos de opinião é supor que o atual governo está cindido, que na economia um grupo faz valer o principio da realidade e na política outro trama a retomada de sonhos que a evidência histórica provou no século XX não passarem de pesadelos opressivos. Não existe, como afirmou Arnaldo Jabour, o governo diurno, que gere com eficiência a economia, e o noturno, que flerta com formas soturnas de intervencionismo. O mostrengo atual é o “socialismo liberal”, o modelo chinês: economia de mercado com capitalistas atuando como testas de ferro, com direito apenas a enriquecer, e os burocratas todo-poderosos do Partido Comunista exercendo controle férreo sobre quase tudo.

Dos investimentos a priorizar ao universo das opiniões e das idéias tudo passa pelo crivo do Partido. Isto possibilita matar dois coelhos com uma cajadada só: poder político absoluto e apoio e subsídios para os “empresários do sistema”. Com isso, desaparece a autêntica competição tanto no mercado econômico quanto no político. Tudo totalmente controlado pelo Poder Central. O empresário se torna completamente dependente do Estado, o poder político concentradissimo e a oposição tanto ideológica quanto filosófica manietada. O triste é que no Brasil tem muito empresário, jornalista e político doido para assumir de corpo e alma essa forma de vassalagem. A ironia da história pós-Muro é que o estatismo sagazmente incorpora o “mercado” sem ter que se submeter a uma forma liberal de ordem social...

Com o fim da Guerra Fria cresceu a esperança de que estava para se universalizar o modelo de sociedade liberal que na Europa e nos EUA alcançara resultados bem superiores aos exibidos pelo socialismo real. Chegou-se até a falar em fim da história. Só que o mundo ama surpreender os afoitos e desmontar os esquematismos dos inscientes. Os eventos que nele se desenrolam sempre exprimem formas latentes ou manifestas de conflito. E aí apareceu a China para livrar os socialismos da derrota acachapante. Os herdeiros da Revolução de 49 conservaram o legado político de Mão-Tsé-Tung e os ensinamentos pragmáticos de Deng Xiao Ping.

O modelo é tão complexo que há até quem acredite que a China é exemplo de economia liberal. No Brasil, até o modelo híbrido enfrenta dificuldades para ser aceito. Palocci é o tempo todo questionado pelos grupos do PT que jamais deixaram de ter, a despeito da matança ideológica perpetrada pelo socialismo real, enorme saudade de Vladimir Ilich Ulianov (Lênin), de Joseph Stalin e tutti quanti. O PT puro-sangue não admite sequer entregar a rapadura da economia para conservar o leme político-ideológico.

Empresários são tão odiados que cooptá-los é muito pouco. O desafio é descobrir um modo de conservá-los eficientes mais totalmente dependentes do Estado. A ala realista que está no Poder sonha em implantar no Brasil um modelo político-econômico como o chinês. A facção radical quer transformar o Brasil numa Grande Cuba. Todos são projetos de eternização no poder. O socialismo não está morto e sepultado, como muitos imaginam. Conseguiu sobreviver agarrando-se ao modelo híbrido: o universo das idéias e ideologias deve permanecer monolítico e controlado e o da economia submetido ao capitalismo selvagem dos grandes empresários estado-dependentes e dos trabalhadores hiperexplorados. Costuma-se dizer que no Brasil existe o capitalismo selvagem. Ao que parece, quem vai tentar implantá-lo são justamente seus antigos críticos, os neo-socialistas.

26/08/2004 - fonte: RATIO PRO LIBERTAS

QUADRADO TRÁGICO - por Maria Lúcia Victor Barbosa

Conforme analisei em um dos meus livros, “América Latina – em busca do paraíso perdido”, entre 1810 e 1824, aconteceu o processo de independência das colônias hispânicas e a situação que daí se originou marcou o destino dos futuros países latino-americanos: findou-se um equilíbrio e outro não surgiu em seu lugar.

Um fato marcante daquela época que se esvaía sob o estilhaçamento do império espanhol foi o nascimento das repúblicas sob a égide dos caudilhos. Eles emergirão das guerras da independência, lutando à frente dos seus bandos armados. Bastante numerosos de início serão reduzidos, submetidos pouco a pouco por supercaudilhos. Surge a era de um Rosas na Argentina, de um Porfírio Díaz no México e de outros mais. Eles foram o protótipo dos futuros ditadores latino-americanos e sua “pedagogia política” foi feita na mesma linha de violência e autoritarismo, de intolerância e brutalidade dos conquistadores espanhóis e das sociedades pré-colombianas mais evoluídas.

Tudo isso significa que as “revoluções” das oligarquias nativas continham muito mais o elemento da tradição que o da mudança. O que se desejava alterar era a composição do poder e não a sua essência. Assim, a partir da “Espanha invertebrada” (expressão de Ortega y Gasset), não houve na América espanhola independente a “comunidade de propósitos” que faz com que grupos integrantes “convivam não por estar juntos, mas sim por fazer algo juntos”, conforme o lapidar pensamento orteguiano. E, nas nascentes sociedades invertebradas, o isolamento entre as camadas sociais, a falta de “minorias seletas” que comandassem o processo emancipatório, a inexistência de espírito associativo (substituído pela vivência do pequeno mundo familiar ou clânico), gerarão o desequilíbrio estrutural cujas manifestações mais graves são sentidas até hoje: o atraso econômico, o individualismo, a desconfiança generalizada, o populismo, o nacionalismo xenófobo, a tendência autoritária, os Estados leviatânicos incompetentes e corruptos.

Se a Espanha foi um “licor forte” para suas colônias, nós bebemos o “vinho verde e leve” de Portugal. Sem o radicalismo espanhol viemos ao mundo marcados por um certo desleixo, pela plasticidade de costumes e também pela veleidade que nos faz “ser e não ser, ir e não ir, indefinição de formas e vontade criadora”, conforme Raymundo Faoro. Porém, se somos primos e não hermanos dos nossos vizinhos, se nos diferenciamos do restante da América Latina pela nossa dimensão territorial e fatos de nossa história como, por exemplo, a presença da corte Portuguesa em território nacional e a ausência da participação popular em nosso processo de emancipação de Portugal, guardamos certos traços comuns com os citados acima, que por outras vias históricas marcaram a América Espanhola.

Desse modo, a situação que hoje existe na América Latina como um todo reproduz em muitos aspectos a continuidade da mentalidade do atraso que sempre nos caracterizou. Permanece a atração por caudilhos autoritários e líderes populistas; a defesa do pai Estado que nos castiga com seus monopólios, seus impostos exorbitantes, sua burocracia asfixiante; a corrupção endêmica de nossos governos; o ódio aos Estados Unidos como sublimação de nossas mazelas; a incapacidade de romper o atraso político e econômico; as quimeras revolucionárias que sempre prometeram o paraíso e geraram o inferno, a falta de minorias seletas capazes de nos dotar de um projeto comum.

Quanto ao palco político, desenhou-se por essas plagas um quadrado trágico que por sua característica ideológica de fazer a América Latina dissociar-se em termos comerciais e políticos dos países mais desenvolvidos, de cultivar traços populistas e paternalistas que mantém os pobres sempre pobres através das caridades oficiais, de apresentar vezo estatizante e forte tendência autoritária, arrasta os latino-americanos pela contra-mão da historia.

O quadrado trágico é composto pela Venezuela, Bolívia, Cuba e Brasil, respectivamente governados por Hugo Chávez, Evo Morales, Fidel Castro (ressuscitado por Chávez no que foi apoiado pelo presidente brasileiro) e Luiz Inácio Lula da Silva.

Evidentemente esses presidentes possuem pesos políticos diferenciados no cenário latino-americano. Mas, infelizmente, o Brasil, que por tanto tempo e dada sua envergadura econômica salientou-se como líder natural da América Latina, hoje segue a reboque de Hugo Chávez. Este ajudou eleger Evo Morales, amargou derrotas de seus candidatos no Peru e no México e agora apóia Luiz Inácio.

O quadro é trágico porque conduz aos confins do subdesenvolvimento. É preciso, pois, frear sua escalada. No nosso caso, temos uma “arma” ao nosso alcance para fazer isso: o voto.

Roberto Romano responde a Lillian Wite Fibe

Um escândalo atrás do outro: como isso afeta o eleitor? Roberto Romano comenta:

É corrupção para tudo quanto é lado. Só para falar das mais recentes: Sanguessugas (roubo de dinheiro público que deveria ser usado na compra de ambulâncias), Operação Cerol (policiais federais e executivos de empresas presos no Rio na sexta-feira) e Operação Mão de Obra, que é a de hoje e está "rolando" em Brasília. Foram presos empresários e funcionários públicos acusados... adivinhe do quê? Acertou: de roubar dinheiro público. A Polícia Federal diz ter descoberto fraudes em licitações com empresas que se candidatam a limpar e a fazer a segurança de prédios públicos e prendeu até um funcionário da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin. A polícia diz que encontrou roubalheira nos Ministérios dos Transportes e da Justiça, no Senado e no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Não sobra ninguém?

"A corrupção virou rotina no país", disse o cientista político, Roberto Romano, em entrevista a Lillian Witte Fibe, no UOL News. E para ele, esta prática rotineira pode representar perigo para a democracia brasileira, que não vai "se agüentar" com tantas fraudes dentro da própria estrutura da vida pública. "Esse é um ponto que me preocupa; eu fico cada vez mais acabrunhado com esse país, porque não há os contra exemplos, uma tentativa de apresentar outros caminhos para atenuar este fenômeno", lamentou. "O meu avô dizia que na França o ridículo mata e no Brasil, engorda".

O presidente e a corrupção

Segundo o cientista político, quando o presidente da República diz que "não viu, não sabe e não conhece", ele passa a impressão de que não há nenhum responsável e ninguém que controle esse governo. "Você dá muito poder ao presidente da República e ele quer viver com a irresponsabilidade do imperador", indignou-se. Romano disse ainda que um grande mal da República brasileira é que só quando se consegue provar a corrupção por A+B é que o presidente passa a ser responsabilizando, citando o caso da perua Elba presenteada ao ex-presidente Fernando Collor e um dos estopins do seu Impeachment. "O presidente da República tem que saber, ele não pode não saber", protestou.

Para ele, a oposição também não fez o seu papel exigindo uma prestação de contas ou até mesmo o Impeachment do presidente Lula. "No momento em que o presidente da República veio a público, naquela patética entrevista (em Paris) em que ele olhava para cima, com jeito de menino arrependido, e disse que pedia desculpas, mas sem saber muito bem porque", lembrou. "O presidente que não sabe é irresponsável porque, se ele é responsável, tem que responder. Está na Constituição: 'o presidente da República é responsável pelas ações do Governo, etc'". Romano falou ainda sobre as recentes acusações aos ex-ministros da Saúde do governo Lula, Humberto Costa (PT-PE) e Saraiva Felipe (PMDB-MG), no desvio de recursos públicos na compra de ambulâncias superfaturadas.

O cientista político comparou a atitude de alguns políticos brasileiros a do gambá, que quando se sente ameaçado lança aquele "perfume" em cima dos outros para escapar. "A pessoa só precisa responder que sim ou que não, no entanto ela só diz que vai processar. Isso não é modo de responder, ele deveria dizer: 'está aqui a minha gestão e eu sei de tudo o que ocorreu; o que ocorreu sem o meu conhecimento é da responsabilidade de tal e tal pessoa e dane-se quem é culpado, eu não sou". Romano citou ainda a entrevista em que o presidente Lula dizia que fazer caixa 2 era comum e que todo mundo fazia. "Se ele diz que não pode condenar ninguém e que a CPI dos Correios torturou os coitados dos depoentes, ele quer dizer que Delúbio Soares e Marcos Valério foram torturados pelos maldosos deputados da CPI; e se ele disse isso - e a gente não está inventando - o que se pode deduzir é que todos os 180 milhões de brasileiros são corruptos e o PT ainda pode receber o epíteto de grande partido da ética", indignou-se mais uma vez.

Recomendações ao eleitor

E com toda esta corrupção, como o eleitor deve vai votar em outubro? O que ainda é possível fazer neste período eleitoral? Romano questionou a eficácia do voto nulo - que para ele é como um protesto mudo - e recomendou que os eleitores comecem a participar dos comícios políticos, principalmente dos candidatos mensaleiros, "absolvidos" pela Câmara dos Deputados, "e lá, diante do povo, questionem sua atuação e peçam explicações", incentivou. O cientista político lembrou que em Roma, os comícios eram lugares para debates entre os candidatos e o povo. "A origem da palavra candidato vem de cândido, de roupa limpa, alva. O candidato precisava provar que sua roupa era limpa, e a alma também. Esta é a idéia de um sujeito que postula um cargo público, ele precisa estar alvo."