6 de mar. de 2007

Leis contra o cristianismo - by Friedrich Wilhelm Nietzsche

Datada do dia da Salvação: primeiro dia do ano Um (em 30 de Setembro de 1888, pelo falso calendário).

Guerra de morte contra o vício: o vício é o cristianismo.

Artigo Primeiro - Qualquer espécie de antinatureza é vício. O tipo de homem mais vicioso é o padre: ele ensina a antinatureza. Contra o padre não há razões: há cadeia.

Artigo Segundo - Qualquer tipo de colaboração a um ofício divino é um atentado contra a moral pública. Seremos mais ríspidos com protestantes que com católicos, e mais ríspidos com os protestantes liberais que com os ortodoxos. Quanto mais próximo se está da ciência, maior o crime de ser cristão. Conseqüentemente, o maior dos criminosos é filósofo.

Artigo Terceiro - O local amaldiçoado onde o cristianismo chocou seus ovos de basilisco deve ser demolido e transformado no lugar mais infame da Terra, constituirá motivo de pavor para a posteridade. Lá devem ser criadas cobras venenosas.

Artigo Quarto - Pregar a castidade é uma incitação pública à antinatureza. Qualquer desprezo à vida sexual, qualquer tentativa de maculá-la através do conceito de "impureza" é o maior pecado contra o Espírito Santo da Vida.

Artigo Quinto - Comer na mesma mesa que um padre é proibido: quem o fizer será excomungado da sociedade honesta. O padre é o nosso chandala - ele será proscrito, lhe deixaremos morrer de fome, jogá-lo-emos em qualquer espécie de deserto.

Artigo Sexto - A história "sagrada' será chamada pelo nome que merece: história maldita; as palavras "Deus", "salvador", "redentor", "santo" serão usadas como insultos, como alcunhas para criminosos.

Artigo Sétimo - O resto nasce a partir daqui.

Dois Artigos ...

LIÇÕES DO CRIME

por Denis Rosenfield, filósofo

O crime não dá tréguas e, no entanto, políticos, juízes e responsáveis de instituições penais de menores parecem compactuar com ele. Nada é suficientemente horroroso para impulsionar uma modificação profunda do Estatuto da Criança e do Adolescente, para viabilizar uma redução da maioridade penal ou para fazer com que a impunidade não mais vigore em nosso país. Os argumentos são os mais bizarros, desde o que uma medida como a redução da maioridade penal não modificaria a situação até a idéia de que todos podem ser reeducados. Suponho que os seus defensores queiram dizer que a situação, tal como existe, é, de fato, muito boa. A falência da segurança pública no Brasil mostra algo substancialmente errado, que exigiria mudanças radicais, algumas das quais dizendo diretamente respeito à eliminação da impunidade que hoje impera. Os que defendem o status quo são os que se acomodam a essa lógica da irracionalidade.

O soldado Ivonildo Gambert Biassi foi cruelmente assassinado, dentro de um ônibus na cidade de Porto Alegre, dormindo e portando um uniforme. O fato de portar um uniforme da Brigada Militar seria o seu “crime”, pelo qual teria sido “punido”. Chegamos a uma situação tão absurda que um uniforme militar não tem mais nenhum efeito inibidor ou preventivo. O indivíduo policial é um alvo potencial de assassinos, que agem impunemente. Como pode um cidadão comum sentir-se seguro se nem os policiais causam respeito e/ou medo?

Um juiz da Vara da Infância e da Adolescência e uma diretora da Fase chegaram a dizer, com diferentes palavras, que a lei estava correta e os procedimentos teriam sido normais quando da liberação do menor envolvido no crime, na verdade, o seu autor direto. O menor já teria sido várias vezes detido e sempre liberado em circunstâncias ditas “sócio-educativas”. A diretora da Fase chegou a utilizar uma expressão que bem mostra a mentalidade vigente. Segundo reportou Zero Hora, em 06/03/2007, ela teria dito que ele teria “direito a ir para casa, recuperando o vínculo familiar”. Nada estranhamente é dito do vínculo familiar que foi rompido, o da família do policial assassinado, cuja filha de 2 anos nunca mais verá o pai que tanto amava. À força de proteger delinqüentes, responsáveis pela observação da lei estão sistematicamente rompendo vínculos familiares e passando para a sociedade a mensagem de que o crime compensa.

Uma das declarações mais lúcidas das últimas semanas foi proferida pelo Secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Ênio Bacci, quando perguntou-se, no momento do assassinato, por onde estariam os defensores dos direitos humanos, que são tomados de um mutismo constrangedor face a eventos deste tipo. Os ditos defensores dos direitos humanos acostumaram-se, de tal maneira, a defenderem os delinqüentes e criminosos, ou envolvidos em ações dos movimentos também ditos sociais, que “esquecem” que os defensores da ordem pública são também humanos. Se tomássemos suas atitudes a sério, deveríamos extrair a seguinte conseqüência: policiais não são humanos! Por extensão, seus familiares e filhos não são igualmente humanos e não são dignos de manifestações e de respeito. Provavelmente, alguns desses ditos defensores irão ainda se manifestar na defesa dos assassinos!

Outro aspecto digno de menção reside em que o menor em questão teria sido detido 14 vezes. Isto significa que suas ações anteriores foram todas toleradas, contribuindo com a lógica da impunidade que terminou se traduzindo pelo assassinato de um pai de família, cuja profissão era ser policial. Se tivesse sido punido antes, se tivesse tido os seus movimentos restringidos, ele não teria contribuído para a existência de uma família destruída e uma criança órfã. No entanto, como impera no país a tolerância a tudo, da corrupção de Brasília aos crimes cotidianos, há uma progressiva intensificação da violência, culminando em horrores como a morte deste policial ou o assassinato do menino João Hélio, arrastado a reboque em um carro feito um boneco. Enquanto não introduzirmos no Brasil a política da tolerância zero, enquanto o politicamente correto continuar vigorando, o país continuará a mercê da violência.

O politicamente correto está baseado na falsa premissa de que o crime se explica por causas sociais ou, ainda, de que o homem é bom por natureza, sendo a sociedade a responsável por sua degeneração. Daí se deriva a concepção de que os presídios e centros de reabilitação deveriam ser essencialmente locais de regeneração. Ora, há tipos de crime que mostram uma inclinação para a maldade, para a violência em estado puro, que exigem, tão simplesmente, que essas pessoas sejam retiradas do convívio humano livre. Há indivíduos que são irregeneráveis e sua “liberdade” é uma ameaça efetiva e virtual para todos os cidadãos. São indivíduos que merecem a pena máxima. Presídios são também lugares que preservam a sociedade daqueles que querem destruí-la.


TOTALITARISMO TUPINIQUIM
por Maria Barbosa, socióloga

A ideologia que respaldou o totalitarismo nazista ou nacional-socialismo floresceu nas condições político-econômicas da Alemanha, na década de 20.

Na revolução de 1918, o Partido Social-Democrata foi o grande responsável pela implantação da República na Alemanha e seus primeiros governos representaram um compromisso com partidos de centro, pois havia se afastado das idéias marxistas de ruptura com o sistema político existente, passando a defender ações reformistas de cunho social.

Na crise de 1929 foi a vez do Partido Nazista ter notável crescimento. Além de enorme penetração popular foi encarado pela classe alta como representante de seus interesses econômicos. Aos poucos todos os partidos foram se submetendo à liderança de Hitler.

Em 1933, o Partido Nazista chegou ao poder e se transformou em partido único com a eliminação paulatina, através de leis, dos outros partidos. Ao mesmo tempo, militantes mais à esquerda foram afastados ou mortos. Enquanto isso, Hitler ia se impondo de maneira incontestável, seduzindo a nação pela força de seu carisma aliado à intensa propaganda produzida pelos meios de comunicação de massas e dominando através de eficiente aparelho repressivo. Ele já não era mais o primeiro-ministro, mas o ditador que, em empolgantes discursos acentuava a esperança e prometia ao povo alemão um futuro brilhante numa linguagem que podia ser compreendida até pelas pessoas mais simples.

Possíveis insatisfações e ódios eram canalizados para os judeus, o que desviava a atenção de problemas concretos. Desse modo o Holocausto foi aceito como natural, como purificação da raça superior ariana, com a vantagem de que a eliminação dos judeus abria espaços para a classe média alemã nas atividades do comércio e da indústria.

Muito útil também a utilização de símbolos e conceitos marxistas, devidamente adaptados à ideologia nazista. Assim, o proletariado tornou-se proletariado racial e a luta de classes deslocou-se para a guerra proletária contra os Estados capitalistas. Não se falava mais na utopia da sociedade sem classes, mas numa futura comunidade do povo alemão que dominaria o mundo. Todas essas idéias permeavam a totalidade da vida dos alemães e norteavam seu comportamento.

Aos poucos o Estado totalitário foi substituindo o “Estado burguês”. O processo incluiu certas providências como a extinção do Poder Legislativo através do cerceamento de suas prerrogativas. No Poder Judiciário julgava-se de acordo não com a lei, mas com a vontade de Hitler. Conseqüentemente se deu o desmesurado fortalecimento do Executivo que assumiu o poder de legislar através do ditador e dos seus auxiliares diretos. Simultaneamente foi implementado o controle completo da burocracia estatal ou aparelhamento do Estado.

Claro que isso não se repetirá jamais de forma idêntica. Foi tudo levado a cabo em certas circunstâncias de um dado país, numa determinada época e sob o influxo de uma sui-generi personalidade carismática. Mas as sementes que floresceram no nacional-socialismo não seriam passíveis de novas floradas trágicas com outros nomes, em outras épocas, em outras sociedades? Será que o nacional-socialismo (nazismo) morreu ou está de volta na América Latina através de uma versão adaptada, adulterada, inferiorizada, longe anos-luz da envergadura carismática e maligna de um Hitler, mas igualmente nociva?

No Brasil o PSDB se rotula de social-democráta e, enquanto FHC governou aproximando-se dos partidos do centro o PT se fortaleceu, obteve penetração popular e chegou à presidência da República. Note-se que o PT sempre se apresentou como partido superior, o único ético, e seus membros até hoje parecem se sentir acima dos mortais e das leis, e fadados a conduzir o povo para um nebuloso "outro mundo possível".

No poder, finalmente, depois de quatro campanhas presidenciais, Luiz Inácio utilizou fartíssima propaganda respaldada pelos meios de comunicação de massas. Sua linguagem atinge o homem comum e as metáforas futebolísticas não são mera coincidência. Ele contempla tanto os pobres com as bolsa esmola quanto os ricos com lucros fabulosos. Promete ao povo um futuro brilhante, um espetáculo do crescimento. Já os ódios e ressentimentos são canalizados para os norte-americanos. Eles são culpados pelos nossos erros, mazelas, fracassos. No primeiro mandato, Luiz Inácio, através de seu auxiliar direto, José Dirceu, dominou o Congresso e o STF que passaram a fazer sua vontade, pelo menos através da conveniência e da obediência de muitos de seus membros. Quanto a burocracia estatal foi aparelhada.

Neste segundo mandato o Congresso sucumbiu de vez. Uns poucos parlamentares de brio não conseguem fazer frente à ofensiva do Executivo desmesuradamente fortalecido. Foi dito que o presidente da República se reunirá uma vez por semana com os presidentes da Câmara e do Senado, certamente para passar suas ordens. Se já não se podia falar em partidos políticos, esses amontoados de ambições que mais se parecem com clubes de interesses, agora se pode dizer que tais agremiações esvanesceram. Não existem oposições. As instituições navegam nas águas do poder que emana da corte centrada no Palácio do Planalto. Especula-se despudoradamente sobre um terceiro mandato para Luiz Inácio e a mudança do sistema presidencialista para o parlamentarista poderia servir a esse propósito, se não se usar a democracia de massas dos plebiscitos manipulados. Enquanto isso, sob as bênçãos dos Poderes constituídos e demais instituições, o MST e a CUT se unem em selvagem violência no meio rural, não apresentada pelos meios de comunicação. A violência urbana é defendida nas hierarquias governamentais mais altas. Todo poder aos bandidos, parecem dizer as autoridades. Onde será que elas querem chegar? Promete-se mais crescimento econômico e o IBGE muda a metodologia de aferição de dados para que possamos ser bem mais do que o Haiti.

É claro que a figura de Hugo Chávez com seus ímpetos expansionistas, se presta muito mais à lembrança de um Hitler tupiniquim. Mas no Brasil não estamos muito longe de certas essências do poder que, em alguns aspectos, relembram pelo menos certos traços de uma das mais abomináveis formas de domínio que já existiu: o totalitarismo nazista. Devidamente afrouxado e ao nosso estilo dúbio, é claro, mas totalitarismo.

1 de mar. de 2007

Três artigos . . .

O Brasil Submerso - por Maria Lucia V. Barbosa

Passado o carnaval volta com força o futebol. Noticiários televisivos são excessivamente nutridos com amenidades, sinal de aquiescência com poderes mais altos o que não deixa de ser um tipo de censura. Além do grande assunto do momento referente ao que acontece na casa dos brothers do BBB7, matérias relativas ao Pan e ao Papa entretêm os telespectadores. O PAC entra como elemento de propaganda governamental e não desperta grande interesse, mas apenas reedita a vaga noção de que, sobretudo a classe média, com sempre pagará o pacto.

Ainda no departamento da política volta a novela da escolha dos ministros do segundo mandato, o que pode levar alguém a perguntar: “ Para que serve o ministério da Pesca?”. Ou duvidar: “se a maioria dos numerosos ministros nada fez em quatro anos, por que faria agora? Como me disse um amigo: “a maioria dos ministros que passaram ou estão nesse governo, com certeza não teriam tão alto cargo em nenhum outro governo”. Portanto, o troca-troca nos ministérios, o prazer do presidente em prolongar a aflição e aumentar a ganância de seus aliados, os engalfinhamentos dos clubes de interesses que se denominam de partidos políticos, passam ao largo da atenção e do entendimento coletivo. Os bastidores da política são inacessíveis ao vulgo.

No mais, na superfície do Brasil tudo parece calmo, tudo está bem a se crer em notícias de TV. A volta das férias restabelece a mesmice da rotina, impõe o cotidiano. Sem medo de ser feliz o homem comum está pronto para responder aos questionários das pesquisas de opinião e aprovar de modo eloqüente o presidente da República e seu governo. E assim, aos poucos, a classe dirigente vai aplainando o terreno para a democracia de massas, tão cara a Hugo Chávez, na qual não faltam plebiscitos ou consultas manipuladas através das quais o povo pode opinar sobre tudo apesar de não saber do que se trata. Ardorosos como sempre, petistas já falam em plebiscito para pedir o terceiro mandado de Luiz Inácio. Mais bolsas família para os pobres, mais lucros para os ricos e tudo se resolve. A classe média já é por natureza domesticada.

Além disso, desde o ano passado paira no ar a idéia de uma Constituinte, ventilada pelo próprio presidente da República. Copia-se desse modo a estratégia de Hugo Chávez que está inspirando seus seguidores Evo Morales e Rafael Correa. Por que no Brasil seria diferente, já que aqui também é nítida a ascendência de Chávez? E uma Constituinte pode operar milagres como um terceiro mandato para o presidente ou mesmo um reforço de seus poderes à feição do que ocorre em outros países latino-americanos.

Chegamos a um ponto em que tudo é permitido ao governo que aí está, pois foi fortalecido pela reeleição. Além do mais, não temos oposição partidária. As instituições, sem exceções, estão enfraquecidas, desmoralizadas, submissas aos ditames do Executivo. O mesmo se pode dizer das entidades de classe. E quantas vezes não vimos julgamentos políticos nas mais altas instâncias do Poder Judiciário, onde a lei deveria ser aplicada e não a vontade do presidente da República?

Simultaneamente a tudo isso, crescem grupos que passam a deter o monopólio da violência, atributo do Estado, decretando assim sua falência. Quem ainda acredita que o MST é um movimento social pacífico em busca da reforma agrária? E quem duvida que facções criminosas, especialmente no Rio de Janeiro, criaram um Estado dentro do Estado, com mais força e organização que esse?

Diante da situação de anomia que vai se adensando sob a complacência ou mesmo o estímulo governamental, impressiona a ausência de reação popular. Inconformados com desmandos de seus governos existem na Venezuela, na Bolívia, enfim, em todos os países da América Latina, opositores que, no caso de Cuba, são heróicos. Aqui a pasmaceira se confunde com a ignorância de uns e a esperteza de outros. Caras-pintadas são coisas do passado. Movimentos cívicos inexistem. E na hora do voto consagra-se mensaleiros, sanguessugas e outros tipos de larápios.

Entretanto, existe um Brasil submerso onde a insatisfação ou mesmo a repulsa ao atual estado de coisas é latente, difusa, mas real. A questão é que os habitantes do Brasil submerso se encontram pulverizados, individualizados, isolados uns dos outros. Não conseguem se conectar em um movimento coerente, organizado, disciplinado, pois não existem partidos políticos que canalizem os protestos, nem instituições que dêem cobertura legal à indignação e, sobretudo, não temos lideranças que aglutinem as aspirações.

Neste cenário, onde avança o autoritarismo camuflado de democracia, a maioria nada percebe, com nada se importa. Mas se os ventos ditatoriais da obsoleta esquerda latino-americana, que sopram sobre o Brasil, se transformarem em tornados, não será mais possível conter o desastre.
=========================
A Carta de Dawkins - por Rodrigo Constantino

Faith is the commitment of one's consciousness to beliefs for which one has no sensory evidence or rational proof; a mystic is a man who treats his feelings as tools of cognition.” (Ayn Rand)

Em O Capelão do Diabo, Richard Dawkins dedica a última seção a uma carta que escrevera para sua filha quando esta completou dez anos de idade. Pela simplicidade da linguagem, mas importância do conteúdo, considero interessante expor aqui alguns trechos desta carta, já que penso de forma bastante parecida e tento educar minha filha nesta mesma linha. Dawkins diz: “Eu sempre quis encorajá-la a pensar, sem dizer a ela o que pensar”. Costumo fazer o mesmo com minha filha, evitando a doutrinação e tentando estimular o questionamento. Quando ela pergunta se viramos anjos quando morremos, por exemplo, respondo que não sei, que alguns acreditam que sim e outros pensam que não, mas que o mais importante é ela não deixar de questionar, não aceitar uma resposta pronta, e também focar mais na vida que na morte. Isso é bem diferente de um pai que responde um enfático “sim”, fechando todas as portas de reflexão para uma criança ainda imatura. Mas vamos aos trechos de maior destaque na carta de Dawkins.

Os cientistas quase sempre agem como detetives, partindo de uma intuição de que algo pode ser verdadeiro – que chamamos de hipótese – e buscando evidências através basicamente de observações. Dawkins alerta sua filha contra três razões indevidas para acreditar no que quer que seja: tradição, autoridade e revelação. Estas três fontes de “conhecimento” são bem distintas deste método científico da busca pela verdade.

Como diz Dawkins, “as crenças tradicionais em geral se iniciam a partir de quase nada”. Talvez alguém simplesmente as invente, como tantas histórias e fábulas conhecidas. Mas “depois de terem sido transmitidas durante alguns séculos, o mero fato de serem tão antigas faz com que pareçam especiais”. As pessoas acreditam em certas coisas somente porque acreditaram nelas durante séculos. Isso é tradição. Como lembra Dawkins, “coisas distintas são ditas às crianças muçulmanas e às crianças cristãs, e nos dois casos elas crescem absolutamente convencidas de que estão certas e que as outras estão erradas”. Dawkins conclui: “Se inventarmos uma história que não é verdadeira, transmiti-la ao longo de muitos séculos não a tornará nem um pouquinho mais verdadeira!”. As tradições têm sua importância, sem dúvida. Mas não há motivo algum para que não possamos – ou mesmo devamos – questioná-las, buscar suas origens, e checar se são verdadeiras.

Como um caso que vem à mente, podemos falar dos muçulmanos, que não podem beber vinho. A bebida fazia parte da vida cotidiana de Meca no século VI, mas em 632, dez anos após a morte de Maomé, o vinho fora completamente banido de todos os países onde o Islã ditava as regras. O único verso do Alcorão em que se baseia a proibição do vinho foi ditado em função de um incidente ocorrido em Medina, quando os discípulos de Maomé bebiam após a ceia. Houve um desentendimento entre dois destes discípulos, que acabou num golpe que feriu um deles superficialmente. Maomé não gostou, e após consultar Alá, concluiu que o vinho era um veículo do Satanás, que procurava a inimizade e o ódio entre as pessoas. Maomé prescreveu quarenta chibatadas para quem violasse sua injunção contra o vinho, e seu sucessor, o califa Omar, aumentou para oitenta o número. Existem centenas de milhões de consumidores de vinho a menos no mundo hoje, e tudo por causa de uma briga entre dois discípulos provavelmente embriagados de Maomé, no século VII. Será que faz sentido seguir esta tradição sem sequer questionar os motivos dela? Para alguns, o vinho é sagrado, para outros, o caminho do inferno. E muitos aceitam essas “verdades” somente pelo peso da tradição. Dependendo de onde nasceram, sem escolha alguma, podem adorar ou detestar uma bebida, sem motivo racional algum.

O outro alerta de Dawkins é contra a autoridade, significando que acreditamos em algo somente porque alguma pessoa importante nos disse para fazê-lo. Dawkins cita como exemplo a figura máxima da Igreja Católica, o Papa, que passa a adquirir um ar de infalibilidade somente por se tornar Papa. Somente em 1950 um Papa disse oficialmente aos católicos romanos que eles deveriam acreditar que o corpo de Maria subiu ao céu. Mas será que isso se torna mais ou menos verdade apenas porque alguma autoridade resolveu afirmar assim? Dawkins reconhece que mesmo na ciência, “algumas vezes não é possível que vejamos as evidências nós mesmos e, nesse caso, temos que acreditar na palavra de alguém”. Mas é algo bem mais confortante do que a fé necessária na autoridade religiosa, já que as pessoas que escreveram os livros viram as evidências e qualquer um tem a liberdade de examiná-las a qualquer momento, já que são objetivas. Em contrapartida, nem mesmo os padres afirmam que existem evidências para a história sobre o corpo de Maria voando em direção ao Céu. São duas situações bem diferentes.

O terceiro alerta é contra a revelação, que Dawkins descreve como o sentimento que algumas pessoas religiosas têm no seu interior, de que alguma coisa deve ser verdade, muito embora não tenham evidência alguma disso. “Todos nós temos sentimentos dentro de nós de tempos em tempos; às vezes eles se mostram corretos e outras vezes não”, ele diz. Pessoas diferentes podem ter sentimentos opostos e assim fica impossível descobrir quais são os sentimentos corretos. Sentimentos interiores precisam ser sustentados por evidências, “caso contrário simplesmente não devemos acreditar neles”. Os cientistas usam sentimentos interiores a todo o momento, mas para transformarem isto em ciência precisam encontrar sustentação nas evidências, caso contrário não há valor científico.

A carta é endereçada a uma criança, mas acredito que muitos adultos deveriam refletir sobre sua mensagem. Creio que devemos deixar o desfecho com o próprio Richard Dawkins:

“A próxima vez que alguém lhe disser algo que soe importante, pense consigo mesma: ‘Será que esse é o tipo de coisa que as pessoas provavelmente sabem porque há evidências? Ou será que é o tipo de coisa em que as pessoas só acreditam por causa da tradição, da autoridade ou da revelação?’ E, quando alguém lhe disser que uma coisa é verdade, por que não dizer a ela: ‘Que tipo de evidência há para isso?’ E se ela não puder lhe dar uma boa resposta, espero que você pense com muito cuidado antes de acreditar numa só palavra.”


===============

Acorda, Brasil! - por Maria Lucia V. Barbosa

Os sintomas vêm de longe. Foram se avolumando sem que providências efetivas e enérgicas fossem tomadas pelas autoridades competentes (incompetentes?), às quais cabe oferecer segurança aos cidadãos, pois esse é o primeiro dever do Estado como ensinou Thomas Hobbes.

Se a violência hoje se espalha por todo país, especialmente no Rio de Janeiro, a complacência para com bicheiros e traficantes em troca de votos transformou aquele Estado num estado de selvageria ou de natureza. Vale a lei do cão. Domina a barbárie que fez respingar o sangue de João Hélio no rosto de todos os brasileiros. Todavia, este é mais um crime na seqüência de crimes hediondos a ser esquecido, pois vem aí o carnaval.

Alegria, alegria, minha gente, abram alas para o banditismo. Não existe pecado do lado de baixo do Equador. Aqui somos todos democraticamente iguais na esbórnia e na malandragem. Vamos aplaudir a comissão de frente composta pelos corruptos por nós eleitos. Vamos sambar a valer ao som das balas perdidas. No destaque dos casos alegóricos virão os monstros que arrastam crianças pelas ruas até a morte. Olha o bloco dos assassinos impiedosos para os quais não basta roubar, tem que matar. Que belas fantasias enfeitam os estupradores. Na outra ala misturam adereços os degoladores, os traficantes, os golpistas. Que espetáculo maravilhoso esse do país do samba. Como somos importantes. O mundo pára e vê o Brasil nessa explosão de alegria.

Lei? Para que lei? Em uma de suas campanhas para presidente em que amargou derrota, Luiz Inácio declarou que não dava a mínima para a lei, que o importante era a justiça. O que será que ele entende por justiça quando se declara contra a redução da maioridade penal, alegando que essa medida não deve ser discutida em meio à comoção causada pelo bárbaro assassinato do menino João Hélio? Fazendo coro com o presidente, como era de se esperar, plácida e fria, a ministra e presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, também se apóia na questão emocional para rejeitar a passagem da responsabilidade criminal para dezesseis anos. Eles são autoridades guardadas, protegidas e nenhum de seus netos corre o risco de ser trucidado. Eles podem ser calmos e racionais.

De todo modo, o martírio do menino de seis anos fez fervilhar discussões. Ergue-se o PT a favor dos bandidões menores de dezoito anos que podem votar e matar. Pontificam juristas e rábulas, e um doutor chegou a dizer que não adiantam prisões. Pois, então, que se solte todos os facínoras da República da impunidade. Um bando a mais, outro a menos, não fará a diferença, pois as legiões malditas já estão no comando dos morros, das ruas, das esquinas, espreitando para atacar sem distinção de cor, idade ou sexo. É a democracia do crime.

Aumenta a criminalidade sob o olhar amoroso das autoridades. Elas estão muito ocupadas. Nas sedes dos Poderes máximos correm soltas as propinas, os cambalachos, os arranjos, os jeitinhos, as negociatas. Brasília é Sodoma e Gomorra sem nenhum justo. E vem aí, com força total, para alegria dos mensaleiros, José Dirceu. Palocci já está lá com João Paulo, Genoino, Mentor e tantos mais. Confraternizam com Collor, com companheiros sanguessugas e muitos outros. Bem que Waldomiro Diniz podia ter se candidatado. Seria um deputado campeão de votos. E o Delúbio dos recursos não contabilizados, por que não concorreu? E não sei onde anda Marcos Valério que não saiu para senador da República. Ganharia na certa. No Congresso estão todos ótimos e o Executivo tudo dominou. Até o senador Jefferson Perez capitulou em apenas uma visita ao Planalto. Imaginemos os outros.

Para que presídios de segurança máxima? Que se afrouxe mais o cumprimento das penas, demorem mais as sentenças, os julgamentos e os olhos se fechem ao descalabro, ao caos, à violência.

Acorda Brasil. Acorda brasileiro. Você pode ser o próximo, pois não só no Rio, mas em toda parte o governo fracassou miseravelmente em promover a segurança. Não adianta pedir paz. A paz se consegue com o cumprimento da lei, que é a única forma de se fazer justiça; com mais presídios e, dentro deles, disciplina, trabalho e instrução para os presidiários; com policiamento preventivo de policiais mais bem pagos, mais armados, mais treinado; com a redução da maioridade para dezesseis anos, com menos indultos. É para pedir essas coisas que se deve ir às ruas. Caso contrário, os monstros continuarão a matar impunemente. Acorda Brasil. Não basta eleger. É preciso cobrar do poder que nos controla. De outro modo seremos os eternos eleitores dos votos perdidos.
Ratio Pro Libertas - 19/02/2007