6 de mar. de 2006

Tenho Confiança e Esperanças no Senhor JOSÉ SERRA

A revolução do Verbo

"Educar, e fazê–lo com qualidade, é mais do que atender um chamamento econômico. É dar uma identidade ao indivíduo."

"No princípio, era o verbo". Assim começa o livro mais importante do Novo Testamento. O "Verbo", que, na Bíblia, é o próprio Deus. Ter o domínio da palavra significa dar ao mundo notícia de si. Educar, e fazê–lo com qualidade, é mais do que atender apenas a um chamamento de apelo econômico, como virou moda argumentar: corresponde a conferir ao indivíduo uma identidade e uma noção de alteridade. A criança se insere no mundo e toma plena ciência de si. Esse é o norte ético do programa Ler e Escrever, da Prefeitura de São Paulo, que alça a educação municipal a um novo patamar. No futuro, não haverá como ignorá–lo, porque seus beneficiários não vão permitir. É assim que a democracia avança.

Tantas têm sido as fórmulas ensaiadas para buscar a excelência nessa área; tantos têm sido os erros (alguns mal disfarçam o dolo político); tantos têm sido os desvãos entre demagógicos, deslumbrados e megalomaníacos em que se perdem os governantes. E tudo para omitir clara e insofismável verdade: não se educa sem o professor. Não se educa sem que se lhe ofereçam as condições necessárias para tanto. Não se educa ignorando que o aprendizado supõe uma relação humana que se dá sob certas condições. Com o programa Ler e Escrever, a cidade ergue a sua mais importante obra. Obra feita de ciência da educação, com a boa técnica para nos libertar das travas da ignorância e do atraso.

Não se trata de tijolo com tijolo, unidos pelo cimento da demagogia à boca da urna, num desenho ilógico, embora esta gestão construa salas de aula desde o primeiro dia. As escolas de lata, por exemplo, chegam ao fim. Investir na infra–estrutura, no uniforme, no material escolar, na merenda, no transporte, tudo isso é prioridade de rotina. Trata–se de benefícios que se encomendam aos engenheiros, aos fornecedores de roupas, de alimentos, de transporte –aliás, hoje, a preços bem menores que antes.Mas o que a capital econômica do Brasil encomendava aos educadores? Descaso? Baixa qualidade no ensino? Professores humilhados? Ora, 30% dos nossos alunos chegam ao terceiro ano do primeiro ciclo (o antigo "primário") sem saber ler nem escrever. Nada menos de 15% ficam retidos na quarta série porque não dominam o "verbo", princípio de todas as coisas. Triste a cidade em que a suntuosidade ilustrava o deslumbramento ignorante de certas políticas públicas e escondia a tragédia social de 17 mil estudantes que chegavam ao fim do primeiro ciclo ainda analfabetos. A cidade pedia um projeto pedagógico; cobrava qualidade.

As professoras e professores do primeiro ano do primeiro ciclo das escolas municipais passarão a contar com um auxiliar em sala de aula, o que é corriqueiro na maioria dos estabelecimentos particulares, mas uma novidade no ensino público. Estudantes de pedagogia e futuro professores –2.000 ao todo!– vão ajudar os educadores na alfabetização. Assim se constrói um outro edifício: o da cidadania. Assim se constrói, em suma, uma escola melhor.Ousamos mais. Tínhamos de dar uma resposta àqueles que chegam ao fim do primeiro ciclo e, ainda assim, apresentam deficiências, ficando retidos. Eles terão 30 horas aula semanais, e não mais 25 horas, permanecendo na escola seis horas por dia –a média nacional, inclusive no ensino privado, nessa faixa etária, são quatro horas. Estão envolvidos nessa tarefa, em particular, um total de 468 profissionais, especialmente treinados para responder a tal desafio.

O projeto Ler e Escrever não estaria completo se não investisse pesadamente num programa de leitura para os estudantes do segundo ciclo (da quinta à oitava série). As bibliotecas estão sendo equipadas, e os professores, orientados para desenvolver e enraizar o hábito da leitura. Nada menos de cinco livros, já distribuídos, foram editados para orientar esse esforço concentrado: três deles para os professores, um para os alunos e um outro para os pais. A educação, como a entendemos, supõe o envolvimento da família. É preciso que cada mãe, que cada pai, a despeito de todas as dificuldades do dia–a–dia, estejam plenamente cientes de que um futuro melhor para suas crianças começa na escola. Mas é ainda mais necessário que os governantes estejam convencidos dessa verdade. E façam da qualidade do ensino um outro imperativo.

O regime de progressão continuada impede que o aluno seja reprovado nos primeiros anos do primeiro ciclo. A medida, que até pode ter as suas virtudes, não deve servir para acobertar a ineficiência da escola. A promoção automática não impede que o aprendizado do estudante seja avaliado. Criamos e instituímos esse sistema de avaliação. Porque, de fato, o que se vai medir é a eficiência da escola. Todo o material que orienta esse trabalho foi preparado pela equipe da Secretaria de Educação, segundo as necessidades e as circunstâncias vividas pelos estudantes da cidade.

Ler e Escrever, essa revolução do Verbo, que mobiliza milhares de profissionais e responde à demanda por qualidade, é, sim, uma exigência da economia, mas, acima de tudo, é uma questão de cidadania. Eis a escola libertadora que queremos.

José Serra, 63, economista, é o prefeito de São Paulo. Foi senador pelo PSDB–SP (1995–2002) e ministro do Planejamento e da Saúde (governo Fernando Henrique Cardoso)
Contamos com o Inestimável Apoio do Sr. Geraldo Alckmin.