24 de abr. de 2008

Deplorável sucessão de escândalos

por Jarbas Passarinho no JB Online

Os escândalos neste governo têm sido tão irritantemente sucessivos que chega a ser surpresa não encontrar, na mídia, o relato do escândalo do dia. Desde a vergonhosa troca pelos deputados venais, dos votos pelo dinheiro a favor do governo, apelidada de mensalão, não param novas revelações constrangedoras e revoltantes. Chamamos a esse mar de corrupção de inerentes à democracia.

O primoroso Giovanni Sartori, em sua Democratic Theory, a respeito da confusão das definições de democracia, uma boutade de Eliot, em que ele, perplexo, diz que quando um termo se tornou universalmente santificado, como o é a democracia, pergunta-se se significa algo concreto, em face da multiplicação de significados atribuídos à democracia. Aduz Sartori: "Discussões acerca de democracia, argumentos pró e contra, são intelectualmente inócuos, porque não sabemos acerca do que estamos falando". Logo, a nossa democracia está incluída nessa confusão generalizada digna da Torre de Babel.

O presidente Lula se empenha de corpo e alma para proteger sua ministra da Casa Civil, no mais recente escândalo, o do dossiê, seqüela dos cartões corporativos em que a burocracia, que lembra a Nomenklatura soviética, pelos privilégios, um deles gastar o dinheiro de todos nós, os contribuintes. Ele faz tudo, junto aos seus súditos da base aliada, para evitar que ela tenha de explicar – se puder – o porquê da seleção do banco de dados o que consta de gastos realizados por FH e sua digna esposa, que um jornal especifica: "vinhos caros, comidas finas, fraldas e óculos", pagos também por meio de cartões corporativos.

Trata-se de uma arma de intimidação à oposição com assento na CPI que pretende pôr a nu o excesso de gastos do gverno atual. Outrora, chamava-se a isso chantagem, mas é um termo muito forte para invocar quando visando diretamente o mais alto magistrado da nação. Vale o cacófato, porque danação é o que expressa nosso estado de alma, ao ver que tipo de democracia é este e que vivemos.

A respeitada ministra Dilma afirma peremptoriamente que, no amplo âmbito de seu ministério, ninguém é culpado da existência do dossiê, (uma palavra que lembra ACM com os seus). A seu ver trata-se de "um vazamento de dados sigilosos". À falta de um Sherlock Holmes, serve-se de uma auditoria de que fica encarregado o Instituto de Tecnologia de Informação para descobrir o autor ou autores do vazamento. Estranho, porém, é que esse instituto é diretamente subordinado a ela e já parte da premissa da palavra da ministra de que os seus subordinados estão livres de suspeita. De mim, seria bom o povo, da Bolsa Família ou não, saber como se faz a farra dos cartões.

Quanto ao vazamento, pouco importa. Pouca diferença faz se o abuso é deste ou do governo anterior. O essencial é desvendar-se quem e como se gasta o dinheiro público, desbragadamente, depravando-se um instrumento, em si, adequado a governo sério, onde a senhora Matilde Ribeiro, quando a cargo do ministério da Igualdade Racial não exageraria seu encargo a verificar nos free shops se essa igualdade está sendo lesada. Depois de flagrada, pede demissão, e o presidente a elogia fraternalmente e encontra a razão da denúncia: foi preconceito racial. Só que a Controladoria-Geral da União, ao inventariar despesas gerais feitas com cartões, mostra que dona Matilde é a terceira na lista dos mais gastadores.

Outro ministro, posto que não seja isso sua missão oficial, vai ao Rio de Janeiro, para acompanhar os Jogos Pan-Americanos e assistir os atletas na companhia de um ministro estrangeiro, que nos cabia homenagear. Para isso, leva a família toda, passagens, hotel de cinco estrelas e restaurante fino, para fazer jus à nossa tradição de bons hospedeiros.

Lula, que ainda não esqueceu a vaia inesperada que lhe secou a voz de sua habitual logomaquia, acha o procedimento do ministro normal. Já o controlador-geral vangloria-se de haver apurado centenas de casos, "na maioria improcedente o abuso" e diz: "A ex-ministra da Igualdade Racial, o da Pesca e o do Esporte até ressarciram o erário". O grifo do pronome é meu, porque ele soa como um elogio. Essa é a nossa democracia e é melhor seguir o adágio de Sartori...

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