1 de mai. de 2008

Bola de neve ou onda gigante?

por Carlos Chagas no Tribuna da Imprensa

BRASÍLIA - Há dois meses uma pesquisa do Ibope revelou que 30% dos consultados defendiam o terceiro mandato para o presidente Lula, subseqüente ao segundo. Agora vem o Sensus e aponta mais de 50% do eleitorado sustentando a proposta. Aguarda-se a próxima pesquisa para saber se estamos diante de uma bola de neve, para os pessimistas, ou de uma onda gigante, para os otimistas.

A hipótese foi referida aqui mais de um ano atrás. Tratava-se, como se trata, de uma operação em andamento, apesar das negativas do presidente, que continua sendo sincero ao negar disposição para mais uma reeleição. O problema é que não terá condições de rejeitá-la quando, no começo do ano que vem, começar a tramitar a emenda constitucional respectiva.

O primeiro movimento parece completado: a discussão do terceiro mandato tornou-se pública, matreiramente apresentada como espontâneo fruto de uma inclinação popular. Não bem assim, porque a propaganda feita até agora por uns poucos flui através do silêncio de muitos. Mesmo assim, mais da metade dos consultados misturou a popularidade do presidente Lula com a sua continuação no poder. Nada mais óbvio, desde que estimulado pela simples indagação.

O segundo movimento caberá ao PT, no segundo semestre deste ano. Já parece claro, ficará mais óbvio ainda à medida que continuarem as conversas entre os companheiros que o PT não tem nem terá candidato em condições de vitória em outubro de 2010. Como perder o poder é hipótese inadmissível, restará ao partido engajar-se na mudança constitucional, seguido certamente pelos demais grupos da base oficial, igualmente sem um nome forte. Nem PMDB, nem PTB, nem PP, PR e sucedâneos arriscarão a perda de cargos, funções, benesses e nomeações para os tucanos. Mesmo o Partido Socialista, ao que pertence Ciro Gomes, ousará pagar para ver.

Em seguida, ou ao mesmo tempo, estarão mobilizadas outras forças. Com os banqueiros e os especuladores à frente, as instituições econômicas pressionarão a mídia e o Congresso. Farão calar indignações com o exemplo do passado projetado para o futuro: se ninguém reagiu para valer quando Fernando Henrique arrancou de deputados e senadores a sua reeleição, seria diferente agora? O governo dispõe de maioria na Câmara e no Senado.

Um outro movimento, o quarto, neutralizaria eventuais pruridos no Judiciário. Ou alguém, no Supremo Tribunal Federal, contestou o segundo mandato do sociólogo, eleito para apenas um? Ainda mais porque, até o próximo ano, o presidente Lula terá nomeado o oitavo e talvez o nono dos onze ministros da mais alta corte nacional de justiça.

Caberá ao PSDB e ao Democrata o papel antes encenado pelo PT, quer dizer, os tucanos e seus aliados ficarão contra. A eles faltará pelo menos a metade do vigor com que os companheiros se opuseram à reeleição de Fernando Henrique, e olhem que não adiantou nada.

Ressalva necessária

A alguns observadores apressados não faria falta a leitura de um manual sobre ética jornalística. Cabe aos veículos de comunicação transmitir à sociedade tudo o que se passa nela, de bom e de mau, de certo e de errado, de ódio e de amor. Com as devidas cautelas para não divulgar falsas impressões ou inverdades, nossa função é noticiar atos e fatos verificados à nossa volta. Coisa que não significa engajamento ou concordância, mas, apenas, constatação.

Que o terceiro mandato com o Lula é um golpe, tal como foi o segundo, com Fernando Henrique, nem se duvida. Mudar as regras do jogo depois do jogo começado é malandragem. O problema, no entanto, está em que as mudanças já se colocam. Surgem claras e óbvias, à vista de todos. Fazer o quê? Pegar em armas não dá, seja para mudar um imutável sentimento popular, seja para obstar manobra dos poderosos para manter o poder. Protestar, denunciar e berrar serão sempre possíveis, ao menos enquanto persistir a democracia, mas mudar o rumo dos ventos com um sopro, só o Padre Eterno.

Resta alertar para os males que advirão do terceiro mandato, começando pela sombra do quarto e do quinto. Bem como advertir para o surgimento de uma nova classe, de uma "nomenclatura" que grudará nas instituições como parasitas na floresta. Sempre restará esperar que entrem em conflito, as massas de um lado e o poder econômico de outro, todos com seus penduricalhos. Mas se até hoje, decorridos mais de cinco anos, isso não aconteceu, quem garante que acontecerá depois?

A imprensa e seus inimigos

Mauro Santayana no JB Online

A melhor lei de imprensa é nenhuma lei. A imprensa (termo que hoje abrange todos os meios de comunicação) é a liberdade de expressão ampliada. O poder da imprensa é imenso. Ela pode construir e destruir reputações. Nem sempre é justa, como devia ser; muitas vezes os jornalistas são desprovidos de solidariedade. Há, entre eles – como há em qualquer comunidade – invejosos, ressentidos, cavaleiros do ódio. Sempre que uma personalidade admirada pelo povo cai em desgraça, inúmeros jornalistas se deliciam com seu sofrimento. Agora, mesmo, no caso do jogador Ronaldo, entre os muitos comentários sobre seu drama pessoal, há os que não lhe concedem qualquer sentimento de compreensão, embora outros busquem explicar, na solidão e nas circunstâncias difíceis de sua vida, o episódio recente.

Ao longo do tempo, a imprensa tem sido acusada de pecados monstruosos, e ela cometeu pecados monstruosos. Ao jornalismo sensacionalista debita-se, e com razão, influência deletéria sobre a sociedade americana. Pullitzer e Hearst, donos das maiores cadeias de jornais, disputavam, na passagem do século 19 para o 20, qual deles era mais patrioteiro, ao açular os leitores para a guerra contra a Espanha. Grandes clássicos do cinema, como Cidadão Kane, de Orson Welles, em 1941, A montanha dos sete abutres, de Billy Wilder, de 1951, e Front page, do mesmo Wilder, de 1974, tratam da força da imprensa, para o mal e para o bem. Mas, sem imprensa, seria impossível o mínimo de democracia e liberdade nos estados modernos.

A imprensa incomoda os políticos de modo geral, e os parlamentares brasileiros de hoje, de modo especial. Não faltam, em todos os partidos, os que acham demasiada a liberdade de imprensa. Alguns jornalistas – ainda que isso pareça absurdo – querem também colocar entraves à liberdade de expressão. É assim que algumas entidades sindicais pretendem criar um Conselho Nacional de Jornalistas, que se encarregaria de disciplinar a atividade. Quem está precisando de disciplina não são exatamente os jornalistas, mas, sim, alguns políticos profissionais, que, mesmo em minoria, conseguiram baixar a credibilidade do Parlamento a níveis humilhantes.

Se há atividade que devia ser blindada contra o corporativismo é o jornalismo, cuja essência ética é a pluralidade de opiniões e de informações. Argumenta-se que jornalistas destroem reputações, mediante a calúnia, a injúria e a difamação. Sou daqueles que defendem cadeia para quem difame, calunie e injurie, conforme o Código Penal em vigor. Repito o que escrevi em outras ocasiões: o jornalista não deve ser privilegiado por dispor de grande poder de influir, nem punido por essa circunstância de sua vocação ou destino. Como qualquer outro caluniador, injuriador e difamador, ele está sujeito à lei. Os jornalistas e as empresas, que respondem pelas equipes que contratam, e pela orientação política de seus veículos, sujeitam-se ao ressarcimento pelos danos civis que os seus atos eventualmente provocam, de acordo com o seu poder econômico e nível de responsabilidade, conforme determina a lei e arbitrar a Justiça. Mas lei de imprensa, não.

O que está por detrás dessa discussão é a pobreza da política em nossos dias. A representação parlamentar se encontra em crise de legitimidade e qualidade, moral e intelectual, e isso favorece a hipertrofia do Poder Executivo. O Parlamento reclama, com razão, contra o abuso das medidas provisórias, mas não cumpre o seu dever de legislar. Acossados pela opinião pública, numerosos deputados e senadores investem contra a liberdade de expressão e procuram limitá-la. Tanto é assim que os constituintes sensatos não conseguiram, há 20 anos, demolir totalmente a Lei de Imprensa da Ditadura. É o último dos entulhos autoritários.

No fim de seu ensaio On liberty, Stuart Mill constata que, em certas e desoladas ocasiões, os Estados se entregam a homens pequenos. Um Estado assim, conclui Mill, "will find that with small men no great thing can really be accomplished". Com o Parlamento que temos, onde poucos conseguem ter estatura visível, os êxitos incontestáveis do Poder Executivo se tornam ainda maiores. Isso contribui para que o nível de aprovação popular do presidente da República seja tão alto – não obstante a oposição que sofre, no Congresso – e na imprensa.

Liberdade sindical? Isso é coisa de pobre

CLT 2.0

por Demétrio Magnoli, no Estadão - reproduzido do Diego Casagrande

Hoje, 1º de maio, os neopelegos da CUT e da Força Sindical celebram a sua incorporação política e financeira ao aparato estatal. A nova lei sindical (Lei 11.648), sancionada pelo presidente da República, uma maquiagem da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), oferece à casta de sindicalistas das centrais nacionais um oligopólio estável de representação dos trabalhadores. Agora, por força de lei, os trabalhadores sustentarão, além dos dirigentes de sindicatos cartoriais, uma elite adventícia, inamovível, de usurpadores do direito de organização dos assalariados.

Modernidade e arcaísmo se imbricam na história dos sindicatos. Sob o influxo da imigração, o sindicalismo livre emergiu nas cidades do Brasil agroexportador do início do século 20. A integração dos sindicatos ao Estado, uma obra de Getúlio Vargas, funcionou como instrumento de controle social para a arrancada industrial do País. A Lei de Sindicalização, de 1931, criou os sindicatos oficiais, subordinados ao Ministério do Trabalho. A Constituição de 1937, do Estado Novo, proibiu os sindicatos livres. A CLT, parcialmente inspirada pelo corporativismo fascista, foi estabelecida há exatos 65 anos, no 1º de maio de 1943. Nas palavras do ex-metalúrgico Vito Giannotti, estudioso do movimento operário, “o sindicato corporativista foi imposto pela força: o esmagamento prévio da liderança operária combativa. Mas, também, pela cooptação, pela chantagem (...)” (A Liberdade Sindical no Brasil, Brasiliense, 1986, pág. 23).

Na CLT original, o imposto sindical prendia os sindicatos ao Estado, a unicidade sindical assegurava uma “reserva de mercado” aos pelegos e o poder normativo da Justiça do Trabalho sustentava a “paz social”. A CLT 2.0, sancionada por Lula, não toca nesses fundamentos da ordem varguista, mas redistribui os recursos financeiros no interior da casta sindical, premiando as cúpulas das centrais oficializadas. Numa festa de arromba, o presidente-sindicalista entrega um farto butim à horda de antigos colegas que, com ele, iludiram a Nação com a promessa da liberdade sindical. A CUT receberá a maior parte de um tesouro anual de mais de R$ 100 milhões. A parte menor, consagrada à conciliação geral dos neopelegos, será repartida entre a Força Sindical, aparelho a serviço do deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), e duas centrais que operam apenas como balcões de negócios.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é um dos raros remanescentes da ordem do entre-guerras. Criada pela Conferência de Paz de Paris de 1919, sob o pano de fundo das mobilizações operárias que, na Europa e nas Américas, acompanharam a Revolução Russa, ela traduziu no direito internacional as conquistas de meio século de lutas sociais. A Convenção 87 da OIT, adotada em 1948, fixa o princípio da liberdade sindical - isto é, da livre associação sindical e da completa separação entre os sindicatos e o Estado. O Brasil não a ratificou para preservar a CLT. A CUT nasceu em 1983, em ruptura com o sindicalismo oficial, erguendo a bandeira da liberdade dos sindicatos. Agora, seus dirigentes fecham um ciclo histórico, convertendo-a no vértice da pirâmide de sindicatos integrados ao Estado. Mas, como farsantes profissionais, continuam a assinar documentos em defesa da Convenção 87.

A CLT 2.0, assinada pelo ministro Carlos Lupi, um herdeiro direto do varguismo, confere ao Ministério do Trabalho o poder de oficializar centrais sindicais, a partir de critérios legais de “representatividade”. O ato estatal de oficialização propicia às centrais a participação em colegiados tripartites de órgãos públicos, no estilo do corporativismo, e sobretudo transfere a elas 10% de tudo o que é pilhado dos trabalhadores. Mas não permite que as centrais negociem acordos coletivos ou representem os trabalhadores em juízo, prerrogativas que continuam exclusivas dos sindicatos. De acordo com a lei lulista, “representação” significa, essencialmente, o privilégio de rapinar os “representados”.

Na CLT lulista persiste o ferrolho da CLT varguista, que é o princípio da unicidade sindical. Contrariando a Convenção 87, esse princípio só admite um sindicato por unidade territorial. O segredo do negócio está na articulação da unicidade com o conceito mágico de “base”, que faz do sindicato único o “representante” do conjunto da categoria e impõe à maioria não-sindicalizada o pagamento de contribuições sindicais. A operação conceitual é uma violação direta da Constituição, na qual está escrito que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.

Não foi por vergonha ou pudor que Lula e seus neopelegos inscreveram no remendo da CLT a substituição do imposto sindical por uma contribuição negocial, igualmente cobrada na folha de salários de toda a “base” do sindicato. O velho imposto varguista estabelecia uma rapina anual limitada a 3,3% de um salário mensal. O novo imposto lulista, vestido num eufemismo, tem seu valor fixado em assembléia e pode até ultrapassar 13% de um salário mensal. A pilhagem “democrática” transfere um tesouro maior do bolso dos trabalhadores para os cofres de seus saqueadores. Invocando cinicamente a liberdade sindical, e atendendo a um acordo de cavalheiros dos neopelegos com os empresários, um veto presidencial proíbe que o Tribunal de Contas da União fiscalize as contas das centrais e das federações patronais.

Os neopelegos das centrais oficiais, encastelados no vértice da pirâmide sindical, formam uma casta muito mais poderosa que os pelegos originais. Como altos burocratas de Estado, eles participam da gestão dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Como administradores de capital anônimo, gerem os investimentos dos fundos de pensão no mercado financeiro e em empresas privatizadas. Como quadros petistas, o núcleo dessa casta forma uma espinha dorsal da elite dirigente.

Liberdade sindical? Isso é coisa de pobre.