30 de jan. de 2006

EXPERIÊNCIA PRÁTICA

por Ralph J. Hofmann - com autorização do autor - no Diego Casagrande

Por volta de 1969 eu era uma das pessoas mais experientes na exportação de manufaturados no Brasil. Isso não era lá grande coisa. O país importava e exportava cerca de um bilhão de dólares ao ano. A pauta de exportações era preponderantemente café, minérios, cacau e açúcar. Em anos bons vendíamos milho.

Eu tive a sorte de ser recrutado por uma firma que fora fundada uns 35 anos antes por um empreendedor alemão que criara uma fábrica de cutelaria. Trouxera nove exímios contramestres de Solingen e Remscheid na Alemanha, alguns dos quais queriam sair da Alemanha, pois sendo Cristão Democratas eram perseguidos pelos Nazistas.

Junto com a Artex em Blumenau tínhamos a maior experiência em vendas de manufaturados. Quando aparecia um cliente com dúvidas, que fosse manufatura, a Cacex do Banco do Brasil pedia a nós ou ao Roberto Leyendecker da Artex que dedicássemos alguns minutos a esclarecer os problemas de mercado ao exportador em potencial.

Nossas máquinas não eram terrivelmente sofisticadas na época, portanto entre o equipamento trazido e adaptações e criações locais a empresa conseguiu crescer e chegar aos anos sessenta produzindo um bom volume e uma qualidade internacional de tesouras, facas e talheres. Mesmo antes do chamamento à exportação de produtos não-tradicionais, da criação de incentivos fiscais de 1964, a empresa já iniciara cuidadosamente exportações. Com os incentivos fiscais chegou a ser uma das primeiras a ultrapassar um milhão de dólares de exportações.

Esta experiência me foi passada nos primeiros seis meses após meu recrutamento. Uma vez dominada a profissão em si comecei a analisar o mundo em que me achava. Percebi que com preços bons e produto de qualidade conseguíramos uma carteira variada de clientes. As maiores vendas eram para o Canadá, Estados Unidos e Alemanha. A diretoria, toda ela com raízes européias mantivera vínculos que haviam aberto portas. Na América do Sul o melhor cliente era o Chile, que posteriormente, através de várias empresas sempre vi como o primeiro objetivo de peso nas Américas. Os chilenos compravam bem, pagavam bem, e o relacionamento com eles era tão aberto e franco como aqueles relacionamentos que tínhamos na Europa e América do Norte. A África do Sul era comparável ao Chile. Na verdade exportávamos a todos os continentes, e nos situávamos na categoria dos produtos caros, de qualidade.

No que dizia respeito a problemas de mercado e qualidade dependíamos de nós mesmos, donde podíamos resolvê-los. Contudo havia um mundo inteiro de problemas que dependiam de uma ação do governo. Os custos portuários, os custos de taxas aplicadas pelo governo, que por um lado nos incentivava a exportar e por outro não enquadrava os custos de serviços que influenciassem as exportações dentro de custos mundiais.

Sempre que reclamávamos ao governo de que os nossos fretes eram duas ou três vezes mais altos do que os mundiais ouvíamos que isso era incompreensível. O Lloyd Brasileiro participava de todas as conferências de frete do Brasil para o exterior, donde eles conheciam os custos portanto os fretes estavam corretos. Dentro das conferências o Lloyd tinha a voz mais forte, com um peso sempre próximo a 50%.

Hoje, o Lloyd tendo quebrado sabemos claramente que o Lloyd Brasileiro devia ser uma das empresas de navegação mais mal administradas no mundo. As empresas armadoras privadas enriqueceram com os fretes praticados à época, enquanto o Lloyd soçobrou. E esses fretes acabaram por ser retirados do caixa do Tesouro, pois para nos mantermos competitivos o governo aumentou o incentivo fiscal federal. Ou seja, subsidiava o que não precisava ou não devia. Bastava uma desregulamentação, não dar preferência a navios de primeira bandeira (brasileiros) ou segunda bandeira (membros estrangeiros da conferência) e os exportadores teriam contratado fretes negociando cara a cara com qualquer empresa de navegação do mundo. A fidelidade ao cartório nos custava caro em lugar de nos garantir preços melhores.

à época, num simpósio de estudantes comentei que o Brasil não devia forçar a barra com os serviços, deveria se concentrar em produzir, reduzir custos e ganhar mercados, deixando que as companhias de navegação fizessem seu próprio caminho. Fui taxativamente contradito por um mestrando de economia, gerente de Cacex em Santos, que dizia que o Brasil teria de dominar tudo e que tinha condições de fazê-lo.

Essa situação perdurou por 25 ou 30 anos. Em 1980 era mais barato adquirir tubo de aço para indústria de mobiliário no Japão, trazer de Kobe a Paranaguá, do que adquirir da Pérsico Pizzamiglio ou da Mannesman. E ainda havia um agravante. O preço dos japoneses era com 180 a 270 dias para pagar enquanto as nacionais cobravam à vista e ainda deixavam incertezas quanto ao suprimento. Estávamos pagando os preços diferenciados dos produtos siderúrgicos, mais caros internamente que na exportação. A Coréia em 1993 tinha nove a dez vezes a produção de tubos de aço do Brasil, sendo seu mercado interno menos da metade do mercado brasileiro.

Essa situação vigorou em todos os serviços. Seguros para transporte, seguros de responsabilidade civil de produtos destinados aos Estados Unidos e Europa tinham de ser efetuados aqui se a venda fosse Custo+Seguro+frete. Sempre pagávamos a proteção ao produtor nacional. E o pior é que as seguradoras não tinham jogo de cintura. Um dia ao chegar em casa do escritório recebi um telefonema do Canadá. Um navio com, entre outras, carga nossa se desgarrara por falha do motor no Rio São Lourenço. Acabara encalhado. O rebocador dos práticos do São Lourenço havia salvado o navio e agora, como a tripulação abandonara o navio, era dona do navio e da carga. Ponderei que era problema para as seguradoras, da companhia de navegação, do armador e nossa. O problema era que havia peças a bordo destinadas a uma indústria, com contrato de fornecimento na base de “just-in-time”. Um processo desses poderia durar muitos anos. Nós podíamos perder o cliente, e certamente pagaríamos uma multa maior que o valor da carga.

Mas nosso despachante em Montreal falara com o pessoal dos práticos, e eles realmente não queriam um longo litígio pela carga. Queriam mesmo arrancar o couro do armador Se pagássemos uns dez porcento eles liberariam nossa carga . Tirei da cama o agente de seguros. Horas depois me disse que não podia fazer nada, pois passaria da companhia de seguros para avaliação do IRB, para depois liberar dólares, coisa de meses. Mesmo considerando o pagamento quase certo de US$ 250.000,00 contra meros US$ 25.000,00 fora as perdas de negócios e multas à nossa empresa, nada podia ser feito.

Acabei pagando os dez porcento, transferindo-os de um dos escritórios no exterior. Depois negociei com a seguradora, que independente do IRB pagou aqui no Brasil em moeda nacional. Depois a seguradora tratou de se acertar com o IRB e acredito que ao longo dos anos tenha conseguido resultados.

Mas o que isto ilustra, assim como a quebra do Lloyd Brasileiro, é que se abarcava o mundo com as pernas, sem criar uma estrutura que de fato fomentasse resultados positivos, que atendesse as necessidades de quem fazia a roda do comércio girar. Seno seu navio afundasse não havia problema. Havia uma certa experiência. Qualquer coisa mais sutil era impossível.

Mas, com o passar dos anos, surgiram centros de excelência em muitas especialidades no Brasil. Por exemplo, o soja nunca deu problemas. Os sojicultores produzem, os esmagadores esmagam e fazem óleo e torta, os comerciantes exportam, os armadores embarcam e temos conversado. Nuca houve um Instituto Brasileiro da Soja ou Instituto Brasileiro do Suco de Laranja. Já o IBC passou a funcionar bem, afinal de contas, não existe mais e portanto não cria maracutaias mirabolantes.

Os últimos três anos temos visto um país salvo pelo empreendedorismo. O empreendedor não olha para os lados, desempenha seu papel e ponto final. De vez enquanto leva um rude choque quando o governo não controla a aftosa ou aceita uma imposição chinesa sem permitir que os comerciantes, legítimos afetados instruam o diplomata que irá negociar.

O que me preocupa, é que isto pode piorar e piorar muito. Não está nos dogmas dos políticos do atual governo deixar alguma coisa sem criar uma entidade que responda a um Ministério ou Grupo Executivo ou Conselho. Todo o passado dessa gente é baseado em economias de gestão centralizada. Nenhum deles bateu ponto no lado administrativo de uma fábrica. Na realidade há professores, dos que passam dos dezoito aos 22 se graduando, dos 22 aos 24 fazendo mestrado, dos 24 aos 26 se doutorando e depois vão ensinar a fazer coisas que nunca fizeram. São gênios. Aos trinta tem uma tremenda reputação. Mas nunca fizeram nada. E vão coordenar a economia, a indústria, o potencial turístico?

Preocupa!

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