8 de fev. de 2006

HONESTO NÃO É SUBSTANTIVO

por Alfredo Guarischi, médico - no Argumento

Estou estudando português. Minha escrita é trêmula, apesar de minha caligrafia – quando legível – ser clara. Na verdade é escura, pois o papel é branco e minha pena – ainda uso pena – goteja tinta escura.

Fui aconselhado a ler, ler muito. Não acho chato, mas há quem ache, como o Lula. Como é o presidente – o chefe da turma – deixo para lá, afinal é o chefe. Só que o problema – ele – é um mau exemplo para o povo – nós.

Lendo os clássicos procuro entender o processo criativo, o uso da gramática e recorro ao dicionário com freqüência - uma nova palavra ou um novo sentido de uma esfarrapada. Minhas dúvidas são muitas. Volta e meia recorro ao tio Haroldo, que é tradutor. Os tradutores, os bons, têm que dominar a língua número um para traduzir a de número dois. Na ordem inversa as coisas não funcionam tão bem. Conhecer um jornalista ajuda bastante. Eles, em geral, entendem de entrelinhas.

Estava construindo um conto e um honesto apareceu. Empaquei como um burro. O que é um honesto? Recorri ao meu salva-gramática. A resposta, direta, é que honesto sempre é um adjetivo. Exemplo: Governo honesto, Político honesto, Juiz honesto.

Não concordei, pois achava que deveria ser considerado um substantivo: designa um ser real, que expressa unicamente e sem reforço de outro, a substância (palavra)- segundo o Houaiss.

Os poderes da república deveriam tomar decisões honestas. Substantivas. Com isso, não haveria dúvidas. As decisões seriam apenas honestas e não adjetivas: boa para fulano e má para beltrano. Uma lei aprovada pelo legislativo é aplicada pelo executivo e o judiciário arbitra os eventuais conflitos. No papel há um equilíbrio entre os três poderes, mas como não conheço uma balança com três pratos, podemos estar diante de uma fábula.

As leis deveriam ser votadas, aplicadas e arbitradas, sem adjetivos. Não basta ser legal, tem que ser moral – uma espécie de mãe de César. Honesto deixaria de ser algo como um gerúndio: uma ação em movimento, que ainda não terminou, sempre esperando algo, às vezes uma grande surpresa ou decepção.

Por mais que tentasse não consegui usar o honesto de modo substantivo. É o que daria vida ao meu texto. Seria a matéria prima que há pouco o João Ubaldo, em sua crônica primorosa, reclamava faltar para construir um país.
Gostaria de poder sugerir ao presidente uma medida provisória, transformando, por algum tempo, o adjetivo "honesto" em substantivo. Quem sabe, deste modo, o andar de cima do país melhorasse, passando a ser honesto com a maior parte deste Brasil desigual, que mora no andar de baixo, às vezes escondido no porão.

Alfredo Guarischi, Cirurgião. Presidente da Comissão Nacional de Câncer do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.

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