23 de set. de 2006

Quando a fraude e a mentira são éticas - Carlos Chagas

BRASÍLIA - Pelo menos trezentos mil filósofos escreveram sobre ética, nenhum concordando com o antecessor e todos justificando seus motivos de por que o indivíduo utiliza a sua liberdade para atingir determinada finalidade.
"Para sentir-me bem comigo mesmo", dizia Aristóteles. "Para alcançar o reino dos céus", sustentava São Paulo. "Por egoísmo, para que meu vizinho seja ético comigo", retrucava Thomas Hobbes. "Ético é o mais forte, aquele que vence, antiético quem perde", defendeu Nietzsche. E assim por diante, até hoje, quando Noah Chomnski nega ser a ética universal e, como Marx, admite a ética do patrão e a ética do assalariado, totalmente diferenciadas.

Bandalheira justificada
Um dos mais singulares autores dedicados à exegese da ética foi Maquiavel, para o qual somos éticos para que o regime político funcione bem. Acrescentou ironicamente, com base em sua premissa, que a fraude e a mentira podem ser éticos, desde que contribuam para o funcionamento do regime. Eis que o PT volta no tempo para concordar com Maquiavel.

Para o partido de Lula, foi ético comprar deputados através do mensalão, desde que se comprometessem a votar com o governo. Agora, persiste o raciocínio, pelo oferecimento de R$ 1,7 milhão a uma quadrilha de assaltantes dos cofres públicos em troca de dossiê que prejudique a eleição de José Serra ao governo de São Paulo. Para o PT, justifica-se a bandalheira se é para evitar a vitória do adversário.

Convenhamos, democracia consiste em cada um pensar e agir como quer, desde que dentro da lei, defendendo suas idéias com toda liberdade. Não dá é para, com base na liberdade, praticar crimes. Valer-se da fraude e da mentira para viabilizar visões particulares sobre o funcionamento do regime. Nem tudo pode ser permitido, mesmo em função de interpretações específicas a respeito do que é o bem comum - em nossa opinião o verdadeiro objetivo da ética. Jamais será ética uma eleição vencida através de instrumentos fornecidos por bandidos.

Ao Príncipe tudo é dado, desde que seja um Príncipe esclarecido, mesmo déspota, escreveu Maquiavel. Será esse modelo que pretendem vestir em Lula?

Diferença
Para continuar evoluindo em torno do PT, vale ressaltar não ter sido com o intuito de enriquecer que parte de seus filiados envereda pelo caminho do crime. Justiça se faça, com uma ou outra exceção, o objetivo dos petistas vem sendo de preservar o poder, se possível ampliando seus limites.

Para isso, o partido não hesita em corromper quem se dispuser a ser corrompido. Jamais se acusará José Dirceu e José Genoíno de terem se beneficiado pessoalmente da roubalheira promovida por Delúbio Soares, que pode ter usufruído de pequenas facilidades ensejadas pelo uso do poder, mas não se transformou num milionário, mesmo podendo.

Sempre existirão Valdomiros e Silvinhos cedendo à tentação de pequenas comissões, mas são exceções. Vale o mesmo para os implicados no escândalo do dossiê Serra. Nem Ricardo Berzoini, nem Freud Godoy, sequer Jorge Lorenzetti, Waldebran Padilha da Silva, Gedimar Passos, Osvaldo Bargas e Expedito Veloso agiram como criminosos para valer-se pessoalmente das vantagens do crime.

É o que os diferencia de bandidos comuns, mas torna as coisas piores. São fundamentalistas. Cultivam o radicalismo do princípio de que o fim justifica os meios. Conquistaram o poder e não admitem perdê-lo. Confundiram-se com o Estado. Imaginaram-se não um governo eleito e sujeito a eleições, mas a essência do poder público. Tornaram-se uma coisa só, poder público e governo, por cuja integração sentem-se liberados para praticar ilícitos. Foi por aí que adoradores de Hitler e Stalin chegaram onde chegaram.

Collor
De Alagoas chegam números apontando Fernando Collor como favorito para o Senado. Não deixa de ser fascinante ver o ex-presidente enfrentar seus adversários da tribuna parlamentar, mesmo se estiver disposto a transformar-se no "Fernandinho, Paz e Amor". Porque contestado ele será. Será o PT, apesar de suas recentes intervenções em favor do presidente Lula? É falsa a impressão de que todos buscarão hostilizar Collor. Ao contrário, não haverá quem deixe de tentar cooptá-lo. A política tem dessas coisas.

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