30 de jun. de 2006

DIFERENÇA DE RUMOS - por Thomas Korontai*

Em recente viagem durante quinze dias para a Europa, mais especificamente Hungria e Áustria, pude perceber algumas coisas que talvez não fossem percebidas quando se vai para o estrangeiro como turista. De fato, boa parte da História está refletida nos maravilhosos monumentos, obras de arte e construções antigas nos dois países citados.

Procurando olhar com outros olhos, um tanto limitado pela escassez do tempo e volume de compromissos, levantei algumas coisas interessantes, as quais, permitam-me listar objetivamente:

Transportes – Os trens funcionam muito bem e sempre no horário, e não me refiro aos trens-bala e, sim, apenas aos trens comuns, cuja velocidade fica em torno de 120, 130km/h. Com cerca de seis paradas em um percurso de 317 quilômetros entre Viena e Salzburg, a viagem durou 2h54min, com conforto à escolha do seu bolso – cabines de primeira e segunda classe – e serviço de bordo. Existem ainda as boas estradas de rodagem, inúmeras por sinal, a navegação fluvial – você pode ir a várias cidades através de grandes barcas, com conforto (restaurante e cabines noturnas) – e os aviões, é claro. A concorrência parece ser feroz. São várias companhias aéreas de baixo custo, com venda de bilhetes a preços incríveis quando em promoções. Na principal estação de trens em Viena (Westbahnhof), podia-se se ver anúncios de promoções de viagens via férrea a E29 para Zurich, Atenas e Veneza. E o transporte de cargas, a maioria vai mesmo é de trem. Estradas, vidas e tempo economizados, sem falar nos custos. Até onde pude saber, nenhuma companhia é estatal.

Energia – Em regiões descampadas, abertas, pode-se observar dezenas de geradores eólicos, concorrendo com a geração de energia elétrica gerada por termoelétricas a petróleo e usinas nucleares. Eles estão buscando e operando novas alternativas, objetivamente.

Confiança – Apesar de tudo ser cobrado, e quase nunca a preços módicos, diversos quiosques, expositores, pequenas gôndolas são posicionados nas calçadas à frente das lojas, inclusive com objetos pequenos, os quais devem ser levados pelos interessados até o caixa, dentro da loja para serem pagos. Os tíquetes de metrô são vendidos através de máquinas (vending machines) e não existem catracas de controle, apenas equipamentos de validação dos mesmos. Todos os compram. Vi um bando de jovens embriagados, de certas “tribos” passando pelos equipamentos de validação sem tíquetes, mas não foram admoestados. A sociedade da confiança funciona para a maioria e os infratores, que sempre são poucos em qualquer sociedade, não formulam as regras. Se pegos, são punidos exemplarmente.

Segurança – muitas lojas, inclusive joalherias, mantém as vitrines intactas. Não existem grades, pelo menos em Viena e Salzburg, mercadorias e equipamentos caros são perfeitamente visíveis da rua. Um detalhe interessante é que todo o comércio em ambos os países fecha as seis ou sete da noite. Inclusive supermercados. Esse “provincianismo” pode ser um dos motivos da segurança e até mesmo da preservação do espírito familiar, vez que as pessoas vão para casa. Tudo bem, existem muitos pubs e estes estão abertos.

Turismo – A História do Velho Mundo rende muito mais do que debates, pois desde maravilhosos castelos e igrejas até gélidas e escuras catacumbas se paga um preço para sua visitação. Você já imaginou pagar um euro para visitar uma catacumba? Dizem que na Áustria se paga pelo eco. Pois bem, imagine-se o quanto essa indústria sem chaminés gera em empregos. As equipes de cititours se confundem nos principais locais de visitação, impossível em dois ou três dias cumprir uma agenda completa, tantas são as opções nas três cidades visitadas, Budapeste, Viena e Salzburg, as quais exploram muito bem o turismo, em especial as citadas austríacas. Mas notei que a comunicação ainda é deficiente. Cidades turísticas não podem se dar ao luxo de ostentar tudo no idioma próprio. Conversei com um executivo austríaco no metrô em Viena sobre o assunto e ele me disse que as pessoas têm preguiça de aprender outro idioma, que o governo e as empresas não se deram conta da importância de facilitar – e poder vender mais ainda – a comunicação pelo menos em inglês. Citou que a observação em inglês para a abertura manual da porta do metrô – não é automática – estava lá há apenas três meses, antes apenas em alemão.

Arte – com tantos turistas e mais o gosto local, teatros vivem lotados. Restaurantes organizam apresentações especiais rotineiras. Deve ter muita gente – cantores, instrumentistas, maestros – empregados, sem contar com toda a estrutura de apoio. Apresentações sempre feitas com preâmbulos em dois idiomas (ufa!).

Dentro de algumas conclusões, poderia citar que faltam, no entanto, muitos serviços e a qualidade nem sempre é tão boa, pelo menos nos dois paises citados. Um brasileiro que trabalha como professor em atividades esportivas em Budapeste disse que só não consegue emprego quem realmente não quer. E ele se referia tanto à Hungria quanto à Inglaterra, aonde também residiu e aprendeu o inglês. Obras por toda a parte, muita movimentação, uma coisa puxa a outra. E muito pode ser feito ainda.

Chamou-me a atenção, em particular, os movimentos políticos de transformações que estão ocorrendo na Hungria. Este país estava sob o domínio da ex-URSS até 1989, e os quarenta anos de comunismo deixaram resquícios difíceis de serem removidos nos dias de hoje. O primeiro-ministro, Ferenc Gyuresány, de inclinação liberal, vem promovendo reformas importantes no sentido de desregulamentar a economia e a sociedade, continuando um grande processo de privatizações que trouxe obras, empregos e modernidade para todo o país, em busca da saída da atual situação de “segundo mundista”. Mesmo assim, ele recebe criticas muito parecidas com as que já vi publicadas por aqui, no Brasil: “ele está vendendo o país!”; “e agora, quem vai cuidar de nós?”; “antes era de graça e agora temos que pagar!” sem que essas pessoas se dêem conta de que não existe almoço grátis, de que alguém paga a conta e, quando não há ambiente para novos negócios, não sobra ninguém com vontade de investir e nem mesmo para pagar a tal conta. Não há, então, como “colocar a mesa” tão esperada pelo povo, acostumado que foi com o estatismo total dos comunistas.

Apesar disso, as reformas avançam, os investimentos estão crescendo, podem-se encontrar produtos de todo o mundo com embalagem customizada para o difícil idioma húngaro. Os saudosistas não aprenderam ainda as referências novas do conforto e da agilidade de um Estado desburocratizado – a Hungria também tem muitos carimbos e o funcionário público ainda se julga divino – mas notam-se, claramente, os vetores das transformações apontados para cima. E as novas gerações, conectadas ao mundo, estão e farão a diferença, derrubando a velharia que atravanca a realidade do novo mundo.

A conclusão final disso tudo, neste resumo de uma curta e limitada estada no Velho Mundo, é que quase tudo que tem por lá pode ter por aqui. Você já pensou em viajar de trem, confortavelmente, ao invés de competir com caminhões nas cada vez piores e lotadas estradas, muitas vezes como únicas vias de ligação entre uma região e outra? Isso é possível desde que o Estado Brasileiro passe a fazer somente aquilo que é necessário fazer: garantir os contratos, segurança e ser o responsável pela emissão da moeda. Assim, a iniciativa privada, nacional e estrangeira estariam livres para investir em ferrovias para transporte de cargas e passageiros. O Estado deve também liberar o setor aéreo, cuja regulamentação interessa aos poucos que podem mandar nos preços. As estradas podem ser privatizadas honestamente – e não como foi feito em várias regiões, nas quais se cobra pedágio antes de existir a obra – e voltar a serem utilizadas prioritariamente por automóveis. A navegação fluvial e marítima liberalizada seria mais um setor altamente competitivo, e assim por diante. Livrar o país dos carimbos, parente da burocracia, mãe da corrupção e do atraso.

O Brasil de hoje está proibido de crescer mais do 5% ao ano! Sem estradas, companhias aéreas , ferrovias e navegação suficientes, simplesmente tudo sucumbirá no caos de um crescimento conseqüente da movimentação de cargas e pessoas. Sem falar na energia, ainda tão regulamentada, que impede investimentos, prevendo-se novo blecaute para breve.

Pensar que o Brasil não pode ter muitas das coisas boas da Europa, dos EUA e do Japão é pensar limitado, acreditar na velha conversa de que o nosso país é jovem e ainda tem muito que caminhar para chegar lá. Ledo engano. A Austrália deu provas disso, assim como os EUA, mais jovens do que o Brasil. Muito papo furado e muita inveja nos mantém limitados aos nossos trenzinhos de bitola estreita, às estradas que matam mais do muitas guerras somadas em todo o mundo anualmente, às taxas de crescimento pífias – enquanto a pobreza e a miséria se multiplicam. Muita conversa e pouca ação. Muitos direitos humanos para os “manos” e pouca segurança para a sociedade e para investidores. Muito dinheiro em Brasília deixando a sociedade sem poder de compra e investimento. Muito centralismo para pouco governo. Muita bobagem para um país gigante pela própria natureza, mas que teima em se manter deitado em seu cada vez menos esplêndido berço.

Não é o Brasil que deve mudar. São as pessoas que devem fazer as mudanças. Somos 180 milhões de habitantes, 115 milhões com poder de voto e veto. O federalismo pleno das autonomias estaduais é, sem dúvida, o caminho das transformações estabelecendo os novos vetores para a nação. Só a sociedade tem o poder dessas transformações, o papel do governo é liberá-la para isso. Pode-se escolher entre ficar marchando para trás ou decidir que é chegada a hora de dar um basta na pasmaceira nacional. Afinal, o Brasil não é a Bolívia ou Venezuela, e que pode ser e ter como os países do Primeiro Mundo e muito mais – afinal, o que eles, seres humanos, têm de diferentes de nós? Apenas os modelos de funcionamento. E os vetores das transformações que apontam para cima. Já os nossos vetores, ora apontados para baixo, podem ser alterados para cima, mas, certamente, só com transformações do atual modelo de Estado. Sem imitar a Europa nesse sentido, pois podemos ser mais modernos e inteligentes, não cometendo os erros que eles e outros povos já cometeram. Ainda há tempo.


* Thomas Korontai é empresário e presidente do Instituto Federalista (IF Brasil) Email: presidente@if.org.br