1 de mai. de 2006

SURFANDO NA MARÉ DE LAMA - por Percival Puggina, escritor

Uma simples passada pela internet mostrará que o tema da impunidade é recorrente nos textos que tratam dos mais variados crimes. A afirmação que faço não é descabida: em nosso país as atividades ilegais são as mais rentáveis. E as mais seguras. O planejamento de toda ação criminosa envolve uma avaliação de ganhos e riscos. Imagino algo assim como uma fração que tenha como dividendo o ganho estimado e como divisor o risco. Tanto maior o ganho, ou tanto menor o risco, maior o quociente que expressa o resultado. Pois no Brasil, suponho que o divisor só seja considerado diferente de zero porque, se zero fosse, o quociente resultaria sempre igual e infinito. Só por isso.

A impunidade se constrói nos meandros do Código de Processo Penal, em cujos labirintos se orientam os bons advogados. Na licenciosa permissividade das execuções penais e na progressão das penas (inclusive para os crimes mais hediondos). Na tolerância para com os delitos praticados contra pessoas e contra a propriedade pública e privada pelos tais "movimentos sociais". Na cotidiana repetição de fatos como o ocorrido no mês passado, quando um mesmo receptador de automóveis, proprietário de um desmanche, foi preso pela quarta vez acusado do mesmo crime. Sim, com grande freqüência, a polícia prende e a Justiça solta. Não se negue tal realidade porque um magistrado, perante o prontuário de alguém preso repetidas vezes por receptação, deve saber o que essa pessoa fará contra os cidadãos que lhe pagam o salário ao ser posta em liberdade. E a impunidade também se constrói no formato das nossas instituições, nos foros privilegiados, na politização das mais altas cortes e tribunais, nas prerrogativas especiais, bem como num sistema eleitoral que estimula a representação dos grupos de interesse, a corrupção, a infidelidade partidária e toda sorte de barganhas.

A impunidade se expressa nitidamente no fato de que, apesar de ocuparmos o 63º lugar entre os países mais corruptos do mundo, não há em nossas cadeias um só político detentor de efetivo poder preso por crime de responsabilidade. Ela se solidifica quando ficamos sabendo, através de recente artigo do Dr. Cândido Prunes, que o processo contra Zélia Cardoso de Mello se arrasta há 15 anos nas prateleiras do Poder Judiciário. Ou quando o processo sobre o valerioduto no Rio Grande do Sul é rapidamente encerrado em troca de cinco míseras cestas básicas. Ou, ainda, quando se sabe, malgré tout, que o atual presidente da República recolhe 40% das intenções de voto em todo o país.

Os petistas remanescentes ainda tocam flauta, deduzindo, desses números, que a sociedade está nem aí para as acusações que recaem sobre o governo Lula. E tudo indica que têm razão: o presidente surfa desinibido sobre a maré de lama em que se afogaram sua equipe e o alto comando de seu partido.


Publicado no Diego Casagrande

Percival Puggina