18 de jul. de 2006

A OUTRA HERANÇA - por Paulo Leite

Muita tinta já foi gasta – inclusive por mim – analisando os malefícios que as idéias marxistas, desacreditadas em toda parte menos no Brasil, trouxeram e ainda trazem para o país. O que nem sempre recebe a mesma atenção é a verdadeira “herança maldita” que o Brasil carrega: idéias, leis e estruturas herdadas do Estado Novo.

Não importa aqui analisar a importância da intervenção governamental na economia em determinados períodos, para alavancar o desenvolvimento do país. Essa intervenção – a exemplo daquela promovida pelos governos militares, décadas mais tarde – tem seus aspectos positivos e negativos, como tudo na vida, aliás.

A modernização do país, a criação de uma infraestrutura capaz de suportar uma industrialização acelerada, tudo isso contribuiu para enterrar um Brasil provinciano, dominado pelos grandes fazendeiros. Não fosse pela ação do Estado Novo, o governo JK não teria sido o que foi, seria muito mais difícil, por exemplo, que o país tivesse uma indústria automobilística como a que tem hoje.

O problema está na outra parte do Estado Novo, que continua tão ou mais viva do que a Companhia Siderúrgica Nacional ou a Vale do Rio Doce. Falo de legados como a CLT, a “consolidação” de leis trabalhistas que impôs (e continua impondo) de cima para baixo uma série de “conquistas” dos trabalhadores e que hoje em dia trabalha mais contra os trabalhadores mais humildes do que a seu favor.

Falo da transformação dos sindicatos em entidades quase governamentais que todos os trabalhadores são obrigados a sustentar, queiram ou não, concordem ou discordem com suas atividades.

A história nos ensina que conquistas trabalhistas não acontecem assim por decreto. Só são verdadeiramente sustentáveis quando fruto de um “toma-lá-dá-cá” entre empregados e empregadores. As leis trabalhistas brasileiras são rígidas, inflexíveis, antiquadas. E intocáveis.

Pior que as leis do trabalho é o autoritarismo que herdamos dos tempos de Getúlio, a começar da noção de “pai dos pobres” que transforma cada eleição presidencial no Brasil na busca por um novo “salvador da pátria”.

O DIP pode ser coisa do passado, mas poucos países do mundo se equiparam ao nosso na quantidade de propaganda governamental, aberta ou dissimulada. Desde os tempos do Estado Novo o brasileiro se acostumou a um governo forte, que impõe regras sem aceitar contestação, e que não se cansa de fazer propaganda disso.

A Constituição de 88 pode ter acabado com a censura no papel, mas a quantidade de regras escritas ou não que regem nossa chamada “liberdade de imprensa” – especialmente no que diz respeito à política – é impressionante. E amordaçante. Não é à toa que nosso país é um dos poucos no mundo onde é necessário licença do Estado para ser jornalista, ou até radialista.

O problema com períodos marcantes como o Estado Novo (ou o New Deal, aqui pelos Estados Unidos), é que sua marca fica conosco por muito mais tempo do que seria desejável, necessário ou aconselhável.

O fato de que certas soluções tenham funcionado bem ou tenham sido necessárias num determinado momento não quer dizer que tenham que continuar eternamente. Isso, infelizmente, é o que acontece na prática, porém.

Assim como é impossível discutir honestamente a questão da Seguridade Social (herança do icônico Franklin D. Roosevelt) aqui pelos EUA, no Brasil não dá para discutir questões como a privatização da Petrobrás – só para citar um caso – sem que a discussão degenere em xingamentos.

Conservadorismo não quer dizer ignorância nem obediência cega aos ditames do passado. Para que o Brasil chegue definitivamente a um desenvolvimento compatível com as necessidades de nossa gente e digno de seu verdadeiro potencial, é preciso distinguir entre leis e costumes que podem ajudar-nos hoje e aquelas que só servem para impedir nosso progresso.

Infelizmente, isso talvez seja pedir demais. Afinal, estamos num país que não conseguiu até hoje acabar com a Voz do Brasil...

Publicado no Diego Casagrande

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