27 de ago. de 2006

Bingo! - por Rodrigo Constantino



O destaque na capa do jornal O Globo deste domingo era sobre os bingos, em chamada que falava sobre o faturamento bilionário do setor obtido com liminares e possível pela tolerância policial. Desde 2003, quando a Justiça federal do Rio determinou o fechamento de todas as casas no estado, o mercado, em vez de diminuir, aumentou. São hoje 47 bingos no estado, segundo a reportagem do jornal. E a vista grossa da polícia permitiria que a exploração dos bingos seja um negócio bastante rentável.

O cerco contra os bingos fechou quando o braço direito de José Dirceu, então todo-poderoso ministro de Lula, foi flagrado numa fita acertando propina com um bicheiro ligado aos bingos. Homem de extrema confiança de Dirceu, inclusive com fortes laços pessoais devido a uma ligação de 12 anos, Waldomiro Diniz foi pego numa gravação de vídeo cobrando propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Waldomiro era subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, e pelas evidências apresentadas extorquia dinheiro dos contraventores para engordar o caixa do partido. O esquema contava com a estrutura dos bingos. O PT se mobilizou para evitar a “CPI dos Bingos”, e, em vez de estimular o avanço das investigações, decidiu simplesmente fechar as casas de jogo, que geram vários empregos. A postura do governo Lula foi a do marido traído que, ao flagrar a esposa com outro no sofá da sala, resolve jogar fora o sofá.

O “argumento” de que há muita corrupção associada aos bingos, incluindo lavagem de dinheiro, e que por isso eles devem ser vetados, é totalmente absurdo. Por essa “lógica”, teríamos que acabar com a polícia e fechar o mercado financeiro. A fiscalização deve conter os abusos, mas estes não devem tolher o uso. O presidente da Federação Brasileira de Bingos, Carlos Eduardo Canto, estima que o setor poderia gerar R$ 2,6 bilhões em impostos por ano, e que os 500 bingos de todo o país estão dispostos a ser fiscalizados. Ele disse algo muito ignorado atualmente por várias pessoas: “Todo setor que fica na clandestinidade acaba caindo nas mãos de bandidos; os empresários sérios acabam desistindo do negócio”. O próprio governo está lançando na ilegalidade um setor que poderia estar gerando mais empregos e recolhendo tributos aos cofres públicos.

O caso do jogo do bicho é exemplar nesse ponto. O jogo recebeu esse nome quando foi lançado, em julho de 1892, por João Batista Vieira Drummond, o barão de Drummond, dono de uma chácara com um pequeno jardim zoológico localizado em Vila Isabel, Rio de Janeiro. Antes do bicho, havia outros jogos semelhantes no Brasil, como os jogos das flores, das frutas e dos pássaros. Manuel Zevada, um mexicano e influente banqueiro do jogo das flores, propôs ao barão a criação de uma réplica de tal jogo, mas no caso usando bichos. O objetivo era conseguir recursos para manter os animais e toda a estrutura do zoológico. Os visitantes eram estimulados a participar de sorteios. Cada bilhete trazia o desenho de um bicho. Tratava-se claramente de um empreendimento criativo. Mas o governo, ao que parece, não gosta de competição, e condenou os “banqueiros do bicho” à ilegalidade, ainda que o próprio governo ofereça loterias. O convite ao crime foi feito pelo próprio governo.

Na mesma linha, temos o exemplo do ramo de cervejas. Em Chicago, durante a Lei Seca, tivemos o famoso Al Capone, um criminoso que se meteu em diversos negócios ilegais, uma vez que seu contrabando de bebidas proibidas já tinha aberto o caminho para o resto. O governo havia decidido, através de uma lei, que a demanda existente da população por bebidas com álcool não mais poderia ser atendida pelo livre mercado. Ocorre que papel e caneta nunca foram capazes de alterar as leis da natureza, e a demanda continuou existindo. Alguém iria atendê-la, e este foi Al Capone. O governo o transformou num criminoso, foi o verdadeiro responsável pelo surgimento de alguém como ele. Tanto que quando o governo voltou atrás, tivemos o nascimento de grandes e importantes empresas, como a Coors, cuja família controladora pode freqüentar os mais nobres clubes.

O outro “argumento” contra a legalização dos jogos é tão absurdo quanto o primeiro. Falam que um povo ignorante e miserável será levado ao entorpecimento da jogatina, arriscando o pouco que ganham na sorte grande. Mas ora, o próprio governo vende sonhos desse tipo, através de suas loterias! Além disso, teríamos que acabar por decreto com a Igreja Universal também, que explora justamente essa fraqueza humana que busca consolo rápido para as calamidades. Apesar da tentação dessa medida, sabemos que ela não faz sentido algum, e representa um autoritarismo digno de um ditador.

Quem somos nós para decidir o que cada indivíduo fará da sua própria vida? Que direito tem a maioria, ou o Estado, de intervir numa decisão pessoal que diz respeito somente ao indivíduo? Liberdade pressupõe responsabilidade. Não podemos defender o direito de voto – infelizmente um dever no Brasil – e logo depois considerar os cidadãos como mentecaptos, incapazes de decidir sozinhos o rumo de suas vidas. Não faz sentido algum. É uma enorme contradição pregar o sufrágio universal da democracia ao mesmo tempo que o paternalismo estatal. E um Estado que proíbe o jogo porque os pobres cidadãos seriam vítimas de uma irresistível tentação é extremamente paternalista. Cidadãos não são súditos, tampouco filhos do governante do momento. Ao contrário, o governante é empregado do povo, e não tem o direito de jogar na ilegalidade um setor que atende uma demanda que afeta somente o indivíduo em si.

Acertou quem entendeu que o grande culpado pela situação criminosa no setor de jogos, incluindo o bingo e o bicho, é o próprio governo. Bingo!

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