7 de ago. de 2006

A Cidade Perdida – uma ode à Cuba Libre - por Ipojuca Pontes

A Cidade Perdida (Lost City, EUA, 2005), de Andy Garcia, em exibição em poucos cinemas no Brasil, além de filme vigoroso, é uma ode (composição poética de caráter lírico) à Havana dos anos dourados, mas nem por isso menos verdadeiro e contundente. Garcia, “o maior talento do cinema latino desde Rodolfo Valentino” (no dizer do lendário Anthony Quinn), fez um filme admirável, tão importante para divulgar os horrores da revolução cubana de Fidel Castro e o “Che” Guevara, como, por exemplo, o romance O Senhor Presidente, de Miguel Ángel Asturias, ao denunciar a ditadura de Estrada Cabrera, na Guatemala do início do século 20 (até mesmo, diga-se de passagem, no tom romanesco).

Pelo que se sabe, para realizar A Cidade Perdida o diretor (que nasceu em Cuba) levou 16 anos com o roteiro (feito em parceria com Cabrera Infante, outra vítima de Fidel) debaixo do braço, procurando financiamento numa Hollywood “politicamente correta”, entregue aos caprichos de cubanófilos decadentes (mas poderosos) como Robert Redford e similares. Com o filme pronto, Garcia agora se defronta com um outro tipo de ditadura, tão nefasta quanto a tirania de Castro, isto é: a tirania dos festivais cinematográficos, inteiramente dominados pela comunalha; a tirania dos distribuidores acovardados, que a consideram uma “fita especial e de risco”; e dos críticos de cinema, uma corriola em geral ignorante, bloqueada ideologicamente e a serviço do pensamento único esquerdizante.

É pena, pois A Cidade Perdida emociona e faz pensar. É evidente que não pretende “desconstruir” nem “minimalizar” coisa alguma, antes procura se articular no legado da estética aristotélica, aberta aos sentimentos e ao entendimento do grande público, como deve ser o cinema de massa. Os modelos perseguidos, pelo que se diz, foram Casablanca e Dr. Jivago, dois exemplares clássicos aos quais o ajuste de contas de Garcia, feito em 35 dias e com custo em torno de 9,5 milhões de dólares, nada fica a dever. (Mas que, no futuro, quando a onda da intolerância comunizante for apenas registro ou matéria de memória, A Cidade Perdida poderá ficar como o primeiro filme de ficção a abordar de forma convincente as ditaduras sangrentas de Fulgêncio Batista y Zaldivar e Fidel Castro Ruz, El Caballo - ora em transe).

A trama do filme gira em torno do fulminante aniquilamento da família Fellove – o patriarca Federico (Thomas Millian), professor universitário que se nutre em Sêneca e acredita na democracia; a matriarca D. Cecilia; o tio Donoso, gourmet plantador de fumo (o eficiente Richard Bradford), os filhos Luis (Nestor Carbonell), Ricardo (Enrique Murciano) e Fico (Andy Garcia, em belo desempenho), proprietário do cabaré El Tropico (réplica do Tropicana), o empresário da família, visto que os outros irmãos são ou estão em vias de se engajar no Diretório Revolucionário (núcleo subversivo da classe média urbana) e na guerrilha de Castro, em Sierra Maestra, ambos obstinados no combate à ditadura do ex-sargento telegrafista Fulgêncio Batista (Juan Fernandez, em sólida composição) – curiosamente levado ao poder, em 1940 e 1953, com o apoio do pragmático (e vil) PC cubano.

Não menos importante, ainda que enigmática, e a figura feminina de Aurora Fellove (Inês Sastre, beleza latina), esposa de Luis (assassinado pela polícia de Batista), a dividir os sentimentos de Fico, e a do Escritor (Bill Murray), recriação do Bobo do Rei Lear, de Shakespeare, cuja função no entrecho narrativo é a destruição verbal de um mundo que se desmorona.

Falei acima no aniquilamento da família Fellove, mas o aniquilamento, em termos reais ou simbólicos, é da própria Cuba, dividida politicamente e depois destruída por uma ditadura que se faz mais violenta, corrupta e desumana do que a do sargento Batista, ao eliminar os mínimos vestígios de liberdade, seja individual ou coletiva. A especialíssima Havana, conhecida nos anos 40 como a “Paris do Caribe”, passa a ser a masmorra infecta do Comandante Castro, um tirano egocêntrico e sem limites.

Se mais não fosse, ou fizesse, o filme de Garcia apresenta no mínimo dez cenas fortes, comoventes e bem executadas, entre elas, a do assalto ao Palácio presidencial de Havana pelos estudantes membros do Diretório Revolucionário, fato real em que, numa manhã de março de 1957, após uma hora de combate nos corredores e jardins, foram contados 25 mortos; a do suicídio de Ricardo, o guerrilheiro arrependido; a da despedida de Fico diante dos pais arruinados; a da “expropriação”, pelos chacais do regime, no aeroporto José Marti, dos objetos de estimação dos cubanos que deixam a ilha; a do confronto de Fico com a camarilha revolucionária erguendo um brinde a Cuba Livre diante do debochado embaixador Soviético; e, muito em particular, a cena em que o “Che” Guevara (Jsu Garcia, perfeito) informa, na triste prisão de La Cabana, onde reinou absoluto durante seis meses, que eliminou mais um dos 55 prisioneiros, muitos dos quais ele próprio acionando o gatilho, pois sua legenda de psicopata fanático, para quem “os fins justificam os meios”, era: “em caso de dúvida, atire” (“Che Guevara”, Eric Luther, Alpha Books, EUA, 2001).

Como mencionei acima, a contundência do ajuste de contas não supera na obra o doce encanto da ode à Havana que Garcia constrói, especialmente quando recria o universo musical da cidade, com seus clubes, cabarés, cantores e dançarinos fascinantes, plenos de vitalidade, onde prevaleciam as figuras de Ernesto Lecuona e Domase Perez Prado, autores, por exemplo, de composições como “Siboney”, “Para Vigo me voy” e “Patrícia” – definitivas e definidores de uma época e de um esplendor. Neste terreno, a sensibilidade de Garcia só acrescenta beleza, ainda que nostálgica, ao clima de uma cidade mítica destruída pelo castro-comunismo.

Vejam o filme, antes que o retirem de cartaz.

Reproduzido do Diego Casagrande

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