14 de fev. de 2006

Uma Constituição do Povo para o Povo

por Ralph J. Hofmann, com autorização do autor - publicado no Diego Casagrande

Qual é o desejo do povo do Brasil? O que ele aprova? O que não aprova? Qual o conteúdo de uma constituição neste país? Tem alguma coisa a ver com as pessoas que aqui vivem.

O Brasil está marcado pela falta de um movimento popular que lhe desse a independência como monarquia, e tampouco realmente escolheu se queria ser uma república.

Ambas as condições foram decididas por pessoas que na verdade não haviam desbravado florestas, aberto picadas na mata, ou até mesmo garimpado ouro e esmeraldas.

A independência veio do capricho de um príncipe que sabia que se voltasse a Portugal teria de viver um protocolo que não lhe agradava. Melhor ter um Império nas Américas.

A república veio da ambição de dois generais. Novamente não houve milícias monarquistas enfrentando outras milícias republicanas.

Poderíamos dizer que as discussões de forma de governo foram destinadas a resolver quem exerceria o poder. A liberdade ou ausência dessa, e o direito de ir e vir foram concessões ou não de poucos para muitos.

E isto está refletido nas muitas e muitas constituições brasileiras. Não são constituições que se desenvolveram a partir de ajustes necessários à boa convivência entre as pessoas que habitam uma certa região.

São mais como um concurso para ver quem faz a melhor constituição. Querem mostrar como o país é sofisticado. Como adere a princípios de justiça social e outros chavões. As pessoas que elaboram constituições parecem um administrador de empresas que cria um manual de organização e métodos para uma empresa, sentado com sua equipe, numa imensa sala, apenas de olho na lista de funcionários e nas listas de tarefas a executar. Jamais vai ao mercado perguntar como funciona, jamais vai à indústria ver como se fabrica, enfim, age completamente dentro de conceitos de livros ou conceitos que estejam na sua imaginação. Ao final de determinado tempo entrega um calhamaço detalhando organograma, cronograma, descrição de cargos e o que mais for, sem questionar o que se passa no mundo real.

A constituição brasileira hoje ignora por exemplo a realidade do aborto. Enquanto médicos se recusam a cumprir ordens judiciais quanto ao aborto, toda cidade de mais de 150 mil habitantes provavelmente tem uma clínica limpa e eficiente de propriedade de um médico onde por um preço as jovens que tenham recursos razoáveis podem resolver seus problemas sem ordens judiciais. Certamente muitas das pessoas que embargam uma liberalização das condições para aborto no congresso ou que fazem declarações chocadas à imprensa sobre este assunto já lançaram mãos dos bons préstimos dessas clínicas quase oficiais.

Tenho absoluta certeza de que uma grande parte das pessoas que pretenderam criminalizar completamente o porte de armas, lá no íntimo, se tivesse coragem e convicção, favoreceriam até uma lei menos draconiana do que a que existe. Sabem essencialmente que o uso de uma arma pode ser regulamentado e a maneira de portar e armazenar pode ser colocada dentro de parâmetros estritos sem que se chegue a absurdos como a legislação atual que transforma o país em três povos. Os que podem ter arma, os que não podem ter arma e os que não podem ter armas mas as têm e até armas automáticas pesadas, as quais ninguém cogita que um civil possa ter, e as usam corriqueiramente submetendo populações a fogo cruzado. Pois bem, essas pessoas se convencem de que seria politicamente inadequado reconhecer esta realidade.

A realidade é que até os populares entrevistados na rua pela televisão raramente externam sua opinião verdadeira sobre penas prisionais, porte de armas ou aborto. Tendem a dar a opinião da moda.

Perguntem a opinião da população, das pessoas que são assaltadas por ladrões que estão em condicional. Dos larápios que são soltos uma hora depois de serem flagrados roubando. Horas depois o promotor diz na televisão: “Dentro da lei não podemos fazer nada.”

Mas por que não podem fazer nada? Porque começou com constituições concedidas, passou a constituições em que os constituintes tentavam ser perfeitos idealistas libertários, engajados em diferentes teorias que abrem mão da má índole implícita num sujeito que não apenas assalta e rouba como desnecessariamente mata e estupra. Por que um sujeito claramente nefasto como o “Bandido da Luz Vermelha” teve de ser libertado após 30 anos? Porque é um dos dogmas do sistema. O máximo são 30 anos. Uma semana depois esse “Bandido...” ameaçava de morte seus vizinhos.Progressões de pena.

Se um juiz fosse preso para cada preso beneficiado por progressão de pena que comete um crime não haveria juizes soltos no país.

O pior é que o problema vai subindo. Em lugar da Suprema Corte se dedicar tempo integral a considerar matéria constitucional, a firmar jurisprudência para orientar os juizes de todas as outras alçadas, fica definindo se um sigilo pode ou não ser quebrado. E o faz sem isenção, sem enquadramento. Naturalmente! Ser juiz do supremo, para alguns, é degrau em carreira política.

A constituição atual praticamente decidiu se as estátuas nos parques devem ser em bronze ou alumínio, ou seja, é uma constituição que deveria exigir uma árdua labuta para julgar casos de apelações que contenham novidades, onde se deva formar jurisprudência.

Deixo aqui uma sugestão quase impossível. Se uma pessoa tiver sido chamada a depor por uma comissão do congresso, se já existirem evidências admissíveis de seu provável envolvimento, considerando que em alguns casos semelhantes já ocorreu a liberação dos sigilos, não é da alçada do supremo tratar do caso.

Francamente, no melhor de todos os mundos um juiz distrital qualquer deveria poder autorizar a devassa dos telefonemas efetuados, desde que se castigasse rigorosamente os responsáveis pela guarda das informações obtidas caso fossem infiéis depositários das mesmas. As aberturas de informações econômicas deveriam ser discutidas com possibilidade de defesa, também ante um juiz distrital antes de serem liberadas do sigilo. Indicações sólidas de que existisse uma lavagem de dinheiro ou pagamentos ilegais deveriam ser suficientes para determinar essas varreduras.

Estamos passando por uma época de profunda frustração ante o comportamento do poder civil, após passarmos vinte e poucos anos dizendo que a fonte de todos os males era a ditadura. Agora vemos que um poder civil desregrado, numa democracia de verdade pode ter características tão frustrantes quanto uma ditadura. Cabe ao poder civil provar que pode corrigir seus rumos, castigar seus malfeitores. Na verdade o quarto poder de uma forma geral tem sido uma luz ao fundo do túnel. A imprensa, apesar de facciosa, essencialmente de esquerda não tem deixado de romper os véus que encobrem a corrupção.

Estamos passando por uma época de profunda frustração ante o comportamento do poder civil, após passarmos vinte e poucos anos dizendo que a fonte de todos os males era a ditadura. Agora vemos que um poder civil desregrado, numa democracia de verdade pode ter características tão frustrantes quanto uma ditadura.

Cabe ao poder civil provar que pode corrigir seus rumos, castigar seus malfeitores. Na verdade o quarto poder de uma forma geral tem sido uma luz ao fundo do túnel. A imprensa, apesar de facciosa, essencialmente de esquerda não tem deixado de romper os véus que encobrem a corrupção.