26 de fev. de 2007

DE CHARLATÃO A SANTO - por Janer Cristaldo

Quando jovem, muito convivi com católicos, e dos mais praticantes. Na pequena cidade onde me eduquei, a igreja estava sempre cheia aos domingos. Mesmo durante a semana, a missa das seis sempre tinha boa freqüência. Os fiéis se confessavam, comungavam e rezavam. Havia ainda sessões de terço e semanas de pregação. Mas minha adolescência já está longe e aquela cidadezinha também. Religião, idem. Mas, cá e lá, sempre encontro católicos, e alguns inclusive fazem parte de minhas mesas de botequim. Mas já não vejo, nos católicos de hoje, aquele santo zelo que animava os antigos.

São crentes que há muito não se confessam nem comungam, muito menos vão a missas. Comparecem à igreja em ocasiões especiais, tipo batismo ou casamento, eventualmente uma missa do galo. Tampouco lêem a Bíblia. Se lhes perguntarmos o que significa a palavra "católico", não sabem responder. Crêem vagamente num deus que, teoricamente, premia os justos e castiga os maus, embora o dia-a-dia mostre justamente o contrário. Se o papa condena o aborto, são contra o aborto. Pelo menos enquanto a filha adolescente não engravidar de um marginal. Se o papa condena o homossexualismo, eles também condenarão o homossexualismo. Desde que não tenham um filho ou filha homossexual, é claro. Se interrogados sobre sua religião, dirão sem hesitar: "sou católico". Mas não têm idéia alguma do deus no qual dizem crer, muito menos dos dogmas da igreja que seguem. Católico é palavra que serve para responder formulários por default. Declaram-se católicos, apenas isto.

Nesta última viagem, revisitei templos que adoro. Adoro principalmente por sua arquitetura, seus vitrais, sua estética e, last but no least, seus órgãos. Sempre que passo em Paris, dou um alô à Notre Dame, onde aos domingos, às cinco da tarde, sempre há um concerto de órgãos. Passando pela Madeleine, peguei um pedaço de missa magnífica, para órgão e coral. Em Toledo, não deixei de rever aquela catedral comovente. Minha Baixinha, que a adorava, costumava chorar ao passear por suas naves. Certa vez, uma senhora a abordou, perguntou se estava se sentindo bem. Ora, estava se sentindo tão bem que chorava. É catedral que comove qualquer ateu. Mas, atenção: quaisquer desses templos magníficos abrigam hoje mais turistas do que crentes. Os turistas os invadem, em busca de beleza e música sacra. Os crentes constituem alguns gatos pingados, em geral restritos a alguma capela das catedrais.

Na França, só um francês entre dois ainda se declara católico. E só um católico entre dois crê em Deus. Esta é a chamada de capa do Le Monde des Religions, suplemento do jornal francês Le Monde, de janeiro-fevereiro deste ano. Estes dados são fruto de uma pesquisa levada a cabo pelo instituto de sondagens CSA. A conclusão é que se a imagem da Igreja e do papa continuam boas, a esmagadora maioria dos fiéis toma distância em relação ao dogma e permanece aberta ao diálogo com outras religiões. Que significa ser católico? Ir à missa? Ser batizado? Levar os filhos ao catecismo? A estas definições institucionais, os pesquisadores preferiram uma definição sociológica: é católico todo aquele que se declara como tal.

Para quem conhece o laxismo dos católicos brasileiros, o resultado da enquete não chega a surpreender: os católicos franceses são tão relapsos quanto os nossos. Apenas 8% assistem a uma missa por semana. 46% só a assistem em ocasiões especiais, como batismos, casamentos, enterros. 16% rezam todos os dias. 30% jamais rezam. Apenas 52% crêem que Deus existe. Mas atenção: destes, se 26% têm certeza de sua existência, outros 26% a julgam provável. 31% não sabem que dizer, 10% acham que é pouco provável e 7% crêem que não existe. Para 26%, não há nada após a morte. Para 53%, "deve existir qualquer coisa, mas não sei o quê". Apenas 10% acreditam na ressurreição dos mortos; 8% acreditam na reincarnação na terra em uma outra vida e 3% não se pronunciam.

Ou seja, não há mais uma crença unificada. Tem-se uma Igreja à la carte, onde cada um escolhe partes nas quais crer. Há inclusive quem se cale na hora de rezar o credo, para não mentir. Pois não é fácil crer na ressurreição da carne ou na vida eterna. Se a França foi um dia considerada la fille aînée de l'Eglise, hoje é um país onde se pratica um catolicismo inconseqüente, de fachada. O mesmo se poderia dizer dos demais países da Europa, onde as igrejas, antes locais de culto e prece, passaram a ser monumentos de consumo turístico. Portugal, um dos últimos bastiões do catolicismo, acaba de manifestar-se em plebiscito a favor do aborto, em flagrante desafio ao Vaticano. Faltam agora apenas Irlanda e Polônia.

Debilitada na Europa moderna, a Igreja se volta para o Terceiro Mundo. A primeira grande operação de marketing do papado de Bento XVI é sua viagem ao Brasil, quando tirará do bolso pontifical o primeiro santo cem por cento tupiniquim. Era o que o Brasil patrioteiro há muito esperava. O personagem a ser santificado é o frade franciscano Antonio de Santana Galvão, morto em 1822. Sua grande virtude, pelo que sabemos, é ter distribuído a doentes pílulas de papel de arroz, onde está escrita uma prece em latim confirmando a virgindade de Maria. Junto com a pílula, você engole um dogma de brinde. Frei Galvão teria feito, depois de morto, os dois milagres necessários para a canonização, sendo um deles a gravidez de uma mulher que não conseguia ser mãe. Mesmo no século XXI, a Igreja continua negando a ciência. Pois todo milagre é uma negação da ciência. Como médico venal é o que não falta neste mundo para atestar milagres, mal começa uma campanha no Vaticano para canonizar um beato, os milagres logo saltam como cogumelos após a chuva. No caso de frei Galvão, a Igreja vai carregar um ônus pesado. Pois está canonizando um charlatão. Os fabricantes de objetos sacros estão esfregando as mãos de contentes. Com o anúncio do novo santo, multiplicaram-se por milhares as estatuetas de frei Galvão. E das pílulas de papel de arroz. Em verdade, não são comerciáveis. Mas graças a elas frei Galvão acabou prestando um grande reforço ao mercado turístico nacional. Em países incultos, até mesmo pilulinhas de papel têm um alto valor agregado.

Mas o Vaticano parece ter perdido todo e qualquer pudor histórico. Está em marcha nestes dias o processo de canonização de madre Tereza de Calcutá, vigarista de alto bordo e apoiadora de ditadores como Envers Hodja e Baby Doc. Dado o ceticismo dos europeus em relação à Santa Madre, é para o Terceiro Mundo que migrarão os santos. Como o Brasil tem uma oferta colossal de crentes, dispostos a rezar para quem quer que seja, a safra de santos promete ser farta nas próximas décadas.

22 de fev. de 2007

Nação de adolescentes - por Frederico de Paola

Resumo: Poucos brasileiros chegam a idade adulta, intelectualmente falando. Permanecem extasiados na teenage, onde tudo é possível e sonham viver num mundo melhor.

© 2007 MidiaSemMascara.org

A aprendizagem deve cessar apenas após o último suspiro, nunca antes.

Tenho uma filha de um ano de idade. Quando observo as mudanças que passam em seu comportamento e tudo que ela descobre a cada dia, vejo que quanto mais ela aprende mais ela necessita de mim e de sua mãe para continuar aprendendo. Meu trabalho como educador está apenas começando e daqui a pouco ela irá para a escola para continuar aprendendo. May God help her! Pais e mães são o primeiro estágio do aprendizado, depois vem a escola com complemento da universidade e, aí sim, vem a vida propriamente dita e nessa fase nossa curiosidade deve ser tão aguçada quanto em nossos primeiros anos, pois vidas dependem de nós. É claro que o papel dos pais não se encerra nunca.

Na infância somos curiosos com tudo o que nos cerca e ficamos felizes com cada descoberta, cada passo; cada sentimento novo nos faz cidadãos melhores e os pais devem incentivar a curiosidade e despertar novos prazeres. A adolescência é um período de turbilhões de sentimentos; é a fase da vida em que muitas besteiras são cometidas, algumas irreversíveis. Já não se dá tanto ouvido aos pais. Para fugir dos problemas, o jovem declara que já sabe tudo sobre qualquer coisa, mas no fundo ele não sabe nem mesmo quem é. Admitir essa ignorância é prova de fraqueza perante o grupo – mesmo que todos estejam no mesmo barco. Sendo assim a juventude nunca busca respostas sérias sobre seus problemas. Já a idade adulta é quando temos responsabilidades com outros e principalmente para conosco. É o tempo de voltar a aprender e começar a ensinar. Portanto, é preciso averiguar tudo que nos chega e concordar ou não, e para isso contamos com uma variedade infinita de fontes. Dá trabalho, mas é muito bom aprender, como na infância.

Dessas três fases da vida a que melhor define o intelecto do brasileiro é a adolescência. O pensamento que rege a inteligência nacional é como o de qualquer jovem; já sabem tudo, não se interessam por mais nada e vão de encontro a tudo que não condiz com “seus” pensamentos, chegando mesmo a discriminar os que pensam por si sós. Andam em bandos e reconfortam-se uns com os outros. Os brasileiros foram sistematicamente levados a perder a curiosidade e isso os fez retroceder muito em termos intelectuais. Quanto mais buscamos aprender, mais rápido entendemos diversos assuntos e mais “espaço” temos em nossos cérebros, pois ao contrário de hardwares, não possuímos limites para o acúmulo de informações. É preciso uma constante utilização ou ele atrofia, certo Lula?

No Brasil, aborta-se o processo de aprendizagem. Professores de todos os níveis não incentivam os alunos a pensarem, ao contrário, dão a eles fórmulas - falsas - prontas sobre tudo. Então, quando saem da faculdade se acham conhecedores do mundo e não buscam nada além do que aprenderam em sala de aula. Mas os professores, em sua maioria, não fazem por mal; eles mesmos só alcançam o que ensinam. Não falo das ciências exatas, pois neste campo não há limite, aprende-se tudo que conseguir, ninguém pode enganar os números e sim, do que há de mais sério em termos de matéria escolar, universitária e de vida: História. Deturpam-se as mentes de jovens que no futuro vão engrossar as fileiras da esquerda mundial, gerando mais pobreza e miséria que serão temas de mais aulas enganosas.

É claro que a estratégia da esquerda mundial, alicerçada nas teorias do comunista italiano Antonio Gramsci, foi espetacular, digna de um gênio; mas daí a eliminar por completo a curiosidade de uma nação inteira??? Vivemos o cenário dos sonhos de qualquer comunista, uma nação onde 99% dos jornalistas e educadores são adolescentes.

Aqui, a infância acaba cada vez mais cedo, o sexo é liberado e incentivado, as drogas são menos danosas que o cigarro e respeitar os pais é antiquado. Com isso, crianças crescem antes do tempo e para fazer parte do grupo dos adolescentes o mais cedo possível são levadas a falarem sobre temas que desconhecem completamente, portanto, repetem o que ouvem até que aquilo se torne realidade em suas cabeças. A curiosidade infantil é decepada antes que a criança comece a pensar. Poucos brasileiros chegam a idade adulta, intelectualmente falando. Permanecem extasiados na teenage, onde tudo é possível e sonham viver num mundo melhor. Com isso temos muito poucos adultos no Brasil e, os que alcançam a maioridade não são nem sequer ouvidos, quanto mais respeitados. Outra característica da adolescência. O auge da discussão intelectual no Brasil é um menino de 11 anos debatendo com uma senhora de 70 quem será o próximo eliminado no Big Brother Brasil e porquê. Os dois não pensam da mesma forma.

O curioso de tudo é que esse não é o retrato do Brasil; apenas reflete o que o brasileiro pensa e, infelizmente, apenas ao adolescente é permitido pensar e emitir opiniões. Nossa maioria é composta de crianças que querem aprender, trabalham de sol a sol e não têm condições de aprender sozinhas. Coitadas, como faria bem a elas (povo brasileiro) ouvir os poucos adultos de que dispomos. Mas, entre elas e os adultos há a intransponível barreira dos adolescentes e nada chega às crianças sem antes passar e ser deturpado por esse grupo. Política, economia, ética, moral, PAZ, aquecimento global, tudo depende de os adolescentes darem sua versão para que as crianças possam “aprender”, decorar e repetir, e para os adultos darem suas risadas. O tema é muito sério, mas ante a ignorância e a recusa em aprender, é difícil não achar graça, mesmo que o humor seja negro.

Já que não conseguimos passar da adolescência, voltemos à infância, quando podíamos xingar todo mundo, bater, apanhar e jogávamos bola, todos juntos, uma hora depois e sem o menor constrangimento; tínhamos coisas mais importantes a fazer, viver e aprender. O Brasil esqueceu como se aprende. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para que minha filha passe da infância, para a adolescência (fase maravilhosa, deixo claro) e siga o caminho normal dos seres humanos, chegando à idade adulta. Nem que para isso tenha que deixar a nação dos adolescentes.

Frederico de Paola é formado em Comunicação Social - PUC - Rio e Pós Graduado - MBA em Administração Esportiva - Fundação Getúlio Vargas.

15 de fev. de 2007

Maioridade penal - Agir com paixão, sim!

por Carlos Maurício Ardissone, no Estado de Minas

Autoridades, juristas e intelectuais têm reiteradamente se manifestado contra mudanças nas a-tuais regras da maioridade penal. Poucas propostas de redução da maioridade penal têm sido consideradas e seus defensores, infelizmente, parecem isolados. São dois os argumentos defendidos pelas pessoas contrárias à redução da maioridade penal. O primeiro é o de que a alteração na regra não seria solução para o problema da criminalidade. O segundo é o de que decisões importantes, como a alteração da legislação penal, não deveriam ser discutidas e tomadas no calor de fortes comoções sociais, como a que se abateu sobre o Brasil depois da morte brutal do menino João Hélio. Assusta-me que tantas pessoas supostamente esclarecidas se mostrem tão insensíveis aos clamores da sociedade brasileira e à dor da família do menino. A verborragia elegante, as teses antropológicas, os postulados filosóficos, enfim, um amplo mosaico de sofisticados “academicismos” parecem querer se superpor ao sofrimento humano, real e legítimo, como se fosse possível depurá-lo. Para essas pessoas, racionalismo e paixão não combinam. Para ser responsável, a autoridade deve pensar com frieza. Trata-se do arcaico mito da racionalidade científica: o observador deve ser neutro em relação ao seu objeto.

Em primeiro lugar, há que se esclarecer que quem defende a redução da maioridade penal não acredita que essa seja a única medida que irá solucionar o problema da violência. Obviamente, uma série de amplas medidas de cunho social e educacional precisam ser urgentemente tomadas para se tentar retirar pessoas do seu estado atual de miséria e indigência. Igualmente, são necessárias medidas que tornem mais eficazes os serviços de inteligência e de prevenção no combate ao crime. Melhorias no sistema prisional também se impõem. Mas até quando as pessoas terão que continuar sofrendo nas mãos de criminosos? Enquanto medidas não forem colocadas em prática e os resultados não aparecerem, pessoas de bem continuarão martirizadas? Até que ponto irá nossa tolerância com facínoras que, de acordo com o olhar “torto” de parte da intelectualidade, são meras vítimas do flagelo social? Pode-se até admitir que, em grande parte, isso é verdade. Mas não podemos esquecer que pessoas que passam exatamente pelas mesmas agruras que os assassinos do menino João não se tornam criminosos. Por mais que condições precárias de vida sejam estímulos ao crime, a maioria das pessoas nessa situação jamais pensaria em cometer a mesma atrocidade.

Devemos esperar o arrefecimento dos sentimentos para que decidamos agir? Louve-se a voz destoante do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), que alertou, oportunamente, para o fato de que já não existem mais “períodos de normalidade”. A opção por aguardar tempos de “calmaria” é inviável, simplesmente porque eles já não existem mais. A “tempestade” é o nosso dia-a-dia. Finalmente, cabe questionar: o que há de errado com a paixão? Não falo aqui da paixão que cega totalmente. Falo da paixão como oposta à frieza que, por sua vez, é a melhor amiga da indiferença. Falo da paixão que move o ser humano pela via da curiosidade, da solidariedade e do apego. A curiosidade pelo futuro, a solidariedade ao próximo e o apego ao conhecimento nos permitiram descobrir a cura de doenças e outras façanhas maravilhosas. Sempre aconselho meus alunos a se afastarem do mito da neutralidade e a assumirem uma postura apaixonada pelos seus temas de pesquisa. As pessoas de bem, como a família de João Hélio, são merecedoras de tal postura por parte de nossas autoridades.

O FLAUTISTA DE HAMELIN - por Ralph J. Hofmann

Jefferson Peres certamente não se vendeu por uma tigela de canja. Nem por uma fortuna fungível. Simplesmente se rendeu a um mundo ilusório, cuja falsidade parecia perceber tão bem. Prefere acreditar no Grande Timoneiro a não acreditar. Como todos, Jefferson Peres, no seu âmago, quer que Lula seja o que parecia ser há dez anos.

O Flautista de Hamelin não atraía as crianças com música. A música fazia os ratos enxergar oceanos de gorgonzola, e quando se jogaram ao mar, pensavam que iam meter as presas num paraíso deste queijo.

A música convencia as crianças de que, seguindo por aquele caminho, encontrariam alcaçuz e pão-de-ló.

Assim o flautista tirava de sua flauta as notas que davam a cada um a perspectiva de obter seu desejo recôndito.

Que música o Grande Flautista Lula terá tocado para Jefferson Peres? Por que Jefferson Peres optou por acreditar? Afinal, o flautista, com suas cestas básicas de farinha e óleo, faz suficientes pessoas crer em peru e champanhe. O próprio Peres alega que preferia que a bolsa família tivesse uma porta de saída.

A música do flautista foi suficiente para que Jefferson Peres esquecesse todos as malfazenças que o presidente não coíbe. Foi o suficiente para que Jefferson Peres não atentasse para o fato de que com a popularidade que tem Lula está capacitado para acabar com boa parte da corrupção do país, pois seu partido e os coligados dependem do seu carisma e não o contrário.

Há uma coincidência na gíria brasileira. Diz tudo. Enquanto nós trabalhamos e pagamos pela fortuna de seu filho, Lula toca flauta. Ri de nós. Nero tocava harpa não? E queimou Roma.


E o Senador disse que renunciaria à vida Pública. É o País do faz-de-conta

12 de fev. de 2007

VAI LOGO SUA VAGABUNDA

por Diego Casagrande, de Porto Alegre

Fiquei uma semana nos Estados Unidos. Voltei neste domingo. Minha sensação é a pior possível. O Brasil está pior, muito pior. Aliás, nosso país vem piorando a cada semana há décadas. Quando embarquei naquele avião no início do mês, o menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, ainda estava vivo. Não tinha sido arrastado por 7 quilômetros preso ao cinto de segurança, enquanto deixava pedaços do corpo espalhados por vários bairros do Rio. Antes, segundo a mãe, era um menininho faceiro e brincalhão. Sorriso lindo agora só visto nas fotos. Há pouco tempo foi o outro menininho em São Paulo, fritado vivo dentro de um carro com a família. Antes tinha sido aquele outro ônibus no qual a vítima havia sido um bebê e uns outros desafortunados que estavam no lugar errado, na hora errada. E antes teve aquele, e aquele outro também.

E assim vamos em frente, vendo a barbárie tornar-se algo cotidiano, impregnado em nossa sociedade, e apenas rezando para que não chegue até nós. Mas é só. De resto, a sociedade brasileira não faz nada além. Não há um único movimento da sociedade civil organizada no sentido de conter uma das vertentes principais da criminalidade: a impunidade. É ela a grande vilã do presente e do futuro do Brasil como nação. É ela que permite à bandidagem comandar quadrilhas de dentro das cadeias, autoriza um Pimenta Neves a matar a namorada pelas costas, ser julgado, condenado, e ter a mesma liberdade que eu tenho de andar nas ruas, dirigir o meu carro e tirar um filme na locadora. É a impunidade que garante aos mensaleiros andar de cabeça erguida, como se honrados fossem, fazendo discursos no Congresso e gastando nos duty frees nas horas vagas. É também ela que joga na rua um menor delinqüente chamado Champinha, que violentou uma jovem durante três dias para depois assassiná-la com mais de 20 facadas.

E o que é a impunidade senão o reflexo cristalino do que somos como sociedade e dos valores que professamos?

A impunidade é o espelho do nosso caráter. Estamos ladeira abaixo, temos de admitir. Será difícil reverter este quadro. Uma sociedade tolerante com a safadeza, gerará mais e mais safados e empulhadores. Se for tolerante com o crime, como a nossa tem sido, acabará gerando a indústria da barbárie ao estilo iraquiano nas cidades brasileiras. É um ciclo vicioso. Políticos não mexem nas leis porque amanhã podem se voltar contra eles. Amanhã, quando outros Joãos forem assassinados como cordeiros no matadouro, talvez vejamos passeatas de branco, gente segurando velas e pedindo “paz”. Como se isso comovesse os bandidos das ruas e os de Brasília. Eles só mudarão o curso no dia em que forem cercados e cobrados pela população em todos os lugares, do aeroporto ao supermercado, e de forma implacável.

Ainda no avião, quase chegando, li em um jornal a entrevista de um magistrado, orgulhosíssimo de ser um dos expoentes da “justiça alternativa”, aquela que não quer penas minimamente razoáveis porque, afinal de contas, todo o crime vem do sistema capitalista. Que coisa deprimente. O mesmo sistema capitalista que garante a ele a liberdade de adaptar livremente a Constituição, recebendo um belíssimo salário e vantagens de fazer inveja aos magistrados capitalistas norte-americanos. Mas o povo que lhe paga o salário não tem direito de ter encarcerados, longe de si, estes psicopatas assassinos. Uma gente que pode eleger presidente a partir dos 16 anos, mas não pode responder por trucidar uma criancinha indefesa. Uns monstros que com um sexto da pena voltam livres, leves e soltos para destruir mais e mais famílias por aí. Coisas de um país que está na mão de pessoas safadas, de péssimo caráter, no governo, no Congresso, no Judiciário, no jornalismo.

“Eles não têm coração. Não têm. Não têm”, disse a mãe dilacerada na televisão, arrasada para o resto da vida, horas depois de eu ter colocado os pés de volta nesta maravilhosa e sórdida terra. A mãe tentou tirar o cinto de segurança do menino, mas a maldade do bando falou mais alto. “Vai logo sua vagabunda”, gritou um deles, para depois acelerar o carro dando início à cena de terror. Qualquer um que trabalha seriamente a questão da criminologia sabe que quem comete tamanha estupidez não tem a menor condição de voltar ao convívio social. Não sente culpa, não sente remorso, não está nem aí para a vida de quem quer que seja. Tira uma vida como esmaga uma barata. É, portanto, um pária que precisa ficar confinado para não machucar mais ninguém. Nós, o povo brasileiro, sabemos disso. E queremos leis mais duras e eficazes. E queremos juízes conectados com o desejo popular. E queremos políticos menos corruptos e vagabundos. E queremos um presidente menos mentiroso. Mas o que fazemos para mudar isso?

Nem Lula e tampouco Ellen Gracie são favoráveis a mudar a lei e reduzir a maioridade penal para 16 anos. “Não adianta”, vivem repetindo do alto de seus castelos. Também não querem que assassinos cruéis fiquem mais tempo longe de fazer as maldades que inevitavelmente farão. Partilham da opinião um punhado de juristas, professores universitários e jornalistas. Eles não comem criancinhas, apenas permitem que elas sejam esquartejadas por aí.

“Eu fico pensando... meu menino aqui... Cadê ele? Cadê ele?”, perguntava-se a mãe de João Hélio Fernandes.

Perdoe-nos dona Rosa Cristina, por sermos um país com gente tão canalha e incompetente no comando. Perdoe-nos por tudo. Porque vagabundos somos nós que continuamos tolerando esse estado de coisas.

Fiquem com Deus.