4 de mai. de 2008

"O que é ensinado em escolas e universidades não representa educação, mas são meios para obtê-la."

Eu sou BBB- Você é BBB- - Diogo Mainardi, Veja

"Pelos critérios da Standard & Poor’s, o Brasil é um bom pagador. O fato de ser classificado como BBB- equivale a ter o próprio cadastro aprovado no crediário do Ponto Frio. Já dá para comprar um freezer a prazo no mercado financeiro mundial"

Gilberto Freyre chegou perto. Bem mais perto do que Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda. Em todas as suas obras, eles se dedicaram a interpretar o Brasil. Mais do que isso: eles se empenharam em definir o Brasil. E fracassaram. Quem finalmente realizou o feito foi a Standard & Poor’s. Seus analistas acabam de definir o Brasil como BBB-. O país cabe inteirinho nessa nota. Pode jogar fora aquela sua cópia surrada de Casa-Grande & Senzala. O debate nacional está encerrado. O Brasil é BBB-. Eu sou BBB-. Você é BBB-. Um dia, com certa dose de sorte, poderemos nos tornar BBB+. Pelos critérios da Standard & Poor’s, o Brasil é um bom pagador. O fato de ser classificado como BBB- equivale a ter o próprio cadastro aprovado no crediário do Ponto Frio. Já dá para comprar um freezer a prazo no mercado financeiro mundial. Depois de obter o reconhecimento internacional, o Brasil foi tomado por uma onda de euforia. O assunto contaminou todos os debates. Um professor de medicina da Universidade Federal da Bahia declarou que o batuque do Olodum é um exemplo de primarismo musical. O presidente do Olodum reagiu comparando-o a Adolf Hitler, e acrescentou que o grupo, como o Brasil, tem sua "qualidade reconhecida internacionalmente". Isso significa que, numa hipotética Standard & Poor’s da música, o primarismo do Olodum estaria na categoria BBB-. Se o risco de tomar um calote por aqui diminuiu, o risco de tomar um tiro na testa continuou igual. No mesmo dia em que os jornais comemoravam o BBB-, conferido pela Standard & Poor’s, O Globo publicou uma reportagem sobre os 18.000 cadáveres recolhidos todos os anos das ruas do estado do Rio de Janeiro. Em média, cada cadáver demora sete horas para ser recolhido pelo Corpo de Bombeiros. Esse também é um bom critério para classificar os países: o grau de naturalidade com que se relatam os horrores cotidianos. Em 23 de abril, O Globo deu a seguinte notícia, escondida numa página interna, num bloco de 7 por 7 centímetros: "Parte do corpo de uma mulher foi queimada ontem em plena Avenida Brasil, na altura de Guadalupe. Segundo testemunhas, homens trouxeram o corpo da Favela da Eternit. A mulher teve cabeça, braços e pernas arrancados. O tronco, então, foi colocado dentro de pneus para que os bandidos ateassem fogo". Depois disso, nada mais. A mulher esquartejada e incinerada sumiu do noticiário. Ninguém se espantou com sua morte. Ninguém tentou interpretá-la. Pode jogar fora seu Gilberto Freyre. Pode desmembrá-lo, colocá-lo dentro de pneus e atear-lhe fogo. O Brasil é ainda mais rudimentar do que ele supunha. Nosso primarismo é ainda mais bestificante. Aqui só resta um Olodum mental, um dum-dum-dum mental.

Lembrando o Holodomor

por Viktor Yushchenko

Resumo: O “Holodomor” foi um ato de genocídio, que foi concebido para esmagar o povo ucraniano. © 2008 MidiaSemMascara.org Setenta e cinco anos atrás, o povo ucraniano foi vítima de um crime bárbaro. No Ocidente, foi denominado de "A Grande Fome". Em nosso país, a Ucrânia, é conhecido como “Holodomor”. Trata-se de uma campanha organizada de fome coletiva que, nos anos de 1932 e 1933, exterminou, de acordo com diversas estimativas, entre sete e dez milhões de cidadãos, incluindo um terço de todas as crianças da Ucrânia. Através de uma forma hedionda de mitigar a dimensão do acontecimento, o Estado soviético denominou o fato como uma mera “frustração de safra”. Dirigentes soviéticos pretendiam evitar responsabilidade e esconder a real intencionalidade, as causas e as conseqüências dessa tragédia humana. Apenas isso seria o bastante para fazer uma pausa e honrar a memória das vítimas. Durante as longas décadas de Estado soviético, para os ucranianos era perigoso discutir seu maior trauma nacional. Qualquer comentário sobre “Holodomor” era considerado um crime contra o Estado. As memórias das testemunhas e artigos de historiadores como Robert Conquest e James Mayes (já falecido), foram proibidos, pois eram considerados propaganda anti-soviética. No entanto, cada família ucraniana, através de suas memórias, sabia sobre a magnitude do acontecido. Os ucranianos sabiam que tudo isso foi perpetrado intencionalmente para punir a Ucrânia e destruir a sua base nacional. Em memória das vítimas e para restabelecer a verdade histórica, a Ucrânia independente luta atualmente por uma melhor compreensão e reconhecimento do “Holodomor”, tanto dentro do país como em todo o mundo. As nossas ações não são ditadas por um desejo de vingança ou tendenciosas opiniões políticas. Sabemos que os próprios russos foram as principais vítimas de Stalin. A última coisa que passa por nossa cabeça é atribuir culpa aos atuais herdeiros do Estado Soviético. Nosso único desejo é, apenas, conseguir compreender o que realmente aconteceu. É por isso que o parlamento ucraniano aprovou no ano passado uma lei sobre o reconhecimento do “Holodomor” como ato de genocídio. Por isso, peço a nossos amigos e aliados para apoiar este ponto de vista. Quando o mundo é indiferente por causa da amnésia histórica, ou da falsificação da história, está condenado a repetir seus piores erros. "Genocídio" é um termo muito pesado e alguns ainda contestam sua aplicabilidade para o que aconteceu na Ucrânia. Por isso, deve-se voltar à definição legal desse crime, consagrada na Convenção das Nações Unidas sobre Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, datada de 1948. Assim, considera-se como genocídio “quaisquer atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, a nível nacional, étnico, racial ou religioso, qualquer desses grupos”, incluindo “deliberadamente infligir sobre o grupo condições de vida calculadas para trazer a sua destruição física, total ou parcial”. “Holodomor” é inteiramente coerente com esta definição. É digno de nota que isso se enquadra ao pensamento de Raphael Lemkin, um advogado cientista, que detém a autoria da Convenção sobre Genocídio. Hoje em dia, existem muitos materiais históricos especificando os pormenores da política de coletivização forçada de Stalin e do terror de fome dirigido contra a Ucrânia. Outras regiões da União Soviética também foram fortemente afetadas. Mas a liderança soviética tinha uma finalidade velada para a perseguição e tortura de fome contra o campesinato ucraniano. Isto foi parte de uma campanha para reprimir a identidade nacional ucraniana e o desejo de soberania nacional. Como comentou alguns anos antes o próprio Stalin “não se tem um movimento nacional poderoso sem o exército camponês <...> essencialmente, a questão nacional é a questão camponesa”. Na tentativa de reverter a política de “ucrainização”, o que contribuiu para a limitada autonomia cultural e política, ao longo da década de 1920, Stalin decidiu derrubar o campesinato, que compunha 80% da nação. A resolução para a questão nacional da Ucrânia foi realizar um massacre por meio da fome. Os métodos de Stalin incluíam uma determinação astronômica de recolhimento de produção agrícola para os estoques do Estado, que eram impossíveis de cumprir e que não deixava nada para alimentar a população local. Quando o plano não se concretizava, tropas eram enviadas à região. Até ao final de 1932, aldeias e regiões inteiras foram isoladas, transformadas em guetos de fome, cujos nomes foram registrados nas listas negras do Regime. Todo esse tempo, a União Soviética continuou a exportação de cereais para o Ocidente e até mesmo a produzir álcool. No início 1933, a liderança soviética decidiu reforçar radicalmente o bloqueio das aldeias ucranianas. Como resultado, todo o território da Ucrânia foi cercado por tropas e todo o país se transformou em um enorme campo da morte. Um claro direcionamento antinacional de Stalin estava em curso de ação e percebia-se nitidamente uma campanha contra as instituições e os indivíduos que tinham contribuído para o desenvolvimento da vida cultural e social do povo ucraniano. Entre as vítimas destacamos: a Academia de Ciências da Ucrânia, a Editora da Enciclopédia Ucraniano-Soviética, a Igreja Ortodoxa Ucraniana e, no fim, o próprio Partido Comunista da Ucrânia. Foi uma campanha sistemática contra o povo ucraniano, a sua história, cultura, linguagem e estilo de vida. O “Holodomor” foi um ato de genocídio, que foi concebido para esmagar o povo ucraniano. O fato de que a tentativa fracassou e agora a Ucrânia vive como uma nação independente e soberana, não dá o direito de diminuir a gravidade do crime. Também não nos isenta da responsabilidade moral de reconhecer o que ocorreu. No septuagésimo quinto aniversário, devemos, perante as vítimas do “Holodomor” e de outros genocídios ser justos em relação ao nosso passado.

O autor é Presidente da Ucrânia.