12 de ago. de 2006

O Dedo de Deus - por Rodrigo Constantino

A religião é vista pelas pessoas comuns como verdadeira, pelos inteligentes como falsa, e pelos governantes como útil.” (Sêneca)

Em comício no Rio de Janeiro com o candidato Marcelo Crivella, da Igreja Universal, o presidente Lula apelou até para Deus em busca de votos. O apedeuta disse que “quando Deus criou o mundo, botou o dedo no Rio e falou: vai ser a cidade mais bonita do mundo”. Deixando de lado o fato de que existem várias outras cidades tão belas quanto o Rio no mundo, mas sem seus infindáveis problemas de miséria e violência, o realmente chocante veio sem seguida, quando o presidente disse: “Para o Rio compensar a genialidade de Deus é preciso escolher alguém que tenha compromisso com Deus”. Pronto. Apelo à autoridade divina. Quem sente-se privilegiado por viver na cidade maravilhosa – fugindo das balas perdidas – tem obrigação moral de atribuir isso a Deus e, ainda por cima, expressar tal gratidão votando em Crivella. Agradeço ser ateu nessas horas. Graças a Deus!

A separação entre Igreja e Estado é uma das mais importantes conquistas da civilização. Basta ver o atraso das nações muçulmanas, onde as teocracias exploram a fé dogmática de seus cidadãos de toda forma possível, gerando apenas escravidão e miséria. Como disse Humboldt, “a moralidade humana, até mesmo a mais elevada e substancial, não é de modo algum dependente da religião, ou necessariamente vinculada a ela”. O mesmo Humboldt disse que “a religião é inteiramente subjetiva e depende exclusivamente da concepção única que cada um tem dela”. Concordo totalmente. Fé divina é algo subjetivo, da esfera privada de cada um. Usar isso para obter votos, misturar religião com governo, é mesmo coisa de quem gosta de explorar os outros em busca de poder. Algo tão antigo quanto a humanidade, é verdade, mas que nem por isso deixa de ser lamentável.

Um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos, Benjamin Franklin, disse que “o jeito de ver pela fé é fechar os olhos da razão”. A quem interessa apelar para Deus na hora da eleição? Justamente aquele que sabe que, através de argumentos sólidos e racionais, não vai muito longe. A Igreja Universal tem sido mestre na arte de conquistar seguidores à base da emoção, explorando o desespero alheio em benefício próprio. Enquanto isso for limitado ao indivíduo, tudo bem. Posso lamentar o fato de ver alguém pobre sendo claramente ludibriado por oportunistas como o Bispo Macedo e ainda deixando o dízimo, ganho com seu suor, para essa gente. Mas é uma troca voluntária, não muito diferente do coitado que gasta com bebidas para afogar suas mágoas. E dificilmente a razão terá forças de enfrentar tal paixão, pois como alertou Carl Sagan, “não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências, baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar”. O problema, para mim, fica grave quando esses seguidores fanáticos votam unicamente utilizando o critério religioso, que Lula tentou explorar. Nesse caso, a minha vida é também afetada.

O Rio é, de fato, uma cidade maravilhosa. Se é obra divina ou não, deixo para o foro íntimo de cada leitor. Não temos como saber. Mas sabemos de uma coisa: os estragos que o Rio vem sofrendo são obras bastante humanas! Com anos de desgovernos, com figuras pitorescas como Brizola ou o casal Garotinho sendo eleitos, não seria razoável esperar algo diferente. O Rio foi tomado pela esquerda “caviar”, pelos comunistas do Bracarense, e também pelos crentes da Igreja Universal. Entre a seita marxista, que oferece o paraíso terrestre, e a Igreja Universal, que vende consolo eterno, não sobra muito espaço para debates centrados em argumentos racionais. Como Thomas Paine reconheceu, “debater com uma pessoa que renunciou o uso da razão é como administrar remédio em um morto”. Ou então, na mesma linha, o que Jonathan Swift concluiu: “É inútil tentar fazer um homem abandonar pelo raciocínio uma coisa que não adquiriu pela razão”. Por que eu ainda tento então? Deve ser masoquismo mesmo. Paciência. Que venham os petistas e crentes, inocentes úteis que alçam ao poder oportunistas da pior espécie! Ficarei tranqüilo no isolamento dos que não abdicaram da razão ainda...

Nenhum comentário: