10 de ago. de 2006

De Bonner para Homer - por Christina Fontenelle


Homer Simpson é o nome que William Bonner dá ao expectador característico do Jornal Nacional (TV Globo). Homer, para quem não sabe, é personagem de um desenho animado norte-americano feito principalmente para adultos. Ele é um típico trabalhador assalariado, casado, pai de família, desinformado (por falta de tempo e de vontade), bonachão e cujo maior prazer é chegar em casa, depois do trabalho, sentar em frente à televisão com um copo de cerveja e um controle remoto em cada mão. Resumindo: um cidadão que teve aproveitamento escolar medíocre, cresceu como um preguiçoso mental, com pouca capacidade e disposição para análises, por isso mesmo muito fácil de manipular, e que não tem a menor condição de avaliar o seja verdade ou mentira naquilo que é veiculado pelos noticiários de TV. Ou seja, é um expectador que acredita muito mais em pessoas e no que elas dizem sobre os fatos do que no que ele próprio seja capaz de apreender ao ver imagens ou ao analisar o que esteja sendo dito – confia mais nos outros do que em si mesmo.

Pois bem, não bastasse os vexames na cobertura da Copa do Mundo, quando Fátima Bernardes e um programa comandado por Galvão Bueno, que acontecia nos dias das partidas do Brasil, simplesmente desapareceram do ar, sem a menor satisfação, depois da derrota da Seleção Brasileira para a França, e o festival de manipulações e omissões de informações que a emissora vem patrocinando ao longo dos últimos 4 anos, agora, os telespectadores serão brindados pela mais espetacular cobertura "jornalística" de todas as eleições.

Espetacular no sentido de "show" – um show de divulgação de pesquisas eleitorais de caráter duvidoso (como no referendo do desarmamento), um festival de meias-verdades e de omissões (muitas delas imperdoavelmente criminosas), um espetáculo de romantismo bucólico dos mais distantes sítios brasileiros, onde os moradores dizem o que esperam do próximo presidente: uma ponte, uma lei que passe a administração de prédios históricos para os municípios, um poço, e por aí vai - inutilidades evasivas diariamente transmitidas pelo ônibus da caravana JN. Algo me diz que Lula ainda vai dizer que essa caravana do JN parece com a que ele fez antes de ser eleito presidente. Agora, sensacional mesmo está sendo a etapa de entrevistas com os principais candidatos à presidente.

Entrevista talvez seja um termo que não consiga definir exatamente o tom desta parte do Jornal Nacional que tem ocupado o último bloco das edições desta semana, com cerca de 12 minutos cada um. Inquisição seria mais adequado. Era de se esperar que houvesse perguntas enfocando algum tema polêmico relacionado aos candidatos ou aos seus partidos, assim como também que elas enfocassem pontos prioritários sobre os programas de governo dos candidatos. Não aconteceu isso com nenhum dos três entrevistados por Fátima Bernardes e por William Bonner na bancada do JN. Foram eles Geraldo Alckmin (PSDB), Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT), nesta ordem, respectivamente na segunda, na terça e na quarta-feira.

Todos foram literalmente bombardeados com perguntas que indisfarçavelmente visavam desacreditar os candidatos, desmoralizando suas capacidades para governar. A diferença, entretanto, esteve na reação de cada um deles. Alckmin saiu-se extraordinariamente bem; eu diria que Cristovam Buarque, um pouco menos atacado que os outros dois candidatos, também; Heloísa Helena é que ficou desestabilizada, quando se viu sob o ataque das perguntas e das afirmações do casal de entrevistadores – perdeu para eles; os outros dois candidatos não.

Na sabatina de Alckmin, não foi dada a ele uma única chance de falar sobre seu programa de governo, sobre as medidas que tomaria para enfrentar os problemas de desemprego, de gestão de dívida pública, de saúde e de tantos outros que afligem os brasileiros. Em vez disso, o candidato passou o tempo todo rebatendo acusações. Primeiro, contra a política de segurança pública de São Paulo; depois, sobre se sua defesa de um banho de ética na política não seria incompatível com o fato de um Senador do PSDB ter sido beneficiado pelo valerioduto, lá na eleição de 1998; em seguida teve que responder sobre CPIs que não saíram durante seu governo e sobre irregularidades na publicidade da Nossa Caixa. Alckmin rebateu calma e eficientemente todas as acusações – uma por uma.

Os apresentadores cobraram explicações sobre a crítica que o candidato e o PSDB fizeram ao veto do presidente Lula para o aumento dos aposentados, fazendo questão de dizer que o Presidente teria sido obrigado a vetar o reajuste por falta de recursos. Alckmin disse simplesmente que teve dinheiro para tudo e para todos e que, quando chegou a vez dos aposentados, eles levaram um não. Fátima Bernardes apareceu com uma pesquisa que dizia que São Paulo não teria se saído bem na tal de Prova Brasil – mas essa não deu nem para engatar, porque Alckmin foi enfático em falar de números do Saeb que desmentiam os dados apresentados pela entrevistadora.

Para encerrar, perguntaram: "No fim de quatro anos, o que o senhor espera ter como marca no seu governo?" Ah, bom! Pensávamos nós, os telespectadores, que essa pergunta não seria feita. Então, o candidato pôde falar, em 5 segundos, sobre seus planos: " nosso compromisso é com o crescimento. O Brasil perde oportunidades... não tem o projeto nacional de desenvolvimento. Eu vou ter como obsessão o crescimento... Emprego, renda, trabalho e os três serviços públicos de qualidade. Saúde... Educação e assumir responsabilidade em segurança pública. Não fugir. ..". Acabou. Boa noite.

Foi uma chuva de protestos pipocando pela Internet e enchendo as caixas de correio eletrônico do JN. E a resposta é sempre a mesma: silêncio.

Dia 8 de agosto. Foi a vez de Heloísa Helena passar pela sabatina do jornal mais assistido no Brasil. Dessa vez, como não poderiam atacar nenhuma administração sob a responsabilidade da senadora, uma vez que ela foi apenas vice-prefeita, em Maceió, há 14 anos, o Casal 20 do jornalismo partiu para trazer à tona o perfil trotskista da candidata. Ela tentou remediar aqui e ali, tentou disfarçar, mas não deu. Ficou bem claro que Heloísa Helena é mesmo uma comunista inveterada – do tipo que apóia movimentos populares revolucionários, que desapropria para trazer "igualdade" na marra e coisas do gênero. A candidata não conseguiu dar uma resposta sequer sobre seus planos de governo que fosse além de longos, adjetivados e evasivos discursos.

Reparem nas respostas da Senadora às perguntas de Fátima Bernardes e de William Bonner. Ela simplesmente falou, falou e não disse absolutamente nada sobre seu programa de governo, mas não teve como esconder suas pretenções socialistas:

Fátima Bernardes: O programa de seu partido falando de reforma agrária diz que não existe saída para o campo brasileiro sem a expropriação das grandes fazendas, sejam elas produtivas ou não. A senhora vai tomar terras de proprietários rurais que produzem...?

Heloisa Helena: Eu não posso meu amor, porque a Constituição proíbe. Programa de partido se trata de objetivos estratégicos do partido. Não tem nada a ver com programa de governo. Seria impossível fazer a expropriação de terra, a não ser que tenha trabalho escravo ou plantação de maconha. Porque eu não sou favorável ao narcotráfico, pelo contrário, vai ter um combate implacável ao crime organizado se eu tiver a honra de chegar à presidência da República. Diferente. A Constituição do Brasil é muito clara. Porque eu tenho obrigação de conhecer a ordem jurídica vigente, a legislação do meu país. A Constituição do país é clara: terra improdutiva passível de reforma agrária. A nossa proposta de reforma agrária, ela se trata no sentido de assentar 1 milhão de famílias que daria 200 mil famílias, ou seja, 1 milhão de pessoas.

William Bonner: Qual o modelo de país que a senhora apresentaria como um exemplo para os brasileiros e dissesse assim: "este é o modelo que o P-SOL defende para o Brasil... Na vida prática não há um modelo em vigor?"

Heloisa Helena: Meu amor, deixa eu dizer uma coisa. Não há no planeta Terra nenhuma experiência socialista. Então seria desonestidade intelectual da minha parte e desconhecimento de toda a tradição socialista dizer que eu vou implementar o socialismo. O que eu digo várias vezes, eu não nego minhas convicções, acho inclusive que com essa estrutura anátomo-fisiológica eu não vou vivenciar a mais bela declaração de amor à humanidade. Hoje eu luto pela democracia. A democratização da riqueza, das políticas sociais, da informação e da cultura. Da terra e do espaço bom, porque a democracia no Brasil não existe... A democracia não se consolida porque nós estamos falando o que pensamos. A democracia de um país não se consolida quando 48% de toda a riqueza produzida nacionalmente ela é apropriada por 0,005% das famílias brasileiras.

Reparem que "democracia" para Heloísa helena não tem nada a ver com liberdade de expressão ou com direito de votar dos cidadãos. Para ela, o termo significa fabricar igualdade social por intermédio da ação impositiva e controladora do Estado – que, naturalmente, estaria nas mãos de pessoas que se julgam capazes de determinar o que é o melhor e mais justo para todos (e esse deve ser o caso da Senadora).

No dia 9/08, a bola da vez foi o Senador Cristovam Buarque. Para começar, foi com a seguinte pergunta que William Bonner deu as boas vindas ao candidato: "Como governador o senhor não conseguiu se reeleger, não passou na prova das urnas no fim do mandato. Como ministro, o senhor foi demitido pelo presidente Lula. Como é que o senhor se credencia à Presidência? " Resumindo a resposta do Senador:

"Nos dois cargos eu cumpri tudo o que prometi... E perdi (a reeleição para Governador)... (porque)... Me neguei a dizer que daria um aumento de 28% aos funcionários. O meu opositor disse que daria e não deu. Isso levou 15 mil pessoas, pelo menos, a mudar de lado... Quanto ao Senado e quanto ao Ministério, quando eu cheguei lá eu peguei o programa de governo do Lula e disse: 'Isso é para valer'. E comecei a executar... Tudo o que precisava eu queria, eu comecei... Mas é o presidente que manda para o Congresso. O ministro não pode mandar projeto para o Congresso. E o que é que o presidente mandou dizer para mim? Que isso ia atrapalhar a reeleição dele, porque ia chegar ao prefeito, que não ia gostar. Então eles pararam. Eu incomodei tanto que eu saí e sinceramente não me arrependo ".

Vieram mais perguntas desconcertantes, porém, Cristovam Buarque, além de responder a todas elas com segurança e clareza, aproveitou para fazer propaganda de seus projetos para a área da Educação no país. Conseguiu fazer uma boa exposição do tema e acabou transfigurando a expressão facial dos entrevistadores, que passaram da aparência de inquisidores para a de atentos alunos. Mas falhou porque passou a impressão de ser homem de um "foco" só – pessoas assim dão ótimos ministros, mas não se enquadram no perfil que se exigiria do presidente de um país do tamanho e da complexidade do Brasil.

O próximo a ser entrevistado pela dupla do JN é o presidente Lula – candidato à reeleição. Partindo-se dos princípios de "isonomia", não dá para começar com uma pergunta diferente de " Como pode alegar o senhor que não sabia do que seus auxiliares e companheiros de partido faziam no Governo e que acabou resultando na denúncia do Procurador Geral da República, qualificando-os de "quadrilha"? " Essa seria só para começar. A segunda pergunta deveria ser sobre as doações da Telemar para a empresa de seu filho Lulinha. Depois, sobre sua aposentadoria aos 22 anos de serviço e como anistiado político, já que nunca foi impedido de "trabalhar" no governo militar . Estaria aí um bom gancho para falar das indenizações absurdas que vêm sendo pagas a criminosos e a seus familiares, especialmente sobre uma das últimas – a que foi concedida ao chefe do bando que depredou o Congresso: seu amigo pessoal, Bruno Maranhão.

Todas estas perguntas estariam dentro das foram "permitidas" aos apresentadores do JN fazerem, uma vez que não tratam do "mensalão". Sim, o PT só permitiu a entrevista caso só se pudesse fazer uma única pergunta sobre esse tema. Se a censura se ampliar para outras questões negativas, só vai dar para perguntar nome, local e data de nascimento ao atual presidente. Mas, não vamos nos precipitar, vamos esperar a entrevista acontecer.

Por enquanto, parece que as entrevistas estão servindo para destruir os adversários de Lula – de Bonner para Homer.

Christina Fontenelle


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