30 de ago. de 2005

O BRASIL É PARA PROFISSIONAIS

por Alberto Oliva, filósofo - publicado no Diego Casagrande

Na bandeira de nossa pátria já poderia estar inscrito o dístico “decifra-me ou devoro-te”. Há no planeta desde as sociedades protetoras e aconchegantes até as selvagens. A nossa é do tipo em que quase tudo é perigoso. Perdeu-se a inocência da convivência tranqüila dos anos 50. As flechas vêm de quase todas as direções. O brasileiro é um candidato permanente a São Sebastião. Está submetido a riscos dos mais variados tipos: de ser ludibriado, roubado e assassinado. E o pior é que seus inimigos podem ser tanto os governantes que escolheu quanto os marginais saídos das catacumbas do desconhecido. Não tem o pobre cidadão como viver feliz num ambiente que oculta tantas ameaças. O homem de bem é um amador encurralado por profissionais do mal.

Da corrupção gerida com eficiência tentacular ao assalto à mão armada, passando pela falta de serviços públicos de qualidade, tudo encurrala o indivíduo, tudo o transforma em marionete de um sistema perverso. Os brasileiros sofrem em sua maioria da síndrome de Estocolmo: vêem com enorme complacência os algozes. Trata-se de sintoma de infantilização. Como acreditam mais nas pessoas que nas instituições se decepcionam com as condutas e não com as funcionalidades viciosas. Quando se presta atenção nas implicações do que um candidato diz pode-se prever muitas das ações que executará como governante. O eleitor não pode colocar no Poder um partido com idéias socialistas retrógradas e depois estranhar suas ações no sentido de controlar, intervir, reduzir ou suprimir a liberdade. O bolchevismo tardio, sem causa e totalmente desmoralizado pela história, se juntou na Terra Brasilis ao velho patrimonialismo para criar uma grande rede de corrupção que fosse capaz de alavancar um Projeto de Poder. Com a queda do Muro de Berlim, alguns gênios petistas chegaram à luminosa conclusão de que a corrupção seria a baldeação rumo à Estação Finlândia. Quando Stalin se acasala com Macunaíma o rebento apresenta traços tragicômicos...

As sociedades mais avançadas são aquelas em que as pessoas podem se dedicar às suas tarefas, às suas especialidades, sem precisar se defender de tudo e todos. Quando os golpes deixam de ser monopólio de bandidos, estelionatários e criminosos, podendo ser praticados por agentes do governo, fica o indivíduo praticamente impossibilitado de se defender. Vira um amador, acuado e indefeso, cercado de profissionais da ilicitude. É a fragilidade das instituições que explica como e por que os brasileiros honestos se tornam amadores manipulados por meia dúzia de profissionais do crime e da política. E as instituições crescem fracas quando a sociedade não se aferra a determinados valores. Em que a média dos brasileiros acredita com firme convicção? Infelizmente, a democracia – não o democratismo populista – entendida como forma de limitar, distribuir o exercício do poder, a economia de mercado e a clara separação entre governo e Estado não são prezados como merecem. É o laxismo geral, a falta de inabalável adesão a certos valores político-econômicos, que faz com o País esteja sempre desorientado. Os desequilíbrios estruturais e a bandalheira moral não são devidamente combatidos porque faltam ao povo e às elites o profundo comprometimento com determinados valores filosóficos.

A atávica falta de respeito à liberdade individual, a incapacidade institucional de responsabilizar as pessoas por seus atos, a negação do direito à autodefesa fazem com que os amadores fiquem à mercê de facas, cacos de vidro, pistolas automáticas, AR-15 enquanto os profissionais da manipulação os engabelam propondo o desarmamento como solução. Os amadores pagam impostos e se trancam apavorados em casa e os profissionais defendem os bandidos como vítimas do Sistema. Os profissionais bolam planos assistencialistas e populistas, os amadores neles acreditam e ainda pagam a conta. E com isso a maioria deixa de receber saúde e educação de qualidade. Os profissionais contratam publicitários com dinheiro ilícito; os amadores se deixam seduzir. Os profissionais da criatividade, pagos a preço de ouro, criam para os outros profissionais, os poderosos, a propaganda “Um País de Todos” e os amadores não percebem que todos são Eles, são apenas Eles, os donos do Poder.

22 de ago. de 2005

NÃO É “CRISE POLÍTICA”, É CORRUPÇÃO

por Alberto Oliva, filósofo - publicado no Diego Casagrande

As crises morais são oportunidades de as sociedades mostrarem sua alma. As mentes partidarizadas têm desprezado com assombrosa caradura fatos estarrecedores sobre os descaminhos éticos do governo e de seu partido. Entristece constatar como a mídia tem se valido de eufemismos ideologicamente construídos para discorrer, cheia de dedos, sobre a estrela vermelha que vem sendo coberta de marrom fétido. A fração da imprensa que antes se omitia diante das falhas grosseiras de gerenciamento, dos projetos autoritários – Ancinav, Conselho Federal de Jornalismo – e dos discursos escalafobéticos do presidente agora esvazia o conteúdo avassalador da roubalheira sistêmica rebatizando-a como “crise política”. A contundência dos fatos torpes e das mentiras deslavadas é atenuada pelo uso de expressões anódinas. Os direta e indiretamente envolvidos nos escândalos mencionam vagos erros de companheiros quando suas frases têm como sujeitos ocultos contumazes ladravazes. O ilusionismo ideológico não tem escrúpulos: a corrupção mental não se constrange em substituir a ilicitude – juridicamente enquadrável - e o deslize moral – coletivamente condenável – pelo erro vago de tipo operacional ou intelectual. A corrupção das mentes é muito mais grave que a dos bolsos...

Atacando o tempo todo uma elite nebulosamente identificada, os mutreteiros oficiais tudo fazem para explorar a ingenuidade dos que vivem nas trevas do intelecto. A esquerda tenta doutrinariamente transformar o Brasil no país dos pobres, mas o que consegue é torná-lo apenas o paraíso dos pobres de espírito. Juristas em altos postos da república declaram que Collor caiu pela impopularidade, pela indignação que o seqüestro da poupança causou. Quer isso dizer que se a lama da corrupção vier a adentrar claramente o Palácio do Planalto terão os setores lúcidos e críticos da sociedade de fingir que nada vêem se o presidente se mantiver popular. A delitos iguais ou parecidos raramente se aplicam as mesmas penas no Brasil. Nosso país é useiro e vezeiro em dispensar tratamentos diferenciados aos mesmos tipos de crime. Esta a raiz de nossos males coletivos e institucionais: politizamos demais, só falamos no estrutural e perdemos de vista o local, sonhamos com grandes transformações e deixamos de fazer o trivial.

A sociedade civil é fraca porque muitas de suas organizações se mostram dependentes do Estado ou se deixam por ele cooptar. Até grupos que não recebem verbas e subvenções aceitam colocar antolhos ideológicos. Não por acaso, a UNE e a Ubes mudaram de fantasia só porque o governo é do PT: seus manifestantes deixaram de ser caras-pintadas para ser caras-de-pau. É preciso fazer muita ginástica mental, aceitar como normal a cisão esquizofrênica, para se cegar como um Édipo e sair às ruas protestando com impressionante incongruência: contra a “crise política”, exigindo a prisão dos corruptos por meio de cartazes vistosos, atacando a política econômica e defendendo o presidente Lula. Eis o samba do estudante doido. Se os movimentos sociais tivessem efetivamente a intenção de defender o presidente Lula não atacariam sua política econômica, já que até agora é a âncora que tem evitado que o navio da crise fique à deriva.

Quando se sustenta que não há condições políticas para se desencadear o processo de impeachment do presidente da república duas questões vêm à tona. Se a culpa vier a ser objetivamente estabelecida, configurando-se o chamado crime de responsabilidade e mesmo assim parte da opinião pública e setores expressivos dos chamados movimentos sociais continuarem apoiando Lula e lhe hipotecando solidariedade, ainda assim será possível continuar rechaçando a proposição do impeachment? Mas como manter Lula na presidência se vier a ficar insofismavelmente comprovado que se envolveu com o maior esquema de corrupção (sistêmica) de todos os tempos? Como permitir que termine o mandato sem enfraquecer ainda mais as instituições, sem que o País desmoralize ainda mais as instituições? A segunda questão: se parcela expressiva da população é complacente, independentemente dos motivos e das razões que tenha, com um governo contra o qual pesam seríssimas acusações é inevitável inferir que a crise moral é tão grave que gerou conivência até mesmo por parte daqueles que não se beneficiaram nem indiretamente com a corrupção. E pode haver algo mais desalentador?

Ora, caso se configure um nítido descompasso entre o jurídico – uma inequívoca comprovação de ilícitos – e o político – uma razoável popularidade do presidente – será imperioso saber se a opinião pública é desinformada, se demora a se informar ou se é condescendente com a corrupção praticada ou tolerada por governantes carismáticos. Das respostas possíveis, a última revelará uma alma nacional moralmente despedaçada. O partidarismo e a ladroeira impedem que as instituições sejam postas a serviço da realização de objetivos de interesse coletivo e do respeito incondicional a determinados valores. Se a corrupção nossa de cada dia for praticada por poucos e aceita por muitos como normal – todo muito faz! – então se estará diante da constatação de que em nossa sociedade a corrupção é uma doença espiritual.

Quanto à ética, que o PT durante muito tempo se considerou seu puro e lídimo defensor, cabe lembrar dois versos do Canto de Ossanha: “O homem que diz "sou" não é porque quem é mesmo é "não sou"...

18 de ago. de 2005

POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

por Ralph J. Hofmann

"Ask not for whom the bells toll. They toll for you...” – Não perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por você.

Esta frase de um ensaio de John Donne pervade o romance “Por quem os sinos dobram” de Ernest Hemmingway. O herói, professor universitário, idealista, como tantos jovens inclusive brasileiros, vai para a Espanha em plena guerra civil, se engaja nas tropas legalistas contra os falangistas de Franco e participa de combates.

Não interessa aqui dizer que a Rússia fez um saque no tesouro espanhol, levou todo seu ouro a título de pagamento de armas, mandou comissários que executavam qualquer um que desviasse de sua ortodoxia, afinal aquela foi uma guerra tipicamente espanhola, com muito sangue e ajuste de contas de lado a lado. Não há heróis nessa guerra. Bem ou mal os comunistas haviam sido eleitos. Mas não tinham uma procuração para mudar o mundo espanhol em meia dúzia de anos. Deu no que deu. Cito Guernica dos falangistas para que não digam que só cito atrocidades comunistas.

O que interessa é que ao fim do livro, o jovem agoniza ferido de morte, defendendo a retaguarda, enquanto sua namorada grávida é levada pelos guerrilheiros para continuar sua vida nos Estados Unidos aos cuidados da mãe do professor. No filme os sinos dobram. Lindo!

Imaginem quão melhor estão os mortos do Araguaia do que o José Dirceu, José Genoino e outros. Sempre serão heróis, enquanto os sobreviventes carregam nas costas atos mesquinhos, a tortura de um tenente por um de seus comandantes e outros atos indescritíveis, assim como os legalistas tem nas costas a chacina de freiras e das pessoas albergadas pelas mesmas, enfim, coisa dos porões nazistas. No fim a ação armada apenas gerou mortes de parte a parte. Foi a consciência coletiva do mundo e a comprovação final da inadequação do comunismo para gerar prosperidade por abafar a criatividade, seja empresarial, seja artística, que trouxe as esquerdas ao poder de forma democrática, tanto na Espanha quanto no Brasil.

Mas esses sobreviventes, que sempre iconizaram grandes artistas do século 20 como Rivera, Orozco e Frida Kahlo, que defenderam a liberdade de expressão, subitamente se vêem no poder e tentam impor regras para o cinema, regras para o jornalismo, ou seja, comporta-se como quem venceu pelas armas um exército aguerrido, em lugar de quem foi gentilmente convidado a competir democraticamente pelo poder. Criam sua Nomenklatura quando no poder, espalhando benesses consumistas aos seus leais escudeiros e, através de seu braço MST iniciam uma perseguição aos Kulaks brasileiros.

Ou seja, varrem para a lata de lixo as experiências mal sucedidas dos 88 anos decorridos da Rússia, os 68 anos decorridos desde a Guerra Civil espanhola e os 55 anos de experiências falhadas da ortodoxia socialista européia, já abandonados pela própria Espanha, palco de um dos focos iniciais da segunda guerra mundial.

Se José Dirceu e outros tivessem morrido jovens teríamos prazer em lembrá-los como jovens heróis cheios de energia, de vontade de fazer o bem. Hoje apenas podemos lamentar o herói que se perdeu, que abusou da confiança de cônjuge e filhos, que trama pelo poder e não pela justiça que dizia buscar. O herói morreu. Ficou um espectro sem dó nem consciência no seu lugar.

Os sinos dobram por nós!

17 de ago. de 2005

PÓS-LULA: O BRASIL SAI DESSA PIOR

por Paulo Moura, cientista político - publicado no Diego Casagrande

Tornou-se lugar comum entre alguns políticos e jornalistas afirmar que o Brasil sairá dessa crise melhor do que estava antes dela. Duvido! E olha que estou dizendo isso já tendo sentenciado a inevitabilidade do impeachment de Lula. A omissão do presidente, que não tomou as providências para investigar o mensalão tendo sido alertado inúmeras vezes para o que se passava - reforçada por sua dificuldade para nominar e mandar punir os operadores do esquema que o favoreceu, dentro de seu partido e de seu governo -, é motivo jurídico e político mais do que suficiente para o impeachment. E as investigações já revelaram muito mais motivos do que esse.

Quando dizem que não é hora de falar de impeachment, os líderes da oposição deixam implícito que essa hora chegará. O que estão fazendo é apenas baixar o fogo da fritura de Lula, para dar tempo de expor toda a podridão que ainda está encoberta e com isso liquidar toda a elite petista corrupta, dando tempo para que a maioria desinformada tome conhecimento do que o resto do Brasil já sabe.

Para aqueles que acham, ao arrepio da Lei, que um presidente inepto e imerso nesse mar de corrupção deve continuar governando por ter apoio popular, convém observar que a perda de popularidade de Lula está acontecendo em ritmo acelerado. Não me surpreenderei inclusive, se nas próximas baterias de pesquisas as avaliações negativas do presidente estiverem superando as positivas; a percepção de que Lula tem responsabilidade sobre a corrupção em seu governo estiver consolidada e a aceitação do impeachment estiver bem acima dos 29% que o Datafolha registrou, talvez até beirando a maioria.

Se for isso o que esperam os defensores do argumento de que não há razões políticas nem jurídicas para cassar o mandato de Lula, logo terão de rever o discurso. E quando essa hora chegar, bastará, então, convocar o filho de Lula para explicar perante a CPI e os holofotes da mídia suas relações com a empresa Telemar, e a fatura do impeachment estará liquidada.

Se a parte sadia do sistema político partidário brasileiro tem alguma lucidez e instinto de sobrevivência, terá que, ao contrário do que o PT está fazendo com seus corruptos, não só remover Lula do poder seguindo o ritual previsto em Lei, mas também, cassar o mandato e providenciar punições de muitos corruptos além desses dezoito nomes de deputados e mais alguns assessores que, até agora, apareceram envolvidos com o mensalão.

O pressuposto dos defensores desse ponto de vista - de que o Brasil sairá dessa melhor - é o de que, mesmo com todos os limites que se impõem, a limpeza que terá de ser feita já trará ganhos suficientes para justificar o trauma que um escândalo dessas proporções está causando na sociedade.

Que a faxina institucional é imprescindível, não tenho dúvida. Que a descoberta da verdade sobre o PT pela maioria da população é educativa e ajuda no amadurecimento da nossa democracia, idem. Que a esquerda brasileira seja levada a rever suas posições e aprender a conviver com as regras do jogo democrático, pagando o preço de passar mais umas décadas como minoria na oposição, é extremamente saudável. Agora, daí a imaginar que o Brasil ficará melhor depois disso, vai uma enorme distância.

Querem ver? Então comparem o escândalo atual, protagonizado pelo PT, com os escândalos que desembocaram no impeachment de Collor e na CPI do Orçamento. O que viram? O mesmo que eu? O escândalo atual não é muito pior, maior e mais grave do que os anteriores?

Pois é. O que aconteceu de lá para cá foi o aperfeiçoamento e a ampliação dos esquemas e métodos de assalto aos cofres públicos. Qualquer indivíduo mal intencionado que estiver atento ao noticiário, está recebendo, de graça, aulas de especialização em fraudes de licitações, desvios de recursos públicos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal. Junte-se a isso a percepção de impunidade da maioria dos envolvidos em escândalos dessa natureza e teremos o ambiente perfeito para a repetição, em escala ampliada, de outros escândalos como esse. Foi exatamente isso o que aconteceu depois dos escândalos protagonizados por PC Farias e os anões do Orçamento.

O exercício da função pública de forma honesta no Brasil não remunera adequadamente quem tenha pretensões econômicas acima da média da maioria acomodada. Que me perdoem os homens públicos honestos, e sei que há muitos, mas grande parte, talvez a maioria dos políticos brasileiros estão nessa por dinheiro e aprenderam o caminho das pedras com os escândalos do passado e a impunidade dos seus protagonistas. A corrupção se ampliou e se generalizou por todas as instâncias do Estado, em todo o país depois de Collor.

Uma auditoria séria nas finanças públicas de órgãos dos três poderes e em todos os entes federados, administrados por quaisquer partidos ou indivíduos no Brasil hoje, encontrará na lisura dos procedimentos de licitações, compras e contratações, exceção.

Generalização injusta? Pois pago para ver. Afinal, já estamos pagando para não ver.

Com a eliminação das comissões dos corruptos; o fim dos superfaturamentos de compras, obras e licitações; a eliminação dos prejuízos decorrentes do mau investimento dos fundos públicos, e a redução do tamanho do Estado com uma nova onda de privatizações; a redução da ingerência política na administração pública via redução de cargos em comissão, e outras medidas do gênero, talvez fosse possível reduzir nossa carga tributária em cerca de 50% e alavancar nosso desenvolvimento, financiando-o com os recursos que permaneceriam no setor privado para gerar investimentos e empregos ao invés de alimentar impostos para financiar corrupção e mau uso de verbas públicas.

Não confio na maioria das propostas de reforma política que circulam por aí às pressas, pois nenhuma delas ataca o problema do tamanho do Estado, que é onde se empregam os ladrões. É preciso desempregá-los em massa, do topo à base do organograma. E é preciso punir severamente os corruptos, com cadeia e bloqueio do patrimônio adquirido por meios ilícitos.

Se um Marcos Valério da vida como esse carequinha aí, mesmo depois de tudo o que está passando, sair dessa livre e com uns poucos milhões escondidos em algum paraíso fiscal não localizado pelas investigações, terá acumulado em quatro décadas de vida, muito mais do que um professor universitário de classe média consegue juntar trabalhando duro toda a vida. Terá valido a pena roubar. Esse é o recado que os políticos brasileiros estarão repassando aos nossos filhos. Banditismo se corrige com punição severa! O resto é conversa.

Algumas dessas propostas de reforma em discussão na mídia minimizam o problema da bandalheira nas regras da política, mas não a ponto de impedir novos e grandes escândalos de corrupção. Há relação de causa e efeito entre financiamento eleitoral e corrupção. O financiamento eleitoral público contribui para minimizar o problema, já que oferece aos honestos uma alternativa lícita de viabilização de suas campanhas, mas não impede as fraudes em licitações, compras e contrações. A rígida cláusula de barreira para legendas de aluguel, já aprovada, mas que os políticos querem desidratar, é positiva, mas sozinha também não resolve. Tudo o mais em discussão sobre mudar a propaganda e as regras eleitorais é firula de eficácia, no mínimo, muito duvidosa.

Quando a crise em curso estiver superada, após o impeachment de Lula e a cassação da quadrilha que o cerca, talvez sobre tempo para refletir e propor medidas eficazes. Mudar as regras agora é ruim, pois não vai resolver nada e oferecerá o pretexto e a falsa impressão para aqueles que defenderão, depois, que nada mais será preciso fazer. Do jeito que vai, o Brasil sai dessa pior.

1 de ago. de 2005

VIOLINO CHILENO

por Rodrigo Constantino - publicado no Diego Casagrande

O Chile possui todas as vantagens de países como os Estados Unidos e o Canadá: um sistema tributário justo e lógico, juros baixos e pouca burocracia.” (Jorge Gerdau)

Em uma região onde a volatilidade política é a norma e os problemas sociais são temerários, um país se destaca como um mar de calmaria. O Chile vem mostrando sólido e sustentável crescimento econômico, além de expressivos ganhos sociais. Fora isso, mesmo em ano de eleição presidencial, o fator político não desperta nada perto dos temores comuns dos demais países da América Latina. Cada vez mais, não importando o ângulo analisado, o Chile parece um caso totalmente a parte na vizinhança.

O sucesso chileno vem de longa data, desde as reformas econômicas liberais perpetradas, paradoxalmente, pelo ditador Pinochet, que deixou as decisões econômicas nas mãos dos excelentes acadêmicos de Chicago. Após o populismo de Allende afundar o Chile no mesmo mar de lama que assolava os seus vizinhos, as medidas de abertura econômica, privatização e redução das intervenções estatais permitiram um futuro bastante diferente para a nação. Tal como na Inglaterra pós-Thatcher, a questão econômica no Chile não é mais alvo de debates insanos com pressões heterodoxas irresponsáveis. A responsabilidade nos gastos públicos, o direito à propriedade privada, a abertura econômica e o livre comércio viraram consenso, e mesmo os políticos de esquerda não ousam mexer nas “vacas sagradas” que sustentam o crescimento econômico.

Partindo para os números, o Chile cresceu, em termos reais, 2,2% em 2002, mesmo com a região em recessão, e 3,7% em 2003, contra 2,1% de média da região. O crescimento do PIB saltou para 6,1% em 2004, frente a 5,7% de média dos vizinhos. O Morgan Stanley espera um crescimento de 5,9% em 2005 e 5% em 2006, contra menos de 4% da região. Além disso, a inflação chilena tem se mantido em patamar bastante baixo, próxima de 2% ao ano, comparado a quase 7% de média dos vizinhos. Isso, aliado à confiança dos investidores nas regras do jogo, permite que os juros fiquem abaixo de 3% ao ano, muito inferiores aos quase 20% do Brasil, ou 16% da Venezuela. Enquanto a região apresenta déficit nominal público, o Chile tem superávit próximo de 2% do PIB, mesmo com uma carga tributária abaixo dos 20% do PIB, cerca de metade da brasileira.

Com tais pilares sólidos, o crédito tem impulsionado a economia chilena. O crédito doméstico do setor privado está próximo de 70% do PIB, de longe o maior da região, e quase 7 vezes o mexicano, por exemplo. Os anos dourados chilenos, que perduraram até 1997, podem estar de volta. O desemprego vem caindo sistematicamente, já perto de 8%. O cenário internacional vem ajudando, com o elevado preço do cobre, um dos principais produtos da pauta de exportação do país. Mas isso por si só jamais seria suficiente para garantir um crescimento sustentável, como fica claro ao analisarmos o caso venezuelano, cujo petróleo, acima de 60 dólares por barril, tem feito jorrar dinheiro nos cofres públicos de Chavez, sem impedir entretanto que o caos social e a miséria tomem conta da nação. O cenário econômico mundial dificilmente poderia ser mais vantajoso para os países emergentes, já que a China ainda resiste com altas taxas de crescimento, pressionando os preços das commodities, a locomotiva mundial americana mantém forte crescimento e os juros estão em níveis ridículos para o padrão histórico. Bastava não desperdiçar a rara oportunidade para viver momentos maravilhosos. Infelizmente, as nações da América Latina adoram perder chances únicas de fazer a coisa certa. O Chile tem sido uma feliz exceção...

Muitos candidatos apelam para discursos populistas visando ao ganho de votos pela emoção. A esquerda é conhecida pela venda de sonhos e utopias, pelo nobre discurso romântico, desprovido de lógica e inexeqüível na prática. Mas no Chile, até mesmo a esquerda tem mantido o bom senso econômico conquistado ao longo de décadas de aprendizado pelo sofrimento. Podem louvar Allende e execrar Pinochet nos discursos, mas sabem que nunca mais pretendem retornar aos desastres econômicos do primeiro, respeitando o que foi feito no campo econômico pelo segundo. Chama-se aceitar a realidade dos fatos, algo ainda não aprendido no Brasil. Como os tocadores de violino, os políticos chilenos pegam o governo com a mão esquerda, mas tocam-na com a mão direita. Eis porque o Chile anda longe das crises políticas e econômicas que conturbam o cenário do “continente perdido” latino-americano.