4 de mar. de 2006

"O Haiti é aqui"?

por João Luiz Mauad em 03/03/2006, no MídiaSemMáscara.org

Resumo: É bem possível que a profecia dos baianos Caetano e Gil torne-se realidade, estando próximo o dia em que o Haiti [será] aqui.

Temos um governo que se arvora a fazer tudo o que não é a sua atribuição substantiva. Ele é banqueiro, petroleiro, administrador de portos, produtor de televisão, dono de restaurantes, hotéis, farmácias, empresas de ônibus e de resseguros. Também é grande proprietário de imóveis, mecenas, produtor cultural e, last but not least, agente de caridade (com dinheiro alheio). O fato é que esse polvo gigante estende os seus tentáculos sobre uma vastíssima gama de atividades que deveriam estar entregues exclusivamente à iniciativa privada. Enquanto isso, nas suas funções mais básicas, naquilo que é a própria razão de ser de qualquer governo, ele é omisso ou ineficiente. Não consegue dar à população um mínimo de segurança. A justiça é lenta, inconstante, corrupta e generosa em subterfúgios. As Forças Armadas encontram-se virtualmente sucateadas. Uma lástima.
A situação torna-se ainda mais grave e preocupante porque abundam exemplos na história da humanidade nos dando conta de que onde o Estado é incapaz de garantir segurança aos seus cidadãos, num ambiente onde impere o Estado de Direito, as possibilidades de progresso são pequenas, pois os costumes, os valores morais, a conduta ética e as estruturas sociais vão se deteriorando de tal maneira que o meio acaba se tornando hostil ao desenvolvimento. (Um caso extremo da perniciosidade dessa mazela institucional é, sem dúvida, o Haiti).
Mas os problemas do Estado brasileiro não param por aí. Nossa infra-estrutura é ridícula. Educação básica e sistema de saúde, então, é melhor nem falar. O mais trágico disso tudo é que, malgrado o fato irrefutável de que - ao contrário do Rei Midas - tudo aquilo em que o governo põe a mão fede, a população brasileira continua apostando todas as fichas e rendendo cultos ao seu Leviatã. Graças à incessante doutrinação dos ativistas do dirigismo e de uma mídia cooptada pelos mercadores de ilusão social-democratas e afins, boa parte da sociedade encontra-se totalmente enfeitiçada pelo poder do Estado e acredita piamente que ele tem a solução para todos os seus incontáveis problemas. Vivemos em meio a uma gente cega ou, no mínimo, incapaz de enxergar o óbvio: que o governo, longe de ser a solução, é o principal problema.
De modo inverso, a percepção da maioria em relação às classes empresariais, aqueles que investem tempo, energia e capital para colocar à disposição de todos os melhores e mais baratos produtos e serviços, é a pior possível. O lucro por aqui é tratado como pecado mortal. O ganho das empresas é visto, invariavelmente, como resultado da ganância capitalista e do roubo. Inexiste por essas bandas a noção básica de que o lucro de hoje é o investimento de amanhã; que esse investimento é a garantia de geração de empregos e do aumento da produtividade; que a produtividade, por sua vez, resultará, mais tarde, em aumento da renda dos trabalhadores.
O comércio é algo totalmente voluntário. Somos livres para consumir ou não. Ninguém pode obrigar ninguém a adquirir algo de que não goste ou não precise. Apesar dessas verdades simples e evidentes, os empresários são vistos como inimigos. Uma atitude tão absurda que, analogamente, poderia ser comparada à de um comerciante que tratasse os seus clientes de forma hostil. Se entramos num supermercado e encontramos milhares de produtos à nossa disposição é porque alguém investiu tempo, disposição e dinheiro para que isso fosse possível. Portanto, é justo que esse alguém seja remunerado. Mas o senso comum não enxerga dessa maneira. As pessoas insistem em maldizer os seus benfeitores e endeusar os seus reais inimigos, os quais, de modo inverso, detêm o poder de obrigá-las a agir contra os seus próprios interesses.
Governos nos cobram impostos independentemente da nossa vontade e, muito pior, na maioria das vezes sem que nos dêem qualquer contrapartida. Pagamos a eles quase metade da nossa renda e o que nos dão em troca? Segurança? Saúde? Aposentadoria decente? Educação para os nossos filhos? Boas estradas? Nada! No máximo algumas belas promessas. Nosso dinheiro é utilizado, quase que inteiramente, para financiar os gastos com a burocracia parasitária, o custeio da máquina e o pagamento de juros sobre dívidas que as gerações passadas de políticos legaram aos contribuintes do presente. Mesmo assim, a maior parte dos brasileiros continua depositando nos seus algozes todas as suas esperanças, enquanto maldizem diuturnamente aqueles que trabalham, investem e arriscam seu capital para satisfazer as nossas necessidades.
Enfim, ainda tem gente que acha que este país tem jeito. Eu confesso que não tenho muitas expectativas. Pelo menos enquanto prevalecer essa mentalidade tacanha, essa cultura do politicamente correto, dos jargões que clamam por "justiça social", por "solidariedade", contra o "imperialismo" ou o "neoliberalismo", mas que conduzem a nada, apenas fomentam uma estúpida e mesquinha luta de classes. Infelizmente, não há muito mais o que se possa fazer do que utilizar os poucos espaços de que dispomos para tentar mostrar o quanto estamos fazendo as coisas errado, gastando as nossas energias contra o inimigo errado, acreditando nas soluções erradas.
Devo admitir, entretanto, que a minha sensação é a mesma de quem rema contra uma correnteza cada vez mais forte, avassaladora. Confesso que tenho um certo temor de que a profecia dos baianos Caetano e Gil possa tornar-se realidade. De que está próximo o dia em que o Haiti [será] aqui.

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