2 de mar. de 2008

A trama da corrupção política

José de Souza Martins (*) - reproduzido do e-agora

Corruptos não são apenas alguns. A maioria dos brasileiros, sem o saber, está envolvida na trama da corrupção. É que a corrupção entre nós é endêmica e histórica, impregnou a cultura do povo e está distribuída por praticamente toda a esfera pública. Ela se originou no regime patrimonial que deu nascimento a esta nação: troca de favores materiais por favores políticos, troca de voto por favorecimentos, fazer política negando a igualdade de direitos, o voto como bem material e privado e não como direito que encerra deveres para com o país.

A grande corrupção não seria possível se não fosse expressão de uma cultura da corrupção miúda e cotidiana. Vários notoriamente envolvidos no caso do mensalão foram reeleitos na eleição seguinte. Vários retornaram ao parlamento proclamando que tiveram a inocência reconhecida pelo povo no ato de reelegê-los. Aqui, ao votar, com as muitas e óbvias exceções que há, nós apenas nos rendemos, entregamos incondicionalmente a nossa vontade política aos eleitos, renunciamos.

Além do mais, no geral não votamos em representantes de idéias políticas, como é necessário na verdadeira política. Não raro votamos apenas na impressão que temos dos candidatos, na cara boazinha de um, na cara bonitinha de outro, na aparência de honesto de um terceiro, no seguidor da nossa religião de um quarto, porque no Brasil identidade religiosa inocenta e beatifica mesmo quem não o merece. O verdadeiro voto político dá liberdade ao cidadão para votar de acordo com convicções políticas e nada mais. Quando outras convicções prevalecem no voto é porque a sociedade está fragmentada, tornou-se impolítica. Nesse caso, o voto não cimenta o pacto político da diversidade e das diferenças. Apenas acentua as fraturas e facilita a negociata da troca corporativa de favores políticos por benefícios pessoais e partidários. Modo anti-político de manter o funcionamento político do país. Esse voto anula a nação política.

Como não somos politizados, tampouco conta se o sujeito é corrupto ou não. Na sociedade da propina, que é a nossa, o eleitor que se inquieta com a corrupção das grandes propinas, contraditoriamente, também dá a pequena propina que lhe permite ter a liberação mais rápida de um documento ou de um benefício. Ou, por simpatia pelo comerciante, não pede nota fiscal, tornando-se cúmplice da sonegação, que é roubo de recursos públicos que deveriam ser destinados ao bem público. Como queremos que não haja a grande corrupção se a maioria não resiste à tentação de praticar, até sob o pretexto da gratidão, pequenos atos de corrupção, em que o que permeia a nossa relação com o outro não é a igualdade e a razão e sim a desigualdade que a pequena corrupção evidencia e a subjugação moral da vontade do eleitor confirma?

(*) - Professor de Sociologia na Faculdade de Filosofia da USP.

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