21 de out. de 2006

Democracia absolutista - por Rafael Vitola Brodbeck

Resumo: Deputados, presidentes, prefeitos podem ser escolhidos pelo voto. Nunca os conceitos de verdade, de ética, de bem. Estes são pontos a guiar nossas escolhas, e não objetos das mesmas, descartáveis conforme a opinião das massas.

© 2006 MidiaSemMascara.org

Inegável que a democracia seja um valor. O erro moderno, contudo, é considerá-la valor absoluto, ao qual tudo o mais pode e deve ser sacrificado. Como toda idéia que tende a sobrepor-se à realidade, também a democracia corre o risco de tornar-se ideológica.

A análise dos fatos mais evidentes – e um mínimo de filosofia clássica, não sua deturpação sectária e iluminista ministrada em sala de aula, pode ajudar nesse sentido – fornece-nos um dado irrefutável: nem tudo é motivo de escolha, nem tudo deve ser eleito por uma maioria. Nisso está que a verdade, o bem, não são objetivos de pleito democrático algum!

Como a democracia, também a monarquia e a aristocracia são valores, segundo o esquema aristotélico-tomista. Livres somos para a adoção de um ou outro, bem como para mesclar as três formas ou duas delas. Equivoca-se o monarquista, v.g., quanto, tornando sua opção valor supremo, único, acaba defendendo a monarquia absolutista. Do mesmo modo, a democracia pode ser degenerada, convertendo-se em algo como uma “democracia absolutista”.

Na monarquia absoluta, confere-se ao soberano poder de decisão sobre todas as coisas, colocando-o acima da moral e do direito. Algo semelhante ocorre com a mania contemporânea de endeusar a democracia: dá-se ao povo condições de decidir, de modo absoluto, sobre o bem e o mal, e, com isso, corrompe-se o valor, originalmente bom. Serve a democracia para a escolha de governantes e representantes. Aí, sim, ela cumpre seu papel – que, aliás, não é único, dado que as demais formas políticas são igualmente válidas. Criamos um monstro quando o princípio democrático é transportado para outros campos, e, de relativo, seu valor torna-se absoluto.

A maioria da população não tem direito algum de, por eleição, legitimar atos contra a verdade. A mentira não se muda em verdade por vontade popular. O erro não se transforma em direito. A democracia não tem, pois, o condão de autorizar, nem por unanimidade, o homicídio, o furto, o estupro. Pelo mesmo viés, não compete ao povo nem ao Parlamento, no qual se assentam seus representantes, aprovar normas permissivas ao aborto, ao extermínio de embriões humanos, à eutanásia, ao confisco da propriedade privada, à impossibilidade – via desarmamento – do exercício da legítima defesa.

Todo o poder emana do povo? Todo? Para Heinz Krekeler, a soberania popular absoluta é uma tese jurídica perigosa, pois, a prevalecer, insinuaria que o povo (ou o Parlamento) poderia decidir acabar com a própria soberania popular, substituindo-a pela tirania aceita pela maioria.

A democracia absoluta tem o poder de extinguir a democracia em si. Se o monarca deve respeitar uma ordenação maior, sob pena de instaurar um regime absolutista, também na democracia a lei natural e a moral precisam ser observadas.

Deputados, presidentes, prefeitos podem ser escolhidos pelo voto. Nunca os conceitos de verdade, de ética, de bem. Estes são pontos a guiar nossas escolhas, e não objetos das mesmas, descartáveis conforme a opinião das massas.

Ainda que todos queiram o erro, não tem ele direito a triunfar!

"Como demonstra a história, uma democracia sem valores pode converter-se facilmente em um totalitarismo aberto ou encoberto." [*]


[*] Dom Anthony Frontiero, do Conselho Pontifício de Justiça e Paz da Santa Sé, em intervenção na Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa, em Varsóvia.
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Culpa in vigilando - por Cícero Harada

Resumo: Quando da crise do mensalão, o presidente disse que fora traído, mas não identificou os traidores. Agora, não sabe de nada. Engraçado esse argumento. Vale para ele, Lula, mas não para Berzoini que foi por ele afastado.

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Os fatos e atos estão aí. Mensalão, sanguessugas, dinheiro em peça íntima, um milhão e setecentos mil reais em dinheiro vivo apreendidos nas mãos de petistas no dia 15 de setembro, no Hotel Íbis em São Paulo, para a aquisição de suposto dossiê contra o candidato da oposição.

De onde vem o dinheiro? É a pergunta que todos nos fazemos. Agora, o presidente da CPI, deputado Antônio Carlos Biscaia do PT-RJ, afirma: não tenho a menor dúvida de que a origem do dinheiro é criminosa. O levantamento já permite dizer que não há, no período (fim de agosto até 15 de setembro), saques lícitos.

A oposição está em polvorosa, porque as investigações parecem caminhar na celeridade da tartaruga. Querem o acompanhamento da OAB, explicações da direção da Polícia Federal, representam contra Lula, pedem a oitiva do Ministro Thomaz Bastos no TSE que reage contra essa intenção denominada por ele de República do Galeão, em alusão aos interrogatórios dos idos de agosto de 1954 aos suspeitos do atentado da rua Toneleiro no Rio.

Descontada a polarização eleitoral, as instituições estão funcionando. É bom que funcionem. Não vejo motivo para que a OAB venha a ser chamada para fiscalizar. Não é essa a sua função. Isso não quer dizer, porém, que os órgãos competentes não devam concentrar sua atividade no deslinde dos fatos e atos graves alinhados, para trazer a público com celeridade o resultado das investigações.

E se a solução não sair antes do segundo turno?

Perderá a situação. Por quê?

Por um motivo simples. Só se esconde o que é ilícito, criminoso, ilegal. O que é lícito e legal é compatível com a luz dia, com a transparência. Se alguém perguntar a qualquer um de nós de onde vem o dinheiro de nossas carteiras, respondemos com tranqüilidade. Não há necessidade de longa investigação policial. O presidente chama carinhosamente essas pessoas, executores em tese de crime eleitoral, de meninos. Qualifica a ação deles de sandice inominável, burrice. São tresloucados meninos. O candidato da situação reproduz a conversa que teve com o menino Ricardo Berzoini: “olha, quero saber quem fez essa burrice. (...) porque isso é de uma sandice inominável. Ele me disse que não sabia. Falei: Ricardo, você como presidente do partido, tem obrigação de apresentar uma resposta. Ele não fez. Eu o afastei da coordenação da campanha”.

Quando da crise do mensalão, o presidente e candidato da situação disse que fora traído, mas não identificou os traidores. Agora, tanto como Berzoini, não sabe de nada. Não sabe quem foram os mandantes dos meninos. Não sabe de onde veio o dinheiro. Diz, com simplicidade, que um pai não sabe, na cozinha, o que o filho faz na sala.

Engraçado esse argumento. Vale para ele, Lula, mas não para Berzoini que foi por ele afastado.

Um pai pode até não saber o que faz um tresloucado filho, mas se o menino atropelar alguém na rua com o seu carro, ele responde. Não lava as mãos com tranqüilidade. É a culpa in vigilando (culpa em vigiar) que se origina na falta de diligência, atenção, fiscalização, vigilância. Portanto, se as investigações não terminarem antes das eleições, Lula perde com isso. Perderá muito mais, se encerrarem antes do segundo turno? Certo é que são tantos os atos criminosos dos traidores e tresloucados tão próximos a ele que a nação, no mínimo, é vítima da culpa in eligendo (culpa em escolher) e da culpa in vigilando de seu presidente.

O autor é advogado, Procurador do Estado de São Paulo e Conselheiro da OAB-SP

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