24 de abr. de 2008

Mestrados, Doutorados e porcarias afins


Nesta atividade diária da crônica, recebo tanto afagos como pauladas. Estas talvez sejam as mais. Mas não me desagradam. Vibro quando um leitor me insulta. É sinal que o deixei sem argumentos. Não nutro, bem entendido, “o amor da santa abjeção”, muito apreciado por são Sisoés, um dos santos anacoretas do deserto do século IV d.C., cuja maior aspiração era “ser desprezado por todos”. Meu grau de santidade não chega a tanto.

Se as pauladas não me desagradam, é com sumo prazer que recebo certas homenagens. Me agrada muito saber que esclareci melhor as dúvidas de um leitor, que o ajudei a tomar uma decisão, que fiz seu dia feliz. Esta é minha melhor paga. Nada gratifica tanto um cronista como tomar ciência de que o que escreve não caiu em terreno árido. Assim sendo, ontem foi um dia que me fez bem. É que recebi de uma leitora o mail infra. Este mal-estar com a pós-graduação não vem de hoje. Já aconselhei orientandos a abandonar mestrado, o que lhes foi muito saudável.

A pós-graduação, hoje, mais que uma opção acadêmica, é um paliativo ao desemprego. Que, conforme a área, acaba conduzindo a um futuro também sem emprego. Tenho uma amiga aqui em São Paulo, jovem, bonita, sensível, que está se arrancando os cabelos por ter feito um mestrado em Letras na USP. Não está vendo perspectiva alguma de emprego pela frente. Por inércia, entrou em regime de doutorado. Sabe que terá mais quatro ou cinco anos de purgatório pela frente e tem certeza que depois da purgação são será o céu que a espera.

O título que dei a esta postagem é o que foi dado pela leitora à sua mensagem.

Olá, Janer.

Apesar de acompanhar sua página há pouco tempo, devo dizer que você, involuntariamente, me ajudou a sair de uma enrascada tremenda: depois de um ano e meio de sofrimento sem sentido, finalmente abandonei meu mestrado. Discussões estéreis, excesso de marxismo, briga de egos entre professores, enfim, vi que estava perdendo minha preciosa juventude para escrever uma dissertação que:

1º - ninguém ia ler;
2º - não ia me auxiliar a conseguir um emprego melhor;
3º -só ia ajudar meu orientador a aumentar seu próprio Currículo Lattes.

Creio que você ainda não deve ter percebido como a situação piora a cada dia. Enquanto cursava o mestrado, vi doutorando atrasando a entrega de sua tese pois, quando finalmente a defendesse, perderia a bolsa e ficaria desempregado (aliás, creio que essa é a nova função do mestrado e do doutorado: absorver a mão-de-obra que o mercado de trabalho – muito mais racional, é claro – não absorve. Digo que o mercado de trabalho é mais racional porque nenhum empregador seria louco de pagar para alguém ficar escrevendo um calhamaço que carece de utilidade prática... só o generoso Estado faz isso, com dinheiro alheio, é claro).

Também cansei de ver doutores, já saídos do doutorado e, obviamente, desempregados, freqüentando cursinhos preparatórios para concursos públicos que exigem apenas o NÍVEL MÉDIO!!! Isso mesmo, doutores se preparando para vagas de 2º grau!! E mais: não sei se você já percebeu, mas, atualmente, nos concursos públicos, já existem provas de títulos (e não são só os concursos do magistério, concursos em geral!). Pois é, ter títulos garante ao candidato a vagas de 2º grau alguns pontinhos que farão aumentar sua nota de classificação!!! O Estado, percebendo que, mesmo depois de dar dinheiro para o esperto fazer mestrado e doutorado, não o ajudava a conseguir emprego, resolveu ele mesmo dar emprego aos calhordas.

Recebi essa semana, no local onde trabalho, uma carta de recomendação onde a ‘recomendante’ – orientadora de doutorado da ‘recomendada’ – implorava para que concedêssemos emprego a sua protegida, que passa por ‘muitas necessidades’. Ora, o que tem a empresa a ver com isso? Empresa privada virou sociedade filantrópica? Ela fez doutorado porque quis, numa área - humanas - que, sabidamente, gera desempregados (era doutoranda em literatura crítica. Desculpe minha ignorância: o que faz esse profissional?). Enfim, meu chefe nem chegou na metade da carta: mandou descartá-la, o profissional não tem o perfil da empresa...

Você, mesmo sem ser profeta, acertou sua previsão: dentro em pouco, teremos doutores dirigindo táxis, sendo porteiros de condomínios, caixas de supermercados...

Um abraço, Christianne.

Deplorável sucessão de escândalos

por Jarbas Passarinho no JB Online

Os escândalos neste governo têm sido tão irritantemente sucessivos que chega a ser surpresa não encontrar, na mídia, o relato do escândalo do dia. Desde a vergonhosa troca pelos deputados venais, dos votos pelo dinheiro a favor do governo, apelidada de mensalão, não param novas revelações constrangedoras e revoltantes. Chamamos a esse mar de corrupção de inerentes à democracia.

O primoroso Giovanni Sartori, em sua Democratic Theory, a respeito da confusão das definições de democracia, uma boutade de Eliot, em que ele, perplexo, diz que quando um termo se tornou universalmente santificado, como o é a democracia, pergunta-se se significa algo concreto, em face da multiplicação de significados atribuídos à democracia. Aduz Sartori: "Discussões acerca de democracia, argumentos pró e contra, são intelectualmente inócuos, porque não sabemos acerca do que estamos falando". Logo, a nossa democracia está incluída nessa confusão generalizada digna da Torre de Babel.

O presidente Lula se empenha de corpo e alma para proteger sua ministra da Casa Civil, no mais recente escândalo, o do dossiê, seqüela dos cartões corporativos em que a burocracia, que lembra a Nomenklatura soviética, pelos privilégios, um deles gastar o dinheiro de todos nós, os contribuintes. Ele faz tudo, junto aos seus súditos da base aliada, para evitar que ela tenha de explicar – se puder – o porquê da seleção do banco de dados o que consta de gastos realizados por FH e sua digna esposa, que um jornal especifica: "vinhos caros, comidas finas, fraldas e óculos", pagos também por meio de cartões corporativos.

Trata-se de uma arma de intimidação à oposição com assento na CPI que pretende pôr a nu o excesso de gastos do gverno atual. Outrora, chamava-se a isso chantagem, mas é um termo muito forte para invocar quando visando diretamente o mais alto magistrado da nação. Vale o cacófato, porque danação é o que expressa nosso estado de alma, ao ver que tipo de democracia é este e que vivemos.

A respeitada ministra Dilma afirma peremptoriamente que, no amplo âmbito de seu ministério, ninguém é culpado da existência do dossiê, (uma palavra que lembra ACM com os seus). A seu ver trata-se de "um vazamento de dados sigilosos". À falta de um Sherlock Holmes, serve-se de uma auditoria de que fica encarregado o Instituto de Tecnologia de Informação para descobrir o autor ou autores do vazamento. Estranho, porém, é que esse instituto é diretamente subordinado a ela e já parte da premissa da palavra da ministra de que os seus subordinados estão livres de suspeita. De mim, seria bom o povo, da Bolsa Família ou não, saber como se faz a farra dos cartões.

Quanto ao vazamento, pouco importa. Pouca diferença faz se o abuso é deste ou do governo anterior. O essencial é desvendar-se quem e como se gasta o dinheiro público, desbragadamente, depravando-se um instrumento, em si, adequado a governo sério, onde a senhora Matilde Ribeiro, quando a cargo do ministério da Igualdade Racial não exageraria seu encargo a verificar nos free shops se essa igualdade está sendo lesada. Depois de flagrada, pede demissão, e o presidente a elogia fraternalmente e encontra a razão da denúncia: foi preconceito racial. Só que a Controladoria-Geral da União, ao inventariar despesas gerais feitas com cartões, mostra que dona Matilde é a terceira na lista dos mais gastadores.

Outro ministro, posto que não seja isso sua missão oficial, vai ao Rio de Janeiro, para acompanhar os Jogos Pan-Americanos e assistir os atletas na companhia de um ministro estrangeiro, que nos cabia homenagear. Para isso, leva a família toda, passagens, hotel de cinco estrelas e restaurante fino, para fazer jus à nossa tradição de bons hospedeiros.

Lula, que ainda não esqueceu a vaia inesperada que lhe secou a voz de sua habitual logomaquia, acha o procedimento do ministro normal. Já o controlador-geral vangloria-se de haver apurado centenas de casos, "na maioria improcedente o abuso" e diz: "A ex-ministra da Igualdade Racial, o da Pesca e o do Esporte até ressarciram o erário". O grifo do pronome é meu, porque ele soa como um elogio. Essa é a nossa democracia e é melhor seguir o adágio de Sartori...