26 de out. de 2006

Impunidade ou responsabilidade? - por Márcio Del Cístia

Resumo: Mesmo na atual anarquia constitucional deste nosso ridículo arremedo de democracia, o poder emana do povo.

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Em uma roda de amigos, comentando-se as atuais condições políticas, saltou a proposta cômica de uma ‘maisoumenoscracia[*], na qual os governantes se comprometeriam a não descambar para uma desvairada, obsessiva, absoluta e mui canalha busca por poder e riquezas, mas se limitariam a serem ‘mais-ou-menos’ mentirosos, ‘mais-ou-menos’ ladrões, ‘mais-ou-menos’ obcecados pelo Poder... de maneira que sempre houvesse chances para que outros mais pudessem ser ‘mais-ou-menos’ mentirosos, ladrões, egomaníacos, canalhas...

Desesperança? Talvez aquele cinismo jocoso que se desenvolve como defesa à realidade insuportável. É, dói menos se se pode rir...

Mas, subjacente ao bom-humor, desvela-se a crença na imutabilidade das degradantes condições presentes. Efetivamente, tal como certos tipos de terreno premiam a seleção e multiplicação de plantas específicas, campos sociais – por características prevalescentes – atraem seletivamente tipos específicos de perfis caracterológicos.

Pensando dos efeitos para as causas, ou, dos atuais privilegiados do Poder, para as estruturas institucionais facilitadoras, conclui-se que temos um pântano político, ou melhor, sócio-político, fértil em pestilências. Foi a sociedade civil – nós – quem os pusemos lá e permitimos fazer o que fazem.

Tal como parece que nosso corpo de leis foi criado por advogados para que advogados enriqueçam, nossas instituições de governo – começando pela Constituição – parecem estruturas normativas oriundas da Lei do Gerson, priorizando o benefício dos perversos – ‘ideológicos’ ou em causa própria.

E não obstante a cambada comuno-esquerdótica-progressista sempre se destaque como insuperável, temos visto que independentemente das ideologias vigentes – ou sua absoluta ausência - a corrupção e os crimes por abuso do Poder tendem a uma constante. E constante que se incha celeremente pela arrogante e descarada criminalidade, escudada no Poder e na evidente convicção de impunidade.

Sabemos que esta impunidade – ou mesmo sua razoável possibilidade – é o mais eficaz adubo jamais idealizado para a multiplicação do crime. A facilitação dos meios, fornecida pela forma das instituições, mais a garantia de impunidade oferecida pela alienação da sociedade civil – nós, outra vez – moldam um convite irresistível para os pré-humanos movidos exclusivamente pela ambição de Poder e riquezas fáceis. E o pior é que estes, sanhudamente desprovidos de escrúpulos mínimos, criam um campo mortífero para a honestidade e para os honestos.

Nossa natureza humana, enquanto espécie, não mudará a curto ou médio prazo.

Mesmo nas culturas saudáveis fatalmente surgirão ervas daninhas, perfis psicopatológicos voltados a predar bens e vidas alheios – e entre estes, uns tantos abrirão caminho para o poder estatal. Como um todo, nossa espécie transita por uma adolescência frequentemente infantilóide. Entre alguns poucos absolutos disponíveis, vincamos a necessidade de limites à imaturidade pré-consciente. Tal como os adolescentes necessitam de balizas para o certo-e-errado, nossa jovem humanidade – enquanto não desenvolve madura e generalizada consciência crítica - precisa de padrões limitadores aos impulsos primários. Óbvio, não é?

Para formalizar socialmente tais limites instituíram-se as leis. E o que é ‘lei’? Cedo a palavra ao genial Frédéric Bastiat: (Lei) é a organização coletiva do direito individual de legítima defesa. Implícito aí o fato, nem sempre claro, que o direito individual – à Vida, à liberdade e à propriedade – é anterior e precedente em relação às leis e sua única origem válida.

Acredito que as idéias de intenção e proporcionalidade são implícitas ao conceito de Justiça: a lesão acidental por imperícia a direito alheio será menos criminosa que aquela intencional e tirar a vida muito pior que roubar carteira. Ululante, n’é mesmo?

Então, o que é mais grave – roubar um indivíduo ou todo um povo?

O pé-de-chinelo que, empunhando um tresoitão, nos leva a carteira também nos cria dúvidas sobre a eficácia da segurança pública. Mas o canalha entronizado na sinecura do Estado nos rouba – além do dinheiro oriundo do trabalho, vertido em impostos - a confiança nas regras de convívio e na própria idéia de Justiça, na valência maior da honestidade, de respeito aos direitos, como princípios normativos de uma vida sadia e produtiva. Enquanto exemplo, é foco de mortal corrupção destes valores, pelos quais a humanidade tem pago rios de sangue e oceanos de esforços. Um tal canalha nos lesa em algo muito maior e valioso que dinheiro: destrói a confiança, item fundamental e essencial à formação de grupos sociais saudáveis. Sua ausência é o princípio do caos e bica de ditaduras, dentre as quais, a mais corruptora e lesiva tem sempre perfil esquerdopata.

Entretanto, o usual é que apenas o ladrãozinho menor passe pela experiência de castigo (algo agora menos freqüente, desde que comunóides progressistas passaram a fazer leis defensoras dos “direitos humanos do criminoso”). O criminal engravatado responsável por atuação imensamente mais lesiva sai-se sempre – ademais de impune – rico e respeitado como “Sua Excelência”.

O que resta então do conceito de justiça? Como ficam os princípios de intencionalidade e proporcionalidade?

Mesmo na atual anarquia constitucional deste nosso ridículo arremedo de democracia, o poder emana do povo. Cabe a nós, povão, agora e sempre, manifestar nossa vontade e exigir seu cumprimento.

Nada nos impede de exigir aos representantes eleitos, a criação de leis com sanções duras para tais crimes; um códex prescritor de punições crescentes em severidade na razão direta do poder exercitado pela função pública, em obediência ao princípio de proporcionalidade.

Todo funcionário público, a partir de certo nível de responsabilidade, teria uma metafórica lâmina suspensa sobre sua cabeça – tanto mais pesada quanto maiores os poderes e responsabilidades funcionais. As mais mortíferas, suspensas dos mais delicados fios, sobre os juízes da Suprema Corte.

Um elenco de sanções cuja certeza e temibilidade dissuadissem a priori os mal intencionados, abrindo espaço político para aqueles realmente motivados pela vocação de Serviço.

Nenhum candidato honesto, e seguro da honestidade de suas intenções, se oporia a isto. Tal como os deputados e senadores honestos lutaram pelo voto aberto: quem nada deve, nada oculta. Nem teme.

Talvez que possamos em breve começar a discutir uma tal barreira dissuasória.

Como evidenciado pelas pesquisas de opinião – não pelos números, mas pelo que intentam ocultar – Geraldo Alckmin ganhará a presidência. Ao longo de anos vem demonstrando inteligência, competência, coragem e integridade. Não creio ser exageradamente otimista ao ver nele o crescente perfil de estadista motivado pela vontade de Bem Servir. Mais que provável que venha a ter a mais difícil gestão presidencial em nossa sofrida história, e mais que qualquer outro antes, precisará do apoio persistente, corajoso e infatigável de seus eleitores, obviamente a mais lúcida porção de nossa gente.

Que ele possa iniciar a higienização da coisa pública, lançando finalmente os alicerces de uma nação em que os brasileiros possam, com segurança, construir sua verdadeira e rica humanidade.

Que assim Deus nos ajude.

[*] O crédito pelo neologismo pertence ao Dr.W.Zusman.

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