28 de jan. de 2008

Kit falta de vergonha

por Percival Puggina

Resumo: Perdeu a vergonha? Não procure no governo que ele não tem.

Vai transar? O governo dá camisinha. Já transou? O governo dá pílula. Engravidou? O governo dá o aborto. Teve filho? O governo dá o Bolsa Família. Tá desempregado? O governo dá Bolsa Desemprego. Vai prestar vestibular? O governo dá o Bolsa Cota. Não tem terra? O governo dá o Bolsa Invasão e ainda te aposenta. É um circulo vicioso manejando a manada. Eeeh..oh..oh.. vida de gado... povo marcado... povo feliz

(Autor desconhecido).

E eu acrescento: Perdeu a vergonha? Não procure no governo que ele não tem.

Em certo escritório, dois colegas foram assistir uma apresentação de dança. Um deles só aceitou o programa porque o amigo o presenteou com o ingresso, constrangendo-o, assim, a comparecer. Quando o espetáculo terminou, o colega admirador da arte indagou: “E então, gostaste?” Ao que o outro, com franqueza, respondeu: “Uma bela música, um lindo cenário, garotas muito bonitas, bem ensaiadas, mas tu sabes como eu sou - se não transo, não me divirto”.

Lembrei-me disso ao ver as campanhas que promovem o uso de preservativos de borracha durante o Carnaval. No festival de grossura que assola o país, a grande imprensa e o próprio governo parecem decididamente dispostos a transformar o Carnaval numa festa da sexualidade irresponsável.

Sempre houve e sempre haverá quem só se divirta dessa maneira, como o sujeito da anedota, mas felizmente ainda não é isso o que se observa na maioria dos salões e nas ruas, onde a diversão corre por conta da música, do ritmo, da dança, e de muitas outras atividades e prazeres aos quais as pessoas se dedicam em tais circunstâncias. Portanto, a associação que se procura fazer, com cunho oficial, chancela verde-amarela e repercussão mundial, entre Carnaval e libertinagem, é uma forma de estabelecer o desvio como padrão, até que a boa conduta se converta em desvio.

Quando isso acontecer, estará evidenciado o segundo e fatal erro de tais campanhas, pois se há relação entre o avanço da AIDS e a promiscuidade sexual, quanto mais promíscuos houver, maior será a incidência da moléstia que supostamente se deseja combater. No carnaval deste ano, a falta de vergonha oficial alcançou seu ponto máximo. Tendo compreendido, talvez, que a camisinha não é um salvo-conduto perfeito, o governo inclui no kit falta de vergonha uma pílula do dia seguinte (não deveriam ser três?), para facilitar o aborto no caso de fracasso do preservativo.

27 de jan. de 2008

O Foro de São Paulo não é uma fantasia

Vivemos os últimos dias de 2007 e os primeiros de 2008 sob o signo do terror. Setores da imprensa do Brasil e do mundo se deixaram seduzir pela pauta dos bandidos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Co-estrelaram a farsa protagonizada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que "libertou" duas reféns (há oitocentos!), os governos do conservador Nicolas Sarkozy, presidente da França, e do "progressista" Luiz Inácio Lula da Silva. Os maus herdeiros de Tocqueville (1805-1859), autor de Democracia na América, querem apenas resgatar do coração das trevas Ingrid Betancourt, uma cidadã que também tem nacionalidade francesa – e depois esquecer aquele canto amaldiçoado das... Américas. Já Marco Aurélio Garcia, assessor especial de Lula e representante brasileiro na "negociação", estava lá como um utopista. Ele é fundador de uma entidade internacional chamada Foro de São Paulo, que tem como sócios tanto o PT como as Farc. Existe, portanto, uma entidade em que essas duas organizações são parceiras, companheiras e partilham objetivos comuns.

O tal Foro foi criado em 1990 por Lula e pelo ditador Fidel Castro. Reúne partidos e grupos de esquerda e extrema esquerda da América Latina. Era a resposta local ao fim do comunismo – a URSS seria oficialmente extinta no ano seguinte. Há dois anos e meio, no aniversário de quinze anos da entidade, a reunião dos "companheiros" se deu no Brasil. E Lula discursou para a turma. Não acredite em mim, mas nele. A íntegra de sua fala está no endereço oficial www.info.planalto.gov.br. Clique no terceiro item da coluna à esquerda, "Discursos e entrevistas", e depois faça a procura por data: está lá, no dia 2 de julho de 2005.

Em sua fala, o presidente brasileiro:

- exalta a atuação de Marco Aurélio Garcia no Foro:

"O companheiro Marco Aurélio tem exercido uma função extraordinária nesse trabalho de consolidação daquilo que começamos em 1990";

- explicita as vinculações da organização com Chávez:

"O Chávez participou de um dos foros que fizemos em Havana. E graças a essa relação foi possível construirmos (...) a consolidação do que aconteceu na Venezuela, com o referendo que consagrou o Chávez como presidente da Venezuela";

- canta as conquistas internacionais da patota:

"E eu quero dizer para vocês que muito mais feliz eu fico quando tomo a informação, pelo Marco Aurélio ou pela imprensa, de que um companheiro do Foro de São Paulo foi eleito presidente da Assembléia, foi eleito prefeito de uma cidade, foi eleito deputado federal, senador (...)";

- expõe os tentáculos internos de que o Foro se serve:

"Vejam que os companheiros do Movimento Sem-Terra fizeram uma grande passeata em Brasília. (...) A passeata do Movimento Sem-Terra terminou em festa, porque nós fizemos um acordo entre o governo e o Movimento Sem-Terra";

- e reafirma a marcha rumo ao poder no continente e, se der, fora dele:

"Por isso, meus companheiros, minhas companheiras, saio daqui para Brasília com a consciência tranqüila de que esse filho nosso, de quinze anos de idade, chamado Foro de São Paulo, já adquiriu maturidade, já se transformou num adulto sábio. (...) Logo, logo, vamos ter que trazer os companheiros de países africanos para participarem do nosso movimento (...)."

Os petistas, como se vê, falam do Foro sem receio. Fizeram-no, por exemplo, no vídeo preparado para o 3º Congresso do partido, no fim de agosto e início de setembro do ano passado. Procure no YouTube. Parte do jornalismo brasileiro, no entanto, pretende que tratar do assunto é dar asas a uma fantasia paranóica. Eis uma prática antiga da esquerda. Ela sempre foi craque em ridicularizar a verdade, transformando-a numa caricatura, de modo que seus adversários intelectuais ou ideológicos não encontrem senão a solidão e o desamparo. Se você é do tipo que prefere anuir com o crime a ficar sozinho, acaba se comportando como um vapor barato do tráfico ideológico.

Já lembrei no blog a viagem que o escritor francês André Gide (1869-1951) fez à URSS em 1934, para participar do Primeiro Congresso dos Escritores. O evento era organizado por Jdanov, o poderoso ministro da Cultura. Intelectuais de todo o mundo estiveram lá. Só Gide denunciou o regime do ditador soviético Stalin (1879-1953), o que fez no livro Retour de l’URSS. Isso lhe valeu o ódio da esquerda internacional e uma espécie de ostracismo. André Malraux (1901-1976) foi um dos que silenciaram. Fez pior do que isso: afirmou que os Processos de Moscou, farsas jurídicas a que Stalin recorria para eliminar seus adversários (e até aliados), não maculavam a essência humanista do socialismo. De fato, o autor de A Condição Humana era um espião soviético. As esquerdas têm muitos heróis nascidos no solo fertilizado pelos cadáveres de seus adversários. Posso ficar só, mas repudio o crime.

Malograda a primeira expedição de Chávez e dos "observadores" para resgatar os reféns das Farc, o Itamaraty divulgou uma nota no dia 1º de janeiro lamentando o desfecho e concluía: "O governo brasileiro reitera seu apoio ao processo de paz na Colômbia, assim como a disposição de aprofundar sua contribuição a iniciativas de fortalecimento do diálogo interno naquele país". Traduzindo a linguagem diplomática: o Brasil reconhecia as Farc como "força beligerante" – uma reivindicação de Chávez –, e não como grupo terrorista. No dia 14 de janeiro, em seu programa de rádio, foi a vez de o próprio Lula afirmar: "Na medida em que as Farc se dispõem a libertar dois reféns, ela está dando (sic) um sinal de que é possível libertar mais. Portanto, o apelo que eu faço é que o governo colombiano e o meu amigo, o presidente (Álvaro) Uribe, mais os dirigentes das Farc se coloquem de acordo para que se possa (sic) libertar mais pessoas que estão seqüestradas". Os terroristas, que recorrem a assassinatos e seqüestros e vivem da proteção que oferecem ao narcotráfico, eram, assim, reconhecidos como expressão política legítima – agora não apenas no Foro de São Paulo, mas no âmbito da diplomacia e do governo brasileiros.

Isso tudo é irrelevante? Não é, não. Já publiquei no blog a lista dos partidos e organizações que integram o Foro: além do PT, do PC do B e das Farc, estão, entre outros, o também colombiano Exército de Libertação Nacional, o Partido Comunista de Cuba, o Partido Comunista do Chile, o Partido Comunista da Bolívia (aliado de Evo Morales), o Partido Comunista da Venezuela (engolido por Chávez), a Frente Sandinista de Libertação Nacional e o PRD mexicano (Partido da Revolução Democrática), do arruaceiro López Obrador, aquele que não aceita perder eleições.

A recusa em condenar as Farc, a defesa incondicional do governo de Hugo Chávez na Venezuela, o apoio às pantomimas de Evo Morales na Bolívia – mesmo e especialmente quando ele contraria interesses brasileiros – e de Rafael Correa no Equador e as relações sempre especiais com a tirania cubana fazem parte do alinhamento do governo do PT com este "Comintern" (Internacional Comunista) cucaracho, o Foro de São Paulo.

Ah, não. Não haverá uma revolução comunista liderada pelos petistas. É mais lucrativo operar uma "revolução" na telefonia, não é mesmo? Condescender com a hipótese do levante é uma forma de fazer uma caricatura do que vai acima. O que estou afirmando, e isto é inconteste, é que existe uma organização na América Latina, chamada Foro de São Paulo, a que pertencem o PT e as Farc, que coonesta grupos e governos que optaram pelo terror, pela ditadura ou por ambos. O que essa gente faz é chantagear a democracia, cobrando muito caro por aquilo a que temos direito de graça. E isso se dá, como sempre, sob o silêncio cúmplice e medroso dos democratas.

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Reproduzido do Diego Casagrande

Radar, da Veja

Serra e a turma da boquinha

De José Serra, sobre as reclamações da turma de Geraldo Alckmin de que teria demitido o grupo do ex-governador quando assumiu o governo de São Paulo: "Quem presta do PSDB está no meu governo. Os que não estão são a turma da boquinha".

Gosto de José Serra. Votarei no careca enquanto o mesmo merecer meu voto.

O Dragão de Sagan


Toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil – e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos.” (Albert Einstein)

A morte dos mártires, seja dito de passagem, foi uma grande desgraça na história; seduziu... Os mártires prejudicaram a verdade... Ainda hoje não se necessita senão de certa crueza na perseguição para proporcionar a quaisquer sectários uma honrosa reputação. Como? Pode uma causa ganhar em valor se qualquer uma lhe sacrifica a sua vida? É, pois, a cruz um argumento? Escreveram sinais de sangue no caminho que percorreram, e a sua loucura ensinava que com o sangue se atesta a verdade. Mas o sangue é a pior testemunha da verdade; o sangue envenena a mais pura doutrina e transforma-a em loucura e em ódio nos corações. Quando alguém se atira ao fogo pela sua doutrina, que prova isso? Mas verdade é que do próprio incêndio surge a própria doutrina.” (Nietzsche, O Anticristo)

23 de jan. de 2008

Crenças Místicas


“Uma teoria está sujeita ao tribunal da razão somente.” (Mises)

O povo brasileiro é um povo bastante inclinado a aceitar passivamente crenças totalmente místicas, das mais absurdas possíveis. Concebo que esta é uma característica universal, mas o caso brasileiro chama a atenção pelo seu grau de crendice. Possivelmente, entre os principais fatores que explicam isso estão a miséria e a ignorância, ainda que não os únicos. Quanto menos instruído for o povo, e quanto maiores forem suas demandas básicas não atendidas, mais fértil é o terreno para a propagação do vírus do misticismo. O obscurantismo em que a Idade Média estava em boa parte mergulhada é evidência disso. As crenças irracionais se alastram na escuridão, alimentando-se do desespero de suas vítimas. As duas paixões humanas que mais contribuem para este caminho são o medo e a esperança. A manipulação desses sentimentos por oportunistas de plantão sempre foi um prato cheio para regimes autoritários e de exploração. O medo da morte e da punição eterna sempre fez muitas vítimas e prisioneiros. A esperança de ser salvo e viver para sempre no paraíso idem. Em certo sentido, podemos afirmar que o Iluminismo ainda não nos deu o ar de sua graça.

Os exemplos que podem ser citados são quase infinitos. Basta andar pelas ruas para verificar a quantidade de gente que ainda crê em macumba, para começo de conversa. A astrologia, em sua forma mais embusteira, ainda faz muitos adeptos por aqui. Não são poucos, mesmo entre as classes mais abastadas, que tomam os patéticos horóscopos como guias de suas vidas. Em um estágio um pouco superior estão vários que encaram o mapa astral como uma ciência séria. Milhares de pessoas visitam as cartomantes ou jogam búzios para “prever” o futuro. Muitos conseguem levar a sério a “materialização” de espíritos divulgada por Chico Xavier. Todo ano milhões sujam os mares na virada do ano com oferendas para Iemanjá. As igrejas mais impostoras de todas, num ambiente bem concorrido, conquistam novas vítimas para seus rebanhos a cada dia, não obstante as constantes provas de safadeza dos seus líderes. A homeopatia, com seu processo de “dinamização”, é encarada como medicina verdadeira, ainda que as substâncias sejam completamente diluídas no “remédio”. Vários adotam os cristais para “energizar” suas vidas. As crenças importadas do oriente viram moda, provavelmente pelo charme do desconhecido e esotérico. Quanto maior o ocultismo, mais cool é pertencer à seita. A ignorância é enaltecida, e os questionamentos são coisa de “chatos”. O lance é não entender direito mesmo. Não é preciso pensar, apenas “sentir”. O povo brasileiro coloca realmente as emoções acima da razão como instrumento cognitivo. Não poderia ter outro resultado.

A arte de questionar, exigindo argumentos embasados, respeitando a lógica e a razão, demandando evidências empíricas e científicas, não é muito comum por aqui. O ceticismo não faz exatamente parte de nossa cultura. Se a estátua de uma santa, por exemplo, aparece com “sangue” nos olhos, como se lágrimas fossem, logo uma legião de crentes jura se tratar de um milagre. É um desejo incrível de crer, solapando a capacidade de questionar. E se for um caso simples de charlatanice, fácil de fazer? Não vem ao caso. Alguns casos isolados de cura após a ingestão de uma pílula “santa” são divulgados, e logo há uma fila enorme para ser agraciada pelo milagre. Por que entender o efeito placebo? Imagens aparecem nas janelas de vidro, e logo a massa dos desesperados brada sobre um novo milagre. Para quê perguntar que tipo de fenômeno químico pode causar estas manchas? Por que lembrar que a mente humana adora buscar padrões no caos, como a brincadeira comum de enxergar figuras nas nuvens?

Nada disso. O acaso, como os seguidores espíritas de Alan Kardec adoram repetir, não existe. Tudo tem que ter um motivo, uma ligação causal. O determinismo conquista muitos seguidores, pois retira a responsabilidade. O livre-arbítrio assusta, e por isso mesmo afasta muitos da busca pela liberdade. É mais fácil buscar consolo ou conforto em uma explicação exógena qualquer. Se algo vai mal, é o destino. Se eu sou de um jeito que não me agrada, não posso fazer nada para mudar. Assim Deus quis, ou é meu “karma”. Se um relacionamento deu errado, é porque tinha que dar. Se eu joguei fora as muletas, mas não voltei a andar direito, é porque faltou fé apenas. Se um filho fica muito doente, é porque este é o desígnio de Deus. Se morrer um ente querido, é porque estava em sua hora. E por aí vai. A lista de fugas não acaba nunca. Encarar a realidade é tarefa árdua, e a maioria opta pela saída mais fácil, ainda que falsa.

Muitas pessoas acham que não devemos debater religião. Eu não concordo, e nunca aceitei direito esta blindagem do tema. Há uma capa de proteção que torna as religiões, por mais irracionais que sejam, inatacáveis. Quem condena o misticismo tolo é tachado de insensível. Eu não me importaria tanto com as fugas alheias, se elas não tivessem conseqüências muitas vezes nefastas para minha própria vida. Mas a verdade é que as crenças dos vizinhos exercem influência no meu cotidiano, até porque eles votam, ou porque desejam impor seus dogmas aos “hereges”. Não se satisfazem em crer isoladamente nas sandices, mas precisam de novos colegas, pois tentam compensar a falta de qualidade com a quantidade. Quando se trata de uma fuga boba em busca de consolo, quando como milhões rezam para santos pedindo auxílio, não vejo problemas maiores. Posso lamentar pela fraqueza em si, que tantas vezes escraviza o indivíduo. Mas não seria nada tão grave assim. O problema é que esse ambiente de misticismo exacerbado transborda para o restante, inclusive para a política. A crença num messias salvador, no Deus Estado, nas promessas estúpidas dos candidatos, tudo isso concentra poder e reduz, portanto, a liberdade individual. Uma coisa está atrelada a outra.

Falta justamente um modus operandi correto, de questionar mais, de procurar entender as coisas sob a lente da razão e aceitar suas limitações, sem a necessidade do misticismo como substituto para a nossa ignorância. Tudo isso acaba tendo como causa o mesmo fenômeno, qual seja, o desprezo pela razão e a tendência a adorar e idolatrar soluções mágicas e confortantes. Se a escolha será entre a Igreja Universal ou o socialismo, não importa muito. Pode ser inclusive uma mistura de cristianismo com socialismo, como na “Teologia da Libertação”. Trata-se do mesmo tipo de fuga, de uma crença mística obtida através das emoções. O profeta disse, só pode ser verdade. Não vem ao caso questionar, bastando o apelo à autoridade. O importante é ter fé. Os crentes “sabem” A Verdade, pois ela foi “revelada”. Está no livro “sagrado”, a Bíblia ou o Manifesto Comunista. O rebanho é intolerante com os “dissidentes”, pois como a crença é dogmática, e não proveniente de reflexão profunda, faz-se necessário calar os que apontam as incoerências e contradições. O caso entre religiões e questionamentos nunca foi de muito amor. Muitas vezes acabou em fogueira.

Não é por acaso que o fanatismo religioso – e aqui incluo o comunismo ateu, uma ideologia com todas as características de seita dogmática – derramou rios de sangue durante a história da humanidade. O antídoto para essas crenças místicas, algumas mais perigosas e outras mais inofensivas, é aquilo que todas elas, no fundo, combateram: a razão. “Si tibi vis omnia subjicere, te subjice rationi” (se queres submeter tudo a ti mesmo, submete-te primeiro à razão). Sêneca acertou na mosca ao dizer isso. E aquele que abdica desse instrumento, está aceitando a escravidão, pois delega a algo de fora o controle sobre sua vida, sem questionamento. É a cegueira voluntária. Por isso que o mesmo Sêneca afirmou ainda: “A religião é vista pelas pessoas comuns como verdadeira, pelos inteligentes como falsa, e pelos governantes como útil”. Está na hora do povo brasileiro começar a questionar mais suas crenças. Passou da hora de absorver as principais lições iluministas. E por falar nisso, finalizo com o alerta de um dos grandes filhos do Iluminismo, um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos, Benjamin Franklin: “O jeito de ver pela fé é fechar os olhos da razão”.

Update:



Aonde Chávez Vai, Lula Vai Atrás


Sempre foi evidente a admiração de Lula da Silva por Hugo Chávez, chamado por nosso presidente de “centro avante matador” e apontado como exemplo de democrata. E se por um lado Lula recebe amavelmente o presidente Bush para churrasco na Granja do Torto, por outro nunca deixou de fazer coro com Chávez contra os Estados Unidos, sobretudo quando de suas idas à Venezuela, como da vez em que esteve naquele país para ajudar o companheiro da boina vermelha em uma de suas intermináveis reeleições.

Chávez dominou o Congresso onde tem maioria. Lula da Silva fez o mesmo sob inspiração do seu então “capitão do time”, José Dirceu, que introduziu o método mensalão como maneira infalível de obter a maioria na Câmara. E se já havia corrupção desde os primórdios de nossa história, nunca antes nesse país comportamentos corruptos foram tão evidentes.

Hugo Chávez dominou o Judiciário. Lula, menos eficiente que o companheiro, também tem submetido à sua vontade o cumprimento da Lei. É estranho, por exemplo, que os assassinatos dos prefeitos Toninho do PT e de Celso Daniel não tenham sido desvendados, e que Bruno Daniel e sua família tenham pedido exílio político na França. Estaremos mesmo numa democracia?

Chávez desenvolveu de modo avantajado o culto de sua personalidade. Duda Mendonça criou personagem, imagem e mito para o petista de forma a fazer inveja a Hitler. E se os meios de comunicação ajudam admiravelmente ou atrapalham a propaganda, Hugo Chávez extinguiu os que não lhe interessavam e criou sua própria TV. Lula tentou no primeiro mandato cercear a liberdade de imprensa e agora terá sua TV, eufemisticamente chamada de TV Pública.

Com o correr do tempo, inevitavelmente, a amizade entre os dois egos descomunais foi se transformando em rivalidade, em que pese a fachada de encantamento recíproco. Afinal, os dois querem ser os reis ou sheiks da América Latina, mas, conforme se sabe, só pode haver um.

A questão é que se tanto um como o outro possui o mesmo apelo populista e a retórica fácil dos falastrões, o ditador de fato da Venezuela tem sido mais ágil, mais esperto, mais arrojado e mais criativo em seus intentos expansionistas.

Chávez tem adeptos fiéis em países latino-americanos, com destaque para Evo Morales, e sabe dominar com seus petrodólares por dentro de cada nação. No próprio Brasil compra escola de samba, implanta círculos bolivarianos, leva brasileiros pobres para fazer operação de catarata na Venezuela.

Acrescente-se que, enquanto o Brasil está com suas Forças Armadas sucateadas, o coronel venezuelano organizou o maior exército da América Latina e se aproximou do Irã por conta dos seus delírios de destruição atômica dos Estados Unidos. Ele conta também com o apoio de grupos paramilitares como as Farc, o MST e, provavelmente, o Sendero Luminoso.

Cresce, pois, a figura sinistra do ditador venezuelano à sombra do nebuloso socialismo do século XXI, rótulo que camufla sua ânsia de perpetuar-se no poder, sempre cultivando os três males que corroem a América Latina e a impedem de se desenvolver: o estatismo, o nacionalismo xenófobo e o populismo.

Porém, nada dura para sempre e Chávez começa a ter revezes. Levou um “no” da maioria dos venezuelanos quando do último plebiscito em que lançaria de vez os meios de não mais deixar o poder. Lula levou seu “não” em pesquisa do Ibope: 65% dos brasileiros não querem o 3º mandato. Mas Lula, que tem sorte, nunca levou um “porque não te calas”, real. Todavia, não faz mais o mesmo sucesso em países europeus.

Chávez, espertamente, armou um palco internacional e negociou com seus comparsas das Farc a libertação de duas reféns. Convidou o Brasil e lá se foi Marco Aurélio Garcia com seu chapéu de panamá, como se fosse o personagem do filme O Canibal. Fracassam as negociações com os sanguinários narcotraficantes. Chávez as retomou, mas sem Marco Aurélio. O intento era claro, desmoralizar Uribe, presidente colombiano. Nesse sentido o ditador pediu que se mudasse a denominação dos celerados guerrilheiros de terroristas para insurgentes, Afinal, coitadinhos, eles só seqüestram, torturam e matam seus prisioneiros, tudo, é claro, em nome do povo. Lula nunca aceitou a denominação de terroristas para os companheiros do Fórum de São Paulo. E não se fez de rogado para visitar na cadeia os seqüestadores de Abílio Diniz, apesar de dizer agora que abomina seqüestros.

Chávez é o sucessor de Castro na América Latina e apareceu em fotos com Fidel Castro quando o ditador cubano estava hospitalizado. No momento, quando a inflação avança, a economia mundial balança, a febre amarela mata mais do que em todo 2007, paira a ameaça de aumento de impostos e do apagão elétrico, pano rápido. Lá se vai Lula da Silva para mais uma viagem: Gautemala, destino Cuba, onde ganhou, como Chávez, seu momento de glória junto ao ditador. Pelo resplendor do rosto do presidente, não se sabe se ele se ajoelhou diante de Castro ou do “paredón” manchado de sangue dos dissidentes cubanos, para entregar ao ídolo 1 bi de dólares, fruto dos suados impostos pagos pelos brasileiros. Será que tal quantia ajudará, pelo menos, a fornecer papel higiênico para o cubanos que não conseguem fugir para os Estados Unidos?

Se aonde Chávez vai, Lula vai atrás, é bom que reflitamos onde queremos que o Brasil chegue.
"O individualismo é um sentimento maduro e tranquilo que nos diferencia das massas".
Alexis de Tocqueville

11 de jan. de 2008

Como Nascem as Religiões


Em crônica anterior, prometi falar dos cargos cult. É como se convencionou chamar certas práticas religiosas de movimentos proféticos e salvíficos nascidos do confronto espiritual entre os indígenas das ilhas melanésias e os colonos europeus. Segundo a Encyclopédie des Religions, de Gerhard J. Bellinger, este nome genérico provém de um desses movimentos originado nas ilhas Salomão, em 1931-1932. Segundo outros, tais cultos só teriam surgido quando a marinha americana começou a desmantelar as suas bases aeronavais no Pacífico Sul e o fluxo de mercadorias usado para manter os nativos satisfeitos foi cortado. O termo cargo (em inglês, mercadoria, carga) sublinha o fato de que esses movimentos são fortemente ligados à espera de um avião-milagre, de cargas e de expedição de mercadorias, que chegam às ilhas por via marítima ou aérea. Os cultos do cargo traduziriam a esperança que têm os indígenas de cor de ter acesso aos bens e à tecnologia dos estrangeiros brancos.

A coisa parece ter funcionado mais ou menos assim: os nativos viam chegar alimentos, mercadorias, máquinas, objetos, mas jamais viam os colonizadores fabricando tais mercadorias ou objetos. Viam-nos apenas construindo aeroportos, erguendo postes, rabiscando papéis ou debruçados sobre caixas de metal de onde saem ruídos estranhos. Concluíram então que estes gestos eram rituais mágicos para a obtenção das cargas. E passaram a mimetizar as práticas dos brancos para também obtê-las.

Como mencionei estes cultos em crônica passada, o leitor Vinicius Arcaro me enviou texto de um livro que foi bestseller em meus dias de universidade. Trata-se de O Despertar dos Mágicos, de Louis Pauwels, Jacques Bergier, uma espécie de vigarice ao estilo de Eram os Deuses Astronautas?, livro da mesma época escrito pelo hoteleiro suíço Erich von Däniken. Li o livro na época e esta prática melanésia deve ter-me passado despercebida. Talvez porque a tomasse como mais um delírios dos autores. Vamos ao texto:

Em 1946, as patrulhas do governo australiano, ao aventurarem-se nas altas regiões incontroláveis da Nova Guiné, ali encontraram tribos agitadas por um grande vento de excitação religiosa: acabava de nascer o culto do "cargo". O "cargo" é um termo inglês que designa as mercadorias comerciais destinadas aos indígenas: latas de conserva, garrafas de álcool, candeeiros de parafina, etc. Para esses homens ainda na idade da pedra o súbito contacto com semelhantes riquezas não podia deixar de ser profundamente perturbador. Seria caso que os homens brancos pudessem ter fabricado tais riquezas? Impossível.

É evidente que os Brancos são incapazes de construir com as próprias mãos um objeto maravilhoso. Sejamos positivos, era mais ou menos o que pensavam os indígenas da Nova Guiné: já alguma vez se viu um homem branco fabricar fosse o que fosse? Não, mas os Brancos dedicam-se a tarefas muito misteriosas: vestem-se todos da mesma maneira. Por vezes sentam-se diante de uma caixa de metal sobre a qual há mostradores e escutam ruídos estranhos que de lá saem. Fazem sinais sobre folhas em branco. Trata-se de ritos mágicos, graças aos quais obtêm dos deuses que estes lhes enviem o cargo.

Os indígenas resolveram então copiar esses "ritos": experimentaram vestir-se à européia, falaram para dentro de latas de conserva, espetaram troncos de bambu sobre as suas choupanas, a imitarem antenas. E construíram falsas pistas de aterragem, na expectativa do cargo".

Em Quest in Paradise (apud Richard Dawkins), David Attenborough descreve o novo culto:

Eles (os brancos) construíam mastros altos com fios ligados a eles; ficavam sentados ouvindo pequenas caixas que brilhavam e emitiam barulhos curiosos e vozes abafadas; convenciam o povo local a usar roupas idênticas e o faziam marchar para lá e para cá – e seria quase impossível imaginar uma ocupação mais inútil do que essa. O indígena então percebe que a resposta para o mistério está na sua cara. Essas ações incompreensíveis são os rituais utilizados pelos brancos para convencer os deuses a enviar a carga. Se o indígena quiser a carga, também ele tem de fazer aquelas coisas”.

Ainda segundo Attenborough, “antropólogos perceberam dois focos distintos na Nova Caledônia, quatro nas Salomão, quatro em Fiji, a maioria delas bastante independente e sem ligação entre si. A maioria dessas religiões afirma que um messias específico trará a carga quando o apocalipse chegar”.

Ou seja, nada mais fácil do que criar uma religião. Desde que se respeite um pressuposto: urge que exista uma sólida base de ignorância. Os cultos do cargo têm um valor antropológico extraordinário, ao demonstrar como nascem as religiões.

O patriotismo, de fato, é último refugio dos canalhas

Asqueroso!

Eis uma boa palavra para definir certo jornalismo que resolveu transformar a operação de compra da Brasil Telecom pela Telemar num ato de resistência nacionalista. Segundo a versão oficial ditada por Franklin Martins e pressurosamente espalhada por áulicos, anões, mascates e jornalistas “dualéticos”, Lula, o Numinoso, quer criar uma grande empresa nacional para competir com as gigantes estrangeiras — caso contrário, as brasileiras seriam engolidas. Por isso, mobilizou o governo para dar suporte à operação. Com um detalhe: nunca antes nestepaiz se fez um negócio bilionário que depende de uma mudança ad hoc da lei: se Lula não alterar o decreto da Lei das Outorgas, nada feito. Mas ele prometeu mudar. Seu amigo Sérgio Andrade, da Andrade Gutierrez, ficará feliz. Carlos Jereissati, da Telemar, sócia de Lulinha da Gamecorp, também.

Alguma novidade nisso? Não, como ficou evidente aqui. VEJA havia noticiado a “operação” em dezembro de 2006. O mais curioso é que a máquina de propaganda oficial resolveu que a verdade dos fatos é pura conspiração do capeta de plantão, Daniel Dantas. O que se tem aí não passa de escárnio legal. Quer dizer, então, que o presidente só aceita mudar a lei para beneficiar uma empresa se ela se submeter a determinadas condições, é isso? Os fundos de pensão só topam negociar se não houver empresas estrangeiras na parada? Esperem aí: estamos falando de um país institucionalmente organizado ou de uma república bananeira?

Cada um vende a sua participação numa empresa a quem quiser, de acordo com a legislação. É do capitalismo. Mas o que se está fazendo, no caso, é um megacartório. Somos informados de que o dinheiro do BNDES só sairá se for um negócio entre A e B; somos informados de que os fundos de pensão só aceitam a operação se C e D não participarem. Se a Telemar, a sócia de Lulinha, quiser comprar a Brasil Telecom, o governo oferece facilidades, mas, se for a Telefonica, nem pensar, é isso? A Constituição Brasileira voltou a discriminar empresa estrangeira, e o país não foi avisado?

Ah, sim: a seu amigo Sérgio Andrade, Lula teria dito que não mudará a lei se descobrir que a operação visa apenas a interesses comerciais. Ufa! Ainda bem que esse grande patriota nos protege! Agora entendi: tudo está sendo feito para o nosso bem e em defesa dos interesses nacionais.

Vá lá. Não espero dessa gente nada de muito diferente. O que provoca minha náusea profissional é o jornalismo patriota. O patriotismo, definitivamente, é o último refúgio dos canalhas.

7 de jan. de 2008

Ficamos mais bestiais


Luiz Moyses perdeu a mulher na tragédia da TAM. Na tragédia do Aeroporto de Congonhas. Na tragédia do Airbus. Na tragédia da Anac. Na tragédia da Infraero. Na tragédia de Lula. Chame do jeito que quiser.

Luiz Moyses era de Porto Alegre. Depois do acidente, a TAM o acomodou no Hotel Blue Tree, em Moema, perto de Congonhas. Em 31 de agosto de 2007, à noite, ele estava no bar do hotel, acompanhado por dois outros familiares de vítimas do Airbus. No mesmo dia, ocorrera a abertura do III Congresso Nacional do PT. Mais de 150 delegados do partido também estavam hospedados no Hotel Blue Tree. O PT sempre se deu bem com o Hotel Blue Tree. Um dos delegados petistas foi confraternizar com Luiz Moyses, imaginando que ele fosse um correligionário. Luiz Moyses repeliu-o dizendo que Lula era o culpado pela morte de sua mulher. O delegado petista tentou agredi-lo. Insultou-o. Disse que os parentes dos mortos da TAM estavam chorando demais. O agressor só foi contido pelo deputado baiano Joseph Bandeira e pelos guarda-costas do partido.

O próprio Luiz Moyses relatou-me o episódio alguns meses atrás. Nesta semana, à procura de uma imagem que sintetizasse o ano, lembrei-me dele. Mais do que pelo acidente de Congonhas, 2007 ficará marcado pela bestialidade que deflagrou. Da alegria indecente de Lula na posse de Nelson Jobim ao top, top, top de Marco Aurélio Garcia quando o Jornal Nacional falou sobre o reversor pifado, o Brasil desceu mais uns degrauzinhos na escala de civilidade.

Em 2005 e 2006, o conflito foi entre lulistas e antilulistas, entre achacadores e achacados, entre quadrilheiros de um bando e de outro. 2007 foi pior: o conflito passou a ser mais essencial, mais primário, entre a selvageria e a humanidade. Os fatos do Hotel Blue Tree resumem idealmente o que aconteceu no país nos últimos tempos. Num artigo pomposo como este, em que se analisa o passado em busca de ensinamentos para o futuro, cai bem citar um autor ilustre.

É kitsch, mas cai bem. Pensando em Lula, em Marco Aurélio Garcia e no agressor de Luiz Moyses, cito o autor mais manjado de todos, Samuel Johnson: "A piedade não é natural ao homem. Crianças são sempre cruéis. Selvagens são sempre cruéis. A piedade é adquirida e aperfeiçoada pelo cultivo da razão".

A mulher de Luiz Moyses chamava-se Nádia. Foi sua primeira namorada. Eram casados havia sete anos. Quando Nádia morreu, Luiz Moyses vendeu sua empresa e mudou-se de Porto Alegre. Atualmente, ele tenta reconstruir sua vida em outro lugar, ao mesmo tempo que coordena as atividades do grupo de parentes dos 199 mortos de Congonhas. Chegou a ser recebido por Lula no Palácio do Planalto. Perguntou o motivo do descaso do governo com a segurança nos aeroportos. Lula respondeu, segundo ele, que "o povo brasileiro nunca pediu segurança, pediu que modernizássemos os terminais". Lula teria acrescentado que o Brasil "possui os melhores terminais do mundo, com shopping center e tudo o mais".

O ano acabou. A tragédia da TAM ficou para trás. Menos para Luiz Moyses e todas as pessoas que perderam parentes ou amigos. Eles continuam a buscar respostas para os acontecimentos daquele fim de tarde de julho. Reúnem-se, confortam-se, trocam mensagens. A última suspeita que circula entre eles é que o piloto do Airbus teria pedido autorização para aterrissar no Aeroporto de Guarulhos, mas tivera seu pedido negado pelos controladores. Em 2007, o Brasil pediu para aterrissar numa pista longa e segura, mas acabou numa pista incerta e escorregadia, "com shopping center e tudo o mais".

6 de jan. de 2008

Proxenetas de si mesmos


O maior prazer do pervertido está na queda de um puro, já observou André Gide. Algo semelhante acontece com os ladrões, com os corruptos, com os venais. Seu esforço permanente consiste em atrair para a lama aqueles que sabem feitos de outra natureza, de outra moral, de outra ética. Como eles têm um preço, como usam o jornalismo que fazem para a chantagem e a extorsão, não compreendem que se possa fazer de modo diferente. Sendo como são — sabujos, vendidos, proxenetas de si mesmos — e estando com a reputação da sarjeta, imaginam que, então, os bem-sucedidos só o são porque cobram um preço ainda maior. Não conseguem entender que a convicção é um patrimônio, um bem muito valorizado. Alguns já chegaram a enganar o grande público; fingiam-se de vestais, embora mandassem a fatura pelo correio. Caíram em desgraça. Levaram o bilhete azul, o pé no traseiro. E agora babam o seu ressentimento.

O Anticomunista Radical


Extremismo na defesa da liberdade não é vício algum...

e moderação na busca pela justiça não é virtude alguma.
(Barry Goldwater)

Alguns leitores afirmam que gostam de boa parte do conteúdo daquilo que escrevo, mas criticam a forma com a qual me expresso, muitas vezes intolerante demais com os inimigos. Acusam-me de coisas como “radical” ou “extremista”, que não fazem muito sentido para mim. Afinal, radical em relação a que? Por que seria ruim ser radical na defesa da liberdade, por exemplo? Por que seria indesejável ser extremista no combate à tirania? Alegam que através de uma forma mais suave eu poderia conquistar mais gente com meus argumentos. Pode ser que sim. Eu li Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, de Dale Carnegie. Um manual para políticos pragmáticos. Mas nunca afirmei que a minha intenção era política, ou seja, influenciar a maior quantidade de pessoas possível. Deixo isso com os profissionais da área. Meu objetivo é sustentar com bons argumentos aquilo que considero verdadeiro. Quero defender o justo e ser livre para falar o que penso, sem preocupação com os aplausos da platéia ou com leitores ofendidos por meus pontos. Por isso digo o que entendo como certas verdades incômodas, sem papas na língua. Minha intenção não é agradar a todos.

Um dos principais motivos para esta reação infelizmente comum por parte dos leitores está sempre associado a minha agressividade verbal com os comunistas. Sim, reconheço que uso palavras duras contra eles. Mas como agir diferente tendo conhecimento dos fatos? Como alguém que sinceramente defende a liberdade deve tratar um defensor de Stalin ou Fidel Castro? Onde está o grande equívoco em chamar de hipócrita um notório hipócrita, como fiz no artigo sobre o idolatrado arquiteto comunista que nutre profunda amizade pelo genocida do Caribe? Por mais que eu me esforce, não consigo entender esses apelos. Não vejo virtude alguma em compactuar com essa podridão que torna certos tipos intocáveis pelas críticas. Não acho razoável ter que contemporizar com quem considero parte da escória humana. Meu mundo simplesmente não funciona assim. Nele, os pingos estão nos “is” e os bois têm nome correto. O uso de eufemismos nunca me atraiu. Ser simpático com quem não presta não faz parte do meu código de conduta.

Os temas religiosos costumam desfrutar dessa aura de proteção, tratados como sagrados mesmo por aqueles que não enxergam nada de sagrado ali. Se você questionar a racionalidade de quem realmente acredita que o vinho se transforma em sangue de Cristo, ou que o corpo de Maria literalmente subiu ao Céu, você é acusado de ofensivo. A ofensa não está na crença irracional, dizem, mas naquele que mostra a irracionalidade.* O que sempre valeu para os assuntos religiosos se estende agora também para a postura ideológica e política. Chamar um comunista de comunista, com o desdém que todo comunista merece, passa a ser visto como ofensa. Mas defender o regime mais assassino de toda a história não. Isso pode. Não dá para aceitar! Como devemos lidar com aqueles que, se poder tivessem, nos mandariam para um Gulag na Sibéria? Como tratar aqueles imorais para quem os fins justificam quaisquer meios? Sim, porque comunistas são cúmplices dessas atrocidades, ao menos nas idéias. E por mais que digam que aquilo que existiu na União Soviética, China, Camboja, Cuba, Coréia do Norte etc., não era comunismo, mas o “socialismo real”, estão fugindo do ponto. Comunismo como fim de fato nunca existiu, pois não é possível com o ser humano como é, ainda bem. Mas os meios defendidos para esta pura idealização da inveja, como o controle estatal dos meios de produção, são sim aqueles empregados por todos os países socialistas, que inexoravelmente levam ao caos, miséria, terror e escravidão.

O teste final que faço com todos que pedem mais tolerância e suavidade com comunistas normalmente é muito bem sucedido. Eu simplesmente pergunto se eles estão dispostos a conceder o mesmo tratamento aos nazistas. A resposta costuma ser o silêncio, pois poucos relativistas estão dispostos a ir tão longe no seu relativismo. No máximo, eles reagem com uma fuga tradicional, falando que não são coisas comparáveis, sem explicar os motivos, e insistindo que sou radical demais. Ora, por que a analogia não é válida? Por que devemos ser obsequiosos com os defensores do comunismo ou socialismo, responsáveis pelo extermínio de milhões de pessoas, mas devemos ser intransigentes com os nacional-socialistas? Por que tratar com respeito imerecido os seguidores de Lênin, Stalin, Pol-Pot, Mao ou Fidel Castro, mas abominar os seguidores de Hitler, farinha do mesmíssimo saco podre? Por que defender a proibição do uso da suástica como símbolo, mas aceitar, até mesmo em partidos oficiais, a foice e o martelo, ícones do regime mais nefasto que já existiu? Nunca tive uma boa resposta, com argumentos decentes. E quem deseja respeito por suas idéias, deve apresentar um bom motivo para tanto, ou seja, argumentos embasados.

Portanto, pretendo continuar sendo um anticomunista “radical”, ou seja, intransigente com aqueles que odeiam a liberdade individual. Lembro do alerta de Karl Popper aqui: “Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”. Ser radical contra o fanatismo islâmico, por exemplo, é uma virtude, não um vício. Ser radical contra os comunistas segue o mesmo princípio. Todo comunista é ou um completo ignorante ou um safado. Não há outra hipótese. O comunismo agride a lógica e os fatos empíricos. Um comunista inteligente, que domina o assunto econômico e político, e é honesto intelectualmente, além de íntegro como pessoa, existe tanto quanto unicórnios, gnomos e sereias. Por que devo medir minhas palavras ao constatar este fato? Por que é errado chamar um ignorante de ignorante ou um safado de safado? Por que a hipocrisia merece ser chamada por um nome mais belo? Por que devemos disfarçar a inveja como motivador daqueles que pregam a igualdade material? Para quem ainda discorda do meu “radicalismo”, sugiro o teste: tente pensar se seria capaz de respeitar um nazista como pessoa, considerando que ele pode ser tanto inteligente como íntegro. Boa sorte.
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* Para quem acha esse exemplo também radical, lembro que a doutrina da assunção da Virgem Santíssima foi definida como artigo de fé pelo papa Pio XII há pouco tempo, em 1º de novembro de 1950, e é obrigatória para todos os católicos. Ela afirma claramente que o corpo de Maria subiu ao Céu e foi reunido à sua alma. Richard Dawkins, em O Capelão do Diabo, diante destes fatos, pergunta: “Por que a nossa sociedade aquiesceu de maneira tão cordata na conveniente ficção de que as visões religiosas têm alguma espécie de direito automático e indiscutível a uma posição respeitável?” Ou ainda: “Por que nós temos que respeitá-las pela simples razão de que elas são religiosas?” Eu acrescento: Por que seria assim também com o comunismo? Considerando que o comunismo é uma seita, nem seria preciso, na verdade, acrescentar nada. Fica valendo a pergunta de Dawkins mesmo, até hoje sem uma boa resposta, além do apelo à quantidade de crentes.

3 de jan. de 2008

A crucificação da verdade

por Ipojuca Pontes

"Actions lie louder than words" – Carlyle

O agente do Bureau Federal of Investigation (FBI) Joe Navarro - autor do livro "Hunting Terrorists: a look at the psychopathology of terror" (Charles O. Thomas Editor, NY, 2004), especialista no estudo da mentira - declarou em recente entrevista concedida à revista Veja que o brasileiro mente muito e mente mal. E mais: no ato de mentir, se denuncia fácil: "As pessoas no Brasil abusam dos gestos e expressões faciais para expressar seus sentimentos" – um sintoma de que nós, brasileiros, como os italianos, de resto, mentimos espetacularmente – concluo eu.

Navarro não é qualquer um. Nascido em Cuba (terra da mentira), trabalhou para o FBI durante 25 anos e se fez o mais categorizado contra-espião do mundo, rastreando pistas e ajudando a desmascarar, com vasto conhecimento da matéria, centenas de terroristas, agentes secretos, funcionários, diplomatas e mentirosos de todo escalão. (No momento, Joe Navarro também se dedica à rendosa tarefa de treinar jogadores profissionais de pôquer, de ordinário, especialistas em camuflar os próprios sentimentos).

A partir da longa experiência, o agente naturalizado americano, hoje instrutor da FBI, faz revelações pertinentes. Diz Navarro: "Quem mente mais mente melhor", visto que a construção da mentira é, para ele, "engendrada na região da mente ligada à razão – e não às emoções". Ao compreender como funciona o cérebro, o observador atento estará mais capacitado "para decifrar os gestos comportamentais". Assim, diz ele, poderemos decodificar melhor uma inverdade porque, no ato de mentir, entre outras reações, o mentiroso "morde os lábios, mexe nos cabelos, esfrega as mãos ou entrelaça os dedos".

Nos seus estudos sobre a capacidade humana de mentir, Navarro chega à conclusão de que os políticos e advogados são, de longe, os expoentes universais da arte de sonegar a verdade. Para nós, brasileiros, a revelação do agente americano não traz nenhuma novidade: sabemos todos, na carne, que os "nossos" políticos mentem até quando dizem a verdade (em geral, usada como suporte para coonestar uma meia-verdade, esconder alguma fraude ou cimentar uma mentira ainda maior).

Por exemplo: quando o ministro da Defesa Nelson Jobim (Laden), diante do cancelamento e atraso de mais de 650 vôos afirma incisivo, no Natal, que "não há caos aéreo nenhum" e que os passageiros "podem viajar tranqüilos, tomando chimarrão"; quando o ministro da Saúde José Gomes Temporão, defensor intransigente do aborto, sustenta com cara de pau que a prática (assassina) não é contra a vida; e quando o ministro da Educação Fernando Haddad, marxista low profile, manda distribuir livros didáticos em que ditadores sanguinários do porte de Mao Tse-tung e Fidel Castro aparecem como exemplos admiráveis de conduta humana; ou quando Inácio da Silva (apud dom Luiz, o bispo de Barra) garante, dedo em riste, que não há motivo para elevação da carga tributária ao tempo em que a equipe econômica planeja aumento de impostos via operações financeiras e incidência de taxação sobre o uso do cartão de crédito - simplesmente estão todos crucificando a verdade, ou mentindo adoidado, de acordo com as observações do agente Navarro.

Sim, os nossos políticos são mentirosos tradicionais, vigorosos e diligentes – mas a sociedade, que lhes dá teúda e manteúda, não fica atrás. No Brasil, por exemplo, o professor universitário finge que ensina e o aluno, por sua vez, finge que aprende. O clérigo, nas suas homilias, fala em nome de Deus, mas reza a cartilha atéia de Karl Marx. O policial pago para dar segurança e manter a lei, é, muitas vezes, o primeiro a transgredi-la. Já o marido que jura fidelidade à esposa, cobiça ou possui a mulher do próximo. No mesmo compasso, o sujeito que estende a mão para você e diz hipocritamente "muito prazer", no íntimo quer vê-lo morto e sepultado. E o artista que chora e protesta contra a fome e a pobreza (nordestina, em geral), não dá esmola, come a melhor comida e bebe a melhor bebida, tem chofer, mansão e passa temporadas em Nova York, Roma ou Paris de França.

A pior forma de mentira, no entanto, é a mentira utópica, produto das mentes fantasiosas que prometem aos deserdados da vida uma sociedade perfeitamente justa, igualitária e feliz, enquanto abiscoitam, no presente, aqui e agora, salários supimpas, benesses de toda ordem e honrarias as mais diversas. Nikolai Bardiaev, o escritor russo que se insurgiu contra as mentiras industrializadas por Lenin, escreveu com dose de elevado bom senso que a humanidade, cedo ou tarde, haveria de encontrar "meios de evitar as utopias e de voltar a uma sociedade não-utópica, menos ‘perfeita’ e mais livre¨. Corretíssimo. São palavras sábias de um homem que viveu durante muito tempo no olho do furacão socialista!

(E convém não esquecer que outro utópico, Adolf Hitler, com suas promessas de grandeza e felicidade, na linha do socialismo nacionalista, levou o povo alemão à ruína. Ele mesmo, em privado, gostava de afirmar que as massas são mais facilmente seduzidas por uma mentira grande do que por uma mentira pequena – no que estava coberto de razão).

No Brasil atual, conforme as evidências, a arte maior do político consiste em fazer o povo acreditar na mentira que prega, nem sempre inconsciente de que, com ela, está crucificando a verdade.

2 de jan. de 2008

Reinaldão e o individualismo

Individualismo 1

Acabo de chegar de um jantar com a minha mulher, as duas filhas e um casal de amigos. Uma tem 11; a outra, 13. Um ano e 11 meses de diferença, Em boa parte do tempo, elas estavam na conversa. Um deles é professor universitário. A outra é executiva de recursos humanos de uma grande empresa de assessoria. Ele sabe o mal que se faz na educação brasileira. Os especialistas querem isso e aquilo. Eu só quero professores que sejam senhores de seu nariz para poder estimular individualismo, vaidade e egoísmo. Tá, tá, se algum tempo sobrar, a gente também fala desses sentimentos que se deve ter com os animais, como solidariedade, piedade, generosidade, essas coisas. “Oh, que cristão é este?” Toda fala existe num contexto, certo? E quem cobra meu cristianismo? Os que me atacam porque (nesse caso, é junto...) sou cristão? Ensino às minhas filhas que ninguém é culpado por nada que lhes acontece. “Em algum momento, prestem atenção, meninas, há uma escolha que é nossa”. Talvez eu seja um pai muito severo ensinando as minhas filhas a não ter ódio de ninguém. Todo mal e todo bem estão em nós. “Jamais culpem um colega, o professor, a escola, o destino. Nada disso existe. Só existimos nós.” O mal e o bem estão em nós.

Individualismo II

Dois momentos muito divertidos na noite: 1) a minha filha mais nova me imita, fazendo blague da minha irritação quando algo não sai conforme o combinado (gosto de rotina como sabem); 2) quando a mais velha fez um pastiche da racionalização de pai e mãe (sim, sobrou pra Dona Reinalda) sobre uma proibição que impusemos. É isto: não quero nem exijo que concordem comigo. Quero que entendam meus motivos. E entendam a ponto de poder ironizá-los. É assim que as coisas funcionam. Um pai não precisa que seus filhos o considerem certo. Precisa é que seus filhos saibam justificar seus pontos de vista.

Individualismo III
Sim, tenho certo orgulho de minhas meninas. Um amigo da VEJA jantou em casa dia desses (já contei aqui) e se surpreendeu um tanto com a demanda por debate. Você não precisa ser intraduzível para seus filhos. Mas estou certo de que você pode e deve complicar um tanto. Criança quer desafio.

1 de jan. de 2008

A alegria do chupim


Resumo: Como se explica o que está acontecendo? Como pode dar tudo tão certo para alguém cuja credibilidade esbarra nos critérios mais rudimentares?

© 2008 MidiaSemMascara.org

Lula, na tevê, estava faceiro como guri de bodoque novo. PIB crescendo, emprego em alta, real firme, risco país em queda, balança comercial bem comportada, elevadíssimo índice de aprovação ao governo e a si mesmo.

Há muitos anos o país não vislumbrava um horizonte econômico tão positivo. Mesmo com a desaprovação da CPMF, e anunciando conseqüências negativas para a saúde pública, o presidente exibia uma alegria que me fez recordar do Bill Gates. Lembram? Certa feita ele também perdeu, num dia, 40 bilhões. E continuou feliz da vida. Como se explica o que está acontecendo? Como pode dar tudo tão certo para alguém cuja credibilidade esbarra nos critérios mais rudimentares? São três as razões.

A primeira diz respeito ao conjunto de providências que foram adotadas pelos seus antecessores: abertura ao comércio internacional, estímulo às exportações, apoio ao agronegócio, Plano Real, privatizações, manutenção de um consistente superávit primário, respeito aos contratos, pagamento da dívida externa e bom gerenciamento da moeda. Estas medidas foram proporcionando condições para a colheita de resultados que se expressa no sorriso do presidente. A segunda diz respeito à metamorfose de que Lula se jacta. Todas essas providências - todas, sem exceção - foram tomadas por seus antecessores, sob feroz oposição dele e de seu partido. Era tudo coisa da famigerada “lógica do mercado”, do amaldiçoado “receituário neoliberal e globalizante”, do FMI, do Consenso de Washington e do raio que o parta.

A terceira se refere ao cenário internacional. A economia mundial vem crescendo a uma taxa firme, da ordem de 5%, há varios anos. Numa situação assim seria impossível ao país apresentar números negativos. Nem a África Subsahariana tem números negativos. É preciso, pois, analisar os dados com atenção para não incorrermos em injustiça, negando méritos a quem fez por merecê-los e para não atribuir méritos a quem deveria estar pedindo desculpas pelas besteiras que disse e pelo muito que atrapalhou.

Fiz uma rápida consulta ao Google com as palavras-chave “Brasil cai no ranking” e, em instantes, fiquei sabendo que caímos para a 72ª posição no ranking da competitividade; perdemos seis posições no da tecnologia (52º lugar); perdemos pontos e posições no da corrupção (62º lugar); caímos no da liberdade de imprensa (84º), no da desigualdade entre homens e mulheres (74º), no dos negócios pela internet (43º), no dos exportadores (24º), no do preparo digital (38º), e perdemos uma posição no do IDH (70º). Estamos entre os piores na lista da educação! Dos 34 analisados somos o que menos gasta com ela e, por isso, ocupamos um dos últimos postos no ranking mundial de talentos. E por aí vai.

Entrando no sexto ano do governo Lula percebe-se que melhoramos. Menos do que poderíamos, porque o mundo avançou bem mais, e porque o governo gasta mal. Somos como o paciente que estava em coma e agora pisca o olho uma vez para sim e duas para não. Melhorou, é claro, mas os pacientes do quarto ao lado, que estavam na mesma situação, já voltaram para o escritório.