30 de jan. de 2006

NUNCA SE VIU ALGO IGUAL ANTES

por Alfredo Guarischi - publicado no Diego Casagrande

O lugar era conhecido como Terra da Fantasia e seria mais uma festa. Não foi.

Não era lugar para crianças. Havia sempre mais mulheres que homens e, estas, na maioria, jovens. Os ternos sempre de bons estilistas conviviam alegremente com uns poucos trajes esportivos, do tipo sem compromisso. Festa era só para executivos e, como sempre, bem animada. O lugar tinha segurança – verdadeiros armários - de cabelo curtinho, terno e gravata preta. Contrastando as camisas eram brancas, algumas com golas puída. Pareciam robôs. Apreciavam de longe a festa, mas nada festejavam, exceto à vontade de receber logo o que lhes era devido. No passado, não se sabe bem porque, deram um golpe e participaram de uma festa. Foi um período difícil, com reuniões diferentes, mas com o tempo a turma antiga foi chegando e grande parte está de volta. Os novos parecem-se com os antigos no apetite e nos costumes.

O salão era uma verdadeira pista de dança, rodeada por bancos confortáveis e serviçais. Grandes e pequenos bancos, mas nenhum sofá – estranho! Sempre havia algum brinde oferecido por uma industria, lobista ou empreiteira para manter o clima festivo. Fumar era permitido, mas nada de drogas – pelo menos é o que se comenta. Lá ninguém queria confusão e uma batida policial seria um desastre. Era festa de gente fina. Corria um boato a respeito dos “grandões” que apareciam, mas ficavam por pouco tempo no salão. Os “grandões” nunca dançam.

O que importava é deixar as diferenças de lado e curtir. As turmas se revezavam em busca do prazer. O som de fundo só falava de riqueza. Potenciais brigões eram eventualmente tolerados, mas logo surgia a turma dos acordos e tudo voltava como dantes. Havia figurinhas e figurões que ora faziam oposição e ora curtiam estar na situação. O lema era sempre estar a favor de um bom acordo, garantindo o convite para a próxima festa. Mas esta festa prometia. Havia um convidado trapalhão, que há anos pleiteava, sem sucesso, entrar no clima. Agora era uma das figuras mais populares neste grupo seleto.

Quase no final da festa, saindo de um dos reservados do andar de cima, surgiu o convidado trapalhão. Pedindo silêncio ao andar de baixo, anunciava que faria um improviso ou uma metáfora – há controvérsias. Até a marchinha alegre ouvida ao fundo foi sumindo. Palavras e erros gramaticais se alternavam. As dificuldades enfrentadas para entrar naquela festa eram verdadeiras, mas já se comentavam praticas heterodoxia. Seus feitos no andar de cima eram enaltecidos. Enormes números que cresciam sem parar. As pessoas, que não eram novatas, começaram a rir, pois a turma era escolada. No clímax o cabra da peste afirmou que “nunca se viu algo igual antes”. O silêncio foi constrangedor. Que diabo tinha feito?

Dona Maricota, uma velha escolada quenga – às vezes ajudava na organização - protestou. Era um desrespeito aos tradicionais freqüentadores. A palavra “nunca” não era parte da linguagem local. Ele tinha pedido o melhor da casa e tudo lhe foi dado. Alegou que tinha vindo de longe e quase todos concordaram com seus pleitos iniciais. Era um vencedor e uma novidade para toda a turma. A estrela da casa, escolhida e acolhida no andar de cima, com tristeza, ouvia o improviso – treinado tantas vezes nos braços dela. A pós-adolescente estrela não sabia se voltaria a ser a fonte do desejo de tantos sonhadores, que por ela suspiravam aguardando sua vez no andar de baixo. Até alguns tradicionais freqüentadores a admiravam. Quase abafando o improviso ouviam-se os comentários maldosos da turma do próprio trapalhão. Aliás, o barbudo – usava barba, pois segundo alguns, achava que era um guia – tinha uma turma que brigava o tempo todo.

A estrela estava murcha, pois após anos de espera e louca para se entregar a um príncipe encantado, acabou nos braços de um sapo. Todas as promessas foram mentirosas. O caixa da festa, o de número dois, reclamava de até ter recebido cheque roubado, sabe-se lá de quem. Acusando todos de complô e recusando o apelido de pinóquio, o convidado trapalhão se recusava a deixar o salão principal.

Do lado de fora o povo estava sabendo da má fama destas festas, pelas TVs e jornalistas bisbilhoteiros. Alguns até que, lá fundo do coração, gostariam de participar, mas a grande maioria do povo estava ficando irritada. Uns poucos diziam que isto tudo era uma lenda, invenção de alguma raposa felpuda ou de um tucano colorido, famosos na Terra da Fantasia. Mas a grande maioria do povoado, até então silenciosa, começava a discutir a proibição destas festas. Em breve haverá eleições na Terra, a da fantasia. Quem sabe as coisas mudem. Que nunca mais se veja algo igual. Amém.

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