15 de fev. de 2007

Maioridade penal - Agir com paixão, sim!

por Carlos Maurício Ardissone, no Estado de Minas

Autoridades, juristas e intelectuais têm reiteradamente se manifestado contra mudanças nas a-tuais regras da maioridade penal. Poucas propostas de redução da maioridade penal têm sido consideradas e seus defensores, infelizmente, parecem isolados. São dois os argumentos defendidos pelas pessoas contrárias à redução da maioridade penal. O primeiro é o de que a alteração na regra não seria solução para o problema da criminalidade. O segundo é o de que decisões importantes, como a alteração da legislação penal, não deveriam ser discutidas e tomadas no calor de fortes comoções sociais, como a que se abateu sobre o Brasil depois da morte brutal do menino João Hélio. Assusta-me que tantas pessoas supostamente esclarecidas se mostrem tão insensíveis aos clamores da sociedade brasileira e à dor da família do menino. A verborragia elegante, as teses antropológicas, os postulados filosóficos, enfim, um amplo mosaico de sofisticados “academicismos” parecem querer se superpor ao sofrimento humano, real e legítimo, como se fosse possível depurá-lo. Para essas pessoas, racionalismo e paixão não combinam. Para ser responsável, a autoridade deve pensar com frieza. Trata-se do arcaico mito da racionalidade científica: o observador deve ser neutro em relação ao seu objeto.

Em primeiro lugar, há que se esclarecer que quem defende a redução da maioridade penal não acredita que essa seja a única medida que irá solucionar o problema da violência. Obviamente, uma série de amplas medidas de cunho social e educacional precisam ser urgentemente tomadas para se tentar retirar pessoas do seu estado atual de miséria e indigência. Igualmente, são necessárias medidas que tornem mais eficazes os serviços de inteligência e de prevenção no combate ao crime. Melhorias no sistema prisional também se impõem. Mas até quando as pessoas terão que continuar sofrendo nas mãos de criminosos? Enquanto medidas não forem colocadas em prática e os resultados não aparecerem, pessoas de bem continuarão martirizadas? Até que ponto irá nossa tolerância com facínoras que, de acordo com o olhar “torto” de parte da intelectualidade, são meras vítimas do flagelo social? Pode-se até admitir que, em grande parte, isso é verdade. Mas não podemos esquecer que pessoas que passam exatamente pelas mesmas agruras que os assassinos do menino João não se tornam criminosos. Por mais que condições precárias de vida sejam estímulos ao crime, a maioria das pessoas nessa situação jamais pensaria em cometer a mesma atrocidade.

Devemos esperar o arrefecimento dos sentimentos para que decidamos agir? Louve-se a voz destoante do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), que alertou, oportunamente, para o fato de que já não existem mais “períodos de normalidade”. A opção por aguardar tempos de “calmaria” é inviável, simplesmente porque eles já não existem mais. A “tempestade” é o nosso dia-a-dia. Finalmente, cabe questionar: o que há de errado com a paixão? Não falo aqui da paixão que cega totalmente. Falo da paixão como oposta à frieza que, por sua vez, é a melhor amiga da indiferença. Falo da paixão que move o ser humano pela via da curiosidade, da solidariedade e do apego. A curiosidade pelo futuro, a solidariedade ao próximo e o apego ao conhecimento nos permitiram descobrir a cura de doenças e outras façanhas maravilhosas. Sempre aconselho meus alunos a se afastarem do mito da neutralidade e a assumirem uma postura apaixonada pelos seus temas de pesquisa. As pessoas de bem, como a família de João Hélio, são merecedoras de tal postura por parte de nossas autoridades.

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