15 de dez. de 2005

Por que acho que Lula não desiste

O petismo é uma máquina gigantesca, que assombra e parasita o Estado e a sociedade. Ela depende de uma fachada legal para existir, e Lula ainda é o profeta desse devir maligno. Por isso, acho que ele vai até o fim. Mas, claro, flerto com o contrário.
Por Reinaldo Azevedo no Primeira Leitura

17 de nov. de 2005

Seu Jorge ofende a Central Única das Vítimas

Por Reinaldo Azevedo - Primeira Leitura de 15/11/2005

Deu-se, na segunda-feira, uma das melhores entrevistas do Roda Viva desde que o programa existe. Se não perco a conta, foi o 1001, o que é um bom augúrio para os próximos mil. Nesse sentido, Lula, o número 1000, na semana passada, foi um bom desfecho para tudo o que se foi, para o passado, para o Brasil que está, felizmente, morrendo. Lula é a nossa tragédia pregressa. Seu Jorge, cantor, ator, músico, compositor, performer, ex-morador de rua, é a estrela do início do novo milênio. Quem não viu tem de comprar o DVD. Seu Jorge me deu até alguma esperança. E olhem que isso não é assim tão fácil. E também reiterou uma certeza: o establishment intelectual brasileiro é só um cadáver à espera das exéquias. Está atravessado no meio da sala da consciência nacional.
Ele canta bem, compõe algumas músicas agradáveis na mistura de gêneros populares que abraçou e é bastante articulado. Como toda pessoa de talento, cultiva o velho e bom individualismo — não este que os cretinos vivem satanizando por aí; refiro-me a outro. Ele sabe que será melhor ou pior, bem ou malsucedido, a depender de seu esforço pessoal, de suas escolhas, de seu brilho. Paulo Markun, mediador e também diretor do programa, deixou claro que ele era o convidado, entre outros motivos, por causa do Dia da Consciência Negra, que se comemora no próximo dia 20 — Zumbi dos Palmares foi morto num 20 de novembro. Ocorre que Seu Jorge vale a pena ainda que fosse verde, tivesse só um olho no meio da testa e mexesse as antenas quando canta.
Entrevistaram-no Maria Amélia Rocha Lopes, jornalista e crítica musical; José Vicente, presidente da ONG Afrobras; Lázaro de Oliveira, da TV Cultura; Pedro Alexandre Sanches, da Carta Capital; Deise Benedito, do Fórum Nacional de Mulheres Negras; o historiador e professor Joel Rufino dos Santos, da UFRJ, e Luciano Ramos, crítico de cinema da Rádio Cultura. Pelo menos José Vicente, Deise Benedito e Joel Rufino tinham uma clara identificação com a causa dos negros, o que ficou evidente ao longo da entrevista. O convidado deu um show.
Seu Jorge não quer ser mais escravo. A escravidão saiu de dentro dele. Ele não quer ser mais escravo porque é negro. Ele não quer ser mais escravo porque foi pobre. Ele não quer ser mais escravo porque é brasileiro. Ele não quer ser mais escravo porque é do Terceiro Mundo. Seu Jorge é senhor absoluto de sua vida: é senhor porque seus ancestrais foram escravos; é senhor porque é negro; é senhor porque foi pobre; é senhor porque é brasileiro. É senhor porque é do Terceiro Mundo. É senhor porque quer.
Escrava, com todo respeito, de uma velha escola se revelou a maioria dos entrevistadores, isto sim, fossem brancos ou negros, militantes ou jornalistas. Pouco escapou. Um, branco, queria que Seu Jorge contasse como foi discriminado em Londres “porque era negro”. Os advogados putativos dos “perseguidos” têm sede de uma causa. Só que o homem não quis ser vítima, não. Contou que foi ele a esnobar os ingleses. Quanto voltou ao país, deixou claro, exigiu tratamento dispensado às idiossincrasias de um João Gilberto. Ele não berra. Ele canta. Ele não distribui panfletos. Ele pensa. Um outro, intelectual negro, porta-voz de uma causa, queria arrancar de Seu Jorge a declaração da supremacia da cultura negra, tão discriminada. E o cantor, nada! Para ele, tudo vale. Não tem essa de superioridade. O rochedo fica, poetizou. A onda bate nele, morre na praia, não dura.
Seu Jorge mora em São Paulo — “Túmulo do samba?”, alguém perguntou ao cantor fluminense. Que nada! Ele adora São Paulo. O samba não é o Rio. O Rio não é a Zona Sul. Seu Jorge fez blague com aquela gente tostadinha e progressista “que aplaude o pôr-do-sol”. Ah, o insofismável brilho do talento. Queriam porque queriam que ele se sentisse discriminado. E ele dizia: “Mas eu não sou”. Queriam porque queriam que ele exercesse o doce charme do vitimismo. E ele cada vez mais dono de si mesmo. Queriam porque queriam que ele carregasse uma bandeira. E ele fazia a apologia do esforço pessoal, do talento pessoal, da dedicação pessoal. “Mas, então, basta cantar?”, perguntou um outro já à beira do desespero. Não, tem de ter algo mais. Ele diz que educa os filhos de outro jeito. Quer que estudem, que se esforcem.
Seu Jorge falou até sobre a França, onde faz muito sucesso. Parece não aprovar — só jornalista branco e ocidental é que aprova — as maluquices da intifada européia. O homem lembrou que os franceses dão benefícios sociais aos imigrantes e que acham injusto aquilo tudo acontecendo. Ora, por que não? Seu Jorge morou na rua entre 1990 e 1997. Faz oito anos que decidiu ser o que queria ser quando já não queria mais ser morador de rua. Não teve a má sorte de cair nas teias de proteção de um padre Júlio Lancellotti. Ou se tornaria morador de rua profissional. Cantando nos protestos, debaixo dos viadutos e pontes, onde, escreveu um articulista, Anatole France teria dito (não disse) que os pobres têm o direito de morar. Seu Jorge mora em qualquer lugar.
Seu Jorge é adoravelmente arrogante. Tem a arrogância dos que se prezam. Markun, quando flagrado, estava visivelmente feliz. Sabia que o programa que conduz e dirige estava marcando um golaço. Mas havia olhos aflitos naquela roda-viva. Meus Deus! O que faremos com todas as piedades que trouxemos aqui? Onde vamos pôr toda a nossa revolta apreendida nos manuais submarxistas de formação da etnia brasileira? Mais um pouco, e corria o risco de alguém disparar: “Quem esse preto pensa que é para ficar dispensando o nosso carinho protetor, esnobando a nossa embevecida admiração? Ele era a nossa melhor chance de uma vítima triunfante. E, no entanto, comporta-se assim...”. Seu Jorge disse que Vinicius de Moraes falou besteira ao classificar São Paulo de túmulo do samba.
Gente boa não baixa a cabeça. Nem diante dos piedosos, que é quase sempre uma forma sublimada de arrogância. Ter chamado Seu Jorge como homenagem à Semana da Consciência Negra foi um grande acerto. Mas foi se revelando, como direi?, também um erro. Ele é, isto sim, um bom e quase irritante brasileiro, também negro. Boa parte dos presentes queria falar sobre o tal “racismo cordial”, e o homem citava, sem querer, Eleanor Roosevelt: “Ninguém me ofende a menos que eu queira”. Aí, o representante da ONG falou de um evento que vai reunir personalidades negras. Queria saber o que ele achava. Ele achava legal, claro, claro... Mas Seu Jorge é muito mais do que negro, é muito mais do que branco, é muito mais do que toda aquela patota que estava a fim de tirar uma casquinha do seu talento, encaixando algum proselitismo no ar, para fazê-lo também veículo de uma causa. Seu Jorge não é cavalo dos maus espíritos de teorias capengas.
Seu Jorge não bota fogo em carros. Seu Jorge não bota fogo em prédios. Seu Jorge não tem pena de si mesmo. Seu Jorge canta. Seu Jorge compõe. Seu Jorge adora se saber bom e fazer sucesso. Seu Jorge não tem a menor disposição para o sofrimento e dispensa os enfermeiros de seu ego. Seu Jorge é brilhantemente vaidoso. Quando Seu Jorge fala sobre os que falam sobre Seu Jorge, Seu Jorge só conta os elogios que fazem a Seu Jorge. Seu Jorge é, definitivamente, um homem superior.
Músicas etc. e tal
Eu o ouvi pela primeira vez não faz tanto tempo. É uma das poucas concessões que faço à chamada música popular brasileira. Não que me considere um especialista em qualquer outra. Não gosto tanto assim de música. Gostar mesmo, eu só gosto de palavras. Mas eu passei a ouvi-lo. Aprecio a sua voz como apreciava a de Cássia Eller. Há em ambos uma afinação única, meio desengonçada, meio gauche, que me agrada muito. Incomoda-me gente que canta “certinho”, que sussurra afinações. Cantores da Bossa Nova sempre me irritaram um tantinho. Eu preferia, por exemplo, Tom Jobim já na fase do fôlego curtíssimo. Porque a música era uma maravilha, e a voz lhe saía errado. Ouvi Seu Jorge e gostei. Esperava um gancho para falar sobre ele.
Decidi ver a entrevista e estava um pouco apreensivo. Artistas falam muita besteira. A maioria deveria ficar de boca fechada. Dia desses, na TV, em ensaios (chamam-se “pilotos” em linguagem técnica) de um programa jornalístico diário de que vou participar, comentei, um pouco a sério, um pouco por blague, que cantores deveriam só cantar, jamais pensar. Eu me referia à participação de Alceu Valença, outro bom da MPB, num protesto idiota contra Bush. “Idiota” não porque Bush não possa ser alvo de protestos (não estou debatendo isso aqui, não agora), mas porque o cantor pernambucano, na manifestação, era de uma irrelevância danada. A música que ele fez para Copacabana é que é a sua praia. No mesmo parágrafo, afirmei que outros, como Fagner, poderiam parar de cantar e só dar entrevistas.
Meus colegas protestaram docemente. Acharam o comentário preconceituoso, agressivo talvez. Todo homem tem direito de ter preconceitos. Quem não tem preconceitos é gaveta ou é idiota. O bom dos meus é que são irrelevantes. O Fagner não vai deixar de cantar só porque eu o aconselhei a tanto. O Alceu não vai deixar de fazer besteira política só porque eu sugeri. O máximo que posso ganhar é a antipatia dos fãs de ambos. Preconceito em que o único prejudicado sou eu é, então, problema exclusivamente meu. Penso em criar um movimento de combate ao preconceito dos que não aceitam os meus preconceitos.
Retomando o fio. Eu estava algo apreensivo porque temi que ele fosse macaquear um discurso que, sabidamente, não é o seu. Receava que fosse engolido pela voz média do consenso oficial: haveria um terrível preconceito racial no Brasil, tanto pior porque velado. É o que todo militante negro acha. É o que todo branco de esquerda acha porque não pode ver uma causa passar ao lado sem engrossar o cordão dos puxa-sacos de qualquer vítima de plantão. Mas que nada! Seu Jorge está entre aqueles poucos que devem tanto cantar como falar. Não se permitiu ser capturado por todas as redes de boa consciência que lhe foram lançadas. Seguiu adiante: talentoso, na dele, preocupado apenas em fazer cada vez melhor aquilo que sabe fazer.
Há três anos
E ainda me senti entre homenageado e vingado. Há três anos, protagonizei, no mesmo Roda Viva, também por ocasião da Semana da Consciência Negra, um debate bem azedo com um acadêmico. Começamos nos desentendendo sobre cotas raciais e terminamos nos estranhando sobre tudo o mais, inclusive a qualidade do livro que ele havia escrito e que servia de referência àquele encontro. Por uns bons meses, o programa foi um estigma na minha vida. Chegavam-me xingamentos de todos os lados. Porque me opus (e me oponho) a cotas, chamaram-me “racista”, “direita”, “fascista” e outras delicadezas.
Não vou requentar aquele debate porque os números, hoje ainda mais do que antes, me dão razão absoluta. Três anos depois, o negro Seu Jorge, com alma de negro, cabelo de negro, história de negro, diz àqueles olhos que começaram caridosos e solidários e terminaram espantados, sem ter onde pôr seu estoque de piedades e vocação militante: “Protejam-me do seu amor, protejam-me dos seus cuidados, protejam-me de suas causas, protejam-me de seus carinhos”.
Seu Jorge provou que o establishment politicamente correto agoniza. Sua entrevista não torna melhor a sua música. Mas eu o ouvirei ainda com mais prazer. Sua competência ofende a Central Única das Vítimas. Longa vida a seu Jorge!

11 de nov. de 2005

CORSÁRIOS, VISIONÁRIOS E PETISTAS

por Glauco Fonseca - publicado no Diego Casagrande

Os dois filhos de Francisco são amigos do mais ilustre filho de Aristides. Zezé Di Camargo e Luciano são amigos de Lula, o presidente do Brasil. Nunca passou pela cabeça dos filhos de Francisco, entretanto, que o filho de Aristides, presidente do Brasil, voando alto e sempre num majestoso e novíssimo Airbus, estaria assistindo a seu filme, que inclusive concorrerá ao Oscar... em cópia pirata!

Isso mesmo, senhoras e senhores, filhos de Francisco, sobrinhos de José, netos e netas do inesquecível Badanha: No “Holandês Voador” presidencial havia uma cópia pirata do DVD que, segundo a distribuidora, só chegará às lojas no dia 7 de dezembro deste ano! E a culpa de quem foi? De assessores, lógico, esses irresponsáveis mandaletes que sequer informaram ao Presidente da República que ele estava participando de um delito previsto no Código Penal Brasileiro.

O Artigo 180 do CP define Receptação Culposa: § 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso. A pena, neste caso, é descrita pelo Art. 155 do CPB, § 4º - ... reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido: II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza.

Em 14 de outubro de 2004, o Ministério da Justiça criou o Conselho Nacional de Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (Decreto nº 5.244), presidido pelo secretário-executivo do Ministério. Conta com a participação de representantes dos ministérios da Cultura, Relações Exteriores, Fazenda, Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Trabalho, além da Câmara, do Senado, das polícias Federal e Rodoviária e da iniciativa privada.

No lançamento do Conselho, disse o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos: "A pirataria é uma das muitas faces do crime organizado, envolve lavagem de dinheiro, homicídio e violência, além dos imensos prejuízos que está trazendo a nação brasileira", citando dados divulgados pelo Instituto Mackenzie que indicam que a pirataria movimenta anualmente 56 bilhões de reais, além de custar dois milhões de postos de trabalho e 84 bilhões de reais em impostos que deixam de ser arrecadados.

No Brasil, 33% dos produtos de fumo, bebidas e combustíveis são ilegais. No setor literário, 200 milhões de cópias ilegais são feitas todos os anos, diz a Agência Brasil. No setor de software, a comercialização ilegal afeta 61% dos programas e 70,4% dos equipamentos vendidos, segundo a Associação das Empresas de Software (Abes), causando a perda de 45 mil vagas de emprego e 1,4 bilhão de reais a menos nos cofres públicos.

Enquanto isso, no avião presidencial, na viagem Rússia-Brasil, alguém fazia um negócio da China. O filme pirateado “Os dois filhos de Francisco”, segundo a Sony Pictures, já possui meio milhão de cópias piratas em circulação, sem pagar um tostão de imposto. O presidente da república estava assistindo confortavelmente a uma dessas cópias.

Mas, para algumas pessoas, crime é apenas aquilo que os outros cometem. Certas pessoas acreditam firmemente que estão muito acima da lei, que são superiores a outras, que os códigos devem ser imputados a todos aqueles que se localizem diante de seus caminhos. Para algumas pessoas, mentir é mera dialética e roubar é algo até plausível. Há pessoas que pensam diferente, pois até se crêem diferentes. Em maior ou menor grau, seitas, religiões e crenças descabidas podem criar essas inversões de valor, criando mentirosos contumazes que acabam, pela repetição da mentira, acreditando nelas piamente. Vemos diariamente na TV, nos telejornais, diversos políticos e seus amigos mentindo, acreditando que estão convencendo e, portanto, aumentando o volume da mentira. Uma cópia pirata de um DVD não é crime, se o lugar onde for encontrada estiver recheada de petistas. Coisa de visionários.

Só que o Brasil, país de nobre povo, descobriu em Nietzsche que “visionário é aquele que mente para si mesmo; mentiroso, para os outros”.

O Brasil já descobriu que não precisa de corsários, visionários nem mentirosos. Precisa é de um novo governo.

4 de nov. de 2005

O PT trucou. Hora de a oposição gritar: “Seis, ladrão!” - por Reinaldo Azevedo

O PT é mesmo um show. No exato instante em que se prova o escândalo Visanet-BB-Valério-PT, revelando uma parte ao menos da origem da dinheirama que irrigou o delubioduto-valerioduto, somos informados de que emissários do petismo — Antonio Palocci e Márcio Thomaz Bastos — estariam encarregados de negociar um armistício com as oposições. Não um armistício qualquer, é claro. Seria algo bem à moda daqueles grupos islâmicos que se dizem de resistência: “Ou fazem o que queremos ou explodiremos inocentes”. A plantação vem com tudo: nome e sobrenome.

Assim se negocia a paz segundo se lê: caso PSDB e PFL flertem com o impeachment ou queiram chamar para depor Lulinha (Telemar) da Silva, então o PT ressuscita o Dossiê Cayman e joga na roda o filho de FHC e a filha de Serra. Sob qual acusação? Qualquer uma. A que der na telha. Contra fatos — como o conúbio Visanet-BB-Valério-PT e a injeção de recursos da Telemar na empresa do filho de Lula —, oporiam boatos, mentiras, feitiçarias, tanto faz. A lógica desse tipo de jogo mafioso é a seguinte: guerra é guerra.

O Dossiê Cayman é mais falso do que uma nota de R$ 3. O próprio PT o rejeitou à época porque percebeu que era uma roubada. Seus autores foram presos. O assunto só prosperou na mídia porque a ordem era caçar tucanos a qualquer custo. Certos setores julgavam que eles eram o grande mal do Brasil e que pretendiam “mexicanizar” o sistema político — o que, convenha-se, revelava, a um só tempo, ignorância sobre a política mexicana, sobre o PSDB e, claro, sobre o PT, este, sim, com efeito, a coisa mais próxima a que se chegou de um PRI aqui no Brasil. E que continua ativo. De velório ao Judiciário, passando pelos outros dois Poderes, todas as instâncias do Estado, com escala nos sindicatos e nas federações empresariais, o partido está em todo lugar. Mas havia gente querendo caçar tucanos. Preferiam patos selvagens... Eles estão aí.

Tenho lido alguns coleguinhas, ouvido alguns comentários de TV. Os “titios” e as “titias” da mídia estão apavorados com o que chamam “guerra de extermínio”. A última piada é dizer que o confronto abre espaço para uma “terceira via”, que seria, quem sabe?, a via do inferno, com Garotinho ou qualquer outra coisa “menos comprometido com isso que está aí”. Chamo a esse raciocínio de “terrorismo da neutralidade”. Trata-se de puro pensamento mágico com que enganamos criança bagunceira: “Se você não se comportar, Papai do Céu vai ficar triste”. A ameaça, claro, como no caso dos infantes, só interessa à ordem instituída. No momento, quem manda no barraco é o PT.

Pediria aos “titios” e às “titias” que me contassem qual foi o ato tão severo de “agressão” cometido até agora pelas oposições. No máximo, vi Arthur Virgílio (PSDB-AM) e ACM Neto (PFL-BA) ameaçando dar uns sopapos nos petistas, até no presidente da República. É só engraçado: 1) não é grave; 2) não tem a menor importância; 3) só serve para dar corda aos reacionários da imprensa, que preferem fazer essa crítica da suposta “falta de controle”. O senador e o deputado, a esta altura, já devem ter concluído que fizeram mal. Se as palavras fossem para valer, não estaríamos mais falando de política, mas de pugilato. De resto, nesses casos, a gente não fala que vai dar porrada: dá a porrada. A estridência teve um lado positivo: chamou a atenção para a arapongagem que tomou conta do país.

Mas retomo o fio. Nunca houve uma oposição tão cordata. Por muito menos, qualquer outro presidente, a começar de FHC, já teria caído. Lula não cai porque há quem tema seus “bolivarianos” — temor injustificado; em qualquer hipótese, a Constituição teria como ser mantida (os mercadores do apocalipse deveria lê-la...) — e porque a esquerda foi bem-sucedida na acusação patética de que há um golpe em curso. Arma-se um esquema de corrupção que pode ter movimentado R$ 3 bilhões, e acusá-lo, claro, é coisa de golpista...

Não sei quem vazou para a imprensa que Márcio Thomaz Bastos e Antonio Palocci são os emissários da “pax lulista”, negociando com granadas no bolso. Seja lá quem for, está interessado em que se crie a impressão de que todos são iguais e têm o que temer. Ao PT interessa, obviamente, que prospere a suposição de que existe um equilíbrio na precariedade moral, de que ninguém pode atirar a primeira pedra, de que a oposição só não caminha para o pedido de impeachment porque também tem culpa no cartório.

Ademais, a qualidade dos emissários depõe a favor ou contra a guerra. Bastos como mensageiro me parece atribuição de papel incompatível com o ator escolhido. Até os vastos gramados de Brasília sabem que a saída “tudo é caixa dois” passou pela mente do advogado criminalista. E, como se evidencia com o caso Visanet-BB-PT, aquela história está desmoralizada. Palocci, neste momento ao menos, não está em situação mais tranqüila para levar pergaminhos recheados, segundo se diz, de explosivos. Os homens que sustentam a existência da “operação cubana” eram aliados seus. Mais do que isso: eram seus amigos. Mais do que amigos, eram seus auxiliares.

Truco

Quem é do interior de São Paulo, Mato Grosso, Goiás, norte do Paraná e sul de Minas conhece o jogo de truco. De fato, creio que ele se espalhou por quase todo o Brasil. Não vou explicar as regras (pesquisem) porque é muito fácil de jogar e longo para explicar. Ademais, valem mais a esperteza, a improvisação e a habilidade para blefar — ou seja, as regras que não estão escritas.

A oposição tem sido muito cordata com Lula: tem visto carta sair da manga, sendo passada por baixo da mesa, olheiros informando os adversários — toda sorte de lambança. E tem-se contentado em ganhar e perder um ponto por vez. Num blefe monumental, acuado, sem cartas, o PT dá um murro na mesa e grita “Truco!”. A oposição que não gritar, agora, “Seis, ladrão!” e não pagar para ver não merece nem disputar o poder.

Trata-se de fazer valer a regra do jogo.

reinaldo@primeiraleitura.com.brl
Publicado em 3 de novembro de 2005.
Primeira Leitura

27 de out. de 2005

Atenção, oposições! Hora de chamar Lula para o jogo

Por Reinaldo Azevedo no Primeira Leitura

Bem, finalmente alguém põe o guizo no pescoço do gato, não é? Se os deputados que recorreram ao caixa dois, chame a prática mensalão ou não, têm de ser cassados, outra não deve ser a pena do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando menos, está caracterizado que chegou ao poder recorrendo à flagrante ilegalidade. Foi o que evidenciaram nesta quinta os deputados Moroni Torgan (PFL-CE) e Zulaiê Cobra (PSDB-SP) e o senador José Agripino (PFL-RN), que se disse favorável a que seu partido represente contra Lula.

Aliás, as oposições, por erro de cálculo, já deixaram passar a oportunidade de fazê-lo quando Duda Mendonça confessou, com todas as letras, que o caixa dois financiou também a candidatura presidencial. Ali se entendeu que o presidente ainda contava com o apoio de uma ampla maioria e que uma eventual ação de impeachment estaria na contramão dos desejos da população. Erro de cálculo por quê? Porque, obviamente, o PT, que está avariado, mas não morto, tentaria criar os contra-argumentos e entraria na guerra de propaganda, como está fazendo. Um erro de circunstância. Mas também há um erro conceitual importantíssimo: governantes e povo estão sujeitos e submetidos às leis. Se um presidente comete crime de responsabilidade, tem de sofrer as conseqüências legais cabíveis. Ao povo resta ficar no seu lugar: submetido às leis. E ponto final.

Ademais, vê-se agora, o apoio da população a Lula é menos amplo e menos sólido do que parecia. Queira ou não o Planalto, o resultado do referendo sobre a proibição de armas caiu no seu colo. Não há nenhuma razão, pois, circunstancial ou conceitual, para que Lula não arque com as conseqüências da forma como foi eleito. Os tesoureiros que depuseram nesta quinta (leiam o noticiário) não deixaram a menor dúvida: o caixa dois — e sabe-se lá como se conseguiram os recursos para tanto — financiou também a campanha de Lula. As oposições, sob qualquer pretexto, não podem mais ignorar tal fato.

A versão do empréstimo, sustentado por Marcos Valério, Delúbio Soares, Lula e toda a cúpula do PT, mal pára de pé. Nem mesmo os valores batem. Delúbio diz que autorizou o repasse de R$ 12 milhões ao PL; Marcos Valério diz que foram R$ 10.837,50; Valdemar Costa Neto, presidente do partido, diz que foram R$ 6,5 milhões. É uma bandalheira, é um esculacho, é um vexame.

Reitero: os tesoureiros estão dizendo que o caixa dois financiou a campanha de Lula, o que o deputado José Dirceu (PT-SP) vinha negando peremptoriamente. A piada oficial é que aquilo que Delúbio classifica de “recursos não contabilizados” só servira às campanhas estaduais. Não é engraçado? Vai ver o tesoureiro pegava, sei lá, notas de R$ 100 e, como um Salomão metade ético e metade bandido, rasgava-as em duas partes: uma ia para a contabilidade oficial; a outra era enviada aos Estados, por baixo dos panos. Tenham a santa paciência!

O país caminha, isto sim, para um ridículo jurídico. De que, ora vejam, querendo ou não, a própria Justiça está fazendo parte. Não faz tempo, o presidente do Supremo, Nelson Jobim, afirmou que Lula tinha o direito de ser julgado pelo povo. Foi severamente censurado aqui. Ninguém tentou ou tenta lhe tolher esse direito, desde que ele o conserve até chegar lá. Seus ainda aliados confessam que o dinheiro irregular — cuja origem continua desconhecida — serviram à sua campanha. E agora?

Agora, senhores da oposição, nada a temer senão o triunfo da ilegalidade. A sociedade pede uma resposta. Se a Justiça, que anda, é fato, com temperamento às vezes estranho, entender que a representação contra Lula é descabida, obedeça-se, claro, a determinação. Mas a institucionalidade já não pode mais conviver com as ilegalidades flagrantes e confessas que sustentaram a campanha de Lula, que o levou à Presidência da República.

Confronto

O confronto — confronto legal, democrático — não está sendo urdido pelas oposições, mas pelos fatos. O PT escolheu o caminho do confronto, e é o caso de as oposições tomarem cuidado com, como direi?, seu excesso de dialética, que pode ser só falta de clareza. Já ouvi alguns de seus representantes a dizer: “Se o PT quer o choque, não podemos cair nesse jogo”. Errado! O partido escolheu esse caminho porque é o único que lhe resta. Vejam seu programa no horário político desta quinta. Os petistas estão, é claro, na defensiva. Precisam até mesmo avisar que não são bandidos. Mas partiram, sim, para o confronto.

O ato vil, pusilânime, de que foi vítima o senador Jorge Bornhausen; a campanha movida pelo partido e suas ONGs associadas em São Paulo contra a gestão Serra, tudo, enfim, indica que o PT, obviamente, está vivo. E que sua única chance é sair atirando. A moderação, contra a evidência das leis, diga-se, da oposição, só pode ajudar o petismo. Lula foi eleito, confessam-no seus aliados, com dinheiro de origem ilegal. A soma dos supostos empréstimos não bate com o total movimentado; uma rede de corrupção estava espalhada nas estatais e na administração pública. Acabou. As evidências estão todas dadas.

E se uma eventual ação contra Lula for obstada pela Justiça, e Lula se fortalecer? Será mesmo? Caso o petista consiga se desvencilhar de sua própria obra, estejam certos, não será por isso. Entendo que o resultado do referendo deixou claríssimo que o espírito que elegeu o Apedeuta está se desfazendo. Um terço votará sempre em Lula. Um terço votará sempre contra Lula. O outro terço está em disputa.

Fico, às vezes, com a impressão de que as oposições se deixam impressionar excessivamente por este terço que jamais vai arredar pé de Lula, que vai sempre ficar com os, como dizer?, “progressistas”, por mais reacionários que sejam. Isso inclui, acreditem, até setores da imprensa. É a minoria barulhenta contra a maioria silenciosa que falou no referendo. Continuarão a fazer o jogo do lulismo, continuarão a afirmar que Azeredo ou Lula, tanto faz, é tudo caixa dois... Contra isso, não há resposta possível. A resposta é deixar claro que não se compactua com a bandalheira. Não quero ser muito cru, mas vou a palo seco: os petistas querem cassar Azeredo por caixa dois? Querem trocar um bispo por um rei? Parece uma brincadeira boa.

Nada a temer senão a depredação da institucionalidade. Que se dá justamente com a presença de Lula no poder — ao menos com a sua presença lá sem que seja obrigado a responder por seus atos. Justiça nele! Mesmo que esta, às vezes, pareça não querer.

7 de out. de 2005

A CORRUPÇÃO E SUAS CAUSAS

por Rodrigo Constantino, economista - do Diego Casagrande

“In every society there are those who will try to ´beat the system´ and if the system is vulnerable, there will be more of them; thus there is no ´moral superiority´among the less corrupt contries; they simply have more developed and stronger institutions and practices to control the menace.” (Transparency International)
A corrupção é basicamente fruto da impunidade e de um modelo estatal inchado, sem império da lei. Eis o que pretendo demonstrar nesse artigo, de forma sucinta e objetiva. O Brasil parece caminhar em direção oposta ao rumo correto do combate à corrupção. Afinal, a impunidade anda solta, os recursos que passam pelo Estado aumentam, e a mentalidade coletivista exime de culpa os indivíduos, dificultando o império da lei. A culpa da corrupção e criminalidade passa a ser da “sociedade”, da “miséria”, e as pessoas pedem ainda mais Estado para curar esses problemas. As sanguessugas vão tratar da leucemia...
Em primeiro lugar, somos todos individualistas. Os homens não são cupins ou abelhas, que vivem para o bem da colônia. Os indivíduos preocupam-se com seus interesses particulares, não com objetivos abstratos como o “bem geral”. Vale lembrar que isso é verdade para todos, ou seja, o homo politicus também segue essa norma natural. Os políticos buscam seus próprios interesses, e concentrar poder e recursos em suas mãos é receita certa para maior corrupção. Vamos ver melhor o porquê disso.
Gary Becker, economista de Chicago que ganhou o Nobel em 1992, mostrou que a Teoria Econômica é, na verdade, uma Teoria de Escolha. Os indivíduos reagem aos incentivos. Para os acertos, os prêmios, e para os erros, a punição. Isso faz com que necessitemos de um modelo meritocrático, existente apenas no livre mercado. Essa meritocracia inexiste nas estatais, por exemplo, onde o emprego é garantido, e a remuneração raramente depende do valor gerado. O escrutínio de sócios preocupados com a lucratividade é fundamental para a boa gestão, punindo ou premiando os erros e acertos.
Milton Friedman, outro economista de Chicago e também prêmio Nobel, destaca as quatro formas de gastos. Podemos gastar nosso dinheiro em causa própria ou com outros, como em presentes, ou podemos gastar o dinheiro dos outros, em causa própria ou para os outros mesmo. Ora, claro que apenas o mercado livre garante o efetivo interesse nos custos e benefícios dos negócios realizados, já que as pessoas estão gastando o próprio dinheiro em causa própria. Os gastos estatais, executados por burocratas com dinheiro alheio, jamais terão os mesmos cuidados. Há enorme preocupação com os benefícios, mas praticamente nenhuma atenção aos custos. Quem toma muito cuidado e lava um carro alugado? Isso favorece o ambiente corrupto, pois o dinheiro é da “viúva” mesmo. O que é de “todos”, não tem dono, não é de ninguém! Os políticos, gastando dinheiro de terceiros, muitas vezes em causa própria, terão um grande incentivo aos abusos.
A concentração de poder e recursos no Estado, portanto, é um enorme estímulo à corrupção. O federalismo é um meio de combater essa concentração, dividindo o poder político nas esferas locais, mais próximas do povo. Quanto mais recursos estiverem nas mãos do governo central, maiores as chances de abusos. A burocracia deve ser duramente combatida também. Todos sabem que a vocação principal da burocracia é criar dificuldades, para vender facilidades ilegais depois. Quanto maior a burocracia, maior a necessidade de subornos para a sobrevivência das empresas. Segundo a ONU, cerca de 15% das empresas pagam suborno nos países desenvolvidos, contra cerca de 60% nas nações do antigo império soviético.
As leis devem ser isonômicas e básicas, de fácil compreensão. Quando trocam o conceito objetivo de justiça pelo vago termo “justiça social”, criam a arbitrariedade das leis, tornando as regras complexas e aplicáveis ex post facto. Isso gera perda de confiança no império da lei, fundamental para a solidez institucional de um país. Ocorre a formação de grupos organizados, na defesa de seus interesses, objetivando conquistas via o lobby político, e não através das trocas voluntárias no mercado livre. A amizade com o rei passa a valer mais que a competitividade da empresa. Vence quem mais suborna. Eis um grande catalisador para a corrupção.
O contexto também é crucial para a corrupção. Pequenos delitos que ficam impunes, criam um clima de desordem, podendo gerar uma epidemia de ilegalidade. A impunidade talvez seja a maior causa isolada da corrupção. Marcos Valério ainda solto, Delúbio Soares, Waldomiro Diniz, esses casos contribuem, e muito, para esse clima geral de impunidade.
Como comprovação empírica desses pontos lógicos, temos o estudo do Transparency Internacional, organização que luta contra a corrupção no mundo. Eles criaram um índice de percepção de corrupção, e ainda que falho, serve como bom indicador. O interessante é quando colocamos lado a lado o índice de liberdade econômica, do The Heritage Foundation, e esse índice de corrupção. Há uma enorme interceção! Dos 20 primeiros com baixa corrupção, simplesmente 19 deles estão também entre os 20 primeiros em liberdade econômica. Países como Nova Zelândia, Dinamarca, Cingapura, Suíça, Austrália, Holanda, Canadá, Luxemburgo, Hong Kong, Inglaterra e Estados Unidos estão tanto na liderança do ranking de liberdade econômica como no de pouca corrupção. E como conseqüência, são também os países com maior renda per capita do mundo.
Entendendo melhor as causas da corrupção, e o quanto ela custa para o progresso da nação, podemos propor algumas medidas essenciais no combate à ela. De forma resumida, seriam: privatização da maior parte das estatais, reduzindo o volume de recursos que passa pelo governo; redução dos gastos públicos, pelo mesmo motivo; combate duro à burocracia; adoção do federalismo na prática; maior abertura comercial; redirecionar o foco do Estado para o Judiciário, buscando o império da lei, e para a segurança, para manter a ordem e acabar com a impunidade. Quem sabe assim poderemos chegar mais perto de uma Suíça...

8 de set. de 2005

O demônio do totalitarismo

Por Reinaldo Azevedo do site Primeira Leitura

Uma frase que escrevi aqui há alguns dias continua rendendo. Disse, então, que “tudo o que é ruim para o PT é bom para o Brasil”. Até amigos meus protestaram, alguns que não têm simpatia pelo petismo. Os petistas, então, ficaram muito bravos. “Isso lá é análise política? É só campanha antipetista, típica do reacionário que você é. Pois eu já acho que tudo o que é ruim para a TFP, ou seja, para você, é bom para o Brasil.” É um leitor. Chama-se Paulo Lima. É impressionante. Mas ele não está sozinho no seu rancor, como se verá adiante.

É claro que eu não vou provar que não integro a Tradição, Família e Propriedade. Não integro. Ainda que integrasse, não corresponderia a fazer uma reunião com narcoterroristas das Farc, como fizeram os petistas numa chácara no Distrito Federal, ou a ser membro do Foro de São Paulo, onde aqueles narcoterroristas estão abrigados, a exemplo do PT. Não comungo dos princípios da TFP, mas me parece que carregar bandeiras vermelhas na rua com um leão dourado não tem a mesma gravidade de seqüestrar, matar, violar ou traficar drogas. Ainda que eles quisessem recuperar os valores da Idade Média. Não censurei o PT só por suas convicções, mas também por sua prática.

Mas vou brincar um pouquinho com a patrulha petista. Essa gente sempre me ajuda a pensar. E depois vou chegar ao professor Emir Sader, outro que me leva de volta às Santas Escrituras da democracia, em oposição ao demônio do totalitarismo. Escrevi “demônio”? Sim, é isso mesmo. Refiro-me ao universo simbólico. Creio em Deus, mas não no capeta como existência autônoma. O diabo está dentro de nós e corresponde à corrupção dos princípios. É por isso que ele sempre exibe uma face sedutora. O mal nunca se mostra como tal. Resistir a ele requer firmeza, caráter, convicção. Resistir a ele implica controlar as próprias tentações.

Às pessoas civilizadas que então me criticaram, respondi que ninguém reclamaria — ou bem poucos o fariam — se eu houvesse escrito algo como “tudo o que é ruim para Maluf é bom o Brasil”. Se o tivesse feito, seria lido com bons olhos pelos “progressistas” de plantão. Acontece que eu não dependo da generosidade dos progressistas e não preciso de sua ração diária de simpatia para me sentir um cara bacana. Não sou de companhia. Assim, preconceituosos são aqueles, e aí incluo até os meus queridos amigos que apontaram o meu exagero, que consideram que quem rouba para enriquecer é mais vil do que quem rouba para construir um novo amanhecer. Para mim, tanto faz.

Se quiserem saber, acho Maluf menos prejudicial para o país do que Luiz Inácio Lula da Silva. De um deles, cedo ou tarde, a lei dá conta; do outro, não. Porque suas proteínas de má consciência acabam se juntando ao DNA sadio dos sonhos de justiça social e lhe conspurcam a verdade. De um, a sociedade pode se livrar, sem que ele mude o código genético da democracia; o outro corrompe a vontade de mudar. Quem me viu entrevistar Maluf no Roda Viva sabe como trato este senhor e quanto lhe sou simpático. Mas não vou ficar ciscando a boa vontade de estranhos sendo óbvio. Os covardes malham os judas de plantão dos politicamente corretos; quem tem coragem afronta os grandes inquisidores do PT.

É isso aí. O PT é o mal porque corresponde à morte da tolerância. E vou provar, mais adiante, com um de seus anticristos totalitários, o que falo. Essa gente vampirizou o processo político e se tornou bem depressa caudatária e beneficiária do mal que eles próprios denunciavam. É por isso que seu pecado político não tem perdão. Outros partidos poderão ter praticado ilegalidades. E, parafraseando Padre Vieira, por isso foram enforcados. O PT esbulhou a lei e, ainda por cima, mandou enforcar. Não, eu não os quero na fogueira; eu não os quero como mártires de seu delírio do rancor. Eu os quero vencidos pelo voto. Eu os quero expostos à luz dos fatos. A água benta e o crucifixo contra o enxofre nauseabundo de sua ideologia é a liberdade, é a democracia, é a clareza. Tudo o que é ruim para o demônio da mistificação, da mentira, do engodo, da falsa santidade, da pusilanimidade, da fraude, da traição, é bom para o Brasil. Tudo o que é ruim para o PT é bom para o Brasil. E, assim, chego a Emir Sader. Ele está com sede. E, a exemplo do que disse de Marat um inimigo seu, repito: vamos dar um copo de sangue a ele; ele está com sede.

30 de ago. de 2005

O BRASIL É PARA PROFISSIONAIS

por Alberto Oliva, filósofo - publicado no Diego Casagrande

Na bandeira de nossa pátria já poderia estar inscrito o dístico “decifra-me ou devoro-te”. Há no planeta desde as sociedades protetoras e aconchegantes até as selvagens. A nossa é do tipo em que quase tudo é perigoso. Perdeu-se a inocência da convivência tranqüila dos anos 50. As flechas vêm de quase todas as direções. O brasileiro é um candidato permanente a São Sebastião. Está submetido a riscos dos mais variados tipos: de ser ludibriado, roubado e assassinado. E o pior é que seus inimigos podem ser tanto os governantes que escolheu quanto os marginais saídos das catacumbas do desconhecido. Não tem o pobre cidadão como viver feliz num ambiente que oculta tantas ameaças. O homem de bem é um amador encurralado por profissionais do mal.

Da corrupção gerida com eficiência tentacular ao assalto à mão armada, passando pela falta de serviços públicos de qualidade, tudo encurrala o indivíduo, tudo o transforma em marionete de um sistema perverso. Os brasileiros sofrem em sua maioria da síndrome de Estocolmo: vêem com enorme complacência os algozes. Trata-se de sintoma de infantilização. Como acreditam mais nas pessoas que nas instituições se decepcionam com as condutas e não com as funcionalidades viciosas. Quando se presta atenção nas implicações do que um candidato diz pode-se prever muitas das ações que executará como governante. O eleitor não pode colocar no Poder um partido com idéias socialistas retrógradas e depois estranhar suas ações no sentido de controlar, intervir, reduzir ou suprimir a liberdade. O bolchevismo tardio, sem causa e totalmente desmoralizado pela história, se juntou na Terra Brasilis ao velho patrimonialismo para criar uma grande rede de corrupção que fosse capaz de alavancar um Projeto de Poder. Com a queda do Muro de Berlim, alguns gênios petistas chegaram à luminosa conclusão de que a corrupção seria a baldeação rumo à Estação Finlândia. Quando Stalin se acasala com Macunaíma o rebento apresenta traços tragicômicos...

As sociedades mais avançadas são aquelas em que as pessoas podem se dedicar às suas tarefas, às suas especialidades, sem precisar se defender de tudo e todos. Quando os golpes deixam de ser monopólio de bandidos, estelionatários e criminosos, podendo ser praticados por agentes do governo, fica o indivíduo praticamente impossibilitado de se defender. Vira um amador, acuado e indefeso, cercado de profissionais da ilicitude. É a fragilidade das instituições que explica como e por que os brasileiros honestos se tornam amadores manipulados por meia dúzia de profissionais do crime e da política. E as instituições crescem fracas quando a sociedade não se aferra a determinados valores. Em que a média dos brasileiros acredita com firme convicção? Infelizmente, a democracia – não o democratismo populista – entendida como forma de limitar, distribuir o exercício do poder, a economia de mercado e a clara separação entre governo e Estado não são prezados como merecem. É o laxismo geral, a falta de inabalável adesão a certos valores político-econômicos, que faz com o País esteja sempre desorientado. Os desequilíbrios estruturais e a bandalheira moral não são devidamente combatidos porque faltam ao povo e às elites o profundo comprometimento com determinados valores filosóficos.

A atávica falta de respeito à liberdade individual, a incapacidade institucional de responsabilizar as pessoas por seus atos, a negação do direito à autodefesa fazem com que os amadores fiquem à mercê de facas, cacos de vidro, pistolas automáticas, AR-15 enquanto os profissionais da manipulação os engabelam propondo o desarmamento como solução. Os amadores pagam impostos e se trancam apavorados em casa e os profissionais defendem os bandidos como vítimas do Sistema. Os profissionais bolam planos assistencialistas e populistas, os amadores neles acreditam e ainda pagam a conta. E com isso a maioria deixa de receber saúde e educação de qualidade. Os profissionais contratam publicitários com dinheiro ilícito; os amadores se deixam seduzir. Os profissionais da criatividade, pagos a preço de ouro, criam para os outros profissionais, os poderosos, a propaganda “Um País de Todos” e os amadores não percebem que todos são Eles, são apenas Eles, os donos do Poder.

22 de ago. de 2005

NÃO É “CRISE POLÍTICA”, É CORRUPÇÃO

por Alberto Oliva, filósofo - publicado no Diego Casagrande

As crises morais são oportunidades de as sociedades mostrarem sua alma. As mentes partidarizadas têm desprezado com assombrosa caradura fatos estarrecedores sobre os descaminhos éticos do governo e de seu partido. Entristece constatar como a mídia tem se valido de eufemismos ideologicamente construídos para discorrer, cheia de dedos, sobre a estrela vermelha que vem sendo coberta de marrom fétido. A fração da imprensa que antes se omitia diante das falhas grosseiras de gerenciamento, dos projetos autoritários – Ancinav, Conselho Federal de Jornalismo – e dos discursos escalafobéticos do presidente agora esvazia o conteúdo avassalador da roubalheira sistêmica rebatizando-a como “crise política”. A contundência dos fatos torpes e das mentiras deslavadas é atenuada pelo uso de expressões anódinas. Os direta e indiretamente envolvidos nos escândalos mencionam vagos erros de companheiros quando suas frases têm como sujeitos ocultos contumazes ladravazes. O ilusionismo ideológico não tem escrúpulos: a corrupção mental não se constrange em substituir a ilicitude – juridicamente enquadrável - e o deslize moral – coletivamente condenável – pelo erro vago de tipo operacional ou intelectual. A corrupção das mentes é muito mais grave que a dos bolsos...

Atacando o tempo todo uma elite nebulosamente identificada, os mutreteiros oficiais tudo fazem para explorar a ingenuidade dos que vivem nas trevas do intelecto. A esquerda tenta doutrinariamente transformar o Brasil no país dos pobres, mas o que consegue é torná-lo apenas o paraíso dos pobres de espírito. Juristas em altos postos da república declaram que Collor caiu pela impopularidade, pela indignação que o seqüestro da poupança causou. Quer isso dizer que se a lama da corrupção vier a adentrar claramente o Palácio do Planalto terão os setores lúcidos e críticos da sociedade de fingir que nada vêem se o presidente se mantiver popular. A delitos iguais ou parecidos raramente se aplicam as mesmas penas no Brasil. Nosso país é useiro e vezeiro em dispensar tratamentos diferenciados aos mesmos tipos de crime. Esta a raiz de nossos males coletivos e institucionais: politizamos demais, só falamos no estrutural e perdemos de vista o local, sonhamos com grandes transformações e deixamos de fazer o trivial.

A sociedade civil é fraca porque muitas de suas organizações se mostram dependentes do Estado ou se deixam por ele cooptar. Até grupos que não recebem verbas e subvenções aceitam colocar antolhos ideológicos. Não por acaso, a UNE e a Ubes mudaram de fantasia só porque o governo é do PT: seus manifestantes deixaram de ser caras-pintadas para ser caras-de-pau. É preciso fazer muita ginástica mental, aceitar como normal a cisão esquizofrênica, para se cegar como um Édipo e sair às ruas protestando com impressionante incongruência: contra a “crise política”, exigindo a prisão dos corruptos por meio de cartazes vistosos, atacando a política econômica e defendendo o presidente Lula. Eis o samba do estudante doido. Se os movimentos sociais tivessem efetivamente a intenção de defender o presidente Lula não atacariam sua política econômica, já que até agora é a âncora que tem evitado que o navio da crise fique à deriva.

Quando se sustenta que não há condições políticas para se desencadear o processo de impeachment do presidente da república duas questões vêm à tona. Se a culpa vier a ser objetivamente estabelecida, configurando-se o chamado crime de responsabilidade e mesmo assim parte da opinião pública e setores expressivos dos chamados movimentos sociais continuarem apoiando Lula e lhe hipotecando solidariedade, ainda assim será possível continuar rechaçando a proposição do impeachment? Mas como manter Lula na presidência se vier a ficar insofismavelmente comprovado que se envolveu com o maior esquema de corrupção (sistêmica) de todos os tempos? Como permitir que termine o mandato sem enfraquecer ainda mais as instituições, sem que o País desmoralize ainda mais as instituições? A segunda questão: se parcela expressiva da população é complacente, independentemente dos motivos e das razões que tenha, com um governo contra o qual pesam seríssimas acusações é inevitável inferir que a crise moral é tão grave que gerou conivência até mesmo por parte daqueles que não se beneficiaram nem indiretamente com a corrupção. E pode haver algo mais desalentador?

Ora, caso se configure um nítido descompasso entre o jurídico – uma inequívoca comprovação de ilícitos – e o político – uma razoável popularidade do presidente – será imperioso saber se a opinião pública é desinformada, se demora a se informar ou se é condescendente com a corrupção praticada ou tolerada por governantes carismáticos. Das respostas possíveis, a última revelará uma alma nacional moralmente despedaçada. O partidarismo e a ladroeira impedem que as instituições sejam postas a serviço da realização de objetivos de interesse coletivo e do respeito incondicional a determinados valores. Se a corrupção nossa de cada dia for praticada por poucos e aceita por muitos como normal – todo muito faz! – então se estará diante da constatação de que em nossa sociedade a corrupção é uma doença espiritual.

Quanto à ética, que o PT durante muito tempo se considerou seu puro e lídimo defensor, cabe lembrar dois versos do Canto de Ossanha: “O homem que diz "sou" não é porque quem é mesmo é "não sou"...

18 de ago. de 2005

POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

por Ralph J. Hofmann

"Ask not for whom the bells toll. They toll for you...” – Não perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por você.

Esta frase de um ensaio de John Donne pervade o romance “Por quem os sinos dobram” de Ernest Hemmingway. O herói, professor universitário, idealista, como tantos jovens inclusive brasileiros, vai para a Espanha em plena guerra civil, se engaja nas tropas legalistas contra os falangistas de Franco e participa de combates.

Não interessa aqui dizer que a Rússia fez um saque no tesouro espanhol, levou todo seu ouro a título de pagamento de armas, mandou comissários que executavam qualquer um que desviasse de sua ortodoxia, afinal aquela foi uma guerra tipicamente espanhola, com muito sangue e ajuste de contas de lado a lado. Não há heróis nessa guerra. Bem ou mal os comunistas haviam sido eleitos. Mas não tinham uma procuração para mudar o mundo espanhol em meia dúzia de anos. Deu no que deu. Cito Guernica dos falangistas para que não digam que só cito atrocidades comunistas.

O que interessa é que ao fim do livro, o jovem agoniza ferido de morte, defendendo a retaguarda, enquanto sua namorada grávida é levada pelos guerrilheiros para continuar sua vida nos Estados Unidos aos cuidados da mãe do professor. No filme os sinos dobram. Lindo!

Imaginem quão melhor estão os mortos do Araguaia do que o José Dirceu, José Genoino e outros. Sempre serão heróis, enquanto os sobreviventes carregam nas costas atos mesquinhos, a tortura de um tenente por um de seus comandantes e outros atos indescritíveis, assim como os legalistas tem nas costas a chacina de freiras e das pessoas albergadas pelas mesmas, enfim, coisa dos porões nazistas. No fim a ação armada apenas gerou mortes de parte a parte. Foi a consciência coletiva do mundo e a comprovação final da inadequação do comunismo para gerar prosperidade por abafar a criatividade, seja empresarial, seja artística, que trouxe as esquerdas ao poder de forma democrática, tanto na Espanha quanto no Brasil.

Mas esses sobreviventes, que sempre iconizaram grandes artistas do século 20 como Rivera, Orozco e Frida Kahlo, que defenderam a liberdade de expressão, subitamente se vêem no poder e tentam impor regras para o cinema, regras para o jornalismo, ou seja, comporta-se como quem venceu pelas armas um exército aguerrido, em lugar de quem foi gentilmente convidado a competir democraticamente pelo poder. Criam sua Nomenklatura quando no poder, espalhando benesses consumistas aos seus leais escudeiros e, através de seu braço MST iniciam uma perseguição aos Kulaks brasileiros.

Ou seja, varrem para a lata de lixo as experiências mal sucedidas dos 88 anos decorridos da Rússia, os 68 anos decorridos desde a Guerra Civil espanhola e os 55 anos de experiências falhadas da ortodoxia socialista européia, já abandonados pela própria Espanha, palco de um dos focos iniciais da segunda guerra mundial.

Se José Dirceu e outros tivessem morrido jovens teríamos prazer em lembrá-los como jovens heróis cheios de energia, de vontade de fazer o bem. Hoje apenas podemos lamentar o herói que se perdeu, que abusou da confiança de cônjuge e filhos, que trama pelo poder e não pela justiça que dizia buscar. O herói morreu. Ficou um espectro sem dó nem consciência no seu lugar.

Os sinos dobram por nós!

17 de ago. de 2005

PÓS-LULA: O BRASIL SAI DESSA PIOR

por Paulo Moura, cientista político - publicado no Diego Casagrande

Tornou-se lugar comum entre alguns políticos e jornalistas afirmar que o Brasil sairá dessa crise melhor do que estava antes dela. Duvido! E olha que estou dizendo isso já tendo sentenciado a inevitabilidade do impeachment de Lula. A omissão do presidente, que não tomou as providências para investigar o mensalão tendo sido alertado inúmeras vezes para o que se passava - reforçada por sua dificuldade para nominar e mandar punir os operadores do esquema que o favoreceu, dentro de seu partido e de seu governo -, é motivo jurídico e político mais do que suficiente para o impeachment. E as investigações já revelaram muito mais motivos do que esse.

Quando dizem que não é hora de falar de impeachment, os líderes da oposição deixam implícito que essa hora chegará. O que estão fazendo é apenas baixar o fogo da fritura de Lula, para dar tempo de expor toda a podridão que ainda está encoberta e com isso liquidar toda a elite petista corrupta, dando tempo para que a maioria desinformada tome conhecimento do que o resto do Brasil já sabe.

Para aqueles que acham, ao arrepio da Lei, que um presidente inepto e imerso nesse mar de corrupção deve continuar governando por ter apoio popular, convém observar que a perda de popularidade de Lula está acontecendo em ritmo acelerado. Não me surpreenderei inclusive, se nas próximas baterias de pesquisas as avaliações negativas do presidente estiverem superando as positivas; a percepção de que Lula tem responsabilidade sobre a corrupção em seu governo estiver consolidada e a aceitação do impeachment estiver bem acima dos 29% que o Datafolha registrou, talvez até beirando a maioria.

Se for isso o que esperam os defensores do argumento de que não há razões políticas nem jurídicas para cassar o mandato de Lula, logo terão de rever o discurso. E quando essa hora chegar, bastará, então, convocar o filho de Lula para explicar perante a CPI e os holofotes da mídia suas relações com a empresa Telemar, e a fatura do impeachment estará liquidada.

Se a parte sadia do sistema político partidário brasileiro tem alguma lucidez e instinto de sobrevivência, terá que, ao contrário do que o PT está fazendo com seus corruptos, não só remover Lula do poder seguindo o ritual previsto em Lei, mas também, cassar o mandato e providenciar punições de muitos corruptos além desses dezoito nomes de deputados e mais alguns assessores que, até agora, apareceram envolvidos com o mensalão.

O pressuposto dos defensores desse ponto de vista - de que o Brasil sairá dessa melhor - é o de que, mesmo com todos os limites que se impõem, a limpeza que terá de ser feita já trará ganhos suficientes para justificar o trauma que um escândalo dessas proporções está causando na sociedade.

Que a faxina institucional é imprescindível, não tenho dúvida. Que a descoberta da verdade sobre o PT pela maioria da população é educativa e ajuda no amadurecimento da nossa democracia, idem. Que a esquerda brasileira seja levada a rever suas posições e aprender a conviver com as regras do jogo democrático, pagando o preço de passar mais umas décadas como minoria na oposição, é extremamente saudável. Agora, daí a imaginar que o Brasil ficará melhor depois disso, vai uma enorme distância.

Querem ver? Então comparem o escândalo atual, protagonizado pelo PT, com os escândalos que desembocaram no impeachment de Collor e na CPI do Orçamento. O que viram? O mesmo que eu? O escândalo atual não é muito pior, maior e mais grave do que os anteriores?

Pois é. O que aconteceu de lá para cá foi o aperfeiçoamento e a ampliação dos esquemas e métodos de assalto aos cofres públicos. Qualquer indivíduo mal intencionado que estiver atento ao noticiário, está recebendo, de graça, aulas de especialização em fraudes de licitações, desvios de recursos públicos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal. Junte-se a isso a percepção de impunidade da maioria dos envolvidos em escândalos dessa natureza e teremos o ambiente perfeito para a repetição, em escala ampliada, de outros escândalos como esse. Foi exatamente isso o que aconteceu depois dos escândalos protagonizados por PC Farias e os anões do Orçamento.

O exercício da função pública de forma honesta no Brasil não remunera adequadamente quem tenha pretensões econômicas acima da média da maioria acomodada. Que me perdoem os homens públicos honestos, e sei que há muitos, mas grande parte, talvez a maioria dos políticos brasileiros estão nessa por dinheiro e aprenderam o caminho das pedras com os escândalos do passado e a impunidade dos seus protagonistas. A corrupção se ampliou e se generalizou por todas as instâncias do Estado, em todo o país depois de Collor.

Uma auditoria séria nas finanças públicas de órgãos dos três poderes e em todos os entes federados, administrados por quaisquer partidos ou indivíduos no Brasil hoje, encontrará na lisura dos procedimentos de licitações, compras e contratações, exceção.

Generalização injusta? Pois pago para ver. Afinal, já estamos pagando para não ver.

Com a eliminação das comissões dos corruptos; o fim dos superfaturamentos de compras, obras e licitações; a eliminação dos prejuízos decorrentes do mau investimento dos fundos públicos, e a redução do tamanho do Estado com uma nova onda de privatizações; a redução da ingerência política na administração pública via redução de cargos em comissão, e outras medidas do gênero, talvez fosse possível reduzir nossa carga tributária em cerca de 50% e alavancar nosso desenvolvimento, financiando-o com os recursos que permaneceriam no setor privado para gerar investimentos e empregos ao invés de alimentar impostos para financiar corrupção e mau uso de verbas públicas.

Não confio na maioria das propostas de reforma política que circulam por aí às pressas, pois nenhuma delas ataca o problema do tamanho do Estado, que é onde se empregam os ladrões. É preciso desempregá-los em massa, do topo à base do organograma. E é preciso punir severamente os corruptos, com cadeia e bloqueio do patrimônio adquirido por meios ilícitos.

Se um Marcos Valério da vida como esse carequinha aí, mesmo depois de tudo o que está passando, sair dessa livre e com uns poucos milhões escondidos em algum paraíso fiscal não localizado pelas investigações, terá acumulado em quatro décadas de vida, muito mais do que um professor universitário de classe média consegue juntar trabalhando duro toda a vida. Terá valido a pena roubar. Esse é o recado que os políticos brasileiros estarão repassando aos nossos filhos. Banditismo se corrige com punição severa! O resto é conversa.

Algumas dessas propostas de reforma em discussão na mídia minimizam o problema da bandalheira nas regras da política, mas não a ponto de impedir novos e grandes escândalos de corrupção. Há relação de causa e efeito entre financiamento eleitoral e corrupção. O financiamento eleitoral público contribui para minimizar o problema, já que oferece aos honestos uma alternativa lícita de viabilização de suas campanhas, mas não impede as fraudes em licitações, compras e contrações. A rígida cláusula de barreira para legendas de aluguel, já aprovada, mas que os políticos querem desidratar, é positiva, mas sozinha também não resolve. Tudo o mais em discussão sobre mudar a propaganda e as regras eleitorais é firula de eficácia, no mínimo, muito duvidosa.

Quando a crise em curso estiver superada, após o impeachment de Lula e a cassação da quadrilha que o cerca, talvez sobre tempo para refletir e propor medidas eficazes. Mudar as regras agora é ruim, pois não vai resolver nada e oferecerá o pretexto e a falsa impressão para aqueles que defenderão, depois, que nada mais será preciso fazer. Do jeito que vai, o Brasil sai dessa pior.

1 de ago. de 2005

VIOLINO CHILENO

por Rodrigo Constantino - publicado no Diego Casagrande

O Chile possui todas as vantagens de países como os Estados Unidos e o Canadá: um sistema tributário justo e lógico, juros baixos e pouca burocracia.” (Jorge Gerdau)

Em uma região onde a volatilidade política é a norma e os problemas sociais são temerários, um país se destaca como um mar de calmaria. O Chile vem mostrando sólido e sustentável crescimento econômico, além de expressivos ganhos sociais. Fora isso, mesmo em ano de eleição presidencial, o fator político não desperta nada perto dos temores comuns dos demais países da América Latina. Cada vez mais, não importando o ângulo analisado, o Chile parece um caso totalmente a parte na vizinhança.

O sucesso chileno vem de longa data, desde as reformas econômicas liberais perpetradas, paradoxalmente, pelo ditador Pinochet, que deixou as decisões econômicas nas mãos dos excelentes acadêmicos de Chicago. Após o populismo de Allende afundar o Chile no mesmo mar de lama que assolava os seus vizinhos, as medidas de abertura econômica, privatização e redução das intervenções estatais permitiram um futuro bastante diferente para a nação. Tal como na Inglaterra pós-Thatcher, a questão econômica no Chile não é mais alvo de debates insanos com pressões heterodoxas irresponsáveis. A responsabilidade nos gastos públicos, o direito à propriedade privada, a abertura econômica e o livre comércio viraram consenso, e mesmo os políticos de esquerda não ousam mexer nas “vacas sagradas” que sustentam o crescimento econômico.

Partindo para os números, o Chile cresceu, em termos reais, 2,2% em 2002, mesmo com a região em recessão, e 3,7% em 2003, contra 2,1% de média da região. O crescimento do PIB saltou para 6,1% em 2004, frente a 5,7% de média dos vizinhos. O Morgan Stanley espera um crescimento de 5,9% em 2005 e 5% em 2006, contra menos de 4% da região. Além disso, a inflação chilena tem se mantido em patamar bastante baixo, próxima de 2% ao ano, comparado a quase 7% de média dos vizinhos. Isso, aliado à confiança dos investidores nas regras do jogo, permite que os juros fiquem abaixo de 3% ao ano, muito inferiores aos quase 20% do Brasil, ou 16% da Venezuela. Enquanto a região apresenta déficit nominal público, o Chile tem superávit próximo de 2% do PIB, mesmo com uma carga tributária abaixo dos 20% do PIB, cerca de metade da brasileira.

Com tais pilares sólidos, o crédito tem impulsionado a economia chilena. O crédito doméstico do setor privado está próximo de 70% do PIB, de longe o maior da região, e quase 7 vezes o mexicano, por exemplo. Os anos dourados chilenos, que perduraram até 1997, podem estar de volta. O desemprego vem caindo sistematicamente, já perto de 8%. O cenário internacional vem ajudando, com o elevado preço do cobre, um dos principais produtos da pauta de exportação do país. Mas isso por si só jamais seria suficiente para garantir um crescimento sustentável, como fica claro ao analisarmos o caso venezuelano, cujo petróleo, acima de 60 dólares por barril, tem feito jorrar dinheiro nos cofres públicos de Chavez, sem impedir entretanto que o caos social e a miséria tomem conta da nação. O cenário econômico mundial dificilmente poderia ser mais vantajoso para os países emergentes, já que a China ainda resiste com altas taxas de crescimento, pressionando os preços das commodities, a locomotiva mundial americana mantém forte crescimento e os juros estão em níveis ridículos para o padrão histórico. Bastava não desperdiçar a rara oportunidade para viver momentos maravilhosos. Infelizmente, as nações da América Latina adoram perder chances únicas de fazer a coisa certa. O Chile tem sido uma feliz exceção...

Muitos candidatos apelam para discursos populistas visando ao ganho de votos pela emoção. A esquerda é conhecida pela venda de sonhos e utopias, pelo nobre discurso romântico, desprovido de lógica e inexeqüível na prática. Mas no Chile, até mesmo a esquerda tem mantido o bom senso econômico conquistado ao longo de décadas de aprendizado pelo sofrimento. Podem louvar Allende e execrar Pinochet nos discursos, mas sabem que nunca mais pretendem retornar aos desastres econômicos do primeiro, respeitando o que foi feito no campo econômico pelo segundo. Chama-se aceitar a realidade dos fatos, algo ainda não aprendido no Brasil. Como os tocadores de violino, os políticos chilenos pegam o governo com a mão esquerda, mas tocam-na com a mão direita. Eis porque o Chile anda longe das crises políticas e econômicas que conturbam o cenário do “continente perdido” latino-americano.

28 de jul. de 2005

URGE ENQUADRAR O PODER

por Alberto Oliva, filósofo - publicado no Diego Casagrande

Começa a se mostrar significativa a contribuição que o PT de Dirceu, Delúbio e cia deram ao histórico de descalabros éticos que tem marcado o exercício do poder na Terra Brasilis. Ultrapassou todas as medidas o projeto de corromper o poder (legislativo) com a finalidade de exercer o poder (executivo) com cada vez menos restrições. Isso é mais que um sintoma do desmoronamento moral da política praticada no Brasil. É evidência de que os partidos ideologicamente gelatinosos estavam sendo engolfados por um projeto que misturava fisiologismo com stalinismo. Eis o contributo brasileiro às práticas comunistas retardatárias.

Que filosofias político-econômicas representam o PL, o PP e o PTB? A podridão das práticas começa com a degenerescência do pensamento. Enquanto PT se aferra a uma visão de mundo dogmática que não reconhece a superioridade da sociedade livre e da economia de mercado, os outros partidos têm perdido a oportunidade de se destacar pelo combate claro e inequívoco à principal praga nacional: o estatismo e sua corruptela patrimonialista. É no vácuo de autênticos projetos políticos e na ausência de valores morais que entra em cena o mensalão. O PT começou a esbulhar a ética já quando mostrou que governaria de costas para os pontos centrais do programa que defendera ao longo de sua existência.

Há razões fundadas para o pessimismo em virtude de nenhum dos partidos constituídos propor medidas objetivas de efetivo combate à corrupção. Dado o horror que as idéias liberais despertam no Brasil, só dois ou três gatos pingados, duramente patrulhados, propõem a diminuição do tamanho do Estado como forma eficaz de reduzir a extensão e a profundidade da corrupção.

O blábláblá de que as sujidades institucionais vêm hoje mais à tona que antes finge não perceber que a corrupção atualmente denunciada é uma malha cheia de tramas invisíveis. E - detalhe fundamental - não é individual ou grupal como as de antanho. É assustadoramente sistêmica. Não é capitaneada por um patético grupo “PC Farias e seus laranjas”. Há vários homens da mala e seus tentáculos se espalham por várias áreas. O grande desafio é enfrentar essa hidra sem lançar as instituições no descrédito, sem mergulhar o País numa crise que cause desordem social e desorganização da economia.

No Brasil quase tudo é ideologia e emoção. Já imaginaram se o governo fosse o do José Serra ou do César Maia? As ruas já teriam sido tomadas por violentas manifestações da UNE, da UBES, da CUT, do MST clamando por impeachment e pela restauração da moral pública. A indignação é seletiva porque não há uma preocupação sincera com a ética - tudo é movido à ideologia. Se a corrupção atingiu níveis alarmantes é porque faltas graves da esquerda são perdoadas, têm justificação, enquanto as da direita são atribuídas à perversidade intratável da classe dominante. Até a caracterização do bolo fecal varia conforme a ideologia de quem o produz.

A história do século XX mostrou que os que se acham capazes de purificar a humanidade de seus pecados se absolvem previamente das maldades que cometem. O ser humano que racionaliza as barbaridades que comete é o pior e o mais perigoso dos homens. Stalin matava os opositores, antes aliados, alegando ser isso necessário para a construção do Novo Homem. Há forma pior de banditismo que aquele que justifica atrocidades invocando uma causa nobre? Há forma mais deletéria de corrupção que a do crápula poderoso que “racionaliza” o que faz, que justifica para si mesmo o que faz, invocando imperativos ideológicos e nobres desígnios?

A busca de melhores índices éticos não se resolve dando poder a pretensos salvadores da pátria e sim com a sociedade exigindo que o exercício do poder seja frugal e limitado. De que forma? Por meio de uma administração enxuta, tão enxuta que não ofereça os milhares de cargos de livre nomeação que foram, neste governo, dados de mão beijada a militantes. Governos que não suprem serviços de qualidade nas áreas da saúde, educação e segurança ou são ineptos ou são corruptos. E merecem o duro julgamento do eleitorado.

As vísceras do poder nunca estiveram tão expostas ao olhar indignado dos contribuintes. Nada de essencial mudará se não se redefinir o exercício do poder no Brasil com a introdução de um autêntico federalismo e um radical enxugamento do Estado. Só assim deixará de ser inevitável o fato de que em nossa história sempre que um grupo chega ao poder se transmuta numa malta rapinadora que se locupleta apertando as tetas do Estado com os mais variados truques de drenagem de recursos públicos. Não dá mais para fazer marketing com os dramas nacionais; debalde clamar, como por tanto tempo fez o PT, por ética na política quando o Poder, tal qual está hoje estruturado no Brasil, é um grande convite à roubalheira miúda e graúda, setorial e sistêmica, individual e grupal. Nunca é demais repetir: a corrupção que está sendo denunciada é sistêmica...

21 de jul. de 2005

O BRASIL LEGAL E O ILEGAL

por Alberto Oliva, filósofo - publicado no Diego Casagrande

Assusta ver que o País fica a cada dia mais cindido. Por razões ideológicas, costuma-se prestar atenção apenas nas enormes diferenças subsistentes entre ricos e pobres. Passa praticamente despercebido o fato de que existem dois Brasis - o legal e o ilegal - e que a metade marginal é produto, direto ou indireto, de graves distorções culturais que começaram a se formar desde o alvorecer do processo de formação de nossa nacionalidade. Em muitos casos, legislações artificiais que desconsideram as restrições que a realidade impõe às boas intenções foram decisivas para o aumento exponencial da ilegalidade. Não podendo a lei assegurar benefícios a todos, por “restrições contáveis”, é inevitável que vigore pela metade. É fato que a maioria dos trabalhadores não tem carteira assinada. O espaventoso é que se aceite isso como normal, que nada se faça para diminuir a marginalização. Se a virtude está no meio, como apregoava Aristóteles, então a legislação trabalhista precisa ser urgentemente flexibilizada de modo a abarcar a todos e obrigar as empresas a respeitá-la. O que não é admissível é uma lei ser ampla e rotineiramente infringida. Se o respeito à legislação inibe parte da atividade econômica, urge modificá-la. Hernando de Soto, em El Otro Sendero, observa que a informalidade prolifera quando o Direito impõe regras que excedem o marco normativo socialmente aceito - deixando de amparar as expectativas, escolhas e preferências de quem não pode cumprir tais regras – e o Estado não tem suficiente capacidade coercitiva.

Outro fenômeno que se alastra é o da facilidade com que um número expressivo de pessoas se coloca à margem da lei não pagando pela água e luz que consome e pelo espaço urbano que ocupa. Há uma revolução urgente a ser feita: o País precisa passar a limpo suas leis fundamentais mantendo em vigor apenas as que possam ser universalizadas, isto é, as que possam ser cumpridas sem ir contra os fatos, sem, por exemplo, inviabilizar a atividade produtiva. A sociedade pouco se desenvolverá enquanto tolerar a convivência entre uma metade legal e outra marginal. O grande desafio é reduzir drasticamente o abismo entre o brasileiro oficial e o clandestino. É imperioso atacar as causas responsáveis pela cisão da cidadania. Até porque é inaceitável que numa ponta se tenha o emprego formal - com carteira assinada e todos os direitos assegurados - e na outra o salário sem vínculo empregatício, sem qualquer rede de proteção; que numa extremidade os bandidos armados até os dentes tenham licença para matar e na outra cidadãos de bem proibidos até de portar arma. É grave distorção uns serem cobrados por tudo enquanto outros tudo podem porque nada têm ou porque são vítimas do “sistema”.

No final do mês passado O Estado de São Paulo veiculou informação estarrecedora: quase metade da frota de veículos da cidade de São Paulo roda à margem da lei, sem o licenciamento expedido pelo Detran. Este dado é revelador porque indica que estamos marchando para a anomia. A que atribuí-lo? Será que o elevado valor do IPVA e as multas devidas explicam a opção pela ilegalidade? Pode ser que os proprietários de veículos tenham chegado à conclusão de que vale a pena correr o risco de ter o carro apreendido em virtude de a fiscalização ser esporádica e ser grande a chance de uma pequena propina “resolver o problema”. É alarmante que mais de dois milhões e meio de veículos estejam fora da lei em São Paulo e que no Rio de Janeiro 60% da frota estejam em situação irregular. Como pode uma sociedade se respeitar, ter uma visão positiva de si mesma, infringindo tanto e de forma contumaz as leis que a regem?

O Estado, em sua secular ineficiência, mostra-se omisso nas funções precípuas de fiscalizar, impor a lei e proteger o cidadão. Está na hora de se trocar o discurso populista da “justiça social” em nome do primado básico de fazer valer a Lei (para todos). Sem a ampla vigência do princípio da isonomia, a sociedade se condena à derrocada moral. O desafio é determinar o percentual de marginalidade que resulta da falta de capacidade de pagar e honrar a lei. E o percentual que é produto da desorganização social, da crise de autoridade e de ilicitudes programadas e assumidas. Se há muita informalidade na economia é porque a legislação asfixia as atividades empreendedoras. Se ficar à margem do Brasil legal é imperativo de sobrevivência isso significa que a legislação não é realista. Quando muitos desrespeitam a lei por opção e a sociedade pouco ou nada faz para coibi-los, é forte a tendência à anomia. Falta bom senso quando se impingem leis que não têm como ser universalmente cumpridas e falta autoridade quando se faz vista grossa para o avanço avassalador da ilegalidade. Direitos autênticos são os que podem ser universalizados. Quando alguns direitos só são usufruídos por alguns é porque são artificiais ou então foram arrancados a fórceps por corporações com forte poder de pressão. O Brasil cindido não tem como superar a estagnação em que se encontra. A ampla condescendência com a ilegalidade é sinal de que se aceita passiva e cinicamente duas modalidades de cidadão.

1 de jul. de 2005

Mais ou menos brasileiro

por Glauco Fonseca - publicado no Diego Casagrande
Eu nunca votei no Lula e não pretendo votar. A decisão eu não tomei em 2002 nem antes. Tomei nos últimas horas e é definitiva.

Ainda reservo algum respeito pelo Lula. O operário que virou presidente, o sonho da democracia amadurecida, comprovado pelo metalúrgico de origem simples que chegou ao máximo poder constitucional para mudar o Brasil. A vitória da virtude sobre o vício, do certo sobre o duvidoso, do correto sobre o que precisava ser mudado.

Eu até cheguei a me sentir menos brasileiro do que os petistas e inúmeras vezes me constrangi ao participar de bandeiraços. Em incontáveis momentos, eu me senti menos cidadão, menos ser humano, menos honesto por não envergar a bandeira com a estrela amarela no centro. Eu me sentia errado por não ser alguém que queria Lula e o PT no planalto central. Acredito até que muitas pessoas sentiram o mesmo.

Aqui na cidade de Porto Alegre, durante dezesseis anos, a dualidade “PT/não-PT” forjou e fomentou as mentes dos eleitores. Era nítida a impressão de que os mocinhos eram os “xerifes” de estrela no peito e nós, sem estrela, os renegados, pusilânimes, roedores da coisa pública. As coisas mudaram, então.

Escândalos emolduram o governo federal de Lula da Silva. Escândalos caudalosos com ativa participação de seu partido, o PT da moral e dos bons costumes. Fica cada vez mais válida a máxima do “diz-me com quem andas que dir-te-ei quem és”. Aderna e sugere encalhar, por excesso de zelo ou por excessiva omissão, um projeto político calcado na figura de Lula. Ao confiar cegamente em assessores pouco dignos, Lula corre o risco de fazer desaparecer um segundo mandato. Ao manter-se apoiado inadvertidamente em “companheiros” pouco fidedignos, ficará cada dia mais difícil achar que Lula é diferente de todos que o cercam.

O engraçado é que, diante de tamanha confusão na casa do meu adversário político, alguma coisa me perturba a razão. Algo diferente do impeachment de Collor, quando a unanimidade tinha como pano de fundo não só a corrupção revelada, mas uma desconfortável desordem econômica. Collor foi impedido porque, ao contrário do que acontece, todos achavam que o bandido era o presidente, e não sua turma.

O caso agora parece ser diferente. Lula, refém de suas concessões políticas, está cercado de desobedientes, de abjetos, de corruptos, de partidos aliados e de seu próprio PT. Está devendo explicações sobre as trapalhadas de alguns ministros, de dirigentes de estatais e de amigos como Silvinho, Dutra, Delúbio e outros. A única zona de conforto parece estar a 10 mil metros acima do nível do solo, a bordo do majestoso Airbus presidencial.

Estou magoado por causa da sacanagem toda, das maracutaias e da corrupção no imaculado e insuspeito governo Lula.

E estou me sentindo mais brasileiro.

Os inimputáveis

por Rodrigo Constantino - publicado no MSM.org

"Com a nossa capacidade de fazer maluquices em nome de boas intenções,criamos uma legislação de menores que é um tremendo estímulo à perversão eao crime, ao fazê-los inimputáveis até os 18 anos."
(prof. Roberto Campos)
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Vamos imaginar um pai que não estabeleça critérios objetivos e impessoais de castigo aos seus filhos. Cada ato irresponsável de desobediência às regras será analisado com extrema complacência, buscando sempre colocar a culpa em fatores exógenos, não no indivíduo responsável. Até o fogo que o moleque colocou de forma premeditada na cortina é culpa da maldita cortina, que estava no lugar errado! Imaginemos que o grau dos delitos vá aumentando, até o insuportável e intolerável, colocando em risco toda a família. Será que esse pai deveria ficar indiferente frente aos fatos, acreditando que o pequeno monstro não tem culpa de verdade, é apenas uma pobre vítima, e portanto não merece uma punição mais severa? Será que ele deveria somente aplicar castigos suaves, na esperança de que o tempo se encarregue de consertar o assombroso ser? Creio que seria absurdo e indesejável uma postura complacente dessas. E isso no caso de pai e filho, com todo o amor paterno envolvido. Agora vamos supor que se trata do Estado e dos menores infratores. Parece inadmissível uma conduta tão leniente com os jovens criminosos.
Pois é justamente o que faz o nosso Estatuto da Criança e do Adolecente, o ECA. Ao estar tomado de romantismo e utopia, recheado com boas intenções desprovidas de lógica, o ECA mais parece um convite ao crime, estimulando os jovens à perversão. A proteção das supostas crianças ultrapassa qualquer limite de benevolência, estimulando novos atos de infração cada vez mais graves. Ao tornar verdadeiros marmanjos inumputáveis até os seus 18 anos, limitando a pena a três anos de reclusão repleta de regalias, o ECA criou verdadeiro incentivo ao uso desses jovens pelos criminosos. Um galalau capaz de matar sem nenhum remorso um inocente por um par de tênis, estará necessariamente livre aos 21 anos, pronto para cometer novos assassinatos. Para superproteger os "coitados" que já são capazes dos atos mais bárbaros existentes, esquece-se totalmente das vítimas inocentes. É impressionante como os defensores dos "direitos humanos" focam apenas em um lado, que não é nunca o das vítimas inocentes.
As regras, numa sociedade civilizada, devem ser claras, de conhecimento geral, impessoais e objetivas. O império da lei não permite privilégios, distinção de classe, cor, raça ou religião. Não deve fazer concessões por idade também. Como disse Roberto Campos, "temos de ter normas objetivas e claras, e cumpri-las para valer, feito as regras do trânsito; não se indaga qual a idade ou o grau de culpa de quem furou o sinal vermelho, mas apenas o fato". A impunidade é provavelmente a maior causa da violência e criminalidade, e o ECA apenas legalizou a impunidade dos jovens. Tratar como uma pobre criança indefesa, vítima da "sociedade", um rapaz que cometeu latrocínio, estupro, sequestro ou assassinato, é pedir para que o caos domine a nação. Quando o Estado não garante uma punição impessoal condizente com o crime e o sofrimento da vítima, a sociedade é tomada por sentimento de vingança particular. A institucionalização da punição severa ao criminoso visa justamente a evitar os justiceiros privados, típicos das anarquias. É uma afronta, portanto, que nossas leis sejam tão obsequiosas com os criminosos, tratando-os como cordeiros, e não como os lobos que são. Tal desrespeito aos corretos cidadãos apenas alimenta a descrença nas autoridades, e ajuda na proliferação da escória humana.
Ficamos limitados aos argumentos teóricos, mas a consequência prática de tais absurdos está visível em cada esquina desse país. A criminalidade tomou conta da nação, e ao invés do Estado partir para uma luta mais dura contra a impunidade, vai na mão contrária, desarmando inocentes e pregando a redução da pena para crimes hediondos. Além disso, o atual governo rejeitou a possibilidade de redução da maioridade penal, mantendo o tratamento de assassinos de 18 anos como crianças. Curioso é que para votar, um "homem" de 16 anos é considerado maduro, mas se este mata um inocente, não passa de uma pobre criança que necessita de proteção especial do Estado. É mais fácil vender sonhos românticos socialistas para jovens, que costumam sucumbir mais facilmente aos movimentos irracionais de massas.
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Do Blogueiro:
Estatuto da Criança e do Adolescente com Licença para Matar Gente. O Monstro foi criado e, aí está. Cabe ao próximo próximo Presidente, que esperamos, seja sério, enfrentar este problema. Claro que não pode ser como a Dep Rita Camata(anda de carro blindado) fez, por meio de Lei. Vai ter que ser devagar.

29 de jun. de 2005

O exemplo chileno

por Rodrigo Constantino - publicado no MSM.org

"Economic history is a long record of government policies that failed because they were designed with a bold desregard for the laws of economics."(Ludwig von Mises)
Dentro de um cenário econômico cada vez mais preocupante na América Latina, com níveis de miséria assustadores, um país se destaca positivamente. O Chile vem apresentando dados estatísticos de melhoria consistente ano após ano, graças às reformas estruturais adotadas ainda na era Pinochet. Não é o foco aqui debater aspectos da ditadura chilena, mas apenas destacar que as medidas econômicas de um governo não podem ignorar as leis básicas da economia. E no campo econômico, com a ajuda dos liberais de Chicago, o fato é que Pinochet respeitou essas leis, possibilitando que o Chile entrasse em uma trajetória decente de crescimento, que o distanciou um pouco da realidade mais dura dos seus vizinhos.
Nos tempos de irresponsabilidade populista do socialista Allende, o Chile viveu o caos econômico. Não cabe aqui entrar nos aspectos políticos em si, que incluem desrespeito constitucional, agressões aos direitos de propriedade e medidas autoritárias. Vamos nos ater aos aspectos econômicos. A hiperinflação atingiu mais de 500%, faltando produtos básicos no mercado, e com desemprego em rápida escalada. A produção agrícola chegou a cair 23%, e a mineral cerca de 30%. O Chile vivia um retrocesso enorme nas mãos do "camarada" Allende. Veio o golpe, uma pequena guerra civil se segiu, e Pinochet assumiu o comando da nação. Ali começava uma reviravolta na economia chilena.
O PIB per capita saiu de US$1.775 em 1973 para US$4.737 em 1996; a mortalidade infantil caiu de 66 por 1.000 nascimentos em 1973 para 13 em 1996; o acesso à água potável subiu de 67% para 98%; e a expectativa de vida foi de 64 anos para 73 anos. A previdência foi privatizada, garantindo aos indivíduos o direito de escolha da gestão da poupança. A maioria migrou para a gestão privada, e atualmente o Chile é um dos poucos países do mundo onde o sistema previdenciário não é uma bomba-relógio. Seu sucesso vem sendo estudado pelo mundo inteiro. O respeito às leis de mercado, a solidez institucional e uma economia aberta permitiram avanços fantásticos ao Chile. Vamos comparar alguns dados relevantes entre os principais países da América Latina, utilizando como fonte os renomados CIA, The Economist e World Bank.
O desemprego atual no Chile está em 8,4%, comparado aos 17,3% da Argentina, 11,7% da Bolívia, 12,3% do Brasil, 14,2% da Colômbia e 18% da Venezuela. A mortalidade infantil é de 12 crianças por mil nascimentos, contra 19 na Argentina, 71 na Bolívia, 37 no Brasil, 23 na Colômbia, 29 no Equador, 11 na Costa Rica, 29 no México e 22 na Venezuela. Nos Estados Unidos esse índice é de 8 mortes apenas. A mortalidade maternal também é bem inferior no Chile, de apenas 31 por cem mil partos, contra 140 de média desses outros países, e 17 nos Estados Unidos. O percentual da população que ganha menos de dois dólares por dia é de 9,6% no Chile, enquanto a média desses outros países está em 25%. A renda per capita ajustada para o poder de compra está chegando nos dez mil dólares no Chile, contra US$6.700 de média dos demais, e quase US$40 mil nos Estados Unidos. O coeficiente de Gini, que mede a concentração de renda, ainda é elevado no Chile, demonstrando concentração de riqueza. Está em 56,7, enquanto a média é 50,7, e o pior é o do Brasil, em 60,7. Com certeza o Chile ainda pode melhorar nesse aspecto, mas vale lembrar que a concentração de renda não é o mais importante, e sim a renda e qualidade de vida da maioria da população. Uma nação pode ter renda concentrada e ainda assim ser formada por uma classe média infinitamente mais rica que a de outros países. É o caso chileno.
Os avanços chilenos foram obtidos sem que o Estado arrecadasse fatia elevada do PIB. A carga tributária no Chile é de 23% do PIB, enquanto no Brasil está beirando os 40%. A inflação desde 2000 ficou em apenas 14% no Chile, comparado a 40% no Brasil, medida pelo IPC da FIPE. Os juros chilenos estão em patamares de primeiro mundo. A economia do Chile é mais aberta, com o comércio internacional representando 55% do PIB, frente aos 43% de média desses outros países analisados. Os principais produtos exportados são cobre, peixe, frutas, celulose e vinho, sendo os Estados Unidos o principal destino. O Chile assinou acordo de livre comério com este país, indo na contramão do Mercosul, que posterga ad infinitum o Alca. A educação chilena também vai bem, com 96,2% da população sabendo ler e escrever, comparado a 92% de média dos outros, e 86,4% do Brasil. Existem 119 computadores por cada mil pessoas, contra apenas 70 de média das demais. Nos Estados Unidos, existem 659 computadores por mil habitantes. São 238 usuários de internet para cada mil pessoas no Chile, para 74 de média dos outros, e 551 nos Estados Unidos. A expectativa de vida das mulheres é de 79 anos no Chile atualmente, para uma média de 75 das outras nações.

Em resumo, o Chile merece destaque hoje em comparação com os demais países da América Latina. Sua economia, mais aberta e com respeito às leis básicas do mercado, vem despontando como a mais sólida da região. O desemprego é menor, a renda por habitante é maior, o nível de miséria é mais confortável. Os indicadores de educação são melhores, assim como os de saúde. Tudo isso com uma carga tributária menor, sem um Estado inchado e paternalista. Não há Fome Zero, cotas, Estatuto do Desarmamento, e ainda assim o Chile é bem mais próspero e seguro. Em vez de eliminar o inglês como exigência eliminatória para o cargo de diplomata, o Chile adotou a língua como obrigatória no ensino básico. Ao invés da retórica antiamericana, o Chile partiu para um acordo de livre comércio com o maior mercado consumidor do mundo. No lugar de uma previdência injusta, repleta de privilégios e regalias, o Chile privatizou sua previdência e hoje colhe os frutos dessa sensata medida. Enfim, o Chile foi um país que respeitou as leis básicas da economia, começando pelo axioma lógico de que não é possível ter e comer o bolo ao mesmo tempo. Abandonaram os discursos utópicos dos políticos para abraçarem a lógica do mercado livre. Ainda existe muito por fazer, claro. Mas o caminho das pedras foi dado. Menos Estado na economia; mais mercado livre! Eis o exemplo chileno.

27 de jun. de 2005

Pinochet: ditador assassino ou salvador da pátria?

por Rodrigo Constantino - em 09/09/2003 no MSM.org

Este texto visa resgatar a verdade sobre o que pode ser considerado uma das maiores inversões de fatos já feitas. Todos conhecem a propaganda socialista, e como foram sempre experts em ocultar fatos, inverter causalidades e criar falsas evidências. Como o tempo é amigo da verdade, novas provas de que a esquerda no mundo todo sempre distorceu a veracidade das coisas surgem a cada ano. Peço para os leitores ignorarem questões ideológicas, pois certos dogmas criam rigidez cognitiva, a qual impossibilita uma análise imparcial dos fatos. Vamos nos ater apenas aos fatos.

O assunto é o general Pinochet e o golpe militar do Chile, do qual poucas pessoas possuem razoável conhecimento, mas automaticamente repetem certas "verdades" implantadas pela propaganda esquerdista. Enquanto Augusto Pinochet permanece detido, Salvador Allende foi transformado em herói nacional, e verdadeiros ditadores como Fidel Castro são tratados como presidentes e chefes de Estado respeitados. Eu não pretendo ignorar atrocidades do período Pinochet, nem entrar num debate ideológico, mas apenas levantar a grande cortina que encobre inúmeros detalhes importantes desta conturbada fase chilena.

Em primeiro lugar, das 2.279 mortes constatadas durante os 17 anos do regime Pinochet, aproximadamente metade ocorreu logo após o golpe de 11 de setembro de 1973. Creio que ficará claro durante o texto que isso era praticamente inevitável para se restaurar a ordem no Chile, e que a grande concentração de mortes nos primeiros dias de golpe se deve ao fato de estarmos tratando de facto de uma guerra civil, não um regime opressor que assassinava deliberadamente.

Um pouco de história do Chile nos mostra que este é um país com fortes raízes de patriotismo, instituições capazes de manter a ordem, e um povo respeitador da Constituição, datada de 1925. Os militares sempre se mantiveram fora da política. O governo sempre teve um papel central, principalmente para proteger o controle sobre os recursos naturais do norte.

O Partido Comunista Chileno é o mais antigo da América do Sul, e sempre foi altamente obediente ao Kremlin. O partido fundado por Salvador Allende era também declaradamente marxista. Em 1967, o seu Partido Socialista deu a seguinte declaração: "O Partido Socialista como uma organização Marxista-Leninista propõe a tomada do poder como objetivo estratégico a ser conquistado por esta geração, para estabelecer um estado revolucionário que irá libertar o Chile da dependência econômica e cultural e iniciar o processo do socialismo. Violência revolucionária será inevitável e legítima. Constitui o único caminho para se chegar ao poder político e econômico. A revolução socialista poderá ser consolidada apenas destruindo-se as estruturas burocráticas e militares do estado burguês."

O MIR, movimento revolucionário de esquerda similar as FARC e MST, era um corpo militar que defendia a tomada do poder pelos comunistas e socialistas. O sobrinho de Allende, Andres Pascal Allende, era um dos líderes de tal movimento. Outro pilar de sustentação das bases revolucionárias estava na Igreja Católica e sua teologia liberacionista, que acreditava na militância política como único meio de transmitir a mensagem divina. Com este conjunto de forças dando apoio, e mais promessas de respeito à Constituição que se mostraram mentirosas depois, em 1970 era eleito Salvador Allende para presidente. Em 1971, em uma entrevista, o novo presidente já deixava claro suas intenções, ao dizer que "nós precisamos expropriar os meios de produção que ainda estão em mãos privadas". Disse também que "nosso objetivo é o socialismo marxista total e científico".

Allende venceu as eleições com 36,5% dos votos, o que estava longe de ser considerado um maciço apoio popular. O primeiro aspecto de seu programa de governo foi um assalto às propriedades privadas agrícolas, na medida conhecida como tomas. As expropriações eram carregadas de violência, por bandos armados, normalmente membros do MIR. Várias vítimas foram assassinadas, e alguns morreram de ataques do coração ou se suicidaram. Entre novembro de 1970 e abril de 1972, 1.767 fazendas foram tomadas por bandos armados.

Em seguida, Allende iniciou um programa de nacionalização de diversos setores da economia, como mineração e têxtil. Seu governo utilizou pequenas brechas na lei para infernizar a vida das empresas, e conseguir assim expulsar o capital estrangeiro do país. A liberdade de expressão também foi fortemente atacada, como em todos os países socialistas. Allende chegou a afirmar que "coisas são boas ou ruins dependendo se elas nos trazem para mais perto ou longe do poder". Seu governo atuou diretamente e indiretamente contra jornais e estações de rádio não socialistas.

Foi criada uma instituição bizarra conhecida como "Corte do Povo", onde juízes não treinados mas ligados às organizações de esquerda eram indicados. Seus poderes eram amplos, e batiam de frente com as leis já estabelecidas. Além disso, Allende criou, em 1971, sua própria Guarda Pessoal, a GAP, fortemente armada.

Todas essas medidas inconstitucionais, num país que respeitava sua Constituição desde 1925, fizeram com que o governo de Allende entrasse em conflito com a Suprema Corte. Vários casos eram questionados na justiça, mas Allende simplesmente ignorava as decisões da Corte. Ele chegou a dar a seguinte declaração em rede nacional: "Num período de revolução, a força política tem o direito de decidir em última instância se as decisões do judiciário se enquadram ou não nos objetivos e necessidades históricas de transformação da sociedade. Conseqüentemente, cabe ao Executivo o direito de decidir seguir ou não os julgamentos do judiciário".

Em janeiro de 1972, o Congresso aprovou o impeachment do ministro de Interior por falhar na proteção dos direitos à propriedade e liberdade de expressão, apenas para vê-lo assumir a pasta de Ministro de Defesa. Em julho do mesmo ano, um novo ministro de Interior sofreu impeachment, mas foi apontado por Allende para um alto cargo administrativo. Em dezembro, o Ministro de Finanças também sofreu impeachment por ações ilegais contra trabalhadores em greve, mas foi transformado em ministro da Economia. O desrespeito de Allende às claras regras do jogo, à Constituição, ao Congresso e à Suprema Corte, era simplesmente total.

A crise econômica se alastrava de maneira assustadora no Chile de Allende. A hiperinflação atingiu mais de 500%, faltavam produtos nas prateleiras e o desemprego crescia rapidamente. No meio deste caos econômico, Carlos Matus, um dos ministros de Allende, disse que "o que é uma crise para outros representa uma solução para nós". O único setor que prosperou durante os anos de Allende foi o paralelo, o mercado negro. Assim como na URSS, a nomenklatura chilena, composta de pessoas ligadas ao governo e influentes, enriqueceu através da importação de produtos escassos no Chile. O dólar, que no mercado livre da era pré-Allende valia 20 escudos, atingiu 2.500 escudos em agosto de 1973. A produção agrícola caíra 23% e a mineral uns 30%. No Chile de Allende, reinava o caos econômico e social, fruto de um total desrespeito à ordem.


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Foi nesse contexto que se deu o golpe de 1973. Os militares na verdade apenas cumpriram com suas obrigações constitucionais. Uma guerra civil era iminente, e inúmeras armas já estavam sob o poder dos revolucionários, enviadas sobretudo por Cuba. Allende era bastante próximo de Fidel Castro, e no passado, como presidente do Senado, já havia oferecido refúgio aos membros do grupo terrorista de Che Guevara. Durante seu governo, não só centenas de guerrilheiros cubanos migraram para o Chile, como membros de diversos grupos revolucionários do Brasil, Uruguai, Argentina, Peru, Nicarágua e Honduras. A residência de Allende no El Canaveral serviu como importante centro de treinamento para tais terroristas. Castro chegou a mandar dois de seus maiores especialistas para ajudar na organização da violência política chilena.
Um documento descoberto na sala de um secretário comunista do governo revelou as intenções de usar as festividades do Dia Nacional da Independência para um golpe fatal e "impor a ditadura do proletariado". O alto comando das forças militares seriam convidados para um banquet oficial no palácio presidencial de La Moneda para que a guarda pessoal de Allende pudesse matá-los. Em agosto foi descoberto também um plano desenhado pelos mais altos membros do governo para incitar uma rebelião naval. No dia 23 de agosto de 1973, a Câmara dos Deputados considerou que estava rompido o Estado de Direito no Chile, e publicou uma resolução completa comprovando sua acusação.
Essas foram, resumidamente, as causas que forçaram uma atitude militar no Chile. Os militares, historicamente afastados da política, se viram obrigados a resgatar a ordem e a Constituição. Durante o cerco ao Palácio, várias ofertas foram feitas ao então presidente para que este saísse do país em segurança, mas tais ofertas foram recusadas. Allende acabou cometendo suicídio.
Evidente, os exageros e mortes de inocentes despertam ódio e ressentimento, mas é fundamental colocarmos o período Pinochet sob um julgamento imparcial, levando em conta todo esse contexto. A "guerra civil" chilena gerou bem menos mortes que as do México e da Nicarágua, sem falar em Cuba, cujo paredón já fuzilou mais de 17 mil pessoas. E no caso chileno, como já foi dito, cerca de metade das perdas se deram logo no começo do "golpe", enquanto no caso cubano estamos diante de uma repressão duradoura, que ano após ano elimina inocentes sob acusações ridículas, sem prova ou julgamento justo. A triste verdade é que as perdas da era Pinochet, em sua maior parte, representaram um preço necessário para o resgate da ordem.
Pinochet estabeleceu um programa claro de reconstrução do Chile. Restaurou a ordem e trouxe economistas liberais da escola de Chicago, que criaram um programa de governo que possibilitou um estrondoso crescimento econômico. O risco de golpe terrorista ainda existia, e isso impossibilitou um rápido retorno à democracia. Em 1974, 52 membros das forças armadas e da polícia foram mortos ou feridos em ataques terroristas. No campo econômico e social, os números não mentem: o PIB per capta saiu de US$1.775 em 1973 para US$4.737 em 1996; a mortalidade infantil caiu de 66 em 1973 para 13 em 1996 (a cada mil nascimentos); o acesso à água potável subiu de 67% para 98%; e a expectativa de vida foi de 64 anos para 73 anos.
O que se seguiu é história, e hoje o Chile desfruta da privilegiada posição de país mais avançado da América do Sul. Como de praxe, os socialistas venderam um sonho utópico e entregaram terror e caos, enquanto os que consertaram os problemas acabaram condenados e crucificados pela propaganda esquerdista. Pinochet nem sequer seguiu o ritual de um ditador. Ele nunca fundou um partido próprio: usou soldados profissionais e economistas renomados durante seu governo, não aderiu ao nepotismo e nunca adotou um culto à personalidade. Em 1988, realizou um referendo popular onde o candidato da junta, ligado a Pinochet, venceu com 44% dos votos, mais que Allende em 1973. Ainda assim, Pinochet respeitou a Constituição, que afirmava serem necessários mais de 50% dos votos, e anunciou sua saída do governo. A democracia, assim como a economia, havia finalmente sido salva, graças ao "temido ditador".