27 de out. de 2005

Atenção, oposições! Hora de chamar Lula para o jogo

Por Reinaldo Azevedo no Primeira Leitura

Bem, finalmente alguém põe o guizo no pescoço do gato, não é? Se os deputados que recorreram ao caixa dois, chame a prática mensalão ou não, têm de ser cassados, outra não deve ser a pena do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando menos, está caracterizado que chegou ao poder recorrendo à flagrante ilegalidade. Foi o que evidenciaram nesta quinta os deputados Moroni Torgan (PFL-CE) e Zulaiê Cobra (PSDB-SP) e o senador José Agripino (PFL-RN), que se disse favorável a que seu partido represente contra Lula.

Aliás, as oposições, por erro de cálculo, já deixaram passar a oportunidade de fazê-lo quando Duda Mendonça confessou, com todas as letras, que o caixa dois financiou também a candidatura presidencial. Ali se entendeu que o presidente ainda contava com o apoio de uma ampla maioria e que uma eventual ação de impeachment estaria na contramão dos desejos da população. Erro de cálculo por quê? Porque, obviamente, o PT, que está avariado, mas não morto, tentaria criar os contra-argumentos e entraria na guerra de propaganda, como está fazendo. Um erro de circunstância. Mas também há um erro conceitual importantíssimo: governantes e povo estão sujeitos e submetidos às leis. Se um presidente comete crime de responsabilidade, tem de sofrer as conseqüências legais cabíveis. Ao povo resta ficar no seu lugar: submetido às leis. E ponto final.

Ademais, vê-se agora, o apoio da população a Lula é menos amplo e menos sólido do que parecia. Queira ou não o Planalto, o resultado do referendo sobre a proibição de armas caiu no seu colo. Não há nenhuma razão, pois, circunstancial ou conceitual, para que Lula não arque com as conseqüências da forma como foi eleito. Os tesoureiros que depuseram nesta quinta (leiam o noticiário) não deixaram a menor dúvida: o caixa dois — e sabe-se lá como se conseguiram os recursos para tanto — financiou também a campanha de Lula. As oposições, sob qualquer pretexto, não podem mais ignorar tal fato.

A versão do empréstimo, sustentado por Marcos Valério, Delúbio Soares, Lula e toda a cúpula do PT, mal pára de pé. Nem mesmo os valores batem. Delúbio diz que autorizou o repasse de R$ 12 milhões ao PL; Marcos Valério diz que foram R$ 10.837,50; Valdemar Costa Neto, presidente do partido, diz que foram R$ 6,5 milhões. É uma bandalheira, é um esculacho, é um vexame.

Reitero: os tesoureiros estão dizendo que o caixa dois financiou a campanha de Lula, o que o deputado José Dirceu (PT-SP) vinha negando peremptoriamente. A piada oficial é que aquilo que Delúbio classifica de “recursos não contabilizados” só servira às campanhas estaduais. Não é engraçado? Vai ver o tesoureiro pegava, sei lá, notas de R$ 100 e, como um Salomão metade ético e metade bandido, rasgava-as em duas partes: uma ia para a contabilidade oficial; a outra era enviada aos Estados, por baixo dos panos. Tenham a santa paciência!

O país caminha, isto sim, para um ridículo jurídico. De que, ora vejam, querendo ou não, a própria Justiça está fazendo parte. Não faz tempo, o presidente do Supremo, Nelson Jobim, afirmou que Lula tinha o direito de ser julgado pelo povo. Foi severamente censurado aqui. Ninguém tentou ou tenta lhe tolher esse direito, desde que ele o conserve até chegar lá. Seus ainda aliados confessam que o dinheiro irregular — cuja origem continua desconhecida — serviram à sua campanha. E agora?

Agora, senhores da oposição, nada a temer senão o triunfo da ilegalidade. A sociedade pede uma resposta. Se a Justiça, que anda, é fato, com temperamento às vezes estranho, entender que a representação contra Lula é descabida, obedeça-se, claro, a determinação. Mas a institucionalidade já não pode mais conviver com as ilegalidades flagrantes e confessas que sustentaram a campanha de Lula, que o levou à Presidência da República.

Confronto

O confronto — confronto legal, democrático — não está sendo urdido pelas oposições, mas pelos fatos. O PT escolheu o caminho do confronto, e é o caso de as oposições tomarem cuidado com, como direi?, seu excesso de dialética, que pode ser só falta de clareza. Já ouvi alguns de seus representantes a dizer: “Se o PT quer o choque, não podemos cair nesse jogo”. Errado! O partido escolheu esse caminho porque é o único que lhe resta. Vejam seu programa no horário político desta quinta. Os petistas estão, é claro, na defensiva. Precisam até mesmo avisar que não são bandidos. Mas partiram, sim, para o confronto.

O ato vil, pusilânime, de que foi vítima o senador Jorge Bornhausen; a campanha movida pelo partido e suas ONGs associadas em São Paulo contra a gestão Serra, tudo, enfim, indica que o PT, obviamente, está vivo. E que sua única chance é sair atirando. A moderação, contra a evidência das leis, diga-se, da oposição, só pode ajudar o petismo. Lula foi eleito, confessam-no seus aliados, com dinheiro de origem ilegal. A soma dos supostos empréstimos não bate com o total movimentado; uma rede de corrupção estava espalhada nas estatais e na administração pública. Acabou. As evidências estão todas dadas.

E se uma eventual ação contra Lula for obstada pela Justiça, e Lula se fortalecer? Será mesmo? Caso o petista consiga se desvencilhar de sua própria obra, estejam certos, não será por isso. Entendo que o resultado do referendo deixou claríssimo que o espírito que elegeu o Apedeuta está se desfazendo. Um terço votará sempre em Lula. Um terço votará sempre contra Lula. O outro terço está em disputa.

Fico, às vezes, com a impressão de que as oposições se deixam impressionar excessivamente por este terço que jamais vai arredar pé de Lula, que vai sempre ficar com os, como dizer?, “progressistas”, por mais reacionários que sejam. Isso inclui, acreditem, até setores da imprensa. É a minoria barulhenta contra a maioria silenciosa que falou no referendo. Continuarão a fazer o jogo do lulismo, continuarão a afirmar que Azeredo ou Lula, tanto faz, é tudo caixa dois... Contra isso, não há resposta possível. A resposta é deixar claro que não se compactua com a bandalheira. Não quero ser muito cru, mas vou a palo seco: os petistas querem cassar Azeredo por caixa dois? Querem trocar um bispo por um rei? Parece uma brincadeira boa.

Nada a temer senão a depredação da institucionalidade. Que se dá justamente com a presença de Lula no poder — ao menos com a sua presença lá sem que seja obrigado a responder por seus atos. Justiça nele! Mesmo que esta, às vezes, pareça não querer.

7 de out. de 2005

A CORRUPÇÃO E SUAS CAUSAS

por Rodrigo Constantino, economista - do Diego Casagrande

“In every society there are those who will try to ´beat the system´ and if the system is vulnerable, there will be more of them; thus there is no ´moral superiority´among the less corrupt contries; they simply have more developed and stronger institutions and practices to control the menace.” (Transparency International)
A corrupção é basicamente fruto da impunidade e de um modelo estatal inchado, sem império da lei. Eis o que pretendo demonstrar nesse artigo, de forma sucinta e objetiva. O Brasil parece caminhar em direção oposta ao rumo correto do combate à corrupção. Afinal, a impunidade anda solta, os recursos que passam pelo Estado aumentam, e a mentalidade coletivista exime de culpa os indivíduos, dificultando o império da lei. A culpa da corrupção e criminalidade passa a ser da “sociedade”, da “miséria”, e as pessoas pedem ainda mais Estado para curar esses problemas. As sanguessugas vão tratar da leucemia...
Em primeiro lugar, somos todos individualistas. Os homens não são cupins ou abelhas, que vivem para o bem da colônia. Os indivíduos preocupam-se com seus interesses particulares, não com objetivos abstratos como o “bem geral”. Vale lembrar que isso é verdade para todos, ou seja, o homo politicus também segue essa norma natural. Os políticos buscam seus próprios interesses, e concentrar poder e recursos em suas mãos é receita certa para maior corrupção. Vamos ver melhor o porquê disso.
Gary Becker, economista de Chicago que ganhou o Nobel em 1992, mostrou que a Teoria Econômica é, na verdade, uma Teoria de Escolha. Os indivíduos reagem aos incentivos. Para os acertos, os prêmios, e para os erros, a punição. Isso faz com que necessitemos de um modelo meritocrático, existente apenas no livre mercado. Essa meritocracia inexiste nas estatais, por exemplo, onde o emprego é garantido, e a remuneração raramente depende do valor gerado. O escrutínio de sócios preocupados com a lucratividade é fundamental para a boa gestão, punindo ou premiando os erros e acertos.
Milton Friedman, outro economista de Chicago e também prêmio Nobel, destaca as quatro formas de gastos. Podemos gastar nosso dinheiro em causa própria ou com outros, como em presentes, ou podemos gastar o dinheiro dos outros, em causa própria ou para os outros mesmo. Ora, claro que apenas o mercado livre garante o efetivo interesse nos custos e benefícios dos negócios realizados, já que as pessoas estão gastando o próprio dinheiro em causa própria. Os gastos estatais, executados por burocratas com dinheiro alheio, jamais terão os mesmos cuidados. Há enorme preocupação com os benefícios, mas praticamente nenhuma atenção aos custos. Quem toma muito cuidado e lava um carro alugado? Isso favorece o ambiente corrupto, pois o dinheiro é da “viúva” mesmo. O que é de “todos”, não tem dono, não é de ninguém! Os políticos, gastando dinheiro de terceiros, muitas vezes em causa própria, terão um grande incentivo aos abusos.
A concentração de poder e recursos no Estado, portanto, é um enorme estímulo à corrupção. O federalismo é um meio de combater essa concentração, dividindo o poder político nas esferas locais, mais próximas do povo. Quanto mais recursos estiverem nas mãos do governo central, maiores as chances de abusos. A burocracia deve ser duramente combatida também. Todos sabem que a vocação principal da burocracia é criar dificuldades, para vender facilidades ilegais depois. Quanto maior a burocracia, maior a necessidade de subornos para a sobrevivência das empresas. Segundo a ONU, cerca de 15% das empresas pagam suborno nos países desenvolvidos, contra cerca de 60% nas nações do antigo império soviético.
As leis devem ser isonômicas e básicas, de fácil compreensão. Quando trocam o conceito objetivo de justiça pelo vago termo “justiça social”, criam a arbitrariedade das leis, tornando as regras complexas e aplicáveis ex post facto. Isso gera perda de confiança no império da lei, fundamental para a solidez institucional de um país. Ocorre a formação de grupos organizados, na defesa de seus interesses, objetivando conquistas via o lobby político, e não através das trocas voluntárias no mercado livre. A amizade com o rei passa a valer mais que a competitividade da empresa. Vence quem mais suborna. Eis um grande catalisador para a corrupção.
O contexto também é crucial para a corrupção. Pequenos delitos que ficam impunes, criam um clima de desordem, podendo gerar uma epidemia de ilegalidade. A impunidade talvez seja a maior causa isolada da corrupção. Marcos Valério ainda solto, Delúbio Soares, Waldomiro Diniz, esses casos contribuem, e muito, para esse clima geral de impunidade.
Como comprovação empírica desses pontos lógicos, temos o estudo do Transparency Internacional, organização que luta contra a corrupção no mundo. Eles criaram um índice de percepção de corrupção, e ainda que falho, serve como bom indicador. O interessante é quando colocamos lado a lado o índice de liberdade econômica, do The Heritage Foundation, e esse índice de corrupção. Há uma enorme interceção! Dos 20 primeiros com baixa corrupção, simplesmente 19 deles estão também entre os 20 primeiros em liberdade econômica. Países como Nova Zelândia, Dinamarca, Cingapura, Suíça, Austrália, Holanda, Canadá, Luxemburgo, Hong Kong, Inglaterra e Estados Unidos estão tanto na liderança do ranking de liberdade econômica como no de pouca corrupção. E como conseqüência, são também os países com maior renda per capita do mundo.
Entendendo melhor as causas da corrupção, e o quanto ela custa para o progresso da nação, podemos propor algumas medidas essenciais no combate à ela. De forma resumida, seriam: privatização da maior parte das estatais, reduzindo o volume de recursos que passa pelo governo; redução dos gastos públicos, pelo mesmo motivo; combate duro à burocracia; adoção do federalismo na prática; maior abertura comercial; redirecionar o foco do Estado para o Judiciário, buscando o império da lei, e para a segurança, para manter a ordem e acabar com a impunidade. Quem sabe assim poderemos chegar mais perto de uma Suíça...