29 de mai. de 2012

Sobre Medicina e Religião *



Minha crônica de domingo passado, sobre as medicinas do Além, rendeu não só cumprimentos, mas também magoados protestos de crentes ofendidos. Me escreve um leitor: “você parou para pensar que você pode estar desrespeitando a sua equipe médica? E se o seu médico é católico ou de qualquer outra religião? Esse é o grande problema dos seres humanos... se acham superiores a tudo e a todos... é lamentável...”

Para início de conversa, isso de achar que ninguém é superior a alguém é ideologia massificante de católicos e comunistas. É óbvio que somos superiores a muitos seres humanos. E inferiores ante outros. Uma pessoa que lê é claramente superior em relação a uma que não lê. Um poliglota é de longe culturalmente superior a um monoglota. Um homem urbano e ciente do valor da vida humana é nitidamente superior a um bugre que enterra crianças vivas, seja porque são gêmeas, seja por porque são filhos de mãe solteira. Um homem com noções de Estado e cidadania é moralmente superior a um silvícola que só tem noção de tribo.

Me considero serenamente superior a esses desmiolados que enchem os templos evangélicos ou os shows de rock, a essa gente que vai xingar a mãe do juiz nos estádios e passa discutindo um jogo de futebol durante uma semana. A essa gente que assiste novelas da Globo e lê Harry Potter. Me considero obviamente superior a leitores de Paulo Coelho ou padre Marcelo, e aqui minha superioridade se estende sobre milhões.

Em contrapartida, me sinto pequeno ante um Platão, Alexandre, Nietzsche, Swift, Schliemann, Fernão de Magalhães ou Champollion. Mais próximos de nós, José Hernández, Orwell, Pessoa. Meu herói dileto é o Alexandre. Não era exatamente um pensador, mas guerreiro e homem de ação. Em 33 anos, conquistou impérios e civilizou nações. O judeu aquele que foi crucificado pelos judeus aos 33 anos – e hoje goza de muito mais mídia que o filho de Olímpia – tem em seu currículo apenas três anos de conversa fiada. Três anos que fizeram a humanidade regredir séculos.

Se algo aprendi de minhas leituras, é que o avanço no tempo não torna ipso facto um homem moralmente superior a seus antepassados. A humanidade jamais produziu um outro Alexandre. Nem produzirá outro Platão. Meus santos tutelares não são contemporâneos, mas homens de séculos atrás.

Voltando à mensagem do leitor: de médicos católicos eu só quero distância. Em meus dias de Florianópolis, encontrei um destes senhores. Estava de partida para a França e ele me advertiu: cuidado com o vinho. Seja moderado. E muito cuidado com os queijos e foie gras. Ora, considero que prescrições médicas devem ser levadas a sério. Era no mês de meu aniversário. Amigos me receberam com muito vinho, champanhe, queijos e foie gras. Eu, beliscando como um tico-tico. Bebendo pouco e comendo menos ainda.

Vai daí que, ao tomar o avião de volta, comprei um Nouvel Observateur. A reportagem de capa era sobre o “paradoxe du Périgord”, algo que até hoje perturba a medicina politicamente correta. Por este paradoxo entende-se o estranho fenômeno de o Périgord ser uma região de alto consumo de patês, queijos e vinhos e, no entanto, seus habitantes gozarem de excelente saúde cardíaca e vascular. Um médico declarava, na reportagem, que inclusive um pouco de boudin no leite das crianças era muito saudável. Boudin é a versão francesa da nossa morcilha. Mais suave e um de meus pratos prediletos. Me senti roubado.

Ao voltar a Santa Catarina, busquei meu médico. De Nouvel em punho. Doutor, o senhor ouviu falar disto, o paradoxo do Périgord? Não, não havia ouvido falar. Então leia esta reportagem. Não leio em francês, disse-me. Tudo bem – respondi – eu traduzo. E traduzi.

Ele fez marcha à ré. Bom... meia garrafa de vinho por dia é sempre bom para o coração. Ou duas doses de uísque. Entende-se que o boudin seja saudável às crianças, contém ferro. Mas nós, médicos, não podemos admitir isto. Seria estimular o alcoolismo.

Não acho. Sempre discordei do conceito médico de alcoolismo. Com o tempo, descobri que médicos formados nos Estados Unidos são sempre mais intolerantes em relação ao álcool que os formados na Europa. Coisa de puritanos. Na Espanha, França, Itália ou Portugal, o vinho faz parte de qualquer refeição.

Antes do final do século passado, uma médica me proibiu qualquer gota de álcool. Consulente disciplinado, passei dois anos sem beber. Minha vida se tornou um inferno. Meus amigos bebiam e eu só tomava cerveja sem álcool. Em alguns bares, fui apelidado de Kronenbier. Meus amigos entravam em uma outra fase e eu restava sóbrio. Horror. Troquei de médica. De início, já fui claro: Doutora, eu estou trocando de médica porque a anterior me proibiu o álcool. Estou buscando uma que o libere. Ela topou e eu voltei ao mundo dos vivos.

Alguns anos depois, voltando de mais um giro pela Europa, fiz meus exames de rotina. Todos os índices vitais, glicemia, colesterol, triglicérides, transaminases, excelentes. Levei-os feliz à minha nova médica. E confessei. Dra! Eu só não bebi no café da manhã. E assim mesmo, em alguns hotéis, não resisti ao champanhe que acompanhava o café.

- Agora, só depois dos exames, é que você diz isso?
- Exato, Dra!
- Bom, então acho que vou te prescrever uma viagem à Europa a cada dois meses.

O que me pareceu ser uma sábia prescrição. Quando vivia em Curitiba, encontrei um gastro, também católico, que ousou me afirmar sem nem ao menos enrubescer: a dose permissível de cerveja é meio copo de cerveja. Ora, Dr! Meio copo de cerveja não existe. Se existissem, os copos não seriam copos, mas meios copos. Alguns anos mais tarde, eu trabalhava aqui em casa e deixei a televisão ligada. Lá pelas tantas ouço um fragmento de frase: meio copo de cerveja. Só pode ser aquele cretino, pensei. Fui conferir. Era.

No Sírio-Libanês, me deparei com um técnico do aparelho de radioterapia que era testemunha de Jeová. Após uma sessão de radiação, eu o ouvi opinando sobre a Bíblia. Dizia umas bobagens sem fundamento algum, aquele papo furado de crente que carrega a Bíblia sob o sovaco e da Bíblia nada entende. Chamei-o às falas. A discussão foi longa. Acabei descobrindo que os testemunhas de Jeová mantém equipes em vários hospitais do país, para dar assistência aos pacientes que se recusam a transfusões de sangue. Essa gente deveria estar na cadeia.

Não, meu caro leitor. De médicos católicos – ou de qualquer outra religião – procuro manter distância. Considero inclusive que se alguém sai da universidade crendo nas coisas do Além, isto é a prova mais evidente de que a universidade fracassou.

Já um dentista católico, nenhuma objeção. Odontos não se metem na vida da gente.

*25/09/2011

27 de mai. de 2012

SEMELHANÇAS

"Estamos perdidos há muito tempo... O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada. Os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua ação fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte, o país está perdido! Algum opositor do atual governo? Não!" Eça de Queirós, em Portugal no ano de 1871. Eça de Queirós, José Maria de, (1845-1900), português, escritor, considerado o maior romancista de seu país.

INSENSATEZ DESASTROSA


“Deus primeiro enlouquece aquele a quem quer punir”. Ao longo do tempo esta passagem de Sófocles passou a designar as conseqüências desastrosas da insensatez, a qual, por sua vez, procede em regra da combinação entre vaidade, ambição e ignorância.
      
Este artigo ocupa-se da aliança regional, no Rio Grande do Sul, entre o Partido Progressista e o Partido Comunista do Brasil: um engenhoso achado por meio do qual duas representantes legislativas, Ana Amélia Lemos, Senadora pelo PP/RS, e Manuela d’Ávila, Deputada Federal pelo PCdoB, pretendem simplesmente envolver, em estrito benefício de suas carreiras eleitorais pessoais, as lideranças, os militantes e os eleitores de seus respectivos partidos.
       

Aparentemente não foi difícil à Senadora persuadir os representantes do PP na Assembléia Legislativa do Estado a apoiarem a idéia. Empenha-se, agora, em convencer os edis da capital.
        
Trata-se de um pacto no qual uma parte, a senadora, deve cumprir a sua obrigação primeiro, apoiando a eleição da deputada ao governo municipal de Porto Alegre, na expectativa de que a outra, a deputada, cumpra a sua no futuro, apoiar a eleição da senadora ao governo do Estado: ou seja, daquele tipo particular de pacto para cuja fragilidade já alertara Thomas Hobbes no século XVII. Mas essa é a questão bem menor.
         
O Partido Progressista possui sólidos vínculos de integração política, constituídos a rigor desde o regime constitucional de 1946 e pelo PSD, com o eleitorado e com as lideranças representativas das diferentes regiões do Rio Grande do Sul. Tem identidade e consistência bem definidas quanto a valores e a propósitos políticos, que lhe permitiram permanecer incólume frente à expansão avassaladora do malufismo, que invadiu os demais estados do país entre o fim do regime militar e os primeiros anos da Nova República.
         
Talvez apenas na perspectiva do tempo se possa medir a magnitude da ameaça que o devaneio e a futilidade trazem para o Partido Progressista e para o Rio Grande do Sul: a insólita negociação, que faria escândalo ao coronelismo da Primeira República, trai e envergonha figuras públicas respeitáveis, condenando-as mesmo à indignação silenciosa.
         
A senadora afirmou que o acordo obedecia a uma atitude pragmática e que, nele, a única dificuldade consistia em um nome.
          
O PCdoB não é apenas um nome: seus veículos de difusão ideológica afirmam que, ao contrário do que supõem os reacionários e os idiotas, o comunismo não desapareceu com o Muro de Berlim ou com a desintegração do Império Soviético. 
       
Os comunistas têm razão. O comunismo não é apenas um nome e não há qualquer dúvida ou ambigüidade possível: só há um comunismo moderno, o marxismo-leninismo.
      
Por outro lado, o simbolismo possui um papel fundamental na política, e os comunistas empregam-no com grande inteligência. O propósito que um macro ou micro partido comunista busca não consiste, em um primeiro momento, em fazer leis ou lograr o controle do governo, mas simplesmente em ser acolhido pela política constitucional, participando das instituições por cima, silenciosamente, e minando-as por baixo, pelo ruído popular. Mas não se tenha dúvida: deixando-se assimilar no primeiro momento pela política constitucional, no segundo empenha-se em assimilá-la e sujeitá-la inteiramente.
     
A senadora definiu também a sua atitude como pragmática. Na política européia e norte-americana o termo se emprega com propriedade e rigor. Contudo, no Brasil, converteu-se, há longo tempo e ainda hoje, na designação que se auto-atribuem, com muita freqüência, detentores de mandato público, legislativo ou executivo, para mascarar o tráfico de recursos públicos, com os eleitores e entre si, na busca pessoal de ganhos privados, que o mau uso do mandato representativo lamentavelmente permite.
      
Trata-se da política de clientela, para cujos efeitos perversos têm alertado há longo tempo os estudos clássicos sobre a política brasileira: desintegra a identidade partidária, sem a qual não há democracia representativa, e dizima ou pelo menos torna inefetivas e inócuas as oposições, sem as quais a liberdade constitucional desaparece.
           
Se o Brasil deseja uma democracia constitucional e representativa, necessita de pluralismo partidário real, com pelo menos um sério partido liberal, um sério partido social-democrata e um sério partido conservador. Não necessita de qualquer partido comunista, macro ou micro, de verdade ou de brinquedo.

* Cientista Político.  

Liberdade

Há, aqui no Brasil, três grandes ameaças às Liberdades Individuais: Petistas, Evangélicos e Ambientalistas!!!
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Comentário surrupiado em um Blog.

25 de mai. de 2012

Inteligente

  • Nobody can give you wiser advice than yourself.

  • Ninguém pode lhe dar conselhos mais sábios do que você mesmo.


21 de mai. de 2012

Liberdade

  • A liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade.

  • Os excessos da liberdade se corrigem com mais liberdade.

19 de mai. de 2012

O prêmio Klunge aprofunda o fosso que separa um estadista do sucessor rancoroso

Surrupiado do talentoso Augusto Nunes

MAURO PEREIRA
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Ao receber do Congresso norte-americano o prêmio Klunge, versão alternativa do Nobel sueco, em reconhecimento à inquestionável obra intelectual e ao notável desempenho como chefe do governo brasileiro, Fernando Henrique Cardoso não só esparge um pouco de luz sobre a embolorada intelectualidade do País do Carnaval como também desagrava a Presidência da República, instituição tão vilipendiada nos últimos nove anos.
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Hoje, todos os brasileiros desprovidos de rancores rendem homenagens ao risonho octogenário que mudou a história política e social do Brasil pós-ditadura. A lamentar, apenas a pouca disposição da imprensa para compreender a importância do evento. As publicações que noticiaram o acontecimento não foram além de textos comprometidos pelo espaço acanhado e pelo laconismo. Todos se abstiveram de contar aos leitores o que levou os julgadores a considerarem FHC o maior pensador da América Latina, e a premiá-lo com a soma de um milhão de dólares.
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Democrata autêntico, avesso à retórica vazia e oportunista, Fernando Henrique retirou o Brasil da categoria de república terceiromundista para colocá-lo no patamar reservado às grandes nações. Sábio, ensinou que é possível fortalecer a sociedade sem fragilizar o estado. Hábil, restituiu aos cidadãos o poder de definir os rumos do país.
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O sucesso irrefutável de sua administração transformadora fez com que aflorassem sentimentos pouco nobres, como o ciúme e a inveja. Incentivados pela omissão dos companheiros de partido do ex-presidente, adversários políticos afundados em rancores e na miséria ética colocaram em prática uma sórdida campanha cujo único propósito era a desconstrução impiedosa do grande legado administrativo, político e moral deixado pelo governante formidável.
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Abandonado por correligionários pusilânimes e injustiçado por grande parte da imprensa, o maior presidente de nossa história travou praticamente sozinho a luta desigual em defesa das grandes conquistas de seu governo. Liderados por Lula, seus algozes tentaram consumar outro linchamento moral com uma violência jamais vista. Bilhões de reais foram torrados na tentativa de apagar da memória política nacional o líder que venceu a hiperinflação que vitimava sobretudo os mais pobres, estabeleceu os fundamentos do equilíbrio macroeconômico ─ preservados até hoje por seus detratores, ressalte-se ─consolidou a democracia e fixou as diretrizes de programas sociais que, expropriados cinicamente pelo PT, desembocaram no Bolsa Família.
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FHC saiu mais fortalecido da ofensiva permanentemente alimentada pelo ódio inexplicável do seu sucessor. Aos 80 anos, sereno e extraordinariamente lúcido, a vítima dos ataques virulentos coleciona demonstrações de admiração e respeito oferecidas por brasileiros decentes, pelas plateias das conferências que tem feito no exterior por leitores das obras que se espalham pelas bibliotecas das universidades de dezenas de países.
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A conquista do Klunge aprofunda o formidável fosso que separa Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O confronto das inumeráveis diferenças atesta que FHC, sem nunca ter reivindicado tal status, é o estadista que Lula imagina ser, mas jamais será. O prêmio concedido pela Biblioteca do Congresso norte-americano não deve ser visto como mais um exemplo de que a justiça tarda mas não falha. No caso de FHC, um dos intelectuais mais reverenciados do século 20, a justiça jamais tardou, tampouco falhou. Seus inimigos é que se divorciaram dela.

14 de mai. de 2012

Estado Garante Motel a Menores Criminosos

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E nisto estamos. O “adolescente infrator”, que provavelmente nem dispunha de quatro paredes para um encontro íntimo, tem agora quarto garantido pelo Estado para fazer sexo. Quanto ao cidadão comum, que jamais matou ou roubou, se não tiver local próprio, que pague motel.
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Vivemos época em que, quando uma palavra se deteriora, basta trocá-la por outra. Negro virou afrodescendente, comunista virou ecologista, homossexual virou homoafetivo. Quando essas palavras se desgastarem, é fácil: basta criar outras.
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Quem não lembra da Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor, a antiga FEBEM? A função desta entidade era executar as medidas socioeducativas aplicadas pelo Poder Judiciário aos adolescentes autores de atos infracionais com idade de 12 a 21 anos incompletos, conforme determina o famigerado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que trata assassinos como menininhos mal-comportados, vítimas de uma sociedade malvada. A palavra gerou o substantivo febenzinho, aqueles menores que andam em bandos pelas ruas e com carteirinha de 007, isto é, licença para matar.
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Febem tornou-se palavra sinônima de crime e ao mesmo tempo impunidade. Para fugir ao desgaste do nome, que já tem trinta anos, em 2006 o governador Cláudio Lembo propos trocar o nome para Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente). O Rio Grande do Sul também se revelou ágil em matéria de dourar a pílula e passou a chamar a Febem de Fase (Fundação de Atendimento Sócioeducativo). Não temos mais febenzinhos no país. Teremos agora casinhas, fasinhas. Até que a nova nomenclatura se desmoralize. Aí, em vez de mandar os criminosos juvenis para prisão firme, troca-se de novo o nome da instituição. Como se mudando o nome da mosca, mudasse a realidade sobre a qual ela paira.
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Existe uma tendência nas esquerdas contemporâneas de absolver todo e qualquer crime. Crime não é crime. É doença. Logo, criminoso não é um criminoso que precisa ser punido. É um doente que precisa ser tratado. De onde vem esta perversão, confesso que não sei. Arrisco palpites. Talvez da longa convivência com a Igreja Católica, que não lida com o conceito de crime. E sim com o de pecado. Para quem peca, basta uma confissão e um ato de contrição e estamos quites com a sociedade e com as vítimas. Padres pedófilos não são criminosos, mas homens doentes que devem ser tratados e são merecedores de perdão. Você pode ter matado sua mãe. Mas se manifestar seu arrependimento ante um sacerdote, está livre de qualquer sanção. Se matar sua mãe e for menor de idade, não é um assassino. Mas um adolescente autor de ato infracional. Mais ainda: sai da Casa de ficha limpa.
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Não bastasse essa filosofia barata de esquerda ver doença quando se trata de crime, a psicanálise – ou pelo menos um psicanalista – vê no crime uma manifestação de talento. Ano passado, um menor de 14 anos foi apreendido pela 17ª vez, depois de ser detido ao volante de um carro furtado em Cidade Ademar. Sendo menor, não foi para a cadeia. Foi pra Casa. Especialista em adolescentes em conflito com a lei, o psicanalista Jorge Broide disse na ocasião que o garoto tinha um talento que precisava ser aproveitado e podia ser transformado numa coisa útil para ele e para a sociedade. A obsessão por carros, por exemplo, poderia revelar uma capacidade inata por mecânica ou competições de corrida.
- Isso não é visto como um talento. A posição do Estado é repressiva, apreendeu 17 vezes e não adiantou nada. A Justiça falha ao não ver o talento desse menino. É mais fácil criminalizar.
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Traduzindo: se o Estado prende um criminoso 17 vezes e não adianta nada, o melhor que se tem a fazer é reconhecer no criminoso algum talento e encaminhá-lo a uma profissão compatível com sua especialidade. Quantos talentos foram perdidos com a política repressiva do Estado! Quantas vocações para açougueiro ou sushiman foram desperdiçadas só porque o malvado Estado põe na cadeia quem esfaqueia a própria mãe.
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Quantos séculos serão necessários para a sociedade redimir-se da injustiça contra Chico Picadinho, o capixaba que esquartejou duas mulheres? Seu erro terá sido esquartejar apenas duas. Se manifestasse sua compulsão pela repetição, na ótica do psicanalista Broide, teria um talento que precisava ser aproveitado e podia ser transformado numa coisa útil para ele e para a sociedade.
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Não por acaso, a defesa de Chico Picadinho – que cumpre quarenta anos na Casa de Custódia de Taubaté - encaminhou, em agosto do ano passado, queixa à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), que ainda não se manifestou a respeito. “Manter um homem em pena perpétua pela mera presunção de que ele possa vir a cometer um crime é um absurdo que, como legalista, não posso admitir”, diz o criminalista paulistano Flávio Markman. Picadinho esquartejou sua segunda vítima após cumprir seis anos em uma colônia penal em Bauru e sair em liberdade condicional por bom comportamento em 1974. Sua defesa pede uma terceira chance. Para Chico exercer seu talento.
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Esta leniência com o crime acaba de ser reforçada com recente decisão das autoridades paulistas. A partir de terça-feira passada, todo “hóspede” da Casa (antiga Febem, se alguém ainda lembra) já pode receber visitas íntimas em todas as unidades do Estado desde que cumpra exigências da instituição. Segundo a Fundação Casa, só podem usufruir do benefício os internos, homens ou mulheres, maiores de 14 anos que forem casados ou tiverem uma união estável. As visitas poderão ocorrer duas vezes por mês pelo período máximo de duas horas.
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Ora, desde quando adolescente é casado ou tem relação estável? O desembargador da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça paulista, Antonio Carlos Malheiros, defende a medida inclusive para namorados. "Eu não entendo que isso seja correto ou incorreto. Mas já que o adolescente tem esse relacionamento lá fora, por que não ter lá dentro?", indaga.
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E nisto estamos. O “adolescente infrator”, que provavelmente nem dispunha de quatro paredes para um encontro íntimo, tem agora quarto garantido pelo Estado para fazer sexo. Quanto ao cidadão comum, que jamais matou ou roubou, se não tiver local próprio, que pague motel.

13 de mai. de 2012

Fernando Henrique Cardoso vence prêmio concedido pela Biblioteca do Congresso dos EUA

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi o vencedor do Prêmio John W. Kluge, concedido pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e que premia figuras destacadas nos estudos da humanidade, por seu trabalho acadêmico como sociólogo. O ex-presidente, que governou o País entre 1995 e 2002, receberá o prêmio em um cerimônia em Washington no dia 10 de julho. A distinção, cujo nome homenageia o benfeitor da Biblioteca do Congresso norte-americano, também dá ao vencedor US$ 1 milhão.

"A análise acadêmica (de FHC) das estruturas sociais do governo, da economia e das relações raciais no Brasil estabeleceram a estrutura intelectual de sua liderança como presidente na transformação do Brasil de uma ditadura militar com alta inflação em uma democracia vibrante, mais democrática e com forte crescimento econômico", informou a Biblioteca do Congresso dos EUA em comunicado.

O Prêmio Kluge, como é conhecido, começou a ser concedido em 2003 com o objetivo de reconhecer pessoas que se destacam em disciplinas que não são agraciadas pelo Prêmio Nobel.

O ex-presidente, de 80 anos, afirmou que recebeu a notícia do prêmio com "surpresa e satisfação". "Surpresa porque o prêmio foi dado sem que eu o esperasse e sem ter a mais vaga ideia de que ele seria concedido a alguém cujas obras acadêmicas principais foram escritas há tanto tempo", disse o ex-presidente por e-mail.

"Satisfação por ver no prêmio o reconhecimento do esforço intelectual que fiz e, especialmente, como foi ressaltado no anúncio, porque o prêmio se deu também em função da coerência entre o que escrevi e minha ação política."

Considerado "pai" do Plano Real, Fernando Henrique foi ministro da Fazenda do falecido ex-presidente Itamar Franco na mesma época em que foi criado o plano que colocaria fim a décadas de hiperinflação no País.

Impulsionado pelo sucesso do plano, elegeu-se presidente em 1994 ao derrotar Luiz Inácio Lula da Silva ainda no primeiro turno. Após a polêmica aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição presidencial, voltou à Presidência em 1998.

Antes de ser presidente, FHC foi senador e ministro das Relações Exteriores. Após deixar a Presidência, criou um instituto com seu nome sediado em São Paulo.

Atualmente mais afastado da cena política, Fernando Henrique tem encampado bandeiras como a descriminalização da maconha. Ele também participa do grupo "The Elders", que reúne líderes globais, como o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas Kofi Annan, e o cardeal-arcebispo da Cidade do Cabo (África do Sul) e vencedor do Prêmio Nobel da Paz, Desmond Tutu.

4 de mai. de 2012

"Em Busca do Nada", de J.R. GUZZO

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J.R. GUZZO

A palavra provavelmente mais correta para descrever a maior parte das atividades do governo brasileiro hoje em dia, em português comum, seria “farsa”. Mas é melhor, por prudência e pela cortesia com que se devem tratar nossas altas autoridades em geral, utilizar alguma coisa mais leve ─ “ficção”, talvez, é o termo que se aconselha, já que não pode ser entendido como ofensa (Deus nos livre de uma coisa dessas), e ao mesmo tempo serve para resumir com bastante clareza a atual conduta do superior comando da nação.

Entre as paredes do caixote de concreto e vidro em que funciona o Palácio do Planalto, é fabricada todos os dias a impressão de que ali se vive numa colmeia de trabalho sem descanso e de operosidade sem precedentes; segundo essa visão, apresentada como fato praticamente indiscutível na propaganda oficial, ainda não foi criado no Brasil o problema que as prodigiosas qualidades de gerência atribuídas à presidente Dilma Rousseff tenham deixado sem solução. Mas um metro para fora do Palácio, na vida real que começa na rua, o mundo dos fatos, indiferente ao que se diz do lado de dentro, mostra o contrário: nada do que o governo manda resolver, ou quase nada, consegue ser resolvido.

Falta de tempo para mostrar serviço de verdade, do tipo que pode ser visto e comprovado, com certeza não é. Já faz mais de nove anos que a presidente Dilma está dentro do governo, no qual dá expediente desde o primeiro dia de mandato de seu antecessor ─ com a função, justamente, de ser a tocadora de obras número 1 da República. Alguma coisa de porte, a esta altura, já tinha de ter aparecido. Mas não aparece.

Tão inúteis quanto a passagem do tempo ou os oceanos de dinheiro que o poder público tem para gastar vêm sendo as demissões em série na equipe ministerial. Em pouco mais de um ano de governo Dilma, já foram para a rua doze ministros, mais os lideres no Senado e na Câmara ─ todos nomeados por ela mesma, é verdade, incluindo-se aí alguns dos mais notórios candidatos a morte súbita que já passaram por um ministério na história deste país. Os resultados disso, pelo que se viu até agora, foram nulos. As demissões, sem dúvida, mostram que a presidente está disposta a valer-se de sua posição no topo da cadeia alimentar de Brasília ─ pode mandar qualquer um embora, e não pode ser mandada embora por ninguém.

O problema, tristemente, é que o exercício repetido de toda essa autoridade não tem sido capaz de gerar nenhum efeito útil para a vida prática do país e do cidadão. Seja porque Dilma está substituindo tão mal quanto nomeou, seja porque os novos ministros vivem paralisados pelo medo de perder o seu emprego, o fato é que nenhuma de todas as trocas feitas até agora resultou num único metro a mais de estrada asfaltada, ou num poste de luz, ou em qualquer coisa que preste.

O que certamente não falta, nesse deserto de resultados, é a construção de miragens. Empreiteiras de obras públicas, por exemplo, fazem aparecer na imprensa fotos da presidente em cima de um carrinho de trem, cercada por um alarmante cordão de puxadores de palmas, numa visita de inspeção à Ferrovia Norte-Sul. Uns tantos minutos depois, todos voltam a seu carro oficial ou helicóptero e
deixam para trás a realidade.

A Ferrovia Transnordestina, por exemplo, com 1700 quilômetros de extensão, foi iniciada em 2006 e deveria ter sido entregue em 2010; já estamos em 2012, o custo de 4,5 bilhões de reais pulou para quase 7 bilhões e tudo o que se conseguiu construir, até agora, foram 10% do percurso. O petroleiro João Cândido, que começou a ser construído quatro anos atrás para a Petrobras em Pernambuco, e foi lançado ao mar em 2010 pelo ex-presidente Lula como um prodígio da nova indústria naval brasileira, voltou a terra firme logo após a cerimônia; continua lá até hoje. Entre as mais espetaculares obras do PAC, com todos os seus bilhões em investimentos, inclui-se o “trem-bala” ─ mas a única coisa que se pode dizer com certeza sobre o “trem-bala”, até agora, é que ele não existe.

A presidente Dilma, que sabe muito bem o que é inépcia, tenta há nove anos achar o caminho de saída desse vale de lágrimas; pode continuar tentando pelos próximos cinquenta e não vai encontrar nada. Não vai encontrar porque procura no lugar errado; imagina que a solução está em criar mais repartições públicas, mais regras, mais controles, mais programas e mais tudo o que faça um “estado forte”. É o tipo de ideia que encanta a presidente. Nunca deu certo até hoje. Mas ela continua convencida de que um dia ainda vai dar.