4 de nov. de 2005

O PT trucou. Hora de a oposição gritar: “Seis, ladrão!” - por Reinaldo Azevedo

O PT é mesmo um show. No exato instante em que se prova o escândalo Visanet-BB-Valério-PT, revelando uma parte ao menos da origem da dinheirama que irrigou o delubioduto-valerioduto, somos informados de que emissários do petismo — Antonio Palocci e Márcio Thomaz Bastos — estariam encarregados de negociar um armistício com as oposições. Não um armistício qualquer, é claro. Seria algo bem à moda daqueles grupos islâmicos que se dizem de resistência: “Ou fazem o que queremos ou explodiremos inocentes”. A plantação vem com tudo: nome e sobrenome.

Assim se negocia a paz segundo se lê: caso PSDB e PFL flertem com o impeachment ou queiram chamar para depor Lulinha (Telemar) da Silva, então o PT ressuscita o Dossiê Cayman e joga na roda o filho de FHC e a filha de Serra. Sob qual acusação? Qualquer uma. A que der na telha. Contra fatos — como o conúbio Visanet-BB-Valério-PT e a injeção de recursos da Telemar na empresa do filho de Lula —, oporiam boatos, mentiras, feitiçarias, tanto faz. A lógica desse tipo de jogo mafioso é a seguinte: guerra é guerra.

O Dossiê Cayman é mais falso do que uma nota de R$ 3. O próprio PT o rejeitou à época porque percebeu que era uma roubada. Seus autores foram presos. O assunto só prosperou na mídia porque a ordem era caçar tucanos a qualquer custo. Certos setores julgavam que eles eram o grande mal do Brasil e que pretendiam “mexicanizar” o sistema político — o que, convenha-se, revelava, a um só tempo, ignorância sobre a política mexicana, sobre o PSDB e, claro, sobre o PT, este, sim, com efeito, a coisa mais próxima a que se chegou de um PRI aqui no Brasil. E que continua ativo. De velório ao Judiciário, passando pelos outros dois Poderes, todas as instâncias do Estado, com escala nos sindicatos e nas federações empresariais, o partido está em todo lugar. Mas havia gente querendo caçar tucanos. Preferiam patos selvagens... Eles estão aí.

Tenho lido alguns coleguinhas, ouvido alguns comentários de TV. Os “titios” e as “titias” da mídia estão apavorados com o que chamam “guerra de extermínio”. A última piada é dizer que o confronto abre espaço para uma “terceira via”, que seria, quem sabe?, a via do inferno, com Garotinho ou qualquer outra coisa “menos comprometido com isso que está aí”. Chamo a esse raciocínio de “terrorismo da neutralidade”. Trata-se de puro pensamento mágico com que enganamos criança bagunceira: “Se você não se comportar, Papai do Céu vai ficar triste”. A ameaça, claro, como no caso dos infantes, só interessa à ordem instituída. No momento, quem manda no barraco é o PT.

Pediria aos “titios” e às “titias” que me contassem qual foi o ato tão severo de “agressão” cometido até agora pelas oposições. No máximo, vi Arthur Virgílio (PSDB-AM) e ACM Neto (PFL-BA) ameaçando dar uns sopapos nos petistas, até no presidente da República. É só engraçado: 1) não é grave; 2) não tem a menor importância; 3) só serve para dar corda aos reacionários da imprensa, que preferem fazer essa crítica da suposta “falta de controle”. O senador e o deputado, a esta altura, já devem ter concluído que fizeram mal. Se as palavras fossem para valer, não estaríamos mais falando de política, mas de pugilato. De resto, nesses casos, a gente não fala que vai dar porrada: dá a porrada. A estridência teve um lado positivo: chamou a atenção para a arapongagem que tomou conta do país.

Mas retomo o fio. Nunca houve uma oposição tão cordata. Por muito menos, qualquer outro presidente, a começar de FHC, já teria caído. Lula não cai porque há quem tema seus “bolivarianos” — temor injustificado; em qualquer hipótese, a Constituição teria como ser mantida (os mercadores do apocalipse deveria lê-la...) — e porque a esquerda foi bem-sucedida na acusação patética de que há um golpe em curso. Arma-se um esquema de corrupção que pode ter movimentado R$ 3 bilhões, e acusá-lo, claro, é coisa de golpista...

Não sei quem vazou para a imprensa que Márcio Thomaz Bastos e Antonio Palocci são os emissários da “pax lulista”, negociando com granadas no bolso. Seja lá quem for, está interessado em que se crie a impressão de que todos são iguais e têm o que temer. Ao PT interessa, obviamente, que prospere a suposição de que existe um equilíbrio na precariedade moral, de que ninguém pode atirar a primeira pedra, de que a oposição só não caminha para o pedido de impeachment porque também tem culpa no cartório.

Ademais, a qualidade dos emissários depõe a favor ou contra a guerra. Bastos como mensageiro me parece atribuição de papel incompatível com o ator escolhido. Até os vastos gramados de Brasília sabem que a saída “tudo é caixa dois” passou pela mente do advogado criminalista. E, como se evidencia com o caso Visanet-BB-PT, aquela história está desmoralizada. Palocci, neste momento ao menos, não está em situação mais tranqüila para levar pergaminhos recheados, segundo se diz, de explosivos. Os homens que sustentam a existência da “operação cubana” eram aliados seus. Mais do que isso: eram seus amigos. Mais do que amigos, eram seus auxiliares.

Truco

Quem é do interior de São Paulo, Mato Grosso, Goiás, norte do Paraná e sul de Minas conhece o jogo de truco. De fato, creio que ele se espalhou por quase todo o Brasil. Não vou explicar as regras (pesquisem) porque é muito fácil de jogar e longo para explicar. Ademais, valem mais a esperteza, a improvisação e a habilidade para blefar — ou seja, as regras que não estão escritas.

A oposição tem sido muito cordata com Lula: tem visto carta sair da manga, sendo passada por baixo da mesa, olheiros informando os adversários — toda sorte de lambança. E tem-se contentado em ganhar e perder um ponto por vez. Num blefe monumental, acuado, sem cartas, o PT dá um murro na mesa e grita “Truco!”. A oposição que não gritar, agora, “Seis, ladrão!” e não pagar para ver não merece nem disputar o poder.

Trata-se de fazer valer a regra do jogo.

reinaldo@primeiraleitura.com.brl
Publicado em 3 de novembro de 2005.
Primeira Leitura