3 de nov. de 2006

O quarto poder e o escorpião escarlate

por Glauco Fonseca

“Quando, alguma vez, a liberdade irrompe numa alma humana, os deuses deixam de poder seja o que for contra esse homem" - Jean-Paul Sartre

Lembra daquela fábula do escorpião, que faz um acordo com o sapo para atravessar um rio? Aquela historinha do batráquio que tem certeza de que o escorpião não o matará no meio do trajeto porque ambos morreriam, lembra? Isto mesmo, a velha e surrada história do escorpião que dá a ferroada no sapo no meio do rio e diz que é da natureza dele picar, mesmo que morra. Esta história é parecida com a de um partido político que nós conhecemos.

Só que o PT, como é de costume, adapta tudo que vê pela frente ao sabor de suas conveniências. A história do escorpião e do sapo foi modernizada pelo magnífico partido dos trabalhadores. Agora, o escorpião pica o sapo, mas apenas após chegar, em total segurança, à outra margem do rio. O sapo, como se vê na fábula original e na versão petista, sempre é trucidado no final.

Pois o escorpião acabou de atravessar o rio e o sapo já está tomando as primeiras ferroadas. Um dia apenas depois da proclamação de que o rio estava oficialmente vencido, as picadas ferozes apareceram e as prováveis vítimas todos já conhecemos: as rãs com gravadores, câmeras, microfones e bloquinhos de notas nas mãos, ligadas a “facções elitistas e irresponsáveis”, mais conhecidas, pelos petistas, como os tais veículos de comunicação.

Metáforas manjadas à parte, era mesmo de se esperar que as liberdades de expressão e de imprensa fossem ser atingidas num segundo governo do PT, alquebrado e embriagado de denúncias criminosas. Só que não se esperava que pudesse ocorrer tão cedo.

Que a revista Veja venha a sofrer retaliações do governo Lula por sua independência, já era esperado por ela e por todo o mercado. Que revistas como IstoÉ e Carta Capital venham a engordar seus faturamentos federais por suas posições favoráveis a Lula, também se entende como parte do jogo, mesmo que um tanto quanto opaco.

Só que, passadas apenas 48 horas da vitória de Lula, as primeiras e mais importantes vítimas são parte da tropa que, sim, ajudou Lula a se reeleger. A agressão da Polícia Federal aos jornalistas de Veja é uma grotesca agressão a toda uma categoria profissional e, cedo ou tarde, mais e mais jornalistas podem ser alvos de agressão, de intimidação, de ameaças. Isto para não dizer o pior.

Começa a ficar mais amargo o gosto de uma reeleição que sequer festejo teve (notaram?). A sensação é de que a maior parte dos cidadãos deste país, mesmo tendo votado em Lula, sabe instintivamente que pode ter cometido um equívoco de avaliação que pode ter graves conseqüências. Aliás, já começaram.

Não sabemos como terminará, mas que já começou, começou.
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O SAPO, O ESCORPIÃO E A PIZZA

por Paulo G. M. de Moura, cientista político

Com exceção de Reinaldo Azevedo, do site Primeira Leitura, jornalistas e comen-taristas políticos preferiram ver na pesquisa Ibope/CNI, divulgada ontem, a confir-mação da queda de popularidade do governo e a perda de competitividade da can-didatura Lula. Reinaldo Azevedo está certo. O Ibope apenas revelou números coin-cidentes com o Datafolha e a pesquisa CNT/Sensus.

Ainda que não seja correto comparar pesquisas de diferentes institutos, feitas em momentos diferentes e com metodologias diferentes, se Lula seguisse desabando, o Ibope deveria apresentar números piores para o petismo. Não foi o que aconteceu. Já se vai cerca de um mês que nenhum petista é envolvido em denúncias novas; o foco da mídia se voltou para Severino e o Congresso; a opinião pública está satura-da com os escândalos.

Só Lula, ao comentar o resultado do Ibope, constatou o que a mídia e a oposição não querem ver. Se fosse outro no meu lugar estaria em situação muito pior, co-mentou o presidente (com outras palavras, mas com o mesmo sentido).

Lula e o PT, outrora arautos da moralidade e detentores monopolistas das virtudes da ética e da moral na política, estão no centro de escândalos de corrupção há mais de cem dias seguidos, recebendo intensa cobertura negativa da mídia e igualmente intensa atenção da opinião pública e, mesmo assim, o candidato Lula, que fez 31,7% dos votos no primeiro turno da eleição presidencial de 1998, tem algo em torno de 33% a 35% nas pesquisas para a eleição de 2006.

Convém observar que índices de pesquisas não se equivalem a resultados eleito-rais, pois não excluem do total aferido, os votos brancos e nulos. Isso significa que, se a eleição fosse hoje, Lula tenderia a ter, no primeiro turno, desempenho melhor do que teve no primeiro turno de 1998. Além disso, não vi ninguém dar a devida a-tenção ao quorum da eleição para a nova direção petista. É simplesmente impres-sionante.

Que partido, sob circunstâncias tão adversas como as que o PT vive, teria condi-ções de mobilizar cerca de 300.000 filiados para escolher sua nova direção?

Lula, portanto, embora tenha queimado a gordura que conquistou na eleição de 2002 e esteja perdendo uma parte de seu partido e de seus eleitores, que migram para outras legendas ou para a abstinência política, está mais robusto do que no passado se considerado o segmento dos seus eleitores em primeiro turno. Como se pode ver, não é qualquer denúncia de corrupção que derruba as convicções ideoló-gicas do petismo.

Para se convencer, essa gente parece que precisa ver mais podridão do que já apareceu. Caso contrário, com um partido com essa força e com o desempenho que Lula tem hoje nas pesquisas, o PT estaria garantido no segundo turno e faria belas bancadas legislativas.

Com Lula concorrendo no exercício do cargo e valendo-se de todas as vantagens competitivas daí decorrentes, corremos o risco de ver o PT reelegê-lo em segundo turno, no qual as condições de disputa lhe seriam bem mais favoráveis do que po-dem aparentar nesse momento. Suas condições de governabilidade num eventual segundo mandato, seriam péssimas. Mas isso é problema dos brasileiros. Não de Lula e nem do PT, que querem mesmo é o poder pelo poder.

Há, portanto, um aspecto dessa realidade que está sendo menosprezado por a-queles que acham que, mesmo diante de tantas evidências e provas de que esta-mos diante do maior esquema de corrupção da história política do país, protagoni-zado pelo PT e patrocinado por ação ou omissão do presidente da República, é me-lhor preservar Lula no cargo até a eleição de 2006, deixando ao povo a tarefa de removê-lo do poder.

Não estamos menosprezando as dificuldades que Lula e o PT deverão enfrentar na próxima eleição. Fruto dos escândalos, Lula perdeu o favoritismo, o PT está com a imagem seriamente arranhada, Lula terá dificuldades para compor alianças no primeiro turno, e sofrerá duros ataques pela esquerda. Mas ambos estão muito lon-ge da morte política, com estariam quaisquer outros políticos e partidos na mesma situação.

A displicência da oposição em considerar seriamente a hipótese do impeachment – e motivos jurídicos e políticos há de sobra para o recurso democrático a essa me-dida – nos força a relembrar a fábula do sapo e do escorpião, tão recorrente nos si-tes tucanos ultimamente.

O escorpião pede ao sapo que o ajude a atravessar um rio. O sapo resiste, te-mendo a ferroada fatal. Mas o escorpião argumenta: “Se eu viesse a matá-lo no meio do rio, morreríamos ambos, você envenenado e eu afogado, pois não sei na-dar”. Convencido pela lógica do argumento, o sapo oferece ao seu virtual algoz, as costas para a travessia. No meio do caminho, o sapo sente a ferroada. Entorpecido pelo veneno, exclama: “Mas vamos morrer os dois”. E o escorpião retruca: “Mas es-ta é minha natureza”.

Esse é o risco que as oposições correm ao flertarem com a idéia de dar carona a Lula até as urnas de 2006, aceitando o pacto indecente de abafar os crimes do pe-tismo em troca da mútua proteção dos envolvidos em denúncias, em ambos os la-dos do disputa pelo poder.

Nada impede que, concluídas as CPIs e devidamente abafados os escândalos com apenas meia dúzia de cassados, lá na frente, no início do ano eleitoral de 2006, o escorpião-PT, que está no governo; conhece as entranhas do passado de quem governou o Brasil antes de Lula e tem a ABIN a seu serviço, ressuscite denúncias ou encontre novidades a revelar sobre seus adversários, zerando a balança dos es-cândalos. Equilibrar-se-iam, assim, as condições da disputa entre tucanos e petistas nesse aspecto da pauta do debate eleitoral, recompondo dessa forma, a competiti-vidade da candidatura Lula.

O eleitor é hipócrita, imediatista e interesseiro. Em troca de benefícios econômicos é capaz de relevar denúncias de corrupção. FHC abafou inúmeros escândalos e im-pediu várias CPIs em seu primeiro governo, e reelegeu-se em primeiro turno. Só perdeu apoio popular depois que desvalorizou o Real, gerando perdas aos eleitores.

O efeito prático dessa virtual situação, na cabeça dos eleitores, poderia ser mais ou menos o seguinte:

Se petistas e tucanos são corruptos, por que não seguir com Lula, que não se cansa de dizer que o desempenho de seu governo na economia é melhor do que o do governo dos tucanos?

Ou, por outro lado, se petistas e tucanos são corruptos, que tal eleger alguém que não seja nem petista nem tucano?

Na segunda hipótese, o escorpião poderá até morrer afogado, surfando nas costas do sapo envenenado. Mas terá impedido seus algozes nas CPIs de hoje, de voltar ao poder amanhã.

Quem tem a perder com isso?

22/09/2005

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