17 de ago. de 2005

PÓS-LULA: O BRASIL SAI DESSA PIOR

por Paulo Moura, cientista político - publicado no Diego Casagrande

Tornou-se lugar comum entre alguns políticos e jornalistas afirmar que o Brasil sairá dessa crise melhor do que estava antes dela. Duvido! E olha que estou dizendo isso já tendo sentenciado a inevitabilidade do impeachment de Lula. A omissão do presidente, que não tomou as providências para investigar o mensalão tendo sido alertado inúmeras vezes para o que se passava - reforçada por sua dificuldade para nominar e mandar punir os operadores do esquema que o favoreceu, dentro de seu partido e de seu governo -, é motivo jurídico e político mais do que suficiente para o impeachment. E as investigações já revelaram muito mais motivos do que esse.

Quando dizem que não é hora de falar de impeachment, os líderes da oposição deixam implícito que essa hora chegará. O que estão fazendo é apenas baixar o fogo da fritura de Lula, para dar tempo de expor toda a podridão que ainda está encoberta e com isso liquidar toda a elite petista corrupta, dando tempo para que a maioria desinformada tome conhecimento do que o resto do Brasil já sabe.

Para aqueles que acham, ao arrepio da Lei, que um presidente inepto e imerso nesse mar de corrupção deve continuar governando por ter apoio popular, convém observar que a perda de popularidade de Lula está acontecendo em ritmo acelerado. Não me surpreenderei inclusive, se nas próximas baterias de pesquisas as avaliações negativas do presidente estiverem superando as positivas; a percepção de que Lula tem responsabilidade sobre a corrupção em seu governo estiver consolidada e a aceitação do impeachment estiver bem acima dos 29% que o Datafolha registrou, talvez até beirando a maioria.

Se for isso o que esperam os defensores do argumento de que não há razões políticas nem jurídicas para cassar o mandato de Lula, logo terão de rever o discurso. E quando essa hora chegar, bastará, então, convocar o filho de Lula para explicar perante a CPI e os holofotes da mídia suas relações com a empresa Telemar, e a fatura do impeachment estará liquidada.

Se a parte sadia do sistema político partidário brasileiro tem alguma lucidez e instinto de sobrevivência, terá que, ao contrário do que o PT está fazendo com seus corruptos, não só remover Lula do poder seguindo o ritual previsto em Lei, mas também, cassar o mandato e providenciar punições de muitos corruptos além desses dezoito nomes de deputados e mais alguns assessores que, até agora, apareceram envolvidos com o mensalão.

O pressuposto dos defensores desse ponto de vista - de que o Brasil sairá dessa melhor - é o de que, mesmo com todos os limites que se impõem, a limpeza que terá de ser feita já trará ganhos suficientes para justificar o trauma que um escândalo dessas proporções está causando na sociedade.

Que a faxina institucional é imprescindível, não tenho dúvida. Que a descoberta da verdade sobre o PT pela maioria da população é educativa e ajuda no amadurecimento da nossa democracia, idem. Que a esquerda brasileira seja levada a rever suas posições e aprender a conviver com as regras do jogo democrático, pagando o preço de passar mais umas décadas como minoria na oposição, é extremamente saudável. Agora, daí a imaginar que o Brasil ficará melhor depois disso, vai uma enorme distância.

Querem ver? Então comparem o escândalo atual, protagonizado pelo PT, com os escândalos que desembocaram no impeachment de Collor e na CPI do Orçamento. O que viram? O mesmo que eu? O escândalo atual não é muito pior, maior e mais grave do que os anteriores?

Pois é. O que aconteceu de lá para cá foi o aperfeiçoamento e a ampliação dos esquemas e métodos de assalto aos cofres públicos. Qualquer indivíduo mal intencionado que estiver atento ao noticiário, está recebendo, de graça, aulas de especialização em fraudes de licitações, desvios de recursos públicos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal. Junte-se a isso a percepção de impunidade da maioria dos envolvidos em escândalos dessa natureza e teremos o ambiente perfeito para a repetição, em escala ampliada, de outros escândalos como esse. Foi exatamente isso o que aconteceu depois dos escândalos protagonizados por PC Farias e os anões do Orçamento.

O exercício da função pública de forma honesta no Brasil não remunera adequadamente quem tenha pretensões econômicas acima da média da maioria acomodada. Que me perdoem os homens públicos honestos, e sei que há muitos, mas grande parte, talvez a maioria dos políticos brasileiros estão nessa por dinheiro e aprenderam o caminho das pedras com os escândalos do passado e a impunidade dos seus protagonistas. A corrupção se ampliou e se generalizou por todas as instâncias do Estado, em todo o país depois de Collor.

Uma auditoria séria nas finanças públicas de órgãos dos três poderes e em todos os entes federados, administrados por quaisquer partidos ou indivíduos no Brasil hoje, encontrará na lisura dos procedimentos de licitações, compras e contratações, exceção.

Generalização injusta? Pois pago para ver. Afinal, já estamos pagando para não ver.

Com a eliminação das comissões dos corruptos; o fim dos superfaturamentos de compras, obras e licitações; a eliminação dos prejuízos decorrentes do mau investimento dos fundos públicos, e a redução do tamanho do Estado com uma nova onda de privatizações; a redução da ingerência política na administração pública via redução de cargos em comissão, e outras medidas do gênero, talvez fosse possível reduzir nossa carga tributária em cerca de 50% e alavancar nosso desenvolvimento, financiando-o com os recursos que permaneceriam no setor privado para gerar investimentos e empregos ao invés de alimentar impostos para financiar corrupção e mau uso de verbas públicas.

Não confio na maioria das propostas de reforma política que circulam por aí às pressas, pois nenhuma delas ataca o problema do tamanho do Estado, que é onde se empregam os ladrões. É preciso desempregá-los em massa, do topo à base do organograma. E é preciso punir severamente os corruptos, com cadeia e bloqueio do patrimônio adquirido por meios ilícitos.

Se um Marcos Valério da vida como esse carequinha aí, mesmo depois de tudo o que está passando, sair dessa livre e com uns poucos milhões escondidos em algum paraíso fiscal não localizado pelas investigações, terá acumulado em quatro décadas de vida, muito mais do que um professor universitário de classe média consegue juntar trabalhando duro toda a vida. Terá valido a pena roubar. Esse é o recado que os políticos brasileiros estarão repassando aos nossos filhos. Banditismo se corrige com punição severa! O resto é conversa.

Algumas dessas propostas de reforma em discussão na mídia minimizam o problema da bandalheira nas regras da política, mas não a ponto de impedir novos e grandes escândalos de corrupção. Há relação de causa e efeito entre financiamento eleitoral e corrupção. O financiamento eleitoral público contribui para minimizar o problema, já que oferece aos honestos uma alternativa lícita de viabilização de suas campanhas, mas não impede as fraudes em licitações, compras e contrações. A rígida cláusula de barreira para legendas de aluguel, já aprovada, mas que os políticos querem desidratar, é positiva, mas sozinha também não resolve. Tudo o mais em discussão sobre mudar a propaganda e as regras eleitorais é firula de eficácia, no mínimo, muito duvidosa.

Quando a crise em curso estiver superada, após o impeachment de Lula e a cassação da quadrilha que o cerca, talvez sobre tempo para refletir e propor medidas eficazes. Mudar as regras agora é ruim, pois não vai resolver nada e oferecerá o pretexto e a falsa impressão para aqueles que defenderão, depois, que nada mais será preciso fazer. Do jeito que vai, o Brasil sai dessa pior.