1 de nov. de 2006

Terceiro Turno - por Rodrigo Constantino




Democracia deve ser mais que dois lobos e uma ovelha votando sobre o que terão para jantar.” (James Bovard)


O presidente Lula está reeleito com expressiva votação, acima de 50 milhões de votos. Um fato inegável. Defensores do petista logo correm para afirmar a “legitimidade” garantida pelas urnas, já que seu governo foi marcado por um recorde nacional – quiçá mundial – de escândalos de corrupção. Ignoram, entretanto, que num Estado de Direito, com império das leis, não são as urnas que fazem automaticamente as leis. Não realizamos plebiscitos para votar se criminosos vão ou não para a cadeia. Aplicamos as leis.

O povo brasileiro parece não compreender ainda o valor das instituições republicanas, que não permitem colocar cidadão algum acima das leis. Fala-se aqui em democracia como um fim em si, esquecendo do alerta na epígrafe. Países que não conseguiram construir sólidas instituições, deixando que a democracia se transformasse numa simples ditadura da maioria, jamais prosperaram. Sem que as liberdades individuais sejam garantidas através do império das leis isonômicas, a democracia pode virar um leilão vulgar onde dois lobos decidem que o jantar será a ovelha indefesa. Quem defende a justiça precisa defender as minorias, e a menor minoria de todas é o indivíduo. Somente um governo de leis, válidas igualmente para todos, preserva tais minorias. Ditaduras da maioria disfarçadas de democracia não trazem semelhança alguma com tal modelo. Quem acha que a escolha da metade dos eleitores e mais um cidadão dá uma carta branca ao governante eleito, não compreendeu nada sobre justiça e liberdade.

Em seu livro Política, Aristóteles pergunta: “Se, por serem superiores em número, aprouver aos pobres dividir os bens dos ricos, não será isso uma injustiça?”. Claro que será! Mas demagogos nunca deixaram de explorar o sentimento de inveja nos mais pobres para obter poder. Governantes aproveitadores e astutos conseguem dinheiro dos mais ricos com o pretexto de protegê-los dos mais pobres, assim como votos dos mais pobres com a escusa de que irão defendê-los dos mais ricos. Os iludidos não notam que ambos, ricos e pobres, precisam de proteção justamente contra tais governantes. E esta proteção vem através das sólidas instituições, da garantia das liberdades individuais, do império das leis. Quando a democracia – leia-se os votos válidos de mais da metade dos eleitores – passa por cima dessas normas impessoais, temos a troca do necessário império das leis pelo perigoso império dos homens. O governo vira então refém das vontades de maiorias instáveis. Se amanhã mais da metade do povo desejar o extermínio de uma determinada minoria, nada estará no caminho para impedir tamanha injustiça. A Alemanha nazista que o diga!

Tendo explicado esse ponto importante, de que democracia não deve ser a simples ditadura da maioria, podemos agora analisar um dado estatístico interessante. Na verdade, sequer podemos falar em maioria do povo quando falamos da reeleição de Lula. Foram quase 24 milhões de abstenções, um pouco mais de um milhão de votos brancos, quase 5 milhões de votos nulos e mais de 37 milhões de votos para seu adversário, Alckmin. Somando tudo isso, temos quase 70 milhões de eleitores que não votaram em Lula, contra menos de 60 milhões que nele votaram. Em outras palavras, sequer podemos falar mesmo em ditadura da maioria!

Os petistas acusam de “golpistas” aqueles que gostariam de um “terceiro turno”, ou seja, aplicar as leis através do TSE podendo cancelar as eleições caso ficasse comprovado o uso de dinheiro ilegal na campanha de Lula. As evidências de que isso ocorreu abundam, quando lembramos do dossiê que os petistas bastante ligados ao presidente tentaram comprar. Foram pegos com a “boca na botija”, em flagrante, usando dinheiro ilegal, quase 2 milhões de reais. O que podemos concluir disso é que golpe, para os petistas, é aplicar as leis em seus companheiros. Acham que eles, e especialmente Lula, estão acima das leis. E usam as urnas como “prova” dessa suposta legitimidade. Não se constrói um país sério, justo e próspero desta maneira. Será que estamos fadados a ser uma republiqueta das bananas?

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